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Culturas Africanas Documentos da Reuniao de Peritos sobre « As Sobrevivéncias das Tradigées Religiosas Africanas nas Caraibas e na América Latina » Sao Luis do Maranhdo (Brasil) 24-28 de Junho de 1985 Unesco CC-86/WS/37 INDICE Pagin = Nota de Orientagdo oc ccceeeseeeeceeeeeeseeeteeeeeteeeeeeees 1 - Relatério final... 8 Patakin : literatura sagrada de Cuba........-esseeeeeeseeees 66 por Rogelio Mart{nez Furé As sobrevivéncias das tradigées religiosas africanas en trés estados das Caraibas......ssseescesececeeeeeenene ee eeneeee 101 por Laénnec Hurbon S40 Jodo Baptista e $40 Jodo Congo (Reinterpretacdo e Criacdo da Religiao de Sobreviver Africano na Venezuela).........+ 117 por Jesus Alberto Garcia As sobrevivéncias das tradigées religiosas africanas no Haiti 128 por Max Benoit Tradigoes e prdticas religiosas negro-africanas na regido de Sao Paulo. eae teen e eee eeee sees eee eres 139 por Fabio Leite Religiées de origem africana no Maranhdo...... 156 por Sergio Figueiredo Ferretti As religides de origem africana do Brasil : denominacdo, origens, cultos novos e outros pouco conhecidos.......e.s-es0e0e 173 por Yeda Pessoa de Castro - Religides negras de origem banto, particularmente a umband Rio de Janeiro..sseeseeseee seeeeeeee 197 por Helena Theodoro Lopes A cultura nagé no Brasil : memoria e continuidade....-.s.sseeeeee 235bis por Deoscoredes M. dos Santos e Juana Elbein dos Santos A contribuigdo especial das mulheres ao Candomblé do Brasil..... 272 por Pierre Verger Um estudo sobre as divindades iorub4, Fon, Banto, com os lugares de culto no Brasil €, em paralelo, os nomes das divindades correspondentes em Africa e a sua Localizagd0....sseeeeeseeseeeee 291 por Pierre Verger Religiao africana e relagdo de forgas......-.e.eeeeeee por Honorat Aguessy tenes 309 Heranga religiosa e espiritual em Africa crengas, praticas - valores culturais e morais - valores de civilizagéo e vida social 333 por Alfred Kpazodji Ahanhanzo Glélé e Gabriel Agossou Hound jrébo Alapini NOTA DE ORIENTAGAO le O presente coléquio sobre “as sobrevivéncias das tradicbes religiosas africanas nas Caraibas e América Latina" é organizado segundo o plano de trabalhos adoptado pela Conferéncia Geral na sua vigésima-segunda sessdo : Programa e Orcamento aprovados para 1984-1985, pardgrafo 11274. Esta reuniéo estd no seguimento da que se realizou em Cotonou em 21-25 de Marco de 1983 sobre "As contribuicdes culturais dos Negros da Diaspora a Africa", cujos relatério final e conjunto dos documentos s4o publicados na brochura que tem o mesmo titulo. 2. 0 objectivo é estudar como vivida, hoje em dia, a heranca religiosa espiritual africana (crengas, praticas e valores culturais e morais) @ em que medida as tradicdes religiosas de origem africana enformam e estruturam a vida quotidiana dos descendentes de Africanos, que mais nio seja nas sociedades pluri-étnicas e multi-culturais da América Latina e das Caraibas. 3. Nas pesquisas sobre o intercdmbio cultural entre a Africa, as Américas e as Caraibas, julga-se necessdrio e itil fazer o ponto dos conhecimentos e aperfeicoar as andlises. Levantam-se assim algumas questées com cuja definicdo se ganharia, a saber : i) Que tipo de tradicSes religiosas ou cultos de origem africana podem ser assinalados ou s4o conhecidos nas sociedades da América do Sul e das Caraibas? Conviria fazer o ponto sobre os conheci- mentos acerca do “candomblé", do "macumba", dos “orixds" no Brasil; do "vodum" no Haiti; do "kumina" na Jamaica; do “winti” no Suriname; do "xangé" na Trindade e Tobago, etc. ii) Em que niimero existem? Qual & ou quais sdo as suas denominacées, por um lado em Africa, por outro nas Américas? Qual é, nas Carafbas e na América Latina, a implantacéo das religides ou cultos vindos de Africa? iif) Trata-se de "religiao(Ses)"? Qual é a sua cosmogonia, o seu pensamento ou filosofia? Que valores culturais, que cédigo de comportamento e de moralidade, que conceito do homem e do universo séo veiculados por esta ou estas religises? Quais sdo as suas estruturas e as suas funcées? iv) Alguns entendem que de modo algum se trata de religiao mas antes de tradicdes religiosas e, até mais, de sobrevivéncias, e portanto de fésseis, de objectos de museu. Outros, em contra~ partida, nas prdprias Américas, defendem que se trata de ver- dadeiras religides ou de cultos bem vivos e dinamicos, entendendo até que esses cultos ou religides séo mais auténticos do que na propria Africa, por nao terem sofrido nenhuma deturpacdo cultural no contacto com as outras culturas da regiao ou do mundo. v) vi) vii) Os participanes, os das Américas como os de Africa, tanto 08 pesquisadoes e os tedricos como os adeptos e os chefes de cultos, sd convidados a, por meio de debate, aprofundar a seguinte quetdo : - cosmogonia «cosmologia : deus(es), divindade, vida e morte = 0 culto dossortos; a vida depois da morte; 0 bene o mal; a justica, «felicidade, ete. - cultura e vdores morais que estas religides veiculan 0 ritual = 0 corpo sacedotal = 08 iniciadose os ritos de iniciacto = 08 adeptos ~ os simpatizates e/ou consumidores de religides africanas ~ a magia e a eiticaria = 0s chefes deculto (babalad, bokono) - 08 curandeirs - lugar e pape das mulheres e dos homens ~ as sociedade secretas. As religiées eos cultos vindos de Africa ainda praticados nas Américas : quem os professa; quem os pratica? De que forma séo elesvividos? Unicamente pelos descendentes de Africanos? Certas crencase praticas,comoa festa anual de “Iemanja", nio so agora comus a toda a sociedade brasileira da Bahia e do Rio, por exmplo? Como explicar estes cultos populares e inter-étnico? Que categorias sociais procuram o "babalaé", © chefe de culo, por exemplo? Sugere-se que Coldquio inventarie e determine, na medida do possivel, a diferentes tradicdes e prdticas religiosas africanas. © "candomblé" rasileiro é ou nao diferente do"Vodum" ou do “orixa" africao? Ra ced@ncias dm culto ou duma religido a outro(a)? Nio se poderd falar d: um sincretismo interafricano no Novo Mundo? Em Salvador daBahia, por exemplo, o "assen", objecto de culto "fon" (Benim, ex-Daomé), n&o é utilizado em vez do “ojuori, com o ichan foruba"? Os objectos do culto sdo os mesmos hoje nas Américas que em Africa? Encontram-se sem divida instrumentos de misica, tambores (hun, gunpli, hunpli"...) que lembram os utilizados em Africa. Trata~se duma caracterfstica prépria de um grupo étnico ou de especialistas? Como so formados os misicos? Que é feito da lingua litirgica, a linguagem re~ ligiosa? Como explicar os lacos que parecem indissoliveis entre as prdticae religiosas ¢ as Linguas africanas? Como se transmite a linguagem religiosa de geracdo em gerac%o? Quantas pessoas apreendem, ou quantas compreendem, o sentido das oracdes e canticos religiosos em linguas africana: Existem lugares (conventos) de iniciacdo? Existe, como em certas regides de Africa, tais como o pafs fon-gun (os "jéje") no Benim, uma Linguagem esotérica que s6 aqueles que estao consagtados ao culto de uma divindade ("Xangé", "Bagnani", "Oxum", "Nanaburucu".. conhecam e pratiquem nas ceriménias de iniciacdo? viii) Que percepcdo tém os Afro-Brasileiros, por exemplo, da ou das religides africanas? £ surpreendente constatar quanto os Afro- -Brasileiros ficam admirados pelo facto de nem todo o negro- -africano ser consagrado a uma divindade, ou nao se identificar, por exemplo, a Oxum ou Xangd. 0 intercdmbio de conhecimentos entre tedricos e préticos vindos dos dois lados do Atlantico poderd ser enriquecedor, sobre este ponto; com ele se deveria clarificar melhor o lugar eminente das religides ou tradicées religiosas africanas nas sociedades do Novo Mundo. ix) Este intercd@mbio poderia contribuir para definir em que medida a religido influencia, inspira ou enforma o comportamento e os hdbitos (modos de pensamento e de vida, no plano social, cultural, econdmico e politico) das populacdes, com condicdes de vida diferentes, num ambiente hostil e de isolamento. x) Este Gltimo ponto leva a interrogar-nos sobre o seu papel histérico (durante o tr4fico negreiro e a escravatura) e no mundo contem- pordneo : um refiigio? Uma forma de resisténcia e de afirmacdo duma identidade cultural? Mas ndo poderia perguntar-se se a religido africana, ou pelo menos "as sobrevivéncias das tradiches religiosas africanas", ndo é hoje, na América Latina e nas Carafbas, ou nao poderd ser, percebida como uma recusa a integracio na sociedade global nacional? Ou ent4o, se ela no poderia ser uma das componentes dinamicas da sociedade nacional num pafs como Brasil, mas como? ha mesma perspectiva, podemos interrogar-nos sobre a tolerancia, considerada frequentemente como uma virtude africana, e as relagdes (de coexisténcia, de tenséo...) com as outras religides, e:pecialuente o cristianismo e as religides amerindias professadas € praticadas na regido. HA quem qualifique com frequéncia as “sobrevivéncias das tradicdes religiosas africanas" no Novo Mundo, de sincretismo. 0 que hd exactamente? Nao se deveria antes falar de justaposic&o ou de empréstimos espirituais de uma religido 3 outra, ou pelo menos de supersticées e de préticas? Além disso, pode ser instrutivo e enriquecedor conhecer o estatuto oficial das religides ou cultos africanos nos pafses da regido : os “candomblé", o “terreizo" encontram-se reconhecidos, garantidos protegidos pela lei, ao mesmo titulo que outros estabelecimentos de culto? xi) Por outro lado, no poderemos deixar de nos interrogar sobre o futuro das religides, tradicdes religiosas ou dos cultos africanos. Nao tenderiam a sua actualidade e a sua vitalidade a ilustrar quanto — contrariamente a certas afirmacdes — as culturas africanas, longe de serem frdgeis no que elas tém de essencial e de especifico, se encontram bem vivas e dindmicas? Encontrar-se-do estes cultos e tradicées condenados a nao ser mais do que folclore e resticios de um exotismo ultrapassado e caido em desuso? xii) Resta-nos perguntar se as religides africanas podem induzir 0 desenvolvimento econémico, social ou mesmo politico, Com efeito, hd quem fale duma "religiao de Libertacdo", baseando-se na teologia negra. 0 que é que isso significa? Qual é a sua problem4tica? Quais s4o os seus principios (o dogma), as suas estruturas e os seus objectivos culturais, socio-polfticos e econémicos? Quais s4o os seus aspectos nacionais ou interna~ = - cionais? Como situd-las em relacdo As outras religiées e doutrinas sociais (pdsitivismo, marxismo-leninismo, cristianismo, islao, etc.)? Desempenham algum papel no desenvolvimento como processo global de libertacdo e de realizacdo do Homem? 0 Homem é por elas representado, ou ndo, como fim (finalidade) do desenvolvimento? Por entre as sobrevivéncias das tradigdes religiosas africanas no Brasil, onde situar o culto "umbanda", ou o "santeria" de Cuba? Poder-ce-4 falar de movimentos milenaristas? Duma cultura ou duma civilizacdo religiosa ou espiritual de origem e de inspirac4o africanas, nutrida e favorecida pelas permutas entre a Africa e 0 Novo Mundo? Tantas sdo as perguntas a que nos conduz 0 tema do presente coldquio : "as sobrevivéncias das tradicdes religiosas africanas nasCaraibas e na América Latina", a A fim de facilitar e de alimentar a reflexdo e as discussdes. sdo postos a disposicdo dos participantes os seguintes estudos, preparados a pedido da Unesco atakin", Sacred Literature of Cuba : R. Martinez FURE (Patakin", Literatura Sagrada de Cuba) (Ref. CLT/85/CONF.801/3) = Les survivances des traditions religieuses africaines dans trois Etats de la Caraibe : L. HURBON (As Sobrevivéncias das Tradicdes Religiosas Africanas em trés Estados das Carafbas) (Ref. CLT/85/CONF.801/4) a - 7bis - AGENDA PROVESORIA Abertura EleicSes do Bureau Exame aprofundado dos seguintes temas : a) Conceito de religiko(Ses) africana(s) ou sobrevivéncias de tradicdes religiosas africanas — diferentes expressdes e inter- pretacdes em Africa, nas Américas e Caraibi bd) Panorama da religi&o ou das tradicbes religiosas africanas nas Américas e Caraibas (quadro comparativo e denominacio dos cultos e agrupamentos religiosos — origens africanas — regiio ou grupo étnico — implantacao na regio). c) A vida da religiao ou dos cultos de origem africana no Novo Mundo, nos nossos dias. 4) Funcéo espiritual, socio-cultural, pol{tica da religiao ou dos agrupamentos religiosos de ascendéncia africana nas sociedades contemporneas do Novo Mundo. e) 0 futuro da religifo ou das sobrevivéncias das tradicbes religiosas africanas no Novo Mundo. Propostas de pesquisas, de publicac’o e de meios de difusao dos trabalhos, e modalidade de intercimbio entre especialistas, tedricos € prdticos da religiao africana dos dois lados do Atlantico. Encerramento. RELATORIO FINAL 1. 0 presente Coléquio sobre "As sobrevivéncias das tradicées religiosas africanas nas Caraibas e América Latina" é convocado pelo Director- “Geral da Unesco em cumprimento do parfgrafo 11274 do plano de trabalho adop- tado pela Conferéncia Geral na sua vigésima-segunda sessdo : Programa e Orca- mento aprovados para 1984-1985. Esta reunido est& no seguimento da que se realizou em Cotonou de 21 a 25 de Marco de 1983 sobre : "As contribuicdes culturais dos Negros da Diaspora a Africa", cujos Relatério final e conjunto dos documentos publicados na brochura que tem o mesmo titulo foram distribufdos aos participantes. Convidados a titulo pessoal, os peritos(*) a seguir designados : a) assistiram a reuniao : Sr. Wande ABIMBOLA (Nigéria) Sr. Gabriel Alapini AGOSSOU (Benim) Sr. Honorat AGUESSY (Benim) Sr. A, AHANHANZO (Benim) Sr. Max BENOIT (Haiti) Prof. BUAKASA Tulukia Mpansu (Zaire) Rev. P, Waldeli COSTA (Brasil) Sra. Nair CULL (Brasil) Sr. D. dos SANTOS (Brasil) Sra. J. Elbein dos SANTOS (Brasil) Sr. J. D. ELDER (Trindade e Tobago) Prof. Sergio F. FERRETTI (Brasil) Sr. Rogelio Martinez FURE (Cuba) Sr. Laennec HURBON (Franca) Sr. Abel KOUVOUAMA (Congo) Sr. Fabio LEITE (Brasil) Prof. Argeliers LEON (Cuba) Sra. Helena Teodoro LOPES (Brasil) Sr. Jorge MACEDO (Angola) Sr. MBOUMBA Moulambo (Gabao) -10- Sra. Yeda PESSOA DE CASTRO (Brasil) Sr. Frank 0. PILGRIM (Guiana) Sra. Marta VEGA (Estados-Unidos de América) Sr. Pierre VERGER (Franca) Dr. Manuel ZAPATA OLIVELLA (Colémbia) (*) Nomes e moradas no Anexo I b) nfo assistiram & reuniao : St. P. FERTIN (Guadalupa) Sr. J. GARCIA (Venezuela) Sta. M. CARNEIRO DA CUNHA (Brasil) Sr. Esmeraldo E. de SANTANA (Brasil) Rev. Anténio Ol{mpio de SANT'ANA (Brasil) Sr. Peter FRY (Brasil) 3. 0 Ministério das Relacdes Exteriores da Repiblica Federal do Brasil esteve representado pela Sra. Ménica NASSER. 0 Ministério da Cultura da Repéblica Federal do Brasil esteve representado pelo Sr. Carlos MOURA. A Sra. Ménica Nasser e o Sr. Carlos Moura assistiram 4 totalidade do Coléquio. 4, 5S. -ue OrganizacSes convidadas pela Unesco : Société Africaine de Culture 18, rue des Ecoles 75005 PARIS, Franca Institut Culturel Africain 14, avenue Président Lamine Guéye P. Ol DAKAR, Senegal Centre International des Civilisations Bantu BP, 5847 LIBREVILLE, Gabao Centro de Estudos Afro~Asiaticos Universidade Candido Mendes Rua da Assembleia, n° 10, 5° Andar CEP 20,011 RIO DE JANEIRO, Brasil Fundacdo Pré-Meméria SCN - Quadra 2 Bloco K 70.710 BRASILIA D.F., Brastl Centro de Estudos Afro-Brasileiros Super Quadra Sul, 208 Bloco E apt. 203 BRASILIA 0.F. CEP 70,254, Brasil Centro de Estudos Africanos da Universidade de Sao Paulo Caixa Postal 8105 SAO PAULO S.P, Brasil Fundaco Joaquim Nabuco c.P. 1595 50.000 RECIFE - Pernambuco Brasil Numerosos observadores brasileiros e nao brasileiros seguiram os trabalhos do Coléquio. =e 6 0 Director-Geral da Unesco esteve representado pelo Sr. Maurice Glélé, Director a.1., Divisio dos Estudos e da Difusio das Culturas. 0 secretariado fot assegurado pelo Sr. Augustin Gatera e pela Sra, Barbara Wheaton-Castillo, da Divisio dos Estudos e da Difusio d: Culturas, e pela Sra. Jeanne Sawaya do "Bureau" da Unesco em Brasilia. 1 A ceriménia de abertura foi presidida pelo Sr. José Maria Cabral Marques, Reitor da Universidade Federal do Maranhdo, em representacéo do Chefe do Estado. Ao declarar abertos os trabalhos do Coléquio (ver Anexo II), © Sr. José Maria Cabral Marques fez questo em desejar as boas vindas a todos os participantes brasileiros e estrangeiros. Além disso, em nome da comunidade da Universidade do Maranhdo, manifestou o seu reconhecimento @ Unesco e a autoridades do Governo Federal do Brasil por terem escolhido Sao Luis para acolher o Coléquio, e enderecou os mais efusivos agradecimentos a todos aqueles que contributram para que o Coléquio tivesse lugar em Sao Luis. Concluiu dizendo : "Orgulhamo-nos das nossas origens étnicas e da cultura que delas resultou. Estamos identificando, estudando e pesquisando todos os aspectos da nossa cultura para conhecé-los mais e melhor e ... preservar © nosso verdadeiro patriménio cultural.” 8 Apés ter saudado individualmente cada um dos parti- cipantes, o Ministro da Cultura do Governo Federal, S. Exa. 0 Prof. Alufsio Pimenta (ver Anexo III), lembrou que, ao aceitar o Ministério, ele se compro metia a dar um grande impulso ao trabalho de pesquisa das raizes da cultura brasileira tendo em conta todas as suas componentes : africana, amerindia © europeia Declarou em seguida que nessa pesquisa, que se fard em estreita cooperacdo com as universidades, seria dada prioridade as culturas africanas -13- € indias que "tinham sido vitimas do esquecimento da Grande Patria Brasileira”. Formulou o voto de que a América Latina pudesse orgulhar-se da sua negritude ¢ das suas tradicdes culturais africanas. Por outro lado, o Senhor Ministro congratulou-se pela escolha da cidade de Séo Lu{s devido as suas tradicdes intelectuais e ao seu caracter multiracial e pluri-étnico, factores que caracterizam fundamentalemente a sociedade brasileira. © Brasil de declarou o Sr. Ministro, redescobrir a sua riqueza cultural que assenta na multiplicidade; facto que esté em pleno processo de concretizacio + "tsso 96 poderd realizar-se através da democracia, que é propicia a superacao dos conflitos sociais e a definic#o da identidade do Brasil como nacdo. Finalmente o Ministro realcou a importancia do Coléquio, actuando como revelador dos conhecimentos acerca de um dos aspectos mais importantes da cultura brasileira e favorecendo o estabelecimento de comparacées entre todas as culturas da América Latina e das Caraibas, sendo o estudo das praéticas religiosas um meio extraordindrio para um maior aprofundamento do pluralismo cultural dessa regido. £, em conclusdo, o Ministro prestou homenagem a acco da Unesco, por ela fomentar o estudo das diferentes culturas do mundo e as relacées inter-culturais. % Intervindo em nome do Sr. Amadou Mahtar M'Bow, Director- Geral da Unesco, e apés ter agradecido ao Governo da Repiblica Federal do Brasil bem como as autoridades do Estado e da Universidade Federal do Maranhdo 0 acolhimento que fizeram ao Coléquio, o Sr. Maurice G1é1é convidou os peritos a iniciarem um debate de fundo sobre o tema do Coléquio (ver Anexo IV). Situou 0 Col6quio no 4mbito da missao e dos programas da Unesco que visam favorecer o conhecimento e a promocio de todas as culturas com vista a uma maior compreensdo entre os povos. Precisou que, como fim de permitir um -ue diglogo vivo e frutuoso, a Unesco tivera o cuidado de convidar nao sé perso~ nalidades conhecidas pelos seus trabalhos sobre o tema do Coléquio, como também autoridades responsdveis pelos cultos e que, por isso, possui: um conhecimento {ntimo e directo do facto religioso africano. Por fim © representante do Director-Geral da Unesco, colocando a reunido sob os auspicios dos Antepassados, de acordo com as tradicdes culturais africanas, convidou DAH KPAZODJI Ahanhanzo e Alapini AGOSSOU a fazerem uma oferenda (agua, cola e dlcol) 4 meméria e aos manes dos antepassados negro-africanos, amerindios, asiaticos e europeus dos povos da América Latina, das Caraibas e da Africa. 10. Na sua alocucdo (ver Anexo V), o Secretério de Estado da Cultura do Estado do Maranhdo, Sr. Dr. Jomar Moraes, felicitou-se pela escolha da cidade de Sao Luis, “uma das principais cidades negras do Brasi. para a realizacdo do Coléquio sobre "As sobrevivéncias das tradicdes religio~ sas africanas nas Carafbas e na América Latina". Declarou que este Coléquio se inscreve entre as realizacdes mais positivas em que o Brasil e especial- mente a cidade de Sdo Luis participam. A histéria do Negro — declarou — € 0 testemunho da intolerancia, da opressdo e da injustica dos preconceitos, contrarios aos principios de igualdade. Concluiu dizendo que esperava que este Coléquio permitisse identificar as sobrevivéncias culturais africanas que fazem, agora, parte integrante da identidade cultural brasileira. aL. 0 Sr. Maurice Glélé presidiu a constituicdo do Bureau que ficou com a seguinte composicao : - Presidente : Sr. Sergio Ferretti ~ Vice-Presidentes : Sr. Frank Pilgrim Sr. R. Martinez Fure Sr. A. Kouvouama a seguince ord. 2. 3. -15- - Relator : Sr. H. Aguessy - Relator adjunto : Sr. L. Hurbon Este Bureau foi eleito por unanimidade; foi adoptada de trabalhos : Abertura Eleicgdes do Bureau Exame aprofundado dos seguintes temas : a) b) ce) d) e) Conceito de religiao(des) africana(s) ou sobrevivéncias de tradicées religiosas africanas — diferentes expressdes e inter- pretacdes em Africa, nas Américas e Caraibas. Panorama da religiZo ou das tradicées religiosas africanas nas Américas e Carafbas (quadro comparativo e denominacao dos cultos e agrupamentos religiosos — origens africanas — regio ou grupo étnico — implantac& na regiao). A vida da religiao ou dos cultos de origem africana no Novo Mundo, nos nossos dias. Fungdo espiritual, socio-cultural, pol{tica da religifo ou dos agrupamentos religiosos de ascendéncia africana nas sociedades contemporaneas do Novo Mundo. © futuro da religiao ou das sobrevivéncias das tradicdes religiosas africanas no Novo Mundo. Propostas de pesquisas, de publicacéo e de meios de difusdo dos trabalhos, e modalidade de intercambio entre especialistas, tedricos e praticos da religiao africana dos dois lados do Atlantico. Encerramento. -~ 16 - 12, Articularam-se os debates & volta da Nota de Orientacéo preparada pelo Secretariado da Unesco e dos documentos apresentados pelos peritos. 13. Ponto A da Agenda : Conceito de religiao(Ses) africana(s) ou de sobrevivéncias de tradicées religiosas africanas ~ diferentes expressdes e interpretacdes em Africa, nas Américas e nas Carafbas. ~ Clarificacdo conceitual Qs participantes empenharam-cse em definix com que fundamento se deveré utilizar o plural ou o singular para designar a reali~ dade religiosa na Africa, na América Latina e nas Cara{bas. Sobre este ponto, alguns participantes mantiveram-s atentos a pluralidade das religides africanas enquanto que outros insistiram em afirmar a identidade profunda existente entre elas. Se o plural reteve a atencio de alguns participantes, foi pelas seguintes razées : ~ Se se civer em linha de conta as diferentes manifes- tagdes religiosas, verifica-se que elas varian de um pas africano para outro : os nomes das religiGes, os nomes dos deuses, os nomes das divindades, os rituais ndo sfo os mesmos. £m Africa, no caso da cultura iorubd, por exemplo, @ propésite do "culto dos antepassados", nfo é verdade que o egungun & diferente do oro ? Que os vodum sao diferentes para os Fon 7 Ser4 a concep- so do pantedo nas diversas culturas da Africa do Oeste semelhante 4 da Africa Central 7 -UW- Na América Latina e nas Cara{bas, serd que o Candomblé & identific&vel com a Macumba ? Nao é verdade que cada terreiro é auténomo na organizacdéo do seu ritual ? Ser& que o processo de iniciacio é 0 mesmo no quadro de um orixf como no de um vodum ? Apesar da evidéncia dos dados exteriores mostrando a pluralidade das religides africanas conforme ela acaba de ser indicada, outros participantes insistiram em demonstrar a identidade da concepcdo religio: Para eles, néo seria justificdvel passar da pluralidade di apelacdes a pluralidade das concepcées religiosas. Ndo se justificaria igualmente passar da diferenca doa ritusis ou do processo de iniciacdo a afirmacdo da pluralidade radical da aspiracéo religiosa. No entanto, nenhum dos participantes quis ater-se a uma atitude pré-estabelecida, rigida e fixista, eventualmente adquirida antes do Coléquio. Cada um procurou compreender porque razéo uns insistiam no plural, outros no singular. & foi assim que todos chegaram a conclusio de que o plural e o singular nfo se situam ao mesmo nivel : - 0 plural baseia-se na constatacio da profusao das diversas manifestacdes religiosas cuja diferenca € evidente; - 0 singular afirma~se ao nivel dos aspectos fundamentais da religiosidade africana e das suas expresses na América Latina e nas Carafbas. - 18 - Em resumo, hé caracter{sticas e valores comuns que sub-tendem e sustentam as variadas manifestacdes de religiosidade. Embora as formacées religiosas concretas e as manifestacdes de religiosidade histo- ricamente identificadas sejam plurais, as aspiracées religiosas, os valores, os elementos ou caracteres fundamentais da religiosidade africana implica © reconhecimento do singular. 0 plural indica uma constatacio baseada numa nocdo e numa concepcao usuais, enquanto que o singular se encontra fundamentado num conceito erftico. Esta pergunta inscreve-se logo a partida num quadro ideolégico onde a relaco das forcas impie a sua designacio mais do que a realidade a justifica. Que a gente fale de "fetichismo", de “animismo", de “politeismo", de “idolatria", de "culto dos antepassados" ou de “sobre- vivéncias", etc., 0 conceito utilizado ndo é neutro. 44, na utilizacdo destes termos, conforme reconheceram os participantes, menosprezo e depreciacSo da pratica religiosa apesar de dindmica e enriquecedora. Perante tais apelacdes, duas atitudes sdo possiveis : - ou se considera que elas nao tém importancia em st, dado que as palavras ndo tém um sentido rigido, mas tém empregos cujos contextos de utilizacao é necessario identificar. = 0u entao devemos interrogar-nos sobre as razées profundas que levam a empregar estes termos depreciativos e pejorativos - 19 - para designar as praticas religiosas de certos povos e ndo as de outros. A partir daf, 0 Africano, o Carafba, o Latino-Americano, néo podem senao rejettar og entendidos e subentendidos do teruo “sobrevivéncias". No entanto, a rejeicdo da palavra "sobrevivéncia" pode ndo resultar das mesmas motivacdes nestes ou naqueles grupos africanos, carafbas ou latino-americanos. £ assim que determinados indiv{duos e grupos podem rejeitar o termo "sobrevivéncia” por Ihes parecer que a sua pratica religiosa nada tem a ver com a Africa. Outros intervenientes podem, pelo contratio, rejeitar as implicacdes do termo "sobrevivéncias" - como alias o fizeram numerosos participantes - porque elas colocam entre parénteses toda a dinamica e todo o enorme conjunto de valores enriquecedores de que dio testemunho as religides de origem africana. Sobre este aspecto, os numerosos exemplos fornecidos pelos participantes mostram a vitalidade destas religides e permitem afirmar, ultrapassando as dificuldades do quadro hermendutico em que se interpreta quaiquer religido, que a religiao de origem africana se impée pelas seguintes caracteristicas : ~ elabora uma concepcdo do homem ndo-instrumentalista; ~ prope uma configuracdo geral do unjverso onde o papel desempenhado pelo homem no esta hipotecado pela angistia, a obsessio do pecado; = 20 - = promove, de maneira optimal, as relacdes entre o homem, a natureza e o universo. #, segundo reconheceram e afirmaram os participante: uma mensagem de paz promovedora das sociedades, mensagem de exaltacio revigorante para o individuo, mensagem de tolerancia realizadora pata os grupos sociais, que a religiao de origem africana comporta em si. A expresso "resisténcia" foi proposta por alguns participantes para se substituir ao termo "sobrevivéncias", enquanto outros Propuseram a expr. 4-= Diferentes expresses ¢ interpretacses em Afric nas Américas e nas Carafbas Este aspecto esteve constantemente ligado aos dois aspectos anteriores, do ponte A da ordem do dia. A ideia essencial, constantemente exprimida pelos participantes acerca deste aspecto, é a necessidade de inserir a compreensao dos casos tao ricos evocados no Brasil (Bahia, Rio de Janeiro, Séo Paulo, So Lu{s do Maranhao, etc.), em Trindade, em Cuba, na Jamaica, Guiana, Guadalupe, Martinica e no Haiti, no contexto histérico das sociedades cuja accdo foi ritmada e sustentada por essas religides. -2a- Ponto B ~ Panorama da religiao ou das tradigdes religiosas africanas nas Américas e nas Caraibas A insisténcia posta pelo Representante do Director-Geral da Unesco sobte a necessidade de proceder a um inventario sistemético dae tradicées religiosas de origem africana conhecidas (vivas ou extintas) levaram os participantes a um interc&mbio de conhecimentos (que se revelaram muito ricos) sobre a natureza e a evolucdo das religides praticadas e os respectivos locais de implantacdo na América do Sul e nas Caratbas. B,_- ImplantacHo, denominacéo e origens dos cultos no Brasil Deu-se relevo aos seguintes pontos : = 0s escritos antigos que abordam este assunto - Certos locais privilegiados de espiritualidade Os cultos nagd, fon, banto, amerindios, nas suas relagdes dialécticas : a restruturacdo dos cultos Qs dominios de estudos ou de conhecimentos ainda obscuros © fendmeno de infiltracio exogénea. escritos : Ouviram-se com frequéncia os nomes de Paulo Barreto e Arthur Ramos, Situando-: alguns participantes mostraram, por um lado, os fendmenos religiosos que em relacio a estes autores, eles tinham identificado e que sofreram transformacées radicais; por outro lado, 08 fendmenos religiosos que tinham escapado 4 sua apreensio. No que se refere aos locais ou Estados do Brasil onde proliferaram as religides de origem africana, os peritos do Brasil assinalaram -22- quotidianas dos seus adeptos, que encontram satisfacdo num quadro inter-étnico, atenua qualquer veleidade em pretender realizar inventarios exactos e positi- vistas. Segundo um outro ponto de vista, o invent&rio dos lugares de culto que a polfcia pode realizar estard certamente apto a prestar algumas informacdes sobre estes lugares, mas ndo poder dar uma lista exaustiva e fidedigna dos mesmos. Foram feitas algumas perguntas acerca da predominancia dos cultos nagé-ioruba : - Em que medida se estudaram todos os lugares de culto com igual interesse e objectividade ? ~ Que impacto terdo as actuais consideracées exogéneas no favorecimento desta predominancia ? - Porque é que desaparecem antigas casas de culto banto para aparecerem em seguida substituidas por cultos nagd-ioruba 7 - Como explicar o prestigio de que gozam agora em varios centros, urbanos ou nao, os orixé ? Todos estes problemas levaram os participantes a inter- Togarem-se sobre se ndo hé dominios de conhecimento ainda obscuros, em matéria de casas de prticas religiosas, e, nomeadamente, se o estudo das casas de culto banto e, em menor grau, 0 das casas de culto ewé, fon, etc., Mereceram suficiente atencao ! -23- entre outros : Bahia, Rio de Janeiro, Sao Paulo, Sao Luis, Espirito Santo, Rio Grande do Sul, etc. No concernente as relacgées dialécticas entre os cultos conhecidos, os participantes salientaram a importancia das divindades de origem nagé-iorubaé. Nao hd - acrescentaram ~ praticamente nenhuma regiao brasileira em que a religido de origem africana seja viva que ndo testemunhe da predominancia dos cultos nagé-iorubé. Neste contexto, Bahia e Rio de Janeiro aparecem como sendo as cidades que abrigam os centros mais notérios dos cultos nagé-iorubé, sem que isso signifique que estes cultos estejam completamente ausentes noutros s{tios. Para mais, no estado actual dos conhecimentos sobre os orixd no Brasil, prevalece a impressao de que nao h4 orixd de Africa que ngo esteja representado no Brasil. Mas, predominancta nao significanda exclusividade, as divindades fon, ewé, banto, estdo implantadas aqui ou ali em centros importantes de Sdo Luis, So Paulo, e existem igualmente na Bahia e no Rio de Janeiro. Quanto a identificacéo dos lugares de culto, um esforco considerdvel foi j4 desenvolvido pela introducdo em computador de numerosas casas de culto, tendo em vista proceder a um inventério exaustivo. Esta computorizacdo levou os peritos a precisarem que est4 fora de questao que este invent4rio sistematico seja abordado de uma forma mecanica : o funciona- mento poderoso e eficaz de certas casas de culto confrontadas as necessidades = he Foi por fim analisado pelos participantes um fenémeno de corrosdo e de desagregacéo interns » devido dos cultos de origem africa 4 infiltracdo concertada e insidiosa por parte de determinados movimento B, = Implantagdo, denominagdo ¢ origens dos cultos em outros pafses de América do Sul Foram evocados casos concretos no que respeita aos seguintes pafses : Venezuela, Colémbia e México. Na Venezuela, um participante assinalou a existéncia de cultos de origem africana, dentre os quais sobressaiem os seguintes : 1) 0 "Culto de Maria Lionza", que sintetiza elementos religiosos africano: elementos do catolicismo popular e do espiritismo, sem esquecer os elementos amerindios. 2) 0 culto xangé, que resulta da influ@ncia de Trindade. 3) 0 "Santeria" de Cuba e o culto Lucumi. 4) 0 culto orix de origem iorub& encontra-se sobretudo nos Estados da Costa da Venezuela. 5) A festa de Séo Jodo, por exemplo, é uma manifestacdo, de um outro género, da sintese da influéncia africana e do catolicismo popular. Insistiu-se sobre a necessidade de aprofundar as investi- Bacdes nesta regiao. - 25 - Sobre a Colémbia, um perito fez a observacao de que ndo havia exemplo de cultos de origem africana enquanto ta: mas que havia sobretudo um processo de sincretismo religioso. No entanto, dangas como 0 Porro, o Bullarengue e 0 Currulao contém sem divida alguma elementos culturais africanos, mas cujas origens religiosas se teriam perdido. Relativamente México, um outro perito mencionou © trabalho de pesquisa actualmente em curso sobre a presenca cultural africana. Assim se encontra a implantacdo dos cultos na América Latina. B,_- Implantacio, denominacao e origens dos cultos nas Caraibas Também aqui foram mencionados casos precisos a propésito dos seguintes paises : Cuba, Haiti, Martinica, Guadalupe, Trindade e Tobago, Jamaica. Guba No respeitante a Cuba, os peritos registaram, segundo @ exposicio de um investigador esclarecido, a exsténcia de tradicées religiosas de origem africana, das quais as principais sio : 1) As tradicgées religiosas Lucumi, de origem ioruba, mas que contém alguns elementos sincréticos superficiais do catolicismo e do - 6 - espiritiemo. Manifestam-se sob a forma de "Santeria", Pensa-se que elas vém de Oyo, de Iyesa e de Egbado. 2) Ae tradigées religiosas Arada* que tém a sua origem na tradicZo fon e ewé mas séo pouco estudadas. Aparentam uma grande similitude com 08 cultos Vodu do Danxomé e do Togo, tanto na sua variedade extraordinéria como na semelhanca dos nomes dos cultos. 3) A tradiclo religiosa “Palo de origem banto, mas que tende progressivamente a desaparecer pelo facto de uma sincretizacio répida com elementos de origem espanhola. HA sobretudo Mayombe, Palo Monte, Briyumba. 4) A tradicio religiosa vodum, mais recente, vinda do Haiti no fim do século XIX. 5) A tradicao religiosa Carabali de origem Efik e Ibidio - As suas manifestacdes sao Brikamo e Abakua. 6) 0 espiritismo em Cuba compde-se de elementos complexos do Catolicismo popular, do Kardecismo e da religido africana * Sobre as tradicdes religiosas de origem fon, podem ser identificados, no panteo religioso cubano, os seguintes nomes de vodum : Xevioso, Avlekete, Mase, Age, Dazodji, Afra, Nana Buluku, Mawu-Lisa, Hale, Nesuxwe, Aripreti, Asojano, Fa, Nanagosi, Tegbesu, Yosu, Sesi Masu, Sogbo, Bade, Xoxo, Gou. - 27 7) 0 "Sanga" & de origem nao identificada ainda, embora um participante pense que vem do Danxomé (regido Cové-Zou). 8) Riqueza das préticas religiosas de origem africana na provincia de Matanzas, 9) Existéncia do culto de Nesuxwe (da fam{lia real do Danxomé) e dos ritos funerdrios fon-ewé. Haiti Segundo um orador, o Haiti representa um caso especial, nfo s6 de interferéncia de elementos religiosos africanos com elementos de outras origens desde 1503 (data da chegada dos primeiros Africanos a este pafs) como também de harmonizacdo do espaco religioso dos negros pelo Vodum. A independéncia e a evasio dos negros devem-se ao Vodum que tornou poss{vel "o Juramento do Bosque Caiman" em 14 de Agosto de 1791, onde duzentos delegados de cem "tribos" diferentes reuniram para tomar a decisdo de conduzir a luta até a vitéria, gracas 4 unido sagrada. Desde os primeiros momentos da independéncta (1 de Janeiro de 1804), multiddes de escravos recém-libertos puseram-se a edificar templos Vodum ou hounfo e, especialmente, a retomar sem complexos suas préprias tradicdes religiosas africanas. =~ 2 - Apesar das perseguicdes violentas sofridas pelo Vodum, sobretudo a partir de 1860, constata-se uma importancia crescente das religides africenas na vida quotidiana, cultural e politica, em todas as classes sociais, seja enquanto fonte de todas as artes que floresceram no Haiti (nomeadamente escultura e pintura) ou da literatura tanto escrita como oral. cerdotes @ 0 Vodum apresenta~se com um corpo de com iniciados, templos, uma cosmogonia que se enriquece de dia para dia, e uma diversidade de cultos, de que hd nomeadamente a referir : - 0 rada, de fonte fon - 0 petro e 0 Congo, de fonte banto. A isto se junta uma organizacio eficaz do espaco, em funcdo do sistema das crencas africanas. Alguns dos mais relevantes lugares de espiritualidade so suito conhecidos no pais, como por exemplo : Ville-au-Camp, Nan Campéche, Nan Soucri, Nan Souvenance. As festas do Santo Padroeiro fornecem aos adeptos do Vodum a ocasido de celebrar as divindades ou loa, Trata-se das festas de : - Saut d'eau (1mportante lugar de peregrinacdo) - Nossa Senhora de Mont Carmel - Saint Yves : do lado da cidade de Anxe 4 Veau = 29+ ~ Saint Jacques : no Norte do pais - Sainte Philoméne : igualmente no Norte do pais. E inegével - salientou um interveniente - que Haiti representa o pals em que as religides de origem africana manifestaram o maior vigor, a maior resisténcia e a maior homogeneidade, tanto mais que as praticas da inquisicdo contra o Vodum sé acabaram verdadeiramente por volta de 1946, Martinica e Guadalupe Desde hé uma dezena de anos - declarou um participante - que um movimento de renascimento das tradicées culcurais em geral néo ocidentais se afirma, Para os “evoluidos", 6 a Iingua crioula e a mGstca popular (o Groka) tém sido revalorizadas. Mas no seio das camadas populares, podemos falar de revitalizacdo das cradicdes religiosas africanas semelhantes ao Vodum. As tradicdes religiosas africanas manifestar seguintes casos : Sistema de dons : trata-se, seja da eleicdo por um espirito que tenta fazer-se reconhecer através de um individuo; seja de fontes de conhecimentos terapéuticos; seja de um verdadefro sistema inielatico. - Persisténcia de um vocabuldrio das tradicdes reli- giosas africanas nas préticas ditas de magia. 0 orador prosseguiu dizendo que se continua a penalizar estas préticas e que sé agora se comeca, pouco @ pouco, a reconhecer a presenca da Africa nas tradicdes religiosas populares da Martinica e da Guadalupe. -30- A dificuldade principal do reconhecimento da Africa - concluiu - continua a ser a forte estrutura da religido do colono que permaneceu opressiva quanto @ mentalidade de dominacdo e a interpretacio da histéria da Guadalupe e da Martinica. Jamaica Na Jamaica ~ declarou um participante - Qbeah & de longe a mais antiga tradicdo religiosa. Obeah é, por isso, a mais antiga tradico religiosa das Carafbas angléfonas. Trata-se de uma apelacio genérica que designa toda a forma de manifestacio religiosa, no seio das populacdes da Jamaica, relativa a dominios tao diversos como a “bruxaria", a "feiticaria”, a interpretacdo dos sonhos, a farmacopeia, etc. £ um termo genérico que se refere & ordem dos espiritos ou do sobrenatural. © myalisme é outra manifestacio religiosa de origem africana que, j4 no século XVIII, reteve a atencio das autoridades da Jamaica aquando da resisténcia da populacdo de origem africana. Mais tarde, o Kumina e o Pocomania impuseram-se 4 atencgao. & sobretudo no sefo das camadas populares que os encontramos. Se 0 Pocomania parece desaparecer progressivamente, ele est no entanto a ser substitufdo por numerosos cultos novos. Merece ser assinalado também o Jonkunnu, espécie de Egungun visivel na Jamaica, sobretudo em periodo de festa. ~31- Trindade e Tobago Se o Xangé se impde & atencdo desde que se fale deste pais, convém precisar que ele constitui, num certo sentido, uma metéfora para exprimir ricas tradicdes religiosas africanas onde se afirmam, por um lado, os Orixd de origem forubé &, por outro lado, os ritos “radi 1) 0 Xangé enquanto tal é a divindade do trovaéo. Foi a nova nomenclatura das divindades pela pratica do sistema de adivinhacao ifa que deu a Xangé os seus novos atributos em Trindade e Tobago. Estes novos atributos podem ser detectados nas seguintes consideracSes, se compararmos o Xang@ de Trindade e Tobago a divindade Xangé dos Iorubé : - 0 Xangé € mandgamo e s6 tem como mulher Oya. bb: e Oshur sHo divindades auténomas no pantedo de Trindade e ninguém se atreve a consider-las como esposas de Xango. = Muitos outros atributos o diferenciam do Xangé dos Ioruba. 0 atributo dominante 6 aquele que se refere ao fogo. 2) Os Orixd que se podem encontram em Trindade e Tobago sio : - Oshossi, Ode, Erinle e Ajaja referem-se a tudo o que esta ligado 4 Floresta. - Oya, também chamada lyesan, que tem sido comparada a Santa Catarina e cuja cor é verde. = Osanyin ou Orsain : pai da farmacopeia. £ assimilado a So Francisco de Assis. A sua cor é amarela e branca. - 32 - = Iemanjé, conhecida como divindade da agua, protectora dos pescadores e marinheiros. £ assimilada a Santa Ana. - Obatala, chamado Elufun, aesimilado a Sao José ou 3) Os ritos rada : Trata-se de tradicées religiosas provenientes de Allada, de Abomey, de Ouidah, de Porto Novo, cidades do ex-Daomé donde vieram, para Trindade e Tobago, alguns Vodum com funcées paralelas ae dos Orixa dorub&. 0 pais é herdeiro assim de uma casa de culto muito famosa em Belmont, Port of Spain. Em conclusio do exame do ponto B, os participantes, felicitando-se embora pelas contribuicdes que uns e outros deram para definir correctamente o panorama da religiao de origem africana nas Américas e Caraibas, entendem que é indispensavel e urgente proporcionar um esforco de estudo e de inquérito mais sistemAticos a fim de aperfeicoar a elaboracdo do quadro comparativo dos cultos de origem africana. S6 uma metodologia apropriada, adaptada as dificuldades € obst&culos do campo de estudo e de inquérito, e acrescida de uma maior vigilancia intelectual, pode permitir o avanco deste empreendimento : inquéritos clissicos, observacio atenta das festas onde se expandem certas” praticas habitualmente condenadas a clandestinidade, atencdo prestada a alguns aspectos conexos ligados 4 religiio, tais como a misica, etc. -33- Um dos participantes ilustrou a eficdécia da metodologia que se debruca sobre o aspecto musical das religides, revelando elementos de estudos dteis relativos 4 Lumbalu (a propésito dos mortos, em San Basilio, Colémbia), assim como aos Alabados, aos Romances, aos Giiali, ao currulao, etc. Estes cipos de cantos religiosos permitem discernir a manifestaco da inspiracdo das religiées de origem africana na Colémbia. Ponto C : A vida da religigo ou dos cultos de origem africana no Novo Mundo, nos nossos dias E Ponto D : Funcdo espiritual, socio-cultural e politica da religiao ou dos agrupamentos religiosos de _ascendéncia - africana nas _sociedades contemporaneas do Novo Mundo Convidados a abordar, em conjunte, estes dois pontos da ordem do dia, os participantes procederam a trocas de experiéncias muito Gteis para por em evidéncia, nfo sé a vitalidade dos cultos de origem africana, como também o papel e 0 estatuto dos adeptos destes cultos no dinamismo das sociedades em questéo. Foram sublinhados e analisados pelos participantes numerosos exemplos e experiéncias; exemplos e experiéncias relatives, entre outros, a cidade de Nova Lorque. Nesta cidade, o sistema de lucumi é, desde ha trinta anos, objecto de um desenvolvimento extremamente instrutivo. Em resposta =e As aspiracées de uma grande comunidade negra e urbana, cujos membros oriundos de diversas nacionalidades estavam em busca das suas raizes, a vinda a Nova Iorque de um babalad foi de uma extraordinaria eficdcia espiritual e cultural, sobretudo se tivermos em conta o seu cardcter transcultural, nesta cidade de cinco milhdes de descendentes de Africanos num conjunto de oito milhées de habitantes. £ assim que se encontram em Nova Lorque o Vodum de Haiti, o Kangé de Trindade, o Candomblé do Brasil, o Santeria de Cuba e sobretudo © culto dos antepassados vindo de Porto Rico. Sao Luis e a experiéncia original da Casa das Minas, fundada no Brasil pela Rainha Agontinmé, mde do Rei Ghezo, condenada a deportacdo a seguir a um ajuste de contas no seio da fam{lia real, antes que o seu filho acedesse ao trono do Danxomé em 1818 e lancasse uma vasta operacdo em busca de sua mde. A comunidade da Casa das Minas, com base na fam{lia, continua a tradicdo religiosa real de Zomadonou marcada, por um lado, pela importancia da iniciacao, o segredo ascético dos grandes responséveis, a gerontocracia feminina, a complexidade dos ritos e, por outro lado, pela integracdo da comunidade no meio em que vive, de modo que as sujeicées rituais decorrentes da sua origem fon ndo excluem de maneira alguma as exigéncias de integracdo profunda no contexto socio-cultural e politico-econémico brasileiro. Rio de Janeiro e a vida da Umbanda : nova religiao nascida da inftltracio da Macumba pelo Kardecismo, Para alguns, esta infil- tracdo foi fatal para a Macumba, e a religido que daf nasceu, a Umbanda, poderia parecer j& nada ter de africano, apesar de os seus fundadores se =~ 35+ referirem ao carécter banto da Umbanda. Para outros, a infiltracdo da Macumba pelo Kardecismo est longe de tornar a Umbanda uma religiao extravertida quanto 40 seu aspecto africano, Pelo contrério, o simbolismo que influi na Umbanda é profundamente africano, apesar do seu aspecto exterior extravertido. Segundo estes intervenientes, a Umbanda deve ser apreendida no contexto de luca generalizada e de vontade de sobrevivéncia que caracterizam o quadro de vida no Rio. £ uma religio cuja referéncia nao é a pigmentacdo epidérmica. Trindade e a importancia do desenvolvimento da relig: Xangd : 0 contexto de Trindade que permite situar com exactidio o desenvolvi- mento da religiao é caracterizado pela opressio e a luta permanente que daf resulta, 0s trabalhadores negros de Trindade, quer sejam de origen Hausa, Ibo, Congo, Iorubd ou Arara, etc., fundem-se no mesmo crisol religioso que tem como figura de proa Xango. &m Trindade, abriram-se as portas aos Anvestigadores dedicados ao estudo da religizo hi apenas cerca de quarenta anos; no entanto, j4 é conhecida pelo mundo fora a rica profusao das divindades de origem africana tal como o indicou o ponto ») da agenda. A religiao de origem africana desempenha um papel importante na vida dos trabalhadores negros que tém que enfrentar a agressio dos burgueses e dos membros das classes médias que sd, com frequéncia, protestantes, as vezes catélicos, mas sempre cripto-adeptos nocturnos das religides africanas. As Carafbas e 0 aparecimento de novos cultos ligados ao _desejo fandtico do retorno ao pais dos antepassados : um orador sublinhou que, de um determinado ponto de vista, o culto novo mais em destaque é o Rastafarismo, nascido na Jamaica no fim de 1920 e principio de 1930. Este culto est4 directamente relacionado com duas figuras politicas importantes. - 36 - Por um lado, Marcus Garvey e o seu movimento de retorno a Africa, e por outro lado, o Imperador Hailé Selassié I, cuja subida ao trono e bravura na defesa do seu pais contra a invasio italiana por Mussolini marcaram verdadeiramente os espiritos no Novo Mundo, Tendo surgido na Jamaica com um ritual especifico e um cédigo de ética auténomo, o Rastafarismo nao parou de se estender a outros paises das Carafbas, e sobretudo entre os naturais das Carafbas instalados nas grandes cidades da Europa e dos Estados- “Unidos. A extensio e a fama muito répida que o Rastafarismo teve ndo deixam de estar relacionadas com a misica Reggae cujo inspirador, Bob Marley, deve ser considerado como uma figura importante da obra de afirmacio e de redenc&o a que o Rastafarismo se consagra. Experiéncia dos Abiku : Segundo uma Lalorixi de Sao Paulo, uma ceriménia especial & dedicada nascidas dos mesmos pais, eriancé que morrem uns a seguir aos outros, segundo uma série na qual prevalece a erenga de que é 0 primeiro filho da série que renasce para morrer de novo. Existem na América Latina, nas Caraibas e em Africa ceriménias id@nticas @ propésito deste drama. S80 Paulo e contradicSes sociais e psicolégicas a que as religides trazem um esquema de resolucio. Com efeito, 0 Candomblé representa um quadro de recriacdo continua da compreensdo do homem. Claro que seria errado dizer que, em So Paulo, toda a gente pertence ao Candomblé, observou um orador; mas o Candomblé possui e oferece estruturas e um enqua- dramento propicios A resolucdo de um certo niimero de contradicées geradas pela soctedade. £ assim que o Candomblé constitui a base da fundacdo de um humanismo capaz de impedir a divisdo interna do homem pela formulacdo de respostas aos seus problemas existenciais. -37- Tanto quanto o discurso, os némeros seguintes relativos ao desenvolvimento dos terreiros ou associacdes, a sua progressio e transfor- macio, podem elucidar sobre a situacdo das religides africanas em Sio Paulo : ANO UMBANDA ESPIRITISMO CANDOMBLE TOTAL Em 1950 1023 (54,9) 845 (45,3) 1 (0%) 1869 (1000) 1960 2836 (88,9) 268 (8,4) 83 (2,72) 3187 (1000) 1970 7627 (87,8) 202 (2,6) 856 (9,6%) 8685 (1000) 1980/82 1389 (82,8) 55 (3,4) 233 (13,8%) 1677 (1000) TOTAL 12875 1370 173 15418 Este quadro é extrafdo dos resultados dos inquéritos "A Umbanda em Sao Paulo - Meméria e Atualidade", Centro de Estudos da Religiao "Douglas Teixeira Monteiro" de Séo Paulo. Estes ndmeros obrigam a algumas consideracées + 1. A Umbanda e o Candomblé nao cessaram de progredir entre 1950 e 1970, mesmo se, para a Umbanda, esta progressio se cifra em milhares e, para o Candomblé, em dezenas ¢ centenas. 2. Entre 1970 e 1980/82, uma fase de decréscimo foi-se desenhando no desenvolvimento das agsociacdes ou terreiros. 3. 0 espiritismo continuou a sua descida. 4. Interrogando-se sobre a diferenca coneideravel que existe entre os nimeros indicando a quantidade das associacdes ou terreiros referentes & Umbanda e ao Candomblé, um interveniente pés a questao de saber se se podera dizer que, por um lado, as estruturas da Umbanda parecem = 38 - mais permefveis enquanto que as do Candomblé parecem mais exigentes e que, por outro lado, a qualidade dos servicos e da concepcio da religiosidade nao é a mesma nas duas religides. Cuba gulacdo da vida quotidiana do homem pe. todos os aspectos da vida dos crentes parecem estar regulados No que se refere aos novos sacerdotes e sacerdotisas, o seu comportamento obedece a prescricées que as narracées dos mitos indicam. Convém, disse um orador, insistir sobre a importancia da estrutura familiar tradicional e nomeadamente sobre as relacé estreitas que ela implica, bem como sobre a consciéncia histérica da sua especificidade que cada grupo familiar se honra em preservar e tranemitir de diferentes maneiras (os orixé espectficos das fam{lias, a entre-ajuda, a aprendizagem dos valores worais e religiosos, a narracio dos feitos heréicos, etc.). Mesmo nos nossos dias, em que a metamorfose operada no quadro familiar, tornando-o baseado na consanguinidade mas articulado 4 volta do Babalorixa, a ideia base da linhagem espec{fica est& Ivaguardada com as suas implicacées na nova maneira de conceber a fraternidade : 0 patrocinio, a fraternidade de santo déo-nos di: 0 mesmo ilustracao. A import@ncia do problema da linguagem religiosa nao é de menosprezar. Para um dos intervenientes, néo se trata de abordar © problema perguntando-se qual das linguas africanas é falada nos terreiros. £ preferivel compreender a maneira original como a mensagem simbdlica & transmitida e que géneros de sinais intervém na Linguagem do grupo. £ a altura de reconhecer que no seo do terreiro "tudo é sinal, e sinal de sinal" : uma danca, a cér de um colar, um ritmo de batuque, tal gesto das maos ou -39- de outras partes do corpo, @ configuracao dada pelos diferentes elementos que foram agrupados, etc., transmitem uma mensagem. HA, por conseguinte, sublinhou um interventente, o fendmeno que se poderia chamar "pacto semintico cultural do grupo”, propicio a garantia da sua continuidade simbélica. £ evidente que, neste conjunto de sinais de proveniéncias diversas que permitem fazer passat a mensagem, o sinal f6nico desempenha um papel importante. © Gabao e a experiéncia banto do Culto bwiti : Houve um participante que se ocupou desta questdo e que declarou que era bom conhecer este culto de origem gabonesa, que se encontra nos Camardes e sobretudo na Guiné Equatorial. Sendo verdade que nfo se fala de prolongamento deste culto no Novo Mundo, conviria, no entanto, conhecé-lo para se poder eventualmente efectuar andlises comparativas pertinentes com outros cultos” - similares existentes nas Américas. Angola e a experdéncia religiosa bas. importance: do espiritismo. Para um orador, 0 conhecimento da concepcio da estrutura ¢ do desenvolvimento da religido em Angola pode e deve permitir compreender melhor certos aspectos das religides do Novo Mundo em que estejam implicados elementos banto. £& por isso que nao é inétil aprofundar a concepc&o do universo religioso, as relacées entre o visfvel e o invisfvel, as autoridades religiosas (Kimbanda "Ngangas" Mukiki, Kotas, “Nganga” Mulosi “Uanga"), os lugares de culto, o ritual, ete. Os dorubé e o Culto dos Egungun. 0 Culto dos Egungun, segundo disse um Alapini de Africa, € uma ilustracdo do culto dos Antepassados em pais nagd-iorubS. Tendo em conta a omni-presenca das religides torubé 19 Novo Mundo, a sua importSncia j4 ndo precisa de ser salientada. £ dentro ~ 40 - dessa perspectiva que a exposicao apresentada se reveste de uma importancia especial. Insistiu nos quatro pontos seguintes : - O3 momentos da vida em que intervem o Egungun (trata-se, praticamente, de todas as circunstancias importantes da vida, desde o nasci- mento até ao falecimento de um membro da fam{lia, passando pelo casamento @ os conflitos internos). - Os perfodos, apés a morte, em que intervem o Egungun : trata-se do andncio do falecimento (titd), da participacio no enterro (akpabasi) do 3° dia apés o falecimento (Eta) do 7° dia apés o falecimento (Eje) do 16° dia apés o falecimento (Itadogun) do 3° més apés o falecimento (Ochum Eta) do 14° més apés o falecimento (Ochum Mérinla) - Os nivets de iniciacdéo e graus dos responsaveis e dos dignitérios, em que o grau mais elevado é 0 "Alapini" (Alapini - Ikpékun — Oyé); nenhum dignitaério é escolhido se nao corresponder a certas condicées : + ser membro da famflia + ter sido sugerido + ser confirmado por Ita Os dignitarios (Alapini, Alagba, Baba Mariwo, Baley Okolou) estdo rodeados por inictados (Mariwo e 9j. ). &m relacao as mulheres, temos a seguinte hierarquia : Ya-Agan, Onikpo, que so as Gnicas mulheres a entrarem no convento (1-gbalé). -41- - Q conjunto dos batuques do culto : Nao é qualquer batuque que serve para as sa{das dos Egungun; é necessdrio, para essa circons- tancia, dispér de trés tipos de batuque : Ogbon, Gangan, Bata. 0 Danxomé e 0 Culto de Zomadonu : segundo um chefe tradicional (um Daah) vindo de Africa, Zomadonu é considerado como o culto mais importante no teino fon. 0 ritual, a organizacdo e as circunst@ncias de celebracdo das ceriménias de Zomadonu, so a prova do seu cardcter excep- cional, da sua magnificéncia e do seu papel de referéncia espiritual e moral para todos os seus adeptos. 0 nome de Zomadonou, que significa "Nao se pSe o fogo na boca", traduz o poder excepcional deate Vodum. A andlise dos pontos C e D da ordem do dia submetida 4 atencdo dos participantes levou as consideracées a seguir desenvolvidas + 1) A importancia das religides no Novo Mundo £ justo afirmar que elas sao universais ou mais exacta- mente que elas comportan um valor universal que ndo se encontra em mais nenhum lugar. A exaltacio do homem nao obcecado pela angistia e o pecado constitui um valor importante. Na América Latina, cada um dos deuses representa, no caleidoscépio das possibilidades da vida, uma possibilidade precisa. Para este deus é a forca guerreira; para aqueloutro, é a indGstria; para outro ainda, é a abertura, etc. Por este motivo, o vocabulario relativo as divindades ligadas aos diferentes individuos incide sobre o carécter dominante do comportamento da pessoa. Assim, certa pessoa é XangS se ela age, por temperamento, como essa divindade. 0 quadro dos deuses oferece um conjunto bastante bem fornecido de possibilidades de temperamento. Dir- -se-ia a ilustracdo de um verdadeiro tratado de Caracterologia. = 42- ii) A importancia do fendmeno familiar A fraternidade, baseada néo tanto na consanguin! jade mas sobretudo na pertenca & mesma religido e 4 jurisdicdo de um dignitario religioso espec{fico, apoia a vitalidade das religides de origem africana. » de recriacdo incessante A capacidade de adapta e de reinterpretacdo, tomando em conta o contexto de luta em que se implantaram estas religises, e os diversos obstdculos a que elas se véem confrontadas assim como 08 opressores poderosos em relacao aos quais a inteligéncia esté constantemente solicitada serve para descobrir modalidades de manipu- lacdo e de estratégia como processo de se afirmar, contornando os sistemas de controle e de punicdo erigidos contra si. Ponto E) : 0 futuro da religiao ou das sobrevivéncias dag _tradicées religiosas africanas no Novo Mundo ¢ Ponto 4: Propostas de pesquisas, de publicacdo e de_meios de difusdo dos trabalhos, e modalidade de interc4mbio entre especialistas, teéricos e praticos da_religiao africana dos dois lados do Atlantico Os pontos £) e 4 foram abordados em conjunto. A atencao dos participantes foi retida pelas consideracdes a seguir enunciadas : a) Sobre o futuro das religides de origem africana Segundo parecer de um participante, a resist@ncla das religides africanas na América Latina, na Carafba e até em Africa, um facto inegavel. Mas nio se pode ser demasiado confiante. Reflectir sobre um futuro para as religides de origem africana significa preparar-se ~43- para enfrentar : - 200 anos de ciéncias humanas que construiram a modernidade sobre a negacdo das demais culturas, nomeadamente das culcuras africanas relegadas para um plano de primitivismo e de barbarie; - 400 anos de uma teologia dominadora, de tendéncia perseguidora ou intolerante em relacdo a estas religides; Além disso, hd que pensar em dois obstaculos fundamentais, continou 0 orador : - acrenca de que nfo hd "Aufkiarung” (luz ow progresso) possivel no sefo das religides de origem africana, © que as condenaria a, mais tarde ou mais cedo, deixarem pouco a pouco de existir; - a crenca, disse um orador, de que o Estado é a ordem da razio que deve estabelecer-se mesmo que seja pela interdicdo dos cultos dirigidos a entidades espirituais com capacidade de intervir na vida quotidiana e mesmo pelo processo de “psiquiatrizacio" e de penalizacio destes cultos, Para a maioria dos participantes, seria necessfrio Teflectir sobre quais as condigdes teéricas que poderdo tornar possivel um futuro para as religides de origem africana : = revalorizando o principio fundamental que as governa, isto é um monoteisno que se define, ndo como nivelamento das diferencas, mas como abertura 4 pluralidade e portanto & tolerancia. Estamos aqui na presenca de uma verdadeira ideia-forca das religiSes de origem africana, na medida exacta em que elas sempre se recusaram a ser religides de conquista e de proselitismo. ~ identificando, com base neste mesmo principio, as capacidades de auto-critica continua contidas nas religiées de origem africana. A diversidade dos cultos e das préticas implica uma diversidade de comportamentos para com as “forcas espirituais", que vaio da seriedade 4 ironia, da submissao 4 contestacdo e, em qualquer dos casos, & interrogacdo permanente. Para a maior parte dos participantes, a racionalidade eficaz que enforma as religides de origem africana e os mitos que as fundamentam, nada tem que envejar 4 que serve de suporte a outras religides. Uma vez que a histéria e as ciéncias humanas em geral - tais como se desenvolveram no Ocidente - tiveram tendéncia em deixar acreditar que a democracia e a razio so 0 apangio do Ocidente - disse um orador ~ seria tempo que as religiées africanas na sua actual forma de evolucio e nas interpretacdes que elas recebem das investigacées, oferecessem um desmentido a este preconceito. Estamos perante um conflito de racionalidade. -45- Nesta linha de reflexio, numerosos participantes exprimiram a sua inquietacdo quanto ao destino que é reservado as religides de origem africana em numerosos paises da regiio. Pediram eles insistentemente que fosse reconhecida e garantida a liberdade de todos os cultos e religides. No decurso dos debates, um dos participantes, padre catélico brasileiro, autor de uma tese sobre a Umbanda, fez questdo em comunicar a seguinte declaracdo relativa a posico actual da Igreja catélica face as religides de origem africana : "A Igreja reconhece e louva o esforco feito pelos movimentos negros de reintegracéo dos seus valores e de restruturacdo da sua doutrina e prética religiosa. Deseja iniciar um didlogo auténtico a partir do verdadeiro conhecimento dos valores da cultura negra para atingir um novo ponto de vista respeitador e fraterno, no plano religioso, com os irmos afro-brasileiros Tendo-lhe um interveniente, membro de um candomblé, respondido que as religides de origem africana sé encontrariam, neste dialogo necessdrio, vantagens para uma maior solidariedade, o padre respondeu-lhe que esta posicdo da Igreja catélica era sincera, sem preconceito nem espirito de manipulacdo, nomeadamente desde Vaticano 11. Segundo alguns participantes, conviria acrescentar a esta posicdo da Igreja catélica a evolucdo favor4vel do clima politico verificada em muitos paises da América Latina e das Carafbas, no decorrer dos trés Gltimos decénios, em relacdo as religides de origem africana. = 46 + Com efeito, a maior parte dos responsdveis pol{ticos parece demonstrar ser-lhes favoravel. Nestas condicdes, compete aos responsdveis das religises de origem africana confirmar, pelas suas actividades positivas, que a religiao de origem africana das regides consideradas é mais um factor de libertacdo do de que um origem factor de alienacdo. Para a maioria dos participantes, o futuro das religices africana é prometedor, mas isso depende dos seus praticantes (dignitarios e fiéis) que devem esforcar-se por melhor se afirmarem, tomando algumas precausdes necessérias, tais como : - abrir-se melhor as jovens geracdes, corrigindo o seu aspecto elitista; - manter um constante desenvolvimento dos seus enqu: dramentos conceptual e espiritual, e fazer sobretudo atencio as necessidades, pedidos e aspiracdes dos seus f1é1s; - refrear a tend@ncia a folclorizacao onde quer que seja que elas cedam a essa tentacao e evitar toda a exploracao tur{stica; - pér termo as rivalidades nao essenciais pela conjugacdo das suas forcas; - aprofundar a espiritualidade; = manter a sua posicao exemplar no dominio da tolerancia; - 47 - rejeitar qualquer preconceito racial; ecer exigentes moral e espiritualmente, aceitando - pe somente, na abertura ao maior nimero de pessoas, Andividuos que prezam a sua boa reputacio. = desenvolver a sua vigilancia face a qualquer tentativa insidiosa de infiltracao; - afirmar melhor a sua capacidade de organizar a reali- dade moderna de maneira diferente e sem complexos; ~ fazer respeitar, pelos investigadores, a dignidade destas religides e os segredos (isto é + aquilo que elas tém de fundamental e de essencial). b) Ponto 4 : Propostas de pesquisas, de publicacdo e de meios de difusdo dos trabalhos, e modalidade de interc4mbio entre especialistas, tedricos praticos da religiao africana dos dois lados do Atlantico Sobre este ponto, os peritos manifestaram a sua preocu- pacdo quanto & urgéncia das solucées a dar ao problema do porvir das religides de origem africana no Novo Mundo. Puseram em relevo a necessidade de um conhecimento mais aprofundado das realidades histéricas, sociais e pol{ticas das sociedades americanas, cara{bas e africanas. A este propésito, varios peritos manifestaram o parecer de que uma das condicdes prévias requerida para o futuro das religides de origem africana consiste na abolicao de toda a lei ou pratica discrimina- técia em relacdo as ditas religides e, portanto, o reconhecimento da liberdade de praticar todos os cultos. ~ 48 - Neste sentido foram feitas as seguintes recomendacdes : 1) Criaco em cada pais da América Latina, das Caraibas ede Africa de estruturas de acolhimento capazes de favorecer o intercdmbio entre pesquisadores € entre estudantes bem como a organizacio de seminérios pluri e inter-disciplinares, referentes 4s religides africanas. 2) Favorecer a integracdo nos "terreiros" de universi- tarios que, para além do seu comprometimento individual no culto, ansefem por aprofundar a espiritualidade € 0 quadro conceptual com os dignitérios. 3) Descompartimentar os trabalhos de pesquisa conduzidos pelas diferentes equipas de investigacdo em cada pais e que, na maior parte dos casos, se ignoram, pura e simplesmente. 4) Contribuicdo na elaboracdo de um programa escolar de ensino das religides africanas, para cada pais de América Latina, das Caraibas e de Africa. 5) Proteccdo dos antigos e novos lugares de culto pelos Ministérios da Cultura de cada pais. 6) Enfim, e sobretudo, fomento e intensificaco das viagens de interc4mbio entre a Africa, a América Latina e as Caraibas, dos responsaveis dos lugares de culto (terreiros, hounfo, hunkpame, igbale) a fim de manter uma constante revitalizacio das religides = 49 de origem africana. Por esse meio, estas religiées poderfo, no contexto das contribuicées mituas para © enriquecimento do patriménio mundial espiritual, através da sua mensagem de tolerancia, influir na realizacdo plena do homem, que nao é o instrumento mas antes o fim do desenvolvimento. Tendo-se limitado a estas consideracées, os participantes iam esquecendo outros aspectos importantes do tema do Col6quio, para os quais 0 representante do Director-Geral da Uneseo nao hesitou em os voltar a chamar 4 atencdo. Trata-se dos quatro factores seguintes : = Relacdes com as outras religides e doutrinas sociais (cristianisno, isldo, positivismo, marxismo-leninismo, franco-maconaria, rosa-cruz, etc.) e preocupacéo dos muculmanos e dos cristdos em viverem as suas religides de conversdo, impregnando-se ao mesmo tempo dos valores culturais veiculados pelas religides africanas (problema da “inculturacio"). - Acepcdo e {mplicacdes da expressdo "religides de libertacdo" a propésito das religides de origem africana. - Experigneias de formacao e de educacdo tal como @ que foi empreendida na Bahia por responsdveis religiosos que formam os futuros adeptos desde a infancia. - Como organizar este intercambio. Ponto 5 : Sessdo de encerramento. = 50 - Anexo 1 RELACAQ DOS CONVIDADOS Sr. Wande ABIMBOLA Reitor Universidade de Ife ILE-IFE, Nigéria Sr. Gabriel Alapini AGOSSOU Funciondrio na reforma Chefe do Culto "Egungun" B.P. 1489 PORTO-NOVO, R.P. Benim Sr. Honorat AGUESSY Especialista do programa no . Bureau Regional da Educacdo para a Africa B.P. 3311 DAKAR, Senegal Sr. Alfred Kpazodji AHANHANZO Chefe tradicional do Culto Vodum Tohossou Agente de ligacdo na Prefeitura do Zon ABOMEY, R.P. Benim Sr. Max BENOIT Director, Centro Nacional Haitiano de Folclore e Tradicao Oral B.P. 360 PORT-AU-PRINCE, Haiti Prof. BUAKASA Tulukia Mpansu Director Adjunto Centro de Estudos das Religides Africanas B.P. 1534 LIMETE KINSHASA, Zaire Rev. Padre Valdeli Carvalho da COSTA, S.J. (Departamento de Teologia - PUC/RJ) C.P. 310 20.001 RIO DE JANEIRO/RJ, Brasil Sra, Nair CULL Rua da Paz, 363 C.P. 04713 SKO PAULO, Brasil - 51 - Sr. D. dos SANTOS e Sra. J. Elbein dos SANTOS Sociedade de Estudos da Cultura Negra no Brasil (SECNES) Rua Bamboxe, 247 Pituba 40.000 SALVADOR DA BAHIA, Brasil Dr. Jacob D. ELDER Ministro da Educacdo e Cultura Tobago House of Assembly TOBAGO Prof. Sérgio F. FERRETTI Nécleo de Estudos Afro~Brasileiros Universidade Federal do Maranhéo Campus Bacanga, C.P. 65.000 SAO LUIS DO MARANHAO, Brasil Sr. Rogelio Martinez FURE San Rafael 824, Apt. 3 El Soledad y Ogeudo LA HAVANE, Cuba Sr. Laennec HURBON Investigador no C.N.R.S. em service em Sio Domingos c/o Embaixada de Franca SANTO DOMINGO, RepGblica Dominicana Sr. Abel KOUVOUAMA Chefe do Departamento de Filosofia Universidade Marien Ngouabi Faculdade de Letras e Ciéncias B.P. 2642 BRAZZAVILLE, R.P. Congo Sr. Fabio LEITE . Coordenador da 4rea de Africa Ocidental Centro de Estudos Africanos da Universidade de Sdo Paulo C.P. 8105, C. Universitaria SAO PAULO, Brasil, Dr. Argeliers LEON Etndlogo Calle 20 n. 272, Apt. 2 LA HAVANA 4, Cuba Sra. Prof. Helena Teodoro LOPES Centro de Estudos Afro-Asiaticos Universidade Candido Mendes Rua da Assembleia, n° 10 CEP 20.011, RIO DE JANEIRO, Brasil

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