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ARFoNSO Vs, ‘SDU A DIRECGAO 8 PICA, SEGUNDO AS Tene TLLUSTIE INFANTE: ‘ie DE AZURARA ; < ~ - ® IT ORIGINAT CONTEMPORANEO, QUE SE CONSERYA © DADA PELA PRIMEIRA ¥Ex 4 102 Bee Mcancis plario de S. Majestade Fidelissims 8 a raneas # . paecunnne DE UMA IN rnonuceso, EILLUSTRADA COM ALGUMAS NOTAS, PELO VISCONDE DE SANTAREM, ’ oo * fas Seleneias de Listoa, grande numero «Acad laterra., Hollanda se PUBLICADA POR J.P. AILLAUD. —> . 2 =e “Se “4 ” 181. s : id a : ae “a a Haren que Gomes canes dazurava co- mentader va lord re Fpos {ereiwoan Snide Rev quanrolle Given efte lero sor Paseo ated in 10 excellente pune C- muyto porolo eee Ono milbor {ake anofla Aleega- qire bniadas peopepares tommagna qumo be querer ante var que re- : tecelerCypz Gaos bomeezi nom pore eer dada maywe conta ery efte runt que bona aqloy ophe que Detotos natinaL- mctele wfeava ally comoalgrn gnrebery porque wemwdallas contlas cor yoraaey ella , mayo nenymilhor yor tanto vis elle giteo recompelamentn va. honva Dene feer da’ Dado aoguely mupro nolze eveellent? 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Quando se examindo com attencao os altos feitos brados pela nacéo portugueza no xv° e xvi" seculos nacarrcira das nayegagées, edo commercio maritimo , nao podémos deixar de admirar esta nagio, vendo-a em um periodo tao curto passar além do Cabo da Boa Esperanca, descobrir, reconhecer, explorar, descre- ver, eoccupar, ou dominar em toda a sua vasta cir- cumferencia , todas as costas d’ Africa, e estender o seu dominio na Asia sobre uma superficie de mais de outo mil legoas , ¢ nao satisfeita ainda destes trium- phos dictar as suas leis a trinta e trés reinos que fizera tributarios ! Cresce a nossa dmivagio quando se contempla o valor, e intrepidez de um Portuguez (Fernando de Magalhaes) que attravessando na sua maior extensio o Oceano , consegue pela primeira yez fazer a circum- nayegacdo de globo; esta admiragéo ainda mais se augmenta quando se reflete que a nagdo portugueza descobrira pelos mesmos tempos a parte oriental do. Novo Continente , em quanto por outro lado extendia o seu dominio na dsia desde a costa oriental d’ Africa até 4 peninsula de Malaca e as Molucas ; domi tanto mais admiravel , quanto era sustentado por uma cadea de pragas fortes, e pelo estabelecimento » : . a de feitorias commerciaes (1). Quando pois se medita atlentamente na rapidez com que se succediao uns aos outros taes acontecimentos, no podémos deixar de ficar absortos 4 vista daquelles grandes feitos , e nao menos da incrivel energia, da forga sem exemplo, do desejo ardente de gloria que se desenyolveo, desde 2 primeira metade do seculo xv° até 4 ontra metade do seculo seguinte, nesta nacao que antes d’aquella epoca memoravel vivia circumseripta no seu proprio territorio ! Com effeito a historia nao nos mostra queemalguma outra nagdo se operasse um tal prodigio ; nao nos mostra outro exemplo de uma tao rapida elevacéo ao cume da grandeza, e do poder. Se examinamos a mesma historia de Roma, vemos que esta nacio, quando chegira ao apogeo da sua grandeza , no cor. quistéra a0 mesmo tempo, como fizerao os Portu- guezes, lantos povos , € tantos estados, nao dominara sobre tantas nacdes, nem se apossara com tanta rapidez de tantos sceptros. E na verdade um espectaculo magnifico , e por certo digno da meditagéo do historiador e do philosopho , quando contemplar na transformago rapida de um dos Pequenos Estados da Europa, em um dos mais pode- rosos do globo, ¢ vél-o mudar a sorte, ea situagio com- mercial do mundo, reduzindo grandesimperios ao nivel dos pequenos Estados, e elevar outros que téent&o erao mediocres, a cathegoria de grandes potencias ; vél-o emfim produzir uma revolucao immensa , revolugaio que abrangeo todas as partes do globo, e que ligou o (1) Vide Barreto de Resende, ‘Tratado dos vice-reys da India. Mss, 8,37} da Bibliotheca Real de Paviz. — vi — antigo ao novo mundo, estabelecendo communicagées entre as nagdes que té alli erao as mais desconhecidas e remolas ! i A nossa admiracado ainda é maior quando vémos a par destas faganhas, e para que ellas se nao apa- gassem nas futuras idades da memoria dos homens , produzir a nagdo ao mesmo tempo uma multidao de homens de primeira ordem que as recontao em seus escriptos , ou as cantdo em seus poemas; conservando assim 4 sua patria n&o simplices e fabulosas tradi¢ées, masa relagdo authentica de factos verdadeiros de que fordo testemunhas , ou em que elles mesmos tomarao parte, identificando-se assim a gloria militar com a scientifica elitteraria, quando alias a idade d’ouro da litteratura romana s6 exislira no tempo da paz, em quanto a nossa viveo e se augmentou no meio das batalhas , e 4 sombra dos louros das victorias. E poisa esta singular e gloriosa excepeao que deve- mos 0 precioso monumento que vamos pela pri- meira yez ao publico : a Chronica da Conquista de Guiné por Gomes Eannes d’Azurara, escripto que é incontestavelmente ndo sé um dos monumentos mais preciosos da historia da gloria portugueza , mas tam- bem 0 primeiro livro escripto por autor europeo sobre os paizes situados na costa occidental d’Africa além do Gabo Bojador,, e no qual se coordenarao pela pri- meira vez as relagdes de testemunhas contemporaneas dos esforgos dos mais intrepidos navegantes porlu- guezes que penetrardo no famoso mar enebroso dos Arabes(1) , e passiraoalém da meta que té entao tinha neces ees Sk ee (4) © Adantico além das ilhas Canarius (veja-se a nossa Me- moria sobre a prioridade dos descobri nentos portugueres). = Tn servido de barreira aos mais experimentados maritimos do Mediterraneo, ou das costas da Europa. Com efleito tendo sido os Portuguezes os primeiros descobridores dos paizes situados além do Gabo Bo- Jador (1), a honrosa misao de Primeiro recontar estes descobrimentos competia a um Portuunez. Todavia, deste monumento contemporaneo do il- lustre Infante D. Henrique (alma e vida destes desco- brimentos, ¢ onde nos sao revelados o¢ esforcos dos seus grandes talentos, ¢ da sua profonda sciencia ) apenas tinhdo escuras , ¢ confusas noticias os mesmos eruditos do Principio do xv" seculo; & entre estes iigum houve que até duvidéra ter Asurara com- Posto esta chronica ; os modernos emfim o julgavao de todo perdido, como diremos em outro logar. Antes pois de fallarmos neste assumpto, oecupar-nos-hemos lo autor, © em seguida do livro,'e dy importancia deste, e finalmente da descoberta do codice original. Azurara vevéla-nos nest chronica, se a compa- Fimos com o Leal Conselheiro composto por elRei D. Duarte entre os annos de 1428-1438 (2), 0 estado das sciencias, e da erudigao entre nés nos fins da idade media. Péde dizer-se sem temeridade que este chro- nista tinha uma vasla instracedo , como o leitor vera pelas suas citagées. Elle nos da noticia dos livros {Ne 08 noss0s sabios estudavao no xiv" principio do xv" seculos. E para Gue o leitor tenha disto uma-idea RENE SORE a eee (f) ide & nossa Memorin sobre a prioridade dos descobri- mentos portuguezes na costa d'Atvica occidental. Pariz, 1944. Q) Fide « nossa Memoria sobre este Mss. publicada pelo nosso Consocio na Sociedade R, dos antiquarios de Franga, M. P. Paris, na sua interessante e erudita obra, intitulada : Les Manuserit, Pvangais de la Billiothéque du Aoi, lomo, pag. 338. ae, _ mais exacla , faremos mengio aqui dos principaes au- tores citados por 4zurara, do mesmo modo que o nosso illustre amigo 0 senhor bardo de Humboldt enu- merou todos 0s citados por Coloméo. Com effeito entre os AA. sagrados 4zurara cita a Biblia, e especial- mente os livros de Salomdo , os dos Profetas, S. Jevo- nimo, S. Chrisostomo, S. Thomas d' Aquino e outros ; entre os AA. da antiguidade classica cita Herodoto, Homero, Hesiodo, Aristoteles, Cesar, Tito-Livio, Gicero, Salustio, Valerio Maximo, Plinio, Lucano , os dois Senecas, 0 tragico, ¢ o philosopho, Vegesio, Ovidio, Josepho , Ptolomeo, ¢ outros. Dos AA. da idade media vemos Azurara citar Orosio , Isidoro de Sevilha, 0 astronomo arabe Alfa- gran (1), Rodrigo de Toledo, Marco Paulo, Fr. Gil de Roma , Joao Duns Seoto , Alberto Magno, 0 famoso Petrus de Alliaco, e outros. Vé-se a0 mesmo tempo que tinha lido as chronicas e historias estrangeiras , 0s romances de cavallaria, principalmente os de Franga, Hespanha, Italia (2), ¢ Allemanha. Por outra parte Azurara mostra ter um vasto conhecimento da geografia systematica dos antigos, como indicimos em algumas das notas. Apezar de ter yivido na epoca delRei D. Joao I?, eD. Duarte, que nao acreditavio muito nas influencias sidéreas, e na astrologia judi- ciaria (3), 4zurara se mostra ainda embebido das (1) Gelebre astronomo arabe do 1x° seculo. Hide acerca deste A. asnotas de M. de Humboldt: Examen critique de Uhistoire de ta gdographie du nouveau continent, tomo W, pag.79 , e tomo 11°, pag. 324. (2) «.....Da grandeza dos Allemies, da gentil » da fortaleza d'Inglaterra, ¢ da sabedorya da tally (Chron,, pag. 42.) (3) Vide Leal Conselhcire por elRei I), Duarte, cap. 14 ¢ 21; jena da Franca, € elo.» pe = influencias d’esta (1), mui provavelmente pela leitura do famoso livro de Ptolomeo , Opus quadripartitum de astrorum judiciis (2), mas este reparo que acabAmos de fazer, longe de diminuir o saber deste A., antes mais o demostra. As particularidades historicas da maior importancia que se encontrao neste livro sao innumeras; indicamos algumas em as notas, analysdmos outras em a nossa Memoria sobre a priovidade dos descobrimentos por- tuguezes ; néo devemos todavia deixar de mencionar a que nos revéla a sabedoria dos planos do grande rei D. Joaol’ écercada Occupagao e posse de Ceuta (3) e ao mesmo tempo a de Gibraltar (4), afim de ficarem por tal modo os Portuguezes senhores da chave do Medi- terraneo,€ ao mesmo tempo da Africa septentrional. E igualmente interessante a que nos reconta da in- fluencia que tivera Jé sobre o animo do grande Prin- Sra (1) Vide Chronica, pag. 48 ¢ 49. (2) Ainda em epocas posteriores é de /zurara osreise principes tinb¥o na sua corte indevidnos com o cargo de astrologos, \niz XI de Franca , e muitos soberanos estavao persuadidos que a sua vida estava escripta nos astros. Hscrevério-se mais de vail ‘ratados de astrologia em todas as lingoas da Europa. Ainda no xy10 @ xvn? seculos a astrologia contava entre 08 setis seolavios Kepler ¢ 0 celebre Cassini. O leitor curioso poder consultar sobre este objecto Schoner, De Nativitatihns, Nuremberg , 1832; Kepler, Nora Dissertatiuncula de fundamentis astrologie cevtioritas Praga, 4602. (3) Vide Chron., pag. 28, cap.. Ena verdade, além da posigto militar, a historia do commercio the mostrava , que toda a Europa na idade media considerdra esta cidade como um dos mais im por- fanies emporios das preciosidades do Oriente, pois alli hito busear as drogas de prego que produzia mio $6 Alexandria e Ds. masco, mas tambem a Libya e 0 Egypto. (4) Thid., pag. 28 = Setexirei cipe, autor destes descobrimentos , a noticia da exis- tencia de um soberano christéo no oriente chamado Preste Joao (4). Pelo que respeita ao estylo do A. diremos que Damiao de Goes o reprova (2), em quanto que o rande historiador Barros , por certo melhor autori- dade, 0 louva, ¢ approva (3). Como quer que seja, © leitor julgara per si mesmo do estylo, em nosso entender admiravel , dos capitulos II e VI em um A. que escreveo quasi um seculo antes do nosso primeiro classico. A sua fidelidade como historiador é incontestavel. O seu escrupulo e amor da verdade era tal que pre- feria antes deixar a relagéo de alguns acontecimentos imperfeila, do que completl-a quando nao podia ob- ter ja as nolicias exactas dos que os tinhao presencia- do. A sua autoridade como escriptor contemporaneo é immensa, pois Aurara viveo com o Principe im- mortal que elle idolatrava , conheceo pessoalmente os principaes, e intrepidos descobridores (4) , os quaes (4) Tbid., pag. 94, cap. 16. (2) «O que se bem conhece e vé do estylo, e ordem acostu- » mada do mesmo Gomes Eannes, posto que algumas palavras » e lermos antigos, que elle usaya no que escrevia, com razoa- » mentos prolixos, e cheyos de metaforas on figtiras que no estylo » historico nfio tem logar, ete. » (Goes, Chron. do principe D, Joio, pag. 10, cap. 6. Edic. de Coimbra de 1790.) (8) «De escrever os quaes feitos teve cnidado Gomes Eanes de Zurara, chronista destes regnos : homem neste mister da his- toria assaz diligente, e que bem mereceo o nome do officio que teve. Porque se alguma cousa ka bem escripta das chronicas deste regno, ¢ dla sua méo, etc.» Decad. I, liv. II, cap. 1, (® Entre os primeiros descobridores mais de 80 erio criados do Infante. ‘ 2 —— — xn — pela maior parte erao criados do Infante , e educados scientificamente debaixo de seus auspicios (4): Outra circumstancia pela qual esta chronica é fambem mui importante, consiste em nos restituir na maior parte a obra d’Affonso Cerveira hoje perdida , © qual primeiramente havia escripto a « Historia das » conquistas dos Portuguezes pela costa d’Africa(2),» © nos supprir em parte o deploravel extravio dos ar- chivos nauticos de Sagres. Esta chronica, apenas tirada dos apontamentos ori- ginaes do A., desapareceo logo de Portugal, como di- remos adiante. © unico escriptor que della vio alguns fragmentos foi Joao de Barros, mas esse mesmo ja nio encontrou ee ee elem ol nsisieetet (1) Ghronic., pag. 186, cap. 30, ¢ pag. 173, cap. 33. (2) Vide Chron., pag. 468, cap. 32, « Barres ja nfio encontron esta obra e s6 della leve noticia por 4zurara, pois diz (Decad. 1, liv. I, eap.4) : «Do qual Affonso Cerveira nés achémos algumas » carlas escriptas em Beni estando elle alli feitorizando por parte » d’elRey D. Affonso. » Barbosa, na sua Bibliotheca Lusitana, parece indicar que este Affonso Cerveira fora antor de uma obra diversa da que Azurara se servira, pois diz : «Que por muitos annos (no tempo d’af- * fonso V), fora feitor em Benin, om enjo ministerio + Rio » sémente attendeo pelas mercadorias que entraviio e sahiio d’a- » quelles portos, mas individualmente escrevco a stea situagao, e » as proezas militares, etc. » Ora tendo-se servido Azurara da obra de Cerveira, e tendo conelnido a sua chronica em 41448, co reino de Benin tendo sido descoberto sé em 1486, Por Jo%o Affonso d’ 4veiro, no reinado de D. Joio II, € s6 entio Affonso Cerveira podendo ser nomeado Siitor, por tanto 88 annos depois d'elle ter conclaida a sua chro. nica, parece-nos qne Barbosa se enganiira, por nio ter conhe- cido @ livro que hoje publicémos;e que tendo lido com pouea reflexto a passagem de Barros, que acima citimos, julgou que Cerveirg, eserevéra asua obra em Benin ! — xu — senio « cousas derramadas e per papeis rotos, ¢ » fora da ordem que elle Gomes Eannes leyou no pro- » cesso deste descobrimento (1), » © disto nos da a prova mais evidente este historiador, pois contendo esta chronica 97 capitulos, os fragmentos WAzurara 86 hes fornecérao materia para 14, como vemos na decada I* da sua Asia. Ta no tempo de Damiam de Goes nao havia noticia desta chronica (2). Mas tempos depois o celebre Fr. Luiz de Souza vio em Valenca d’Aragio, em nosso entender, este mesmo codice, pois fallando da devisa do Infante, Talant de bien faire, e dos trogos .de carrascos com as bolotas diz, « que vira isto em um » livro que o Infante mandara escrever do successo » destes descobrimentos , em que usava com a mesma » letra differente corpo da empresa, mas muito aven- » tajado em agudeza de significagio e graca. Eriio » umas piramides, que fortio obra dos reys antigos » do Egypto, e sendo emprego,.¢ trabalho sem ne- » nhum fruito, avidas por huma das maravilbas do » mundo; e na verdade fica dizendo melhor com o »animo, e obras do Infante, e com a sua lettra. » Este livro enviou o Infante a hum rey de Napoles , » @ nds o vimos na cidade de Valenga d’Aragio , entre » algumas pegas da recamara do duque de Calabria, » ultimo descendente por linha mascolina daquelles ee nc (A) Vide Barros, Decad. 1, liv. 11, cap. 4 (2) Este historiador queixando-se dos precedentes chronistas nfo terem fallado das novas navegacdes, esobre tudo de-dzurara, acerescenta : « Pode ser que o fizesse na historia de Guiné que elle diz que compoz, de que nao hia noticia, ete.» (Vide Goer, Chron. do principe D. Joao, cap. 6, pag. 9.) ‘Vé-se pois por esta passagem que Damiam de Goes trara nem os mesmos apontamentos de que Barres se ser — xv — » principes, que aly veio acabar, com o titulo, e cargo » de vizo-rey (1). » Comparando esta noticia com 0 codice nao pode haver a menor duvida de que o livro que hoje publi- cAmos seja 0 mesmo que Fr. Luiz de Souza vio em Falenca. A originalidade do Mss. , as Ppiramides , com o mote ou deviza do Infante, emfim a particula- ridade de ter existido em Hespanha, pelo menos até ao principio do seculo passado, e outras circumstancias , nao consentem hesitacdo alguma a este respeito. Péde conjecturar-se que Fr. Luiz de Souza o nao examinara, e apenas viraa miniatura do principio , € reconhecéra que trataya dos descobrimentos feitos no tempo do Principe, tendo sido informado mui pro- vavelmente pela pessoa que lho mostrara de haver este sido enviado a um rei de Napoles. Parece-nos pois nao distarmos muito da verdade se dissermos que péde muito bem ser que elRei D. Af- fonso V° fizesse presente desta chronica a seu tio elRei D. Affonso de Napoles cognominado 0 Magna- nimo (2), entre os annos de 1483 e 4487, tendo man- dado neste anno como embaixador Aquelle Rei Mar- tim Mendes de Berredo (3), e por elle enviado este magnifico monumento ; tanto mais que elRei de Na- poles professava grande amor pelas sciencias, sabia perfeitamente a lingoa hespanhola, e se interessava pelas viagens, ¢ descobrimentos. ee (A) Historia de S. Domingos, P.1, liv. VI, cap. 18, pag. 332, edic&o de 1623. (2) Vejio-se icerea deste sabio principe as noticias dadas por Muratori, Annali, tomo IX, pag. 446, passin.; Burigni, Histoire de Sicile , tomo Il, pag. 342. (3) Vide 0 nossa Quadro elementar das relacoes diplomaticas de Portugal, tomo 1, pag. 303. > » — Como quer que seja , este codice existia ainda em Hespanha nos principios do seculo passado (1). Ape- zar das investigagées que fizemos, nao nos foi possi- vel saber quando passéra para Franga, ¢ desde quando existe na Bibliotheca Real de Pariz. Ha com tudo hastantes motivos para crer que {éra muito depois da revolugio, e em epoca mui proxima aos nossos tem- pos. Apezar de termos encontrado naquelle immenso thesouro perto de 800 Mss. portuguezes, ou que di- zem respeito a Portugal (2), nfo tivemos a fortuna de descobrir este por se achar classificado entre os sup- plementos francezes. O senhor Fernando Denis porem teve a fortuna de o encontrar no decurso das suas investigacées naquella reparticao , pelos principios do anno de 1837; e tendo dado ao publico conhecimento da existencia delle em uma obra curiosa que publicou no fim de 1839 (3), chamou esta noticia desde logo a attengao dos litteratos de Portugal , ¢ desde logo tam- bem o Ex™ Senhor Visconde da Carreira, Enviado Extraordinario e Ministro Plenipotenciario de Portu- gal em Franca, altamente zeloso pela antiga gloria do seu paiz, tratou de fazer 4 nagao este valioso pre- sente, obtendo do governo francez a necessaria licenga para se poder publicar esta chronica; e, temendo que o transumpto que desta se tirasse fosse por qualquer . modo alterado, se deo ao improbo trabalho de a copiar (4) Em uma das ultimas folhas em branco do fim do Mss. tem a seguinte nota: « Esta crénica de Guinea fué de Ja libreria del » sefior don Juan Lucas Cortes (que Dios haya), del consejo desu » Mag. en el de Castilla, etc., ete.» Anno de 1702 (2) Fide a nossa Noticia dos Mss. da Bibliotheca R. de Pariz, 1827, eas Addigves, 1841. (B) Vide Chroniques chevaleresques de U'Espagne el du Portugal Paris, 1889, tomo II, de pag. 43 a 83. — x — pelo seu proprio punho, com escrupuloso empenho, e grande fidelidade. As provas fordo revistas € corregidas 4 vista do texto original com muito cuidado ¢ intelligencin pelo nosso Compatriota © senhor José Ignacio Roquete, habil philologo, que além disso se occupou de formar um Glossariodas palavras e phrases antiquadas e obsoletas, que se encontrio na chronica, e que sem este serio de todo inintelligiveis. Finalmente 0 senhor Joao Pedro Aillaud nao se poupou a esforco algum para que este in- teressante monumento apparecesse digno do assumpto de que trata , da nacao a que pertence , e do Principe immortal que nelle tem a melhor estatua, fazendo tirar além disso um fac-simile do retracto do illustre Infante do que se-acha no codice, retrato que tendo sido tirado ainda em vida daquelle erande Principe, € tambem 0 unico authentico que hoje possuimos (1). Se pois até aos nossos dias 6 mais anti ‘0 escriptor dos descobrimentos do Infante D. Henrique que se conhecia era um estrangeiro , o celebre viajante vene= ziano Cadamosto (1485), de que tanto se gabdra um dos sabios compatriotas delle (2), daqui em diante a G) O Principe estd vestido de Into, com a cabeca coberta eom a grande gorra prota, ¢ sem insignias, e com o eabello cortado, conforme o estylo daquelle tempo em {aes occasises, Tendo esta chronica sido acabada em 41448, e o Infante D. Pedro tendo pere- cido na catastrophe da Alfarrobeira a 20 de Maio do anno se. Suinte, estava por tanto o Principe de Into pela morte de seu illustre irmio, O retrato foi sem duvida feito n’esta epoca, em quanto se tirava a limpoa chronica, a qual se acabou de fazer em 1453. (2) Zarla (Dissert. dei viaggi de Cn-da-Morto, pag. 10) diz que nem em Ramusio, no discurso preliminar a vingem de Vasco da Game, nem em nenhume das collecrses de viagens, nem — xvi — ser um autor portuguez, eum dos chronistas mais in- struidos do seu tempo, o qual nos prova pelas suas relacées terminadas em 1448 (1), seis ou sete annos antes da vinda de Cadamosto a Portugal, que antes que o viajamte veneziano entrasse ao nosso servico j os Portuguezes s6s, sem auxilio algum estrangeiro , tinhao descoberto 450 legoas além do Cabo Bojador. Tal pois a importancia deste livro, ¢ tamanho 0 patriotico servico do illustrado Portuguez que concor- reo para a sua publicacdo. O codice original é em folio pequeno, sumptuosamente executado , escripto em pergaminho, ¢ no melhor estado de conservagio, con- tendo 319 paginas e 622 columnas. Quanto 4 parte paleographica o leitor podera julgar pelo Mac simile da carta de Gomes Eannes que vai em principio. O A. terminon disgragadamente esta chronica em 148, tencionando compor um segundo volume dos desco- brimentos feitos ainda no tempo do Infante, isto é até 4 sua morte occorrida em 1460. Pelo que respeita finalmente 4 parte que tomamos nesta empresa, declaramos francamente que as notas que ihe juntamos, as consideramos mui mesquinhas, fizemos s6 as que julgdmos serem indispensaveis paraa intelligencia de algumas passagens obscuras do texto, persuadidos comtudo que esta chronica exigia um commentario crilico feito d’espago , pois cada periodo, por assim nos explicarmos, exige um commento, ou uma explicagao ; mas circumstancias relevantes, sendo 1 principal a do tempo em que o publico estaria pri- yado do conbecimento desta obra, nos movérao a de- mesmo em nenhum escriptor porluguez se encontrava relacao alguma anterior 4 de Cxdamosto. (1) Vide Chron. , cap. 96, pag. 45%. “ — xvi — sistir deste plano. Sentimos vivamente nao termos podido por estes respeitos indicar todas as latitudes dos pontos descobertos pelos nossos maritimos, nem tam pouco a synonymia geografica de muitos dos mesmos pontos pela comparagio entre as antigas car- tas com as modernas; todavia pareceo-nos ter ao menos feito o mais difficil , isto é determinar os pontos geo- graficos indicados na chronica pelas antigas cartas, nas. quaes se encontra a mesma nomenclatura hydro-geo- grafica dada pelos primeitos descobridores , que alias nao marcarao as latitudes, e que por isso mesmo tor- nao estas determinagdes mui difficeis , e algumas vezes até impossiveis de se fixarem mesmo aproximativa- mente, 0 que sera muilo mais facil depois do tra- balho que fizemos. Pareceo-nos emfim que deviamos larnos a chamar a attengdo dos criticos, ¢ dos homens competentes sobre estes pontos , € sobre outras particularidades historicas igualmente interessantes. Oxala que os mesmos defeitos do nosso trabalho pro- voquem da parte delles um commentario scientifico digno deste precioso monumento. Pariz, 30 de Marco de 1844. Comecasse a tavon dos capitollos desta Cronica de Guiner. “ Pas Cavitouto preeEino. Que he o prollego no qual o autor mostra qual sera sua entencom em esta obr: 1 Cave, Me. Envocacom do autor. 2.2... 2... 9 Car’, Til. Em que conta a geeracom de que des- cende o iffante dom Henrique... ........... ee 16 Cave, TV. Que falla dos costumes do iffante dom Henriquensemals Coreen setststs 1.608? 076. 19 Gap°. Vo, No qual falla somaryamente nas cousas notavees que 0 iffante dom Henrique fez por servigo de Deos ehonra do regno. ... 0... 6. eee eee 2% Capiro110 Vie, No qual o autor, que ordenon esta estorya, falla alguias cousas da sua entencom acerca das vertudes do iffante dom Henrique. 36 Care. Vile. No qual se mostram cinquo xaz008s por- que © senhor iffante foe movido de mandar buscar as ter- ras de Guynea... . . Car®. VIII°. Porquerazom nom ousavam os navyos passar a allem do cabo do Bojador. ..........-- 50 Caro, IX. Como Gil Eanes, natural de Lagos, foe © primeiro que passou 0 cabo do Bojador, e como Ia tor- now outra vex, ¢com elle Affonso Gonealver Baldaya... 56 ee | | # a Car®, Xe. Como Affonso Gili Baldaya chegon. ao 7y-0 CNC Mote RCs 50 pec Fe ns on ‘ Care, XI°. Das cousas que se fezerom nos annos cugllifes, ~ eb oso ooo >) one Care. XIl°. Como Antam Gllz trouxe os primeiros CativostS weet que filharom: €a*. RVI. Como acharom as tartarugas na Ilha. . 221 Cae, RYLIL Como tornarom outra ver aa Uha , e dos xpaiok que morrerom. «6... 223 Cae, RIX. Como Langarote, e os outros de Lagos , requererom licenea ao Iffante pera irein a Guinee. .. . . 228 Caro. L. Como o Mfante respondeo aos de Lagos, da armagom que se fez sobre adita Ilha... ...... 232 Cae. LI. Como as caravellas partirom de Lagos, ¢ quanes capitaies cram emellas. . 5 2.2... 2. 236 Cae. LIL De como se as caravellas aguardarom ao cabo Branco, ¢ como Lourengo Dyaz achou as caravellas MEVIxbOA ce. 6. ooo re Hon tote ve Here cee ots vo talento SORE 239 Cae. LIL. Gomo Langarote teve sen conselho no Cabo Brawedig = goes ssn gs so ange 3 4egr ROE 244 Cae. LIM. Como acharom as outras caravellas na itha das Gareas, e do conselho que onverom....... . 248 Cae. LY. Como sairom aquellas gentes na ilha de MidGe Wrest res Ca®. LYI, Como tornarom outra vez a Tider, e dos Mouros quellharcm.%s sere. at. te ee 259

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