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OS ANTECEDENTES CAPITULO 1 A POLEMICA DA LIBERDADE DOS MARES 1, A ORIGEM—Aos trinta de Junho do ano de seiscentos e trés, entre as onze e meio dia, chegou A cidade de Macau um juneo de Sido com novas como no Margo regada e rica “pelos holandeses no estreito ue Singapuras. , que ha muitos anos fora outra, fora toma %6 com este laconismo que o Padre FaRNAo GUERREIRO regista na Relagto anual das coisas que fizeram os padres da Companhia de Jesus nas suas misades... (*) 0 apresa- ‘mento, em.25 de Fevereiro de 1608, da nau Santa Catarina em viagem de Macau para Goa, sem se aperceber que este facto iria dar lugar a uma das mais célebres polémicas da hhistéria do direito internacional: a polémica da liberdade dos mares. axe ~~ Que cireunstancias a precederam e rodearam? Que ©) Coimbra). 9 do tomo If da ed, de 1981 (Imp. da Universidade de INTERNACIONALIZACAO DOS PROBLEMAS AFRICANOS interesses a originaram? Him que termos decorreu? # 0 que vale a pena narrar. 2 0 DOMINIO DOS MARES ANTERIORMENTE AOS DESCOBRIMENTOS PORTUGUESES —% geral- mente sabido que os descobrimentos portugueses represen- taram uma completa revolugio no conhecimento d até af reduzida, para os nossos antepussados da Tdade Média, ao continente europeu e aos territérios e mares adjacentes. NK era dificil de conceber © de admitir no espago maritimo suleado pelos navegadores de entio um dominio Piiblico, com 0 correspondente direito de jurisdicio, exer- eidos por uma cidade, um Estado ou um Império. Sobre as realidades da sua época haviam os juriscon- sultos romanos construido as primeiras férmulas juridicas Justificativas e normativas dese dominio. Na Tdade Média retomaram os glosadores e 0s comentadores esses textos para os adaptarem a novos problemas e a novas aspiracées —mas sempre sobre 0s mesmos dados de exiguidade do Mundo. © Prof. PavLo MuRga, com a sia mestria habitual, estudou © resumiu a doutrina desenvolvida pelos posi-glo- sadores a propésito das pretensées de Veneza a soberania do mar Adriético, e de Génova sobre o mar Ligririea, Ougamos a sua ligho: «... segundo Baldo, seguido por um sem némero de comentadores, o direito das gentes eriara a distingfio tanto das terras como dos mares, ¢ qualquer Hstado podia jure ‘gio ou costume inveterado— apropriar- eiviti— por pri INTERNACIONALIZAQZO DOS PROBLEMAS AFRICANOS vse de uma parte do mar e exercer direitos sobre ela com exclustio dos outros Estados. Com isto nid’ reconheciam ao Estado ocupanto uma verdadeira propriedade, isto 6, 0 dominio do direito pri- vado: frisavam, pelo contrério, que se tratava apenas de uma relagfo de soberania ou, como entio | dietionem et protectionem. Wsta doutrina aparece j4 com nritide numa glosa de Placentino (sé, XII). Angelo de ) Ubaldis irmio de Baldo, professava doutrina um tanto diversa, sustentando « que o mar podia ser objecto de uma quasi-possessio, «Quanto ao“contetido deste direito reconhecido ao Es- fado sobre o mar, @ bem assim quanto ao seu aleance”geo- griifico, os comentadores divergiam. No tocante a0 py meiro ponto apenas havia unanimidade na opinigo de que / a0 Estado competia a jurisdi¢&o criminal; quanto ao mais, ¢ Darece que 8 com certo custo eram admitidas as preten- sées das cidades maritimas, no falfando todavia quem che- gasse a justificar 0 exclusive da navegacio, exigindo em- bora como condi¢o um uso imemorial, (*)- 3. 0 MAR PORTUGUES —Compreende-se, por con- seguinte, que a posi¢io da Cora portuguesa em face do descobrimento de novos mares navegéveis para terras que, elas também, em grande parte eram desconhecidas ante- riormente, fosse a de reivindicar o exelusivo do dominio e da jurisdigio desses mares. ~ Tal atitude afirma-se, primeiramente, por leis inter- ‘nas que 86 obrigavam os sGbditos do Rei de Portugal. Que ‘este proibisse 0 seus vassalos de ir além do Bojador (Carta régia de 22 de Outubro de 1443) (*) ou as Candrias (Carta régia de 3 de Fevereiro de 1446) (+), sem licenca do Tnfan Infante ‘D, Henrique, a quem confiara 0 comando da empresa dos deseobrimentos, era negécio puramente nacional. Nessas. cartas porém, 0 privilégio concedido a0 Infante é justifi- cado invoeando a ihiclativa e e prioridade do descobrimento pelos Portugueses. «Até entiio (208 , (aos deseobrimentos do In- fante) nao havia ninguém na cristandade que dessas terras soubesse parte, nem sabiam se havia 14 povoacdo ou nao, nem direitamente nas cartas de marear e no mapa-mundo estavam debuxadas senio ao prazer dos homens que as fa- ziam desde 0 dito Cabo Bojador por diante. E por ser coisa (@) Pavto Menta, Os jurisconsultos portuyucace e a doutring do «Maro clausumns, apud Novor Briudos de Histéris do Direito, pig. 19 © seguintes, Nio reprodusimos as notas eruditas de fundo do pagina. Mey Sth Mangunm, Devesbrimentn Portugwaee, vol 1, pg, 425. © Idem, idem, pis. 445 INTERNACIONALIZAGAO DOS PROBLEMAS AFRICANOS duyidosa e os homens se néio atreverem de ir, mandou 1é bem quinze vezes até que soube parte da dita terra...». Estes a Carta de 1443 apresentam, pois, um fun- damento —o da prioridade do descobrimento e dos encar- gos que ela envolvera — valido tanto para nacionais eomo para estrangeiros. Para exeluir os estrangeiros da possibilidade de nave- gar livremente nos mares descobertos pelos Portugueses de comereiar com as terras a que aportiramos, era preciso mais do que simples actos de autoridade do rei de Portugal. Nem bastava que tivéssemos forca naval suficiente para uma polfeia efieaz desses mares e desses portos, porque tal policia s6 seria legitima desde que se apoiasse num direito ineontroverso, de tal modo que, a dar origem a actos de guerra, fossem de justa guerra, ~~ Como firmar os direitos portugueses na ordem inter- nacional? Claro que havia a possibilidade de tratados bila- terais celebrados entre o Rei de Portugal e os soberanos das outras nagdes. Mas a sociodade internacional do sé- culo XV era ainda a comunidade crist’ dos povos europeus organizada em Tgreja Catéliea, Apesar das lutas que tinham oposto, nos séculos ante- riores, 0 Pontificado ao Império, apesar dos desgastes acar- retados ao prestigio pontificio pelo grande cisma, apesar de tudo o Papa mantinha uma enorme autoridade sobre os figis e 05 principes cristdos, e as sangGes espirituais que ‘podia cominar —o interdito e a excomunhio— conserva- vam a sua grande efiedcia, Pode dizer-se que a Cristan- dade era uma sociedade de Nagbes ou de povos subordinada 4 direcgio pontificia em tudo o que, mesmo indirectamente, 5 INTERNACIONALIZAGAO DOS PROBLEMAS AFRICANOS pudesse relacionar-se com a prossecugio dos fins espirituais do homem. Nao admira, pois, que 0s soberanos portugueses soli- citassem do Sumo Pontifice ‘0 reconhecimento expresso dos seus direitos sobre as terrag e os mares deseobertos e a proibic#o aos outros povos de af concorrerem connosco. “Tal € 0 significado da bula Romanus Pontifex expe- dida em 1454 pelo Papa NICOLAU V e dirigida ao_nosso D, AFONS0 V.(°). Ai, depois de recordar as providéncias tomadas pelo Rei de Portugal para reservar o exclusivo das navegagdes e do comércio nos lugares descobertos, diz o Papa que, apesar de tais medidas, «pode vir a acontecer com o andar do tempo que algumas pessoas de outros reinos e nagées, movidas por inveja, malicia ou ambig&o, tomem ousio de abordar Aquelas paragens e nas provincias da- quele modo adquiridas, e em seus portos, ilhas e mares comerciar e pescar contra a dita proibiedo, sem licenga e sem pagamento do referido tributo. E daqui poderiam se- guir-se, com grande ofensa de Deus e perigo das almas, muitos ddios, rancores, dissensées, guerras e escandalos entre os que estas coisas ousassem e o ditos rei e infante que de modo nenhum sofreriam que assim os escarneces- sem>. Deste modo o Papa declara que as terras ja deseober- ‘tas pertencem ao Rei de Portugal ¢ seus sucessores a quem «para maior cautela e seguranca de direitoy concede © atribui_em propriedade_perpétva, As Ordenagées autorizavam quaquer «, que encontrasse nos mares reservados algum navio a navegar sem licenga a apresi-lo, devendo conduzi-lo, com_ ‘a sua tripulactio, prisioneiro até Lisboa onde seria entre- gue ao Juiz da Guiné que julgaria @ presa, ¢ no caso de a considerar legitima atribuiria metade da carga apre- sada aos tomadores do navio. Em que tftulos se fundava_o Rei de Portugal_para assim punir os que navegassem nos oceanos a caminho das terras Ionginquas descobertas pelos Portugueses ou cujo caminho maritimo, a partir do Ocidente europeu, fora por eles desvendado? O cronista JoA0 DE BARROS vai esclarecer-nos, ao expli- car no capitulo 1." do livro VI da 1" Década da Asia (escrita em meados do século XVI) as razdes por que D. MANUEL usava legitimamente o Assim, 0 Direito romano surge como produto da razio esclarecida ©, nessa qualidade, expressio do direito comum dos povos cristdos, que os infiéis nfio conhecem e nao podem, portanto, reivindiear: «Pero, acerca dos mouros e gentios, que esto fora da Tei de Cristo Jesus... nfo podem ser privilegiados nos beneficios das nossas leis, pois nfo sio membros da congregacio evangélica...» Dagui se segue uma distingio: relativamente aos cris- | taos, isto 6, a Europa que possui uma comunidade jurfdica, | 6 de aplicar a regra de que cos mares so comuns e paten- | tes aos navegantes> e «somos obrigados a dar servidéo as | propriedades que cada um tem confrontadas connosco ou \ para-que The convenha ir, por niio ter outra via piblica»s ‘mas quanto aos mares extra-europeus a situagio juridica diferente, pois que com os gentios nao temos comunidades |de direito e pelo que respeita aos cristéos «qualquer mem- bro (da nossa £6) nio pode para aquelas partes orientais pedir servidio, porque antes da nossa entrada na india no havia algum que lf tivesse propriedade herdada ou conquis- | tada, © onde nio hé aegio precedente niio ha servidio pro- |) sente ou futuray. ‘Trata.se da doutrina que D. JoA0 IT expunha em 153 || «Os mares que todos devem © podem navegar sio aqueles x jos e comuns @ todos, mas || os outros, que nunca foram sabidos nem parecia que se “Podiam navegar © foram descobertos com tio grandes tra- | balbos por » , esse () Cit. em Munbs, Novoa Estulos da Histéria do Dire pée. 80, nota 35. 12 INTERNACIONALIZAGAO DOS PROBLEMAS AFRICANOS. 5. 0 DOMINIO ESPANHOL E AS HOSTILIDADES CONTRA OS HOLANDESES — Até a reuniaio das coroas de Portugal e de Espanha foi possivel aos monarcas por- tugueses fazer aceitar as suas pretensdes pelos outros sobe- anos, sem embargo de alguns incidentes diplométicos sus- citados, sobretudo, pela proteccio dispensada pelos reis de Franga e da Gri-Bretanha aos corsérios que infestayam os mares submetidos ao dom{nio portugués ¢ que af aborda- vam navios de coméreio, saqueando as cargas o matando ou aprisionando as tr ipulagdes (*). Pelo que respeita aos Pafses Baixos nfo h4 noticia de alguma vez ter surgido, antes de 1580, dificuldade de monta vas suas relagdes maritimas e mercantis com Portugal. Datavam de Jonge, alids, essas relagdes. Os_Holande- ses, grandes pescadores de bacalhau e de arenque que depois, de secos vendiam por toda a Europa, careciam de sal para a conservaghio e seca do peixe, e vinham desde o século XV buscé-lo aos portos portugueses, para onde tra- ziam panos, cereais e madeiras (°). holandesa nos portos de Lisboa, de Settbal, do Porto © de Viana aumentou & me- ida que os Portugueses, assoberbados com a necessidade de manter navios rinheiros_nas rotas de Africa, do_ Oriente e do Brasil, foram deixando para os estrangeiros 0 coméreio maritimo entre Lisboa e os portos da Europa (*). Da correspondéncia de uns comerciantes holandeses (©) Ver o relato em Resiuo vs Suva, Histéria de Portugal nos séculoe XVII ¢ XVIL, tomo III, pigs 181'e segs. (©) Vincinia Rav, A exploragio © 0 comércio do aul de Seti- bal, 1, pags. 102 © sexs. (9) Idem, pig. 115. 18 INTERNACIONALIZAGAO DOS PROBLEMAS AFRICANOS residentes em Lisboa, chamados CUNERTORF ¢ SNEL, de que JoKo Licto Dz AzevED deu conhecimento ao piblico por- tugués () consta que em. Maio de 1579 tinham chegado, em seis dias, a0 Tejo © Setibal, mais de 250 embareagies, das quais 150 ou 160 neerlandesas ¢ alemis e as restantes da Bretanha. *~ xtris do sal levavam os Holandeses daqui para o norte da Buropa, vinhos, frutas secas, azeita, couros ¢, sobre~ tudo, os produtos ultramarinos: agtiear, eanela, cravo, gen- gibre, pimenta, noz “qnoseada, algodao, anil, marfim, pau- ~brasil. Portanto, os Portugueses tinham tomado sobre si | trafego de longo curso com a Africa meridional, 0 Oriente | eo Brasil, e os estrangeiros forneciam-se, sobretudo no | porto de Lisboa, das mercadorias exéticas que para aqui ) traziamos. Todo o interesse portugués residia em manter este estado de coisas, facilitando o mais possivel 0 acesso dos navios estrangeiros aos portos da ‘Metrépole e 0 seu abaste- cimento de tudo quanto Thes interessasse. Erro grave foi ja o de D. Sppastii0 ao _embargar em ‘Marco de 1578 as embareacées 8 estrangeiras surtas nos por- ‘tos portugueses, om a ideia de requisitar os navios para 6 transporte das tropas, dos mantimentos e das munigées na ‘expedico a Aledcer-Quibir. Dessa vez, com influéncias @ gratificagies, conseguiram o8 carregadores libertar a maior _Parte ("), a0 asso que o Tei portugués entretanto captava () Loco ve Azevmno, Noticias de Portugal de 1578-1580 se- pundo corlas do wana casa comercial necriandeaa em ¢Lsitinian, Vol. IT, pag. 88 e vol. TH, pis. 41 (2) J. LGcio pe Amveno, loc. cit., vol TIT, pi. 42 % INTERNACIONALIZACIO DOS PROBLEMAS AFRICANOS as boas gracas dos Holandeses, prestando-thes o auxilio que solicitaram na rebeliio contra Castela (#). ‘Mas com a unifo das duas coroas, passou a ocupar 0 trono de Portugal FILIre II de Espanha contra quem as Provincias Unidas estavam em luta. & certo que a unifio dos dois reinos era meramente pessoal e que segundo o jura- mento feito nas Cortes de Tomar a autonomia do reino ¢ da politica portuguesa se devia manter. Mas dificilmente so poderia sustontar a situagéio de estar FILIPE II em guerra com os Pajses Baixos como rei de Espanha e em paz como rei de Portugal (**). Para mais, tendo abracado a Reforma, deixaram os, Holandeses de acatar a aiitoridade do Pontifice Romano e, portanto, de se julgar obrigados pelas bulas que ele houyesse expedido. i Fiuire II por carta régia de 29 de Maio de 1585 (**), decretou ‘a apreensio dos navios holandeses, -alemies e ingle- ses fundeados nos portos da Peninsula —eompreendendo assim os portos portugueses (*). A Dre Viramia Rav, nesse livro fundamental para a histéria das relages eas némieas de Portugal que 6 A exploragio ¢ 0 coméreio de eee ero eT Cea ear ers . 9) Vem na Cite de Documentor Ineditos para la Historia eee ee pia ene ee sae ecco eae 15 INTERNACIONALIZAGO DOS PROBLEMAS AFRICANOS sal de Setibal, informa que o embargo abrangeu, 66 em Lisboa e Setubal, cerea de 100 navios holandeses (p. 187): Fechavam-se assim os portos portugueses ao comércio com as nagoes estrangeiras, provocando as represélias inglesas lesas. , Sac ‘ao acto do rei espanhol logo a rainha Isa~_ BEL de Inglaterra retorquiu ordenando ‘por sua Vea 0 em- bargo ras ia ‘portugueses e espanhéis fundeados nos portos sob sua autoridade. Em 3 de Abril de 1586 um edital determina a sustagio do comércio com a Espana; ®% entretanto, FRANCIS DRAKE, animado sendo impelido pela rainha, comeca a incomodar com a sua esquadra os domi- nossos. Quanto aos holandeses, é de 21 de Novembro de 1585 o decreto dos Histados Gerais a proibir o comércio com a Espanha-eveom Portugal sob pena de confisco dos navios fe das mereadorias. Estava a Holanda em plena pujanca das suas forgas maritimas e da sua prosperidade econ6- mica. A guerra dos Paises Baixos prejudicara o empdrio de Antuérpia, nesse ano cercada pelas tropas de Alexandre Farnésio, Amesterdio herdavahe a funcéio de metropole comercial. Eo encerramento dos portos portugueses faz procurem logo novas fontes abastecedoras: em com que se ; : busea do sal, por exemplo, eneaminkam-se os nayios neerlan- deses a Cabo Verde sem respeito pelas proibicdes das leis portuguesas ("). ‘A derrota da Invencivel Armada em 1588 deu um golpe "V. Rav, ob. oft pg, 140. 16 INTBRNACIONALIZACAO DOS PROBLEMAS AFRICANOS irreparavel na poténcia maritima espanhola e enfraqueceu notivelmente © nosso poder naval. E como houvesse nesse 4) ano em Portugal escassez de cereais, néo teve o rei espa- | thol mais remédio sendo consentir no afrouxamento das restrigdes postas & frequéncia dos portos portugueses pelos | navios da Holanda. Seguem-se uns anos que permitiram, de certo modo, a normalizacio do coméreio entre os dois paises. Até que em 1595 sobrevém nova crise. Na verdade, maus conselheiros do soberano convence- ram-no de que a liberdade dada ao comércio holandés for necia recursos A guerra dos Paises Baixos que de ha tanto inquietava a Espanha. Daf que nesse ano de 1595 novo em- bargo surpreendesse os navios holandeses surtos em portos peninsulares: entre quatrocentos e quinhentos segundo as fontes citadas pela Dr.* VinGINIA Rav (**), dos quais muitos certamente se encontrariam em portos portugueses. 0 Almi- rante BOTELHO DE SoUSA informa também terem sido con- fiscados os bens dos comereiantes holandeses aqui resi- dentos ¢ proibido o pagamento de quaisquer eréditos que os holandeses tivessem sobre stibditos de Finipe II (*). Hm resposta, o Bdicto dos Estados Gerais de 2 de Abril de 1599 (*) profbe a navegagio e 0 coméreio dos () Ob. cit, pég. 147. J. Gent, DA Suva, no seu livre Strax tépie des affaires a Lisbonne entre 1695 ot 1607 regista a informs sio do Conde de Portalegre para a Corte de Madrid em 2 de Marco de 1999 de haver mais de cem ureas holandesss ou zelandesus em Lisbon © Setahal; em 19 de Marco o embargo eolheu nesses portos 85 navies (pigs. 5 © 36), mas 5 ureas mais pairavam dinnte de Qutdo, para fugir ao embargo, em 12 de Abril (pA. 36). (9) Subsidios para a Histéria militar maritima da tulia, vol. 1, pig, 201. () Doc. n* 1 do Apéndice & edigio de 1868 do De jure pracdae, 7 1s INTERNACIONALIZAGXO DOS PROBLEMAS AFRICANO’ sibditos das Provincias Unidas com a Bspanha pane ‘boa_presa dos Holandeses todos os navios esp: jurados. or es ova de ether nos vortos porewguess 38 Me ceeina do Oriente, 0s Holandeses iam eee 2 navegagdo pelos mares até af por més Teivindicados © SG necer-se na propria origem. Jniciava-se assim & one igo Juso-neerlandesa em Africa, no Oriente e no Brasil. 6 A LUTA NO ORIENTE E 0 Ae DA NAU SANTA CATARINA EM 1603— conl e — histéria do aparecimento dos Holandeses pos are Oriente. ‘Tracoi-a minuciosamente, no one Se a ante BovELato Ds SOUSA nas ses cso sul pay ic litar maritima da lia (**). ; : 2 ipa. plago om 1585 do Tinea de LinscHoTen, onde se revelavam roteiros Sasa pritieas de navegacio e noticias {fiteis colhidas pelo pee em muitos anos de permanéncia em Portugal e na resolveram os mereadores holandeses tentar a navegasso : a 2) se eae viagem foi nesse mesmo ano de =” ie ‘Apesii? de nfo ter constitufdo um éxito comp ei ae lueros e, sobretudo, abriu caminhos e proporcion< et ‘iénei se Ihe seguiram organizadas por compan jaar sunidas, em 1602, na célebre Compa- i as, mais tarde ret m If Bon oe Indias Orientais cuja fundagéo, encorajada pelos (@) No vol. I, relativo ao periodo de 1685 9 1606, especl mente a pig. 223 € seguintes. Poilhs as < (©) Ob. eile, PE. 285. 18 INTERNACIONALIZAGZO DOS PROBLEMAS AFRICANOS préprios Estados Gerais, yisava ostensivamente abalar o poder do Rei de Espanha nas fndias (*). Antes ainda dessa grande fusdo, uma das mais impor- tantes companhias existentes e resultante j4 da reunifio da Companhia Velha e da Companhia da Holanda do Norte (4), armou em 1601 duas frotas, a primeira das quais com 5 navios, sob o comando de HaRMENz, se dirigiu a Banda e as Molucas, enquanto a segunda, formada por 8 nayios sob 0 comando de HEEMSKERCK, tomou o rumo de Achem(**). A histéria dessa expedigdo, que tanto brado daria no Oriente, tendo sustentado numerosos combates com as arma- das portuguesas, sobretudo com o bravo ANDRE FURTADO DE MENDONGA, esta feita e pode ler-se também narrada por BOTELHO DE Sousa (?*). ‘$6 nos interessa agora um dos episédios da luta, Em Fevereiro de 1603 HEEMSKERCK, informado pelo rei de JOR, seguiu com dois dos seus*navios para o estreito de Malaca a caga da nau portuguesa que de Macau se dirigia para Goa, carregada de sedas, porcolanas, agiear, algodio © outras mereadorias: «a mais poderosa e rica nau que nunca partiu da China... para esta cidade>, segundo o testemunho da Camara de Goa na carta para o reino em que dava conta do incidente (2"). Tratava-se da nau Santa Catarina, de 1400 toneladas de porte, tendo por capitio SERASTIXO SERRAO e trazendo "750 pessoas a bordo, das quais 100 eram mulheres e crian- () PRum, loc. eit, pig. 20. ) B. ve Sousa, ob. eit, née. 279. (29) Idem, pig. 484. (28) Idem, pag. 485 © seg. (©) Arquivo Portugués Oriental, fase, 1%, doe. 9, eit, em B. ve SOUSA, 0b. cit, pg. 500m 2. 19 INTERNACIONALIZAGAO DOS PROBLEMAS AFRICANOS jetdrios da carga. uitos outros mereadores e propriet aaa Conselho do Almirantado de Amesterdio, Oe a -am «700 homens que julgou o navio boa presa, diné que er », © que nfo é exacto) Pie ce 25 de Fevereiro pela manbA que os Holan- doses avistaram o navio portugués. Pois bem: no sé pelo conhecimento dos grandes te6- Jogos espanhéis que haviam j4 discutido os problemas fun- damentais do Direito das Gentes, nomeadamente VITORIA fe VASQUEZ DE MENCHAGA, como pelas préprias circunstin- cias em que fot eserito, para aquictar escripulos religiosos, ‘ estudo produzido por GRocIO, De jure praedae, constitai (observa VAN DER ViLUGT) cum parecer emitido por um confessor laico sobre um caso de consciéncia que dividia os seus eorreligiondrios protestantes>. Ease parecer ficou manuserito durante 260 anes ¢ che- | gou a cair no esquecimento. Dado nos primeiros meses de | 1605 & Companhia das tndias, 0 De jure praedae commen- Jariua 86 em 1868 velo a ser publicado em Paris, pelos eui- | dados de Hamaxen (*). ‘ee B também a opinido de FRUIN, loc, ot. pgs. 24-25, em pora observe que tais ideins eram j& bastante correntes. {@r) Publicado no t, VI do Reewett des Coure, 1925, Tl, née 597 6 soguintes. “on Fol em 1864 que aparecex o antncio da venda de wae coleogdo de manuscrtes de GROcIO provenientes da sua familia. En- 26 INTERNACIONALIZAGAO DOS PROBLEMAS AFRICANOS ‘Mas no estava inteiramente inédito. Na verdade, em 1606 o rei FILIPE III dispds-se a acei- tar conversagées com os rebeldes das Provincias Unidas ‘com o fim da ¢elebragio de umas tréguas (*). _ Mal soube das negociagdes, embora secretas, a Compa- nia das Indias pds em movimento toda a sua poderosa influéncia para impedir @ celebracio das tréguas, ou, no caso de tal nio conseguir, para obter que nelas no figu- rasse o reconhecimento dos direitos reivindicados pelo rei de Espanha e Portugal ao senhorio da navegagio e do comér- cio na América e no Oriente. Um dos eaptulos do estudo feito por GE0CI0 sobre o direito de presa, o capitulo XII, tratava da liberdade dos mares, Para agir sobre os governantes e sobre a opiniso de modo a convencé-los de que o mar alto é livre e de que todos os titulos reivindicados por Portugueses e Espanhéis careciam de valor, a Companhia —ou 0 préprie GRocio de acordo com ela ("°) — destacou esse capitulo e publicou-o, tre eles figuravam os originais inéditos dc in = = cxiginas inkl do De fore prone 0 dn Do op. ¥ Aor Lier rant Gla Wen, Ais Wr valence So Tapn ota To ste 2 far rte ane i ei : e are 0 Guile inpirow arbetude © Ds. Hie IEA pac Clea te eis erate nes por ele prefaciada em latim. me GD" orate a Nia dan igus srs Sid eco il fe tao nee ore, os os i, 0 Ca sags PO) Bas on fan nae tt ono, a oh gn a sre 0 gn intact rcs Euaovisr xt ob Soleive, Les fondaiours hu drt iorationa, ple 14198. Bak pee ori, npr fi faa pl lomparhia de perfeite acon com Gxocto; cf. PRI, no Postar tum ao seu artigo, na Bibliotheca Visseriana, vol. V, ‘pis. 72. rs 7 INTERNACIONALIZAGAO DOS PROBLEMAS APRICANOS ‘som nome de autor (#), em Novembro de 1608, sob o titulo “de Mare Liberum, sive de jure quod batavis competit ad Indicana, dissertatio. 8. 0 MARE LIBERUM —Todo 0 parecer ou «comen- tarios De jure praedae 6 antilusitano, pois se destina a demonstrar que os Holandeses nao tém de ter eserdipulo fm navegar nos mares sobre os quais os Portugueses rel- Gindicavam © direito de dominio, nem em atacar os seus pavios, dado que haviam sido vitimas de actos de hosti- ‘Tidade da parte deles. : ous Paola eontral do parecer, afirmada jé no act dio do Conselho do Almirantado, é a de que o alto sate é livre. 0 capitulo sobre a Mberdade dos mares & pois: © principal e todo ele também dirigido polemicamente contra os Portugueses (‘*)- vee Nao 6 demais insistir que 0 Mare tiberum no foi int cialmente uma dissortagio filoséfica ou uma tese juridiea, Gay Goat, wo inka ave rnp «Wnt Wen (oe can esa) en 8 pata arin yl dn Se im eo In en ge fee nudes om eonthro mato poder opr ot lo deen teapot nm teen V YE G1 earn cate XE do pO, Mare Wher et evan anton an adopasies De jure psi oa ry autonome. Tain moaieaget 36 foamy sara oma et rm ea te A wi aie mos 6 a da Fundacio Carnegie de 1916, dirigida Leh is en 6 Ta eo em int, Sr Bec er tna, no ar ire nao mre are 6 Sear Ora a ven dosha em preg ms ncins ie ct ea Apna to ae eft et vera am mit an Sen lores Uaton emo mt 73a 29 aa ee irc Drantare & Pret, Walaa Pot ciel He ge tense uma teadoeto intext, 28 . INTERNACIONALIZACKO DOS PROBLEMAS AFRICANOS —™mas uma apologia ao servico de interesses, um trabalho de advogado por assim dizer. O que o valorizou, além do favor da corrente da His- téria, foi o talento com que o seu autor soube erguer a dis- cussio acima das conveniéncias de momento para o colocar num plano elevado de princfpios universais. Esse tom evocativo de ideias largas e de sentimentos generosos ressoa logo na proclamacéo que abre o livro — que bastaria sé por si para desmentir Grocio quando uma vez afirmou que o Mare liberwm fora publicado sem seu conhecimento. Dirige-se a proclamagio inicial «aos princtpes e aos povos livres da Cristandade» e nela repudia o direito fir- mado na simples vontade dos poderosos, na tradi¢io ou na utilidade, para afirmar a existéneia de uma Ordem divina, cujas leis a todos obrigam por igual e a todos ligam numa soriedade que abrange 0 género humano. Deus nao é 86 legislador, é também juiz; todavia, se bem que reserve para si o julgamento supremo, delega dois outros juizes para avaliarem das coisas humanas, a saber, a Consciéneia de cada um e 2 Fama ou opiniio dos outros. 8 perante ease tribunal que vem ser trazido um novo caso, uma questo fundamental que transcende muito os pleitos habituais, porque poe em causa todo o oceano, o direito de navegacao e a liberdade de comércio! «Entre nés e os Hispanos esta em controversia: se 0 acesso ao imenso e vasto mar pode ser reservado a um s6 reino, que por sinal néo 6 0 maior de todos; se um povo pode ter o direito de proibir outros, desejosos de o fazer, de entre si comprarem, venderem, permutarem e comuni- carem; se alguém pode fazer concessées daquilo que nunca 29 INTRRNACIONALIZACHO DOS PROBLEMAS AFRICANOS foi seu ou adquirir 0 que jé era de outros; ¢ se uma injus- a i direitos. tiga prolongada pode criar um Grocio anuncia entéio que apelard a) discuseas para os proprios mestres hispinicos do direito divino e humano e para as préprias Jeis de Espanha. Na verdade, si0 fre- quentes na sua dissertagéo as citagies de VITORIA, ‘COvAR- ‘RUBIAS, AYALA, VASQUEZ ‘Mencuaca e AFONSO DE Cas ‘TRO. O dnico portugués citado é D, JeROnrmo OSORIO, mas como historiador (*). oe ‘A matéria do Mare liberum aparece distribuida aD trend eapitalos cnjos titulos sfo suficientemente elucidati- os dos assuntos versados e da parte que nele ocupa Por- tugal. Eis os capftulos: * Pelo Direito das gentes @ navegagiio é livre a todos ja para onde for. See ' 5 ea Os Portugueses nio tim nenhum direito de domi- (eB cvtromaneni nternane ear opine rast 2 eee enenn, unm dao mais emincrtes TE protestants Mano BonaN ogre omen da igttncia da Reform oe = desenvolvimento do Direito Internacional afirmou: ee rome our dre fate iadiuer tre netiement eve Ta penate de were, Unparent tot caaant — ob co West gus — @ cel Ge Ean hi de exter mds Vari we es ai onl des Contacte de Droit ee mt Sa" pb). ea eve repaint doe reel inn end enor reo Sepuo Y ee om Guoct se zeere como siete re os MENA 8 do ture cunittatm, neon doco er ne dees re term ca. VD, 0c he Om ni ‘esgencial, entre os autores modernos do Direit jas sera cael oe ot om 16, Iran fundatnetal pare 2 one elon 22 pare, ep. 740, om BASDNANT, ob, cits pig. 143) 30 INTERNACIONALIZAGAO DOS PROBLEMAS AFRICANOS nio por motivo de descobrimento, sobre as fndias para onde 0s Holandeses navegam. 8° Os Portugueses nfio tém sobre as indias o direito de dominio por doaco pontificia Os Portugueses no tém o direito de dominio sobre as ndias por motivo de guerra. 5° Nem o mar que conduz as Indias nem o direito de nele navegar pertencem aos Portugueses a fitilo de ocupa- ho. 6° 0 mar e 0 direito de navegar nio pertencem aos Portugueses a titulo de doagio pontificia 7 O mar eo direito de naverar no pertencem aos Portugueses a titulo de prescrigao ou por costume 8° Pelo Direito das gentes o coméreio 6 livre a todos. 9° 0 coméreio com as Indias nio pertence aos Portu- gueses a titulo de oeupacio. 10" O eomércio com as Indias nao pertence aos Por- tugueses a titulo de doagio pontificia, 11° 0 comércio com as indias ‘nfo pertence aos Por- tugueses a titulo de preseri¢&o ou por costume. 12_A proibi¢go do comércio pelos Portugueses nao se apoia em nenhum principio de equidade. 132 Os Holandeses devem manter o seu coméreio com as paragens indicas, na paz, durante as tréguas ou em guerra. Como se vé, Grocto discute fundamentalmente a sobe- rania portuguesa sobre os territérios orientais e 0 direito dos Portugueses ao exclusive da navegagio para a india e do coméreio com os povos do Oriente. Os t{tulos em que os direitos Iusitanos se apoiavam 31 INTERNACIONALIZACAO DOS PROBLEMAS AFRICANOS exam 0 descobrimento seguido de ocupacio, a doagso pon- tiffeia, a conquista e a aquisigio por prescrigho? Para cada um dos pontos estes fitulos sfio examinados ¢ rejeitados, BE assim procura afastar as objecgdes a0 principio da liberdade do mar, da navegagio e do comércio e provar a egitimidade das navegagées holandesas, a bem ou a mal, e sem que seja licito impedi-las num tratado de tréguas— demonstrag&o que, como se disse, era o objective da publi- eagio do optisculo. Se na parte negativa continua, no estilo da época, a recorrer ao arsenal da erudicio romanista ¢ literéria (nem sempre com felicidade) para demonstrar inanidade dos titulos de Portugal, na parte positiva GROCIO poe 0 acento ténico no Direito das Gentes, constituide por regras dedu- vidas da Natureza, dessa Natureza em cuja ordenacio transparece a vontade divina. ‘Assim, 0 prinefpio de que 6 lfeito a todas as Nagdes | pereorrerem as rotas que conduzem umas as outras e nego- | ciarem entre si é apresentado como regra priméria e cer- || tissima, cuja razio é evidente ¢ imutiivel. «0 proprio Deus ‘Vg formulou na Naturezas (Deus hoc ipse naturam loquitur). ‘A validade das doagdes pontificias € negada redonda- | mente. Deve dizer-se, todavia, que GROcIO trata respeltosa- mente 0 Sumo Pontifice, ao qual se limita a negar poder | para dispér da terrae do mar ¢ a recusar autoridade para | contrariar as leis da Natureza ¢ 0 Direito das Gentes, — como alidis é também reconhecido pelos ted Que 0 Papa fosse tomado por érbitro nas disputas entre Portugueses e Espanhéis, va: mas o que ele nfo podia era, ‘a esse pretexto, pronunciar-se sobre direitos de terceiros que 0 nfo tinham chamado a decidir. 1gos eat a2 INTERNACIONALIZACAO DOS PROBLEMAS AFRICANOS Esta aqui o eco da rebelifio da Reforma contra a auto- | ridade do Pontifice, negada mesmo nas matérias relaciona- | das com a expansio da fé. 9. 0 £XITO DO MARE LIBERUM — Publicado em 1608, © opiisculo anénimo j4 velo tarde para influenciar as tréguas, mas produziu assim mesmo os seus efeitos entre os homens responsdveis dos meios dirigentes das Provin- cias Unidas que se destinava a convencer ow a ilustrar. Do lado dos Espanhéis entrara-se na politiea das con- descendéncias, ¢ & eonvieeso, que se ia arreigando entre os Holandeses, do direito a liberdade dos mares, nfo se corres- pondia com igual certeza na defesa das teses tradicionais. _A suspensio de armas pactuada em 1608 entre Espa- nhéis ¢ Holandeses nfio abrangia 0 Oriente portugués, 0 que significava conceder-se ao adversério sossego e paz na Europa para poder redobrar de esforcos, agressividade e poderio no Oriente (“). E quando em 9 de Abril de 1609 os plenipotencidrios de Funire II de Espanha, 1 de Portugal, firmaram as oé- lebres tréguas de Doze Anos com as Provincias Unidas, pode dizer-se que a Companhia das tndias ganhara a par. tida: © acordo concedia aos Holandeses liberdade de trato na Peninsula e no Ultramar, embora condicionasse a nave- sagéo para as partes ultramarinas & concossiio de Heenca pelo rei de Espana, conforme a legislagio em vigor. Man- tidos longe das negociagdes, os governantes portugueses espantam-se de que {40 mal acautelados ficassem os inte- esses nacionais, pois dada a existéncia no Oriente de tantas () Dr. Mespes DA Luz, O Conselho da India, pags. 208-04. $3 i INTERNACIONALIZAGAO DOS PROBLEMAS AFRICANOS ppases holandesas e 0 direito que thes era reconhecido no ‘Teatado de trézuas de celebrarem pactos com os principes indfgenas, os nossos concorrentes iriam prosseguir no seu trafico com mais intensidade e mais ardor, acobertados pela Sere “que a publicagio do Mare liberum nfo sus- citou interesse especial, até por as ideias nele expendidas jd serem correntes. E opina que 0 opisculo nio sairia dessa obscuridade se nfo fora o edicto do rei de Inglaterra de 116 de Maio de 1609 proibindo a pesca aos estrangeiros nos mares britanicos sem sua licenca. Para justificar essa pro- ‘vidéneia 6 que WILLIAM WELWop publicon em 1613 0 seu “Abridgement of all the Sea laws em que atacava a dou- trina da liberdade dos mares e impugnava expressamente os argumentos do livro holandés. % entdo que o Mare Libe- rian comega a ser Tido com mais atene&o, pois o ataque do lado briténico é suficientemente impressionante para levar Gnocio a eserever uma resposta, que alids no publicou. © fotheto de Grocio tem a partir dessa altura sucessivas edigées © aparece’ em 1618 impresso sob o seu nome, Cantos T nesse ano enearrega SELDEN de redigir a defesa da toso inglesa: a polémica esta travada (*) B na Peninsula — directamente visada pelo ataque inicial donde GRoctO esperara a primeira reaeco? (“)- (2) Hom ng 27 i) Pum, De. ~ oo Te ata a Wrnvo0 o joisonelt Roland express: some dan tie verdade, eave A cepere. de algum ecpenkal elerorete ured 2 Para gl a me re Wr Ge facto errs CTlavra erum excita A swdn do 1607, Quanto a0 3b INTERNACIONALIZAGAO DOS PROBLEMAS AFRICANOS $6 em 1612 6 que a Inquisigdo espanhola d4 pelo Mare Liberum para o incluir no index das obras proibidas (*). E, segundo todas as probabilidades, & tranquilidade provineiana das suas cidades e a calma escoldstica das suas Universidades levayam tempo a chegar as novidades e mais ainda livros assim. Em 1619, nos seus Comentérios A lei ex hoc jure, jurisconsulto portugués, de Lisboa, BeNto Gut, dé notfeia do opdsculo, mas ainda sem o ter lido, pois ao versar a matéria do dominio dos mares acrescenta: «Depois de ter escrito 0 que af fica chegou-me a noticia de se ter publicado recentemente na Holanda um livro intitulado Mare liberum, sem nome de autor, no qual, ao que me dizem, os Holande- 05 se esforcam quanto podem por demonstrar que Ihes no pode ser tolhida por direito divino nem humano a iberdade de navegarem para a fndia, pretendendo deste modo des- pojar os nossos reis do seu direito ao mar e ao comércio do Oriente a inculear esse direito como comum a todos os Estados. Eis a razio porque eu, nfo querendo, ja que se mo oferece a ocasiio, deixar de cumprir os meus deveres para com 0 rei e a Pétria, resolvi examinar a questéio mais, desenvolvidamente do quo nenhum dos nossos (suponho) fez até hoje> (“*) vumor de haver em Salamanca quem quisesse responder ao Mare Uiberum, devia ser confusiio com Valhadolide. (2) Index Librorum Prohibitorum, Madrid, 1612, pag. 77. De- certo por virtude da proibigéo o livro cizeulou em eépias manuscri- as, uma das quais existe na Biblioteca Nacional de Lishos, F. G., 656, onde me foi indicada pelo Sr. Dr. Momeira Dz SA. (4) Transerito do 46 citado livro de Pauto Mests, Novos es- tudos da Histéria do Direito, pag. 36. 35 INTERNACIONALIZACAO DOS PROBLEMAS AFRICANOS BENTO Gil. no conhecia, pois, directamente o livro e ampliou os seus argumentos mas sem poder replicar aos de Gnocio. Prometia apenas que depois de os conhecer escre- veria a resposta «se acaso Sua Majestade quisesse confiar- Ihe essa tarefas (*). Ora Sua Majestade nfo confiou nem a ele nem, se- gundo parece, a mais ninguém o eneargo de retorguir aos argumentos postos a correr contra os seus direitos. Estava empenhado numa politica de pax com as Provincias Unidas e nio desejaria irritar as relagbes. Ou entiio pensaria, como mais tarde resolveram os Estados Gerais quando se debateu a conveniéneia de uma réplica holandesa a0 Mare Clauswm de SELDEN (*) que, sendo possivel, era melhor opor ao adver- siirio os factos de que perder tempo com argumentos. 10, A TESE PORTUGUESA: FR. SERAFIM DE FREITAS—Foi por obra de um Portugués, Fr. SERAFDE pe FREVAS, que, em 1625, viu a luz da publicidade em Valhadolide uma resposta ao ataque do Inebgnito inti- tulada De justo imperio lusitanorum asiatico (*). FRerras procura cingir-se o mais poss{vel & argumen- tagiio de GROCIO para melhor a rebater, comegando por, a propésito da liberdade de navegacio e do direito de viajar, (09) Idem, pag. 37. (1) Cf. FRumy, Joe. eit, pig. 41. (2) A obra de SERAFIN DE Faurtas foi publicada por iniciativa do Centro de Betudos de Histéria da Filosofia anexo & Faculdade de Letras de Lishoa em 2 volumes: no 1*, além da nossa introdu- fio de que foram extrafdas as piginas que aqui fieam e onde #0 Zez ainda a biogratia do autor © a histéris da obra, contém-se a traduglo do livro em portugués; no 2° reprodusiu-se 0 texto latino (Do Justo Império Asiético dos Portugueses, 1959 e 1961). 36 INTERNACIONALIZAGAO DOS PROBLEMAS AFRICANOS contestar o fundamento procurado pelo Holandés no «di- reito das gentes primitivos. Trata, depois, de examinar as duas questdes versadas no mare liberum: se os Portugue- ses possufam titulos legitimos ao dominio das regides da india para onde os Holandeses pretendiam navegar, e se tinham direito a dominar os mares. 1. 0 dominio da india perteneo, de direito, aos Por- ‘tugueses : 4) a titulo de descobrimento (titulo inventionis), como principio de ocupagio, pois embora a india fosse conhecida dos antigos, nio 86 esse conhecimento era imperfeito (como se prova pelos erros notados nos mapas e deserigdes geo- gréficas), como no compreendia terras e mares que as navegagées portuguesas revelaram pela primeira vex nas viagens pelo hemistério antéretico, para além do Cabo da Boa Esperanca; b) por concessao pontificia: e aqui se alarga parti- cularmente 0 nosso autor para recapitular e desenvolver 1s razbes tradicionais que desde a Idade Média se alegavam para justifiear 0 poder pontificio, — agora adaptadas & doutrina formulada nessa époea pelo CARDEAL BELARMINO © que ficou conhecida pelo nome de doutrina do poder indi- recto do Pontifice sobre as coisas temporais. Segundo esta doutrina, 0 Papa possui e pode exercer directa € principalmente o poder espiritual, assim como da ‘mesma forma pertence aos prineipes seculares o poder tem- poral. Mas 0 Papa, por mandado divino, tem que zelar por tudo quanto interesse ao fim espiritual dos homens, & sal- vagdo das almas, e a esse titulo pode e deve intervir nas a7 INTERNACIONALIZACAO DOS PROBLEMAS AFRICANOS questées temporais sempre que através delas estejam em ‘causa 08 interesses da salvagéio. Daqui resulta que 0 Papa tem, através da sua jurisdigéo espiritual (impondo obriga- ees do consciéneia aos governantes e cominando sanc50s), um poder, que é indirecto, sobre as coisas temporais. (© Pontifice Romano, embora nio podendo dar aos Portugueses pura e simplesmente o direito de dominar os Indianos ou o exclusive de navegar até junto deles, podia portanto encarregar um Principe de enviar pregadores @ converter os infiéis ¢, para atingix esse fim espiritual, con- ceder-Ihe os recursos necessirios bem como o direito de navegagio e de coméreio com exclusio de todos aqueles povos que possam perturbar a obra de evangelizagio, incla~ sivamente por serem hereges. Foi isto que fizeram as bulas pontificias. Quanto, em especial, & bula Inter coetera de ALEXANDRE VI, trata-se de um juizo proferido pelo Papa na qualidade de Arbitro fe que obriga, portanto, As partes interessadas: mas os reis de Espanha foram, também, a partir de FiLire I, condes da Flandres e senhores da Holanda, aceitando nessa qua- Tidade a arbitragem e criando obrigacées internacionais para os seus Estados que qualquer poder quo Ihes suceda tem de acatar: 0 argumento da res inter alios acta nio serve, portanto, A Holanda.. 1c) por direito de justa guerra: 20 contrério do que diz Grocto as, alids raras, aegGes de conquista militar empreen- didas pelos Portugueses foram justas por se destinarem a obter a liberdade de propagagio e de pritica da fé catéliea ‘om terras de infiéis. 38 INTBRNACIONALIZAG40 DOS PROBLEMAS AFRICANOS 2) Quanto ao dominio dos mares: @) Nao exacto que 0 dominio do mar nao possa ser em parte objecto de apropriaco pelos primeiros ocupantes segundo o Direito romano: a rigorosa interpretagéo dos textos, alguns deturpados por Gxocio, prova o contrério (*), sendo admissivel que mesmo o alto mar seja protegide ¢ submetido por uma autoridade para evitar a perturbagio do seu uso por inimigos e piratas; b) J& se provou que o Papa pode conceder o direito exclusive de navegagio 20 povo que tomar sobre si o en- cargo de missionar os territérios a que ela se destina, como ‘meio temporal inispensével & consecugio de um fim es- piritual ©) ¢, segundo a opinido comum dos doutores, 0 direito de dominio do mar © da navega¢io pode adquirir-se por preserigio imemorial (docorridos mais de com anos) e por ireito consuetudindric, 0 que no caso dos Portugueses se verifica. His muito resumidamente 0 contetido da obra de SERA- FOI DE FREITAs que, todavia, nfio poude j4 conveneor os adversérios e salvar o domfnio maritimo dos Portugueses... Os Holandeses, em Juta com os FILIPES, langaram-se ao assalto do Império lusitano, no Brasil, em Angola, no Cabo, no Oriente, e 0 enfraquecimento do nosso poderio maritimo tiravanos o melhor argumento para defesa da tese que _() Na nota do Prof. Menta sobre Um avpecto da questo Hugo roc erefin do Fraice (cBol. da Fac, de Dit. de Geiser, Ti, iu. 466) mostra-se que, neste ponto, o portugués levou inegrivel van- ‘gem sobre o holand8s, 39 INTERNACIONALIZAGAO DOS PROBLEMAS AFRICANOS sustentévamos... Apés 1640 alguma coisa se reconquistou: mas outros povos se tinham fixado em Africa e no Oriente haviam desenvolvido a sua navegacio pelos mares que abriramos ao conhecimento do mundo. O principio da li- berdade dos mares firmou-se, sem embargo da tentagiio que sempre havia de assaltar através dos tempos a Poténcia dotentora da supremacia naval de chamar a si, pelo menos, a policia dos mares... (°*)- (2) Sobre a matéria deste parfigraio pode verse, além dis bras jé diadas, 0 extudo do Prof. MAmmo ne ALSUQUERQUE, Ao ‘puned portuguesa © 0 problema da liberdade dos marcs na «Hist ‘a Expansdo Portuguesa no Mundo», vol. 11, pégs. 161 seas. 40 CAPITULO Ir 0 PACTO COLONIAL, A QUESTAO DA ESCRAVATURA E AS PRIMEIRAS CONTESTACOES TERRITORIAIS 11. © SISTEMA DO PACTO COLONIAL —A pro- gressiva implantagio do principio da liberdade do alto mar néo significa, porém, a livre navegacao para os territérios coloniais, o coméreio aberto no Ultramar a todas as nagées. Por muito tempo persistiu a ideia de serem as colénias dominios exclusivos das respectivas metrépoles a explorar em seu proveito e interesse, segundo certas regras em que a supremacia econémica metropolitana se afirmava impe- rativamente: é a doutrina do pacto ou sistema colonial que, esbocada ou praticada desde 0s inicios da colonizagio mo- derma por todos os paises, vem a ser definida o sistemati- _Zada nos séculos XVII € XVIIT, dentro da orientaczo mer- lista, Pode dizer-se que 0 monumento capital sobre que . assenta o sistema foi o élebre Aeto de Navegagio publi- cado em Inglaterra em(1651e pelo qual nenhiima merea- doria proveniente de fora da Europa, especialmente das colénias inglesas, podia ser transportada para Inglaterra Sendo em navies construidos na Gré-Bretanha, pertencentes a siibditos britinicos, com capitao inglés e trés quartos da equipagem de nacionalidade inglesa. Em 1663 acrescentou- at

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