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COSACNAIFY PORTATILAM . rr AR 225524 wu | © Cosac Naify, 2008 © Suhrkamp Verlag Frankfurt am Main, 1974 EDI¢AO Paulo Werneck e Luciana Araujo ASSISTENTE EDITORIAL Ana Paula Martini PREPARACAO Denise Pessoa REVISAO Débora Donadel PROJETO GRAFICO Cosac Naify PRODUCAO GRAFICA Aline Valli 1 edigao Cosac Naify Portatil, 2012 Nesta edi¢do, respeitou-se o novo Acordo Ortogréfico da Lingua Portuguesa. Dados Internacionais de Catalogagao na Publicacao (cir) (Camara Brasileira do Livro, sP, Brasil) Biirger, Peter [1936+] Teoria da vanguarda: Peter Biirger Titulo original: Theorie der Avantgarde Tradugio: José Pedro Antunes tPedigdo Cosac Naify Portatil ‘Sio Paulo: Cosac Naify, 2012 256 pp..8ils. ISBN 978-85-405-0216-1 1. Vanguarda (Estética) 1. Titulo 12-05603 DD 701.17 Indices para catalogo sistematico: 1. Vanguarda: Estética: Arte 70117 COSAC NAIFY rua General Jardim, 770, 2° andar 01223-010 Sao Paulo sP [55 11] 3218 1444 cosacnaify.com-br atendimento ao professor [55 11] 3218 1473 lll. A OBRA DE ARTE DE VANGUARDA 1, SOBRE A PROBLEMATICA DA CATEGORIA DE OBRA NAo deixa de ser problemAtica a aplicacao do conceito de obra de arte aos produtos da vanguarda. Alguém poderia objetar que a crise do conceito de obra desencadeada pelos movimentos de van- guarda estaria sendo ocultada; que a discuss4o, portanto, parta de falsas premissas. A dissolugao da unidade tradicional da obra pode ser compro- vada de maneira bastante formal como caracteristica comum da modernidade. Coeréncia e independéncia da obra s4o cons- cientemente colocadas em questéo ou mesmo programatica- mente destruidas. A constatagao de Bubner merece assentimento; pergunta-se, contudo, se dela é possivel tirar a conclusao de que a estética, hoje, deva renunciar ao conceito de obra. E assim que Bubner fundamenta seu retorno a estética de Kant como a tinica estética atual Antes de mais nada, deve-se perguntar o qué, afinal, en- trou em crise: a categoria de obra ou uma determinada acepcao histérica dessa categoria? “As Gnicas obras que contam, hoje, sao aquelas que nao sao mais obras.” A frase enigmatica de Adorno utiliza o conceito de obra com duplo significado: por um lado, em sentido geral (e, nele, mesmo a arte moderna possui ainda carater de obra); por outro lado, no sentido de obra de arte or- ganica (Adorno fala em “obra redonda”), e esse conceito restrito de obra é, com efeito, destruido pela vanguarda. Vale, portanto, distinguir entre um significado geral do conceito de obra e suas varias acepcées histéricas. Em sentido geral, a obra de arte pode ser definida como unidade do geral e do particular. Mas essa uni- dade, sem a qual nao se pode pensar algo como uma obra de arte, foi realizada das maneiras as mais diversas nas varias épocas do desenvolvimento da arte. Na obra de arte organica (simbélica), a unidade do gerale do particular é estabelecida sem mediacao; na obra nao organica (alegorica), ao contrario - é o caso das obras de vanguarda -, trata-se de uma unidade mediada. Aqui, o mo- mento da unidade é, por assim dizer, afastado para infinitamente longe; em caso extremo, nao é produzido, afinal, sendo pelo re- ceptor. Com razao, Adorno enfatiza: “Ainda onde a arte [...],em. sua constituicdo, chega ao extremo em termos de desacordo e de elementos dissonantes, seus momentos sdo, ao mesmo tempo, de unidade; sem esta, eles nem sequer seriam dissonantes”. A obra de vanguarda nao nega a unidade como tal (por mais que os dadaistas tenham intencionado coisa semelhante), mas um de- terminado tipo de unidade, a relacao entre a parte e 0 todo que caracteriza a obra de arte organica. Ora, certos tedricos que, contrariando a argumentag¢do aqui apresentada, tomam a categoria de obra como definitivamente obsoleta, chamariam a atencdo para o fato de que nos movimen- tos historicos de vanguarda foram desenvolvidas'formas de ati- vidade que nao podem mais ser adequadamente compreendidas sob a categoria de obra: por exemplo, as manifestacées dadaistas, que faziam da provocacio do publico seu objetivo declarado. Em tais manifestacées, no entanto, trata-se de muito mais do que a li- quidacao da categoria de obra, a saber, da liquidacao da arte como atividade dissociada da praxis vital. Sobre isso pode-se consta- tar: mesmo em suas mais extremas manifestac6es, é de forma negativa que os movimentos de vanguarda se relacionam com a categoria de obra. Os ready-made de Duchamp, por exemplo, produzem sentido apenas em relac4o a categoria de obra de arte. Quando Duchamp assina um objeto qualquer, produzido em sé- rie, eo enviaa exposicées de arte, essa provocacao pressupde um conceito do que seja a arte. O fato de Duchamp assinar os ready- -made guarda uma clara referéncia A categoria de obra. A assi- natura, que legitima a obra como individual e irrepetivel, é aqui impressa diretamente sobre um produto em série, Desta forma, a ideia da natureza da arte, assim como ela se formou desde 0 Renascimento - como criacdo individual de obras tinicas -, é questionada em tom de provocacao; 0 proprio ato da provoca- cao assume o lugar da obra. Mas com isso n4o se torna obsoleta a categoria de obra? A provocagao de Duchamp se dirige contra ainstituicdo social da arte como tal; na medida em que a obra de arte pertence a essa instituicgao, esse ataque vale igualmente para ela. E fato histérico, entretanto, que também depois dos movi- mentos de vanguarda obras de arte continuaram a ser produzi- das, e que a instituicao arte acabou por se mostrar resistente ao ataque vanguardista. Assim como uma estética atual nao pode negligenciar as trans- formacées incisivas produzidas na esfera da arte pelos movimen- tos histéricos de vanguarda, tampouco ela pode ignorar que ha muito a arte ja tenha entrado numa fase pés-vanguardista. Esta fase pode ser caracterizada por ter-se restaurado a categoria de obra e pelo fato de serem utilizados, para fins artisticos, proce- dimentos inventados pela vanguarda. Isso nao deve ser tomado como “traic&o” aos objetivos dos movimentos de vanguarda (su- peracdo da instituic¢ao arte, uniao de arte e vida), mas como re- sultado de um processo histérico. Este, de modo bastante geral, pode ser assim caracterizado: malogrado o ataque dos movimen- tos histéricos de vanguarda a instituicdo arte, ou seja, nao tendo sido a arte transposta para a praxis vital, a instituicao arte con- tinua a existir como institui¢gdo dissociada da praxis vital. O ata- que permitiu, contudo, que ela passasse a ser reconhecida como instituigao e que a (relativa) auséncia de consequéncia da arte na sociedade burguesa passasse a ser reconhecida como seu princi- pio. Na sociedade burguesa, toda arte posterior aos movimentos histéricos de vanguarda deve ter diante de si este fato, podendo ou resignar-se com 0 seu status de autonomia ou promover mani- festacdes para romper com ele, mas nao pode simplesmente - sem renunciar 4 pretensdo de verdade da arte - negar o status de auto- nomia e supor a possibilidade de efeito imediato. Quanto a categoria de obra, depois do fracasso da intencao vanguardista de reconducao da arte a praxis vital, ela nao sé é restaurada, como chega a ser ampliada. O objet trouvé, a coisa que, justamente, nao é 0 resultado de um processo individual de produ- ¢4o, mas um achado ocasional no qual se materializava a inten¢do vanguardista de ligacdo entre arte e praxis vital, é hoje reconhe- cido como obra de arte. Com isso, ele perde seu carater antiartistico, tornando-se obra auténoma, ao lado das outras, no museu. Arestauracao da instituicdo arte e a restauracdo da categoria de obra remetem ao fato de a vanguarda ja ser histérica. Logica- mente, ha também tentativas de dar prosseguimento, hoje, a tra- dicdo dos movimentos de vanguarda (que se possa redigir esse conceito sem que sobressaia 0 oximoro, mostra, mais uma vez, que a vanguarda se tornou histérica). Mas tais tentativas, como, por exemplo, os happenings - poderiamos chamé-los de neovan- guardistas -, nao conseguem mais atingir o valor de protesto das manifestag6es dadaistas, e isso independentemente de poderem ser planejados e até conduzidos com mais perfeicado do que aque- las‘ Isso se explica, em parte, pelo fato de, nesse meio-tempo, te- rem perdido uma parte consideravel do seu efeito de choque os meios de que os vanguardistas se utilizavam. Mais decisivo de- veria ser, contudo, constatar que a superacao da arte pretendida pelos vanguardistas - seu retorno a praxis vital, efetivamente nao se realizou. A retomada das intengdes vanguardistas com os meios do vanguardismo nao pode mais, num contexto modificado, sequer alcancar 0 efeito limitado das vanguardas histéricas. Dado que, com o tempo, os meios com os quais os vanguardistas espe- ravam produzir a superacao da arte tenham adquirido o status de obra de arte - sua utilizacgao nao pode mais, de modo legitimo, ser associada 4 pretensdo de uma renovacaio da praxis vital. Por- menorizando: a neovanguarda institucionaliza a vanguarda como arte e nega, com isso, as genuinas intengdes vanguardistas. Isto é verdade, independentemente da consciéncia que o artista possui do seu fazer e da possibilidade dessa consciéncia ser vanguar- dista. Quanto ao efeito social das obras, ele nao é determinado pela consciéncia que os artistas associam ao seu fazer, mas pelo status de seus produtos. A arte neovanguardista é arte auténoma no verdadeiro sentido da palavra, o que significa negar a intencdo vanguardista de uma reconducao da arte 4 praxis vital. Também os esforcos no sentido de uma superacdo da arte acabam se trans- formando em manifestacées artisticas que, independentemente das intengées de seus produtores, assumem carater de obra. Falar de uma restauracao da categoria de obra depois do fra- casso dos movimentos historicos de vanguarda nao deixa de ser problematico. Poderia dar a impressao de que, para o desenvolvi- mento posterior da arte na sociedade burguesa, os movimentos de vanguarda nao tenham tido um significado incisivo. Ocorre, po- rém, justamente o contrario. Enquanto as intengées politicas dos movimentos de vanguarda (reorganizacao da praxis vital através da arte) ficaram por cumprir, na esfera da arte quase nao se pode superestimar seu efeito, nela a vanguarda produz de fato um efeito revolucionario, sobretudo ao destruir 0 conceito tradicional de obra de arte organica e colocar em seu lugar um outro conceito, que trataremos de apreender a seguir.

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