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‘TITULO ORIGINAL, The idea of Rove {© Miche! Banton 197 Todos os direitos reservados. “Tradusio avtorizada. parr da ediao em lingua inglesa publicada pele Tavistock, membro do Taylor & Francis Group ‘TRADUGAO, Antinio Marques Bessa DESIGN DE CAPA BA, DEPOSITO LEGAL. 30582010 Biblioteca Nacional de Portugal -Catalogasio na Publicaglo BANTON, Michael ‘A idein de ra. —Reimp. (Prspetivas do homer; 9) ISBN 978-972-44-1478-2 Du 316 9 mm ISBN da oligo: 972-48-0375-0 PAGINACAO, IMPRESSAO E ACABAMENTO Pareannoe arn EDIGOES 70, LDA. «em Fevereiro de 2010 Dirctos reservados para todos 0 paises de Lingua Portugust, por EDIGOES 70 EDIQOES 70, Las. ‘Ras Luciana Cordeiro, 123 — 1° Esgh 1069-157 Lisboa Portugal ‘Teles. 213190240 ~ Fax: 213190249 ‘emma: gerl@edicoes70-pt worwediooes7 sta obra et protegida pel lei, No pode ser reproduzid, no todo ou em pare, qualquer que sea 0 modo uiizado, incluindo fotoedpiae xeroepa, sem préviaautorizapo do Editor. ‘Qualquertansgresto i lei dos Diretos de Autor sr passive ‘e procodiment judicial, A IDEIA DE RACA MICHAEL BANTON 50 IADERACA, ‘rem uma outra teoria sobre a sua origem. Os anos da década de 1950 nao foram, por conseguinte, bons tempos para a investigagao sobre ‘a estrutura das relagdes raciais. Os problemas centrais parecem ter sido resolvidos eo interesse académico deslocou-se para a aplicagio desta nova perspectiva. 182 — HIF Etnogénese Nos anos 30 ¢ 40, os cientistas sociais aprenderam alguma coisa acerca da natureza das relag6es raciais a partir dos estudos da socie- dade dos americanos brancos ¢ da posic#o da minoria negra nessa sociedade. Embora muito deste saber novo fosse caracteristico do contexto americano, uma boa parte relacionava-se com 0 processo social fundamental, baseado, tal como a psicodinémica do precon- ceito e a estrutura do sistema social, em duas categorias e podia, portanto, ser aplicado em tentativas de explicagao de padrées de relagdes intergrupos noutros paises. Os novos movimentos sociais ‘que se manifestaramn entre os negros americanos nos anos 60 tinham, certamente algo para ensinar, mas, a esta distincia no tempo, niio se pode estar excessivamente confiante acerca do seu auténtico ca- racter, Este capitulo mostraré que, enquanto os primeiros estudos punham em destaque a natureza eo poder das maiorias, os anos 60 iluminaram 0 poder que as minorias podiam mobilizar em condi- 90es modificadas. Defendera também que se compreenderio com ‘maior facilidade ambos os lados das relagdes a analisar pela oposi- ‘eo do conceito de etnicidade ao de raga, de modo que o primeiro | teflicta as tendéncias positivas de identificagio e inclusio e o iltimo as tendéncias negativas de dissociagio e exclusto. ‘As provas mais evidentes do poder branco e do modo como foi utilizado provém dos tempos do linchamento. Entre 1889 ¢ 1940 houve 3833 linchamentos registados, dos quais quatro quintos eram negros, € com uma maior incidéncia no Sul. O nimero de assass{- nos raciais nfo registados foi provavelmente muito mais elevado. # também evidente que em muitos casos as vitimas eram falsamente acusadas ou tinham exasperado os brancos por uma mera quebra da ctiqueta das relagdes raciais — por exemplo, por comprar um carro 183 AIDEIADERACA (Myrdal, 1944: 564), Nem houve sequer qualquer cardcter judicial em muitos linchamentos; muitas vezes incluiam tortura, violéncia sexual (castra¢ao) ou uma luta, para obterem dedos ou outras por ‘gGes do corpo como recordagdo ou para exibicdo. As noticias dos linchamentos eram regularmente publicadas no jomnal da Associago ‘Nacional para o Progresso da Populagao de Cor e o seu testermunho da falta de vontade dos governos dos Estados Unidos para proteger os seus cidadaos ardeu como uma chama nas memérias de mais de uma |) geragiio de negros. E uma passagem da experiéncia negra que afecta \ desde ha muito o juizo dos negros sobre a sociedade americana, Contra os dados deste tipo levanta-se 0 optimismo tenaz sobre 0s ideais americanos que inspirou geragées de lideres negros e que foi caracteristicamente expressa na linguagem de pilpito de Martin Luther King, no discurso de Washington de 1963, em que afirmava: «Gu tenho um sonho.» Era um sonho de uma sociedade em que a discriminagao racial ja ndo existisse. Em 1963, j4 essas esperancas estavam matizadas de desespero. As expectativas tinham sido des- pertadas pela declaragdo de 1954 do Supremo Tribunal dos Estados ‘Unidos, que mandava prosseguir nas escolas «com deliberada velo- cidade» a acg2o anti-segregacionista. Os americanos negros espera- ‘am, mas sentiram uma crescente frustracdo, pois as suas esperangas ‘no foram concretizadas. Com a mecanizagao da agricultura do Sul, foram deixando essa terra para se dirigirem cada vez em maior mi- | _ mero para as cidades do Norte, No ano de 1960 assistiu-se & admis- stio de muitos paises africanos nas Nagdes Unidas e também a um ‘novo impulso no movimento em prol dos direitos civis dos negros americanos. ____ Os lideres negros dos anos 60 tiveram mais éxito do que os seus redecessores a conseguir apoio e a mobilizar os seus seguidores potenciais. Beneficiaram da nova situago econémica ¢ social, que concentrou muitos negros nas cidades, melhorou a comunicagdo de ‘massa ¢ enfraqueceu os controlos tradicionais. Até entao, a termino- Jogia da raca tinha sido principalmente usada pela populago branca como um meio de definir os outros. «Negro» era um adjectivo de- preciativo, um insulto potencial que se escondia por detrs do termo ‘mais simpatico de «pessoa de cory. Os activistas transformaram-no, ppersuadindo os seus adeptos a mostrar o «orgulho negro» e a elevar 184 [ETNOGENESE. « «cultura negra». Todos os ndo brancos foram convidados a unir-se A luta. O slogan «poder negro» que Stokeley Carmichael langou no Mississipi em 1966 marcou o inicio de um processo pelo qual di- vversos grupos subordinados chegaram & consciéneia da sua posigo, definindo-a em oposigtio ao que eles concebiam como uma estrutura de espoliagao do poder branco explorador,e inverteram 0 uso do ter- ‘mo raga, aptesentando-o como um prinefpio definidor da pertenca ‘a0 grupo. O éxito foi enorme e sem precedentes; estimulou outros grupos a seguir o seu exemplo e obrigou a maioria branca a mudar alguns dos seus programas governamentais de modo a oferecer no- ‘vas oportunidades a todas as minorias. Um desses grupos era 0 de lingua espanhola da Califérnia, que ilustra a nova tendéncia para usar a terminotogia da raga como um meio para recrutar 0 apoio da minoria, dado que se chamavam a si proprios La Raza e Chicanos. Mas nfo foram s6 as minorias dos Estados Unidos que beneficia- ram, Os grupos negros na Gra-Bretanha inspiraram-se nos lideres negros dos Estados Unidos e nas suas estratégias, e o impacto da experiéncia americana entre os negros da Africa do Sul também foi significativo. ‘Um elemento fundamental para o éxito do movimento do poder ‘negro foi a cobertura que lhe dispensaram os meios de comunicagao de massa. Os temas prestavam-se @ uma apresentago dramética e ‘muita gente, particularmente as geragdes mais novas, acabou por se identificar com os manifestantes. Fora dos Estados Unidos, os homens ¢ as mulheres que s¢ sentiam ambivalentes a respeito da ascensio dos Estados Unidos a sua posigdo directora nos negécios ‘mundiais eram os mais dispostos a simpatizar com uma minoria tao claramente mal tratada no que as vezes se chamava as traseiras da ‘América, Assim se espalhou a imagem dos negros americanos como uma minoria politica relativamente unida nas exigéncias que fazia a América branca, embora a investigaco dos cientistas sociais revele ‘uma situago muito menos clara, Este ponto foi esclarecido por uma série de inquéritos sobre as concepedes de «poder negro» levadas 4 cabo em Detroit em 1967, nas areas da cidade em que tiveram lugar os actos de violéncia (Aberbach e Walker, 1970). Quando se thes perguntou «© que & que a expresso “poder negro” significa para si?n, cerca de 23 por cento dos negros inquiridos responderam 185 AIDEIADERACA «No penso nada» (que se usa geralmente como termo de inrisio); no total, cerca de 49,6 por cento dos negros disseram que, para eles, f expresso tinha conotagdes negativas, enquanto 42,2 por cento Ihe atribufram um significado positivo. Os inquiridos também fo- ram solicitados a pronunciar-se sobre a forma de relagdes raciais que mais Ihes interessava: integragdo, separago, ou outra solugdo intermédia. Entre os negros que apresentaram uma interpretago favorivel do poder negro, 46 por cento favoreceram a integragio 46 por cento qualquer coisa intermédia, mas os que advogavam f separagdo representaram um ntimero insignificante do ponto de vista estatistico. Os que no se sentiam atraidos pelo poder negro favoreciam presumivelmente uma ampla integragao. O apoio ao slo- gan veio fundamentalmente dos negros mais jovens, que nasceram ou foram criados em Detroit, que nifo pertenciam as igrejas e que comegavam a duvidar da rectiddo dos governos federal e municipal. AAs suas prineipais preocupagdes centravam-se na unidade negra e na participagao. Do estudo parece transparecer uma grande vontade de participagdo nas campanhas politicas de toda a espécie, mas ha outras fontes que demonstram a existéncia de um movimento para « organizagao de uma comunidade negra mais unificada e mais em- penhada; porém, as diferengas de conscienciatizacZo politica e de orientago continuavam a ser profundas. E notavel que os negros tenham atingido objectivos politicos de tanto significado num tempo de debilidade econémica, nun tempo ‘em que alguns comentadores perguntavam: «Quem é que precisa dos negros?» ‘A tremenda mutagdo histérica est a realizar-se do seguinte ‘modo: ele no é necessério. Ele ¢ mais indesejado que oprimido; _mais desnecessério que indesejado; e mais ignorado que engana- do, Os brancos dominantes jé no tém necessidade de explorara ‘minoria negra... A América branca emprega uma nova tecnolo- sia, nfo com a finalidade de a incorporar mas, a0 contro, para prescindir da raga de cor» (Wilhelm, 1970: 210-11). ‘Como repetidamente fez este autor, pergunta-se: porque se em- ptega a discriminagao se 0 mero emprego de critérios objectivos faz 186 ETNOGENESE ‘com que os candidatos negros fracassem? A eliminagao da discrimi- nago no reduziria as desigualdades raciais. E também importante estudar as mudangas entre os negros contra o padrdo dos grupos de pressdo dos Estados Unidos. Consegue-se muito na politica ameri- cana através das coligarSes, processo pelo qual diversos grupos de interesse convergem no apoio a um determinado candidato ou parti- do. A politica étnica entregou-se muitas vezes a este processo, mas ‘iio havia um tinico grupo que estivesse interessado em identificar- -se com os negros, € os seus Iideres tinham as maiores dificulda- des para entrar em coligagdo com os outros grupos. Para sair desta armadilha era necessério algo mais do que 0 voto negro: os negros, ‘tinham de desafiar a estrutura existente, de modo a estimular os ele- mentos doutros grupos (especialmente os brancos liberais) a formar | coligagdes técitas com eles. ‘Qualquer sistema social oferece aos seus participantes recom- pensas & sua lealdade e empenhiamento, Aos imigrantes brancos, a América prometia progresso material e a oportunidade de participa rem na construgfo e no governo da sociedade. Para que o sistema funcionasse, os brancos tinham de transferir a sua fidelidade para uma nova bandeira, para uma nova constituieo numa nova lingua -apoiar as regras. Tinka de valer a pena tudo isto porque, no sen- do cidadaos originais desse pais, se Ihes oferecia a oportunidade de viver nos Estados Unidos, embora formando comunidades separa- das, como alguns grupos religiosos que se auto-segregaram, ainda que numa escala mais vasta. Os negros nfo tiveram, durante muito ‘tempo, esta oportunidade, embora houvesse algumas comunidades negras auto-segregadas. Ninguém pensou procurar a alianga dos cis dadaios negros, porque eles pareciam nfo ter outro futuro senfio a — assimilacdo, ¢ a assimilagao estabelecida em termos de brancos. Os negros iam entrar na sociedade maioritéria esperando a aceitagio por parte dos brancos e como os nfo brancos desejavam ser identifica- dos com a categoria social mais baixa da hierarquia, seria duvidoso ue os negros fossem aceites do mesmo modo que os membros de outras minorias menos caracteristicas o foram. Portanto, os negros tinham de lutar contra a discriminagdo branca argumentando que ela cra anti-americana, e isto encerrou-os numa posigo que implicava preferirem eles préprios a companhia dos brancos & companhia dos | 187 AIDEIADERACA, negros. Para sair desta armadilha, tiveram de fazer os brancos acre- ditar que cles tinham uma escolha e que a sua fidelidade & América cera uma coisa que nfo deveria ser tomada por certa. Ndo poderiam persuadir os brancos deste ponto até terem efectivamente uma outra ‘via; mesmo que noventa € nove por cento optassem pela sociedade ‘maioritiria, haveria sempre a possibilidade de o equilibrio se deslo- ‘car para uma alternativa pouco simpética aos emericanos. ‘A histéria da politica negra nos Estados Unidos, desde os pri- ‘eros anos deste século ~ 0 periodo em que a esperanga dos negros estava reduzida & sua infima expresso -, pode ser vista como um periodo de teste de estratégias e possibilidades alternativas. Booker ‘T. Washington foi — como se tem dito — um lider com maior infiuén- cia na opinio da populaggo branca que na da negra. Marcus Gar- ‘yey, com o seu movimento de «negros para a African, desempenhou ‘um papel importante no desenvolvimento do orgulho negro, mas 0 seu programa exercia apenas um apelo muito limitado. Do mesmo modo, certos movimentos religiosos nao ortodoxos, como os judeus negros e 03 mugulmanos negros, tiveram uma importéncia muito maior do que o nimero de inscritos faria supor, porque elaboraram concepgdes alternativas para a posigdo dos negros no meio da Amé- rica branca, O novo elemento foi assinalado no titulo do estudo de Essien-Udom sobre a «nagio do Islio», Black Nationalism. Os cien- tistas sociais estudaram as barreiras & assimilaco do lado branco e ‘nunca investigaram o lado negro; mas talvez haja uma facilmente identificdvel nestes movimentos e quigé o seu cardcter seja melhor apreendido através do conceito sociol6gico de nacionalismo, defini- do do seguinte modo: «{..] acrenga de um grupo de que possui, ou deve possuir, um pais; de que participa, ou devera participar, numa heranga ‘comum de lingua, cultura e religido; e que a sua heranga, modo de vida e identidade étnica sto diferentes das de outros grupos. (Os nacionalistas pensam que devem governar-se a si mesmos ©

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