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Pro-Posigdes - vol 13, N. 3 (39) - set/cez. 2002 Literatura e Trauma Mario Seligman Sea Resumo: O autor apresenta um histérico do conceito de trauma dentro das teorias psicanalitcas dos primeizos trabalhos de Freud até os trbalhos atuais que pensam trauma, quer como uma modalidae do “real” lacaniano, quer como coneeitos, tal qual 0 ” (SA, 1960, p. 72). A histeria seria uma doen- ca desencadeada por uma reagio de defesa diante de uma nova situagio que recalearia a representacio inaceitivel. Freud escreveu entio que “a defsa obtém sucesso na expulido da representagaoinsuportiel do cnscent, se existe cenas seats ina tis enguanto recordagies inconcientes na pessoa em questa, até ent saudvel, ese a represen tao a ser recalcada pode ser colocada em wma relagio association com uma tal vivénca injanté” (SA, 1960, p. 71). A cena primaria — a cena da seducio — seria a base da situagio traumitica, que se da a posteriori, em uma segunda situagao que chama- ria A tona aquela “‘protocena” recalcada. Aqui jé estio os elementos centrais da For oct eisa coresentacdo paroxtmica do concets de tours, sequternos — com agns denon raver que. aberdogem do autor vctod para. cinica — perso Gesc6 no Figo de HOH EBER, Erentucimerte ndicarees outs ones bologfcas pars os res nlewssodos mse opohandar Na euxetoo. 137 Pro-Posig6es - vol. 13, N. 3 (39) - set/dez. 2002 teoria do inconsciente, da associagio, do recalque ¢ da temporalidade complexa da economia psiquica: todos articulados em torno de uma teoria do trauma. E sabido que Freud posteriormente abandonou a tese da realidade da "protocena” em favor de uma teotia de sua qualidade fantasmitica? A etiologia realista foi substituida — nunea de modo definitivo, no entanto — por uma teoria que leva ‘em conta as fases libidinais. (LAPLANCHE, PONTALIS, 1988, p. 682) Por ou- tro lado, com a Primeira Guerra Mundial, a questio do trauma externo volta a ser decisiva pata a psicanilise, Nas suas Verksungen zur Einfibrung in die Prychoanalse (1915-17), compostas durante esse periodo de guerra, Freud trata das neuroses traumiticas a partir da experiéncia coetinea dos soldados e sobreviventes daque- le evento, Essas neuroses traumaticas sio caractetizadas, escreveu Freud cntio, pela “fixagao no momento do acidente traumatico que esti na sua base. Esses doentes repetem nos seus sonhos regularmente a situagio traurmitica. Quando ‘ocorrem ataques de tipo histérico, que permite uma anélise, percebe-se que 0 ataque cotresponde a uma total transposicio naquela situagio. E. como se esses pacientes nfo tivessem se desvencithado da situagao traumética, como se ela esti- vesse diante deles como uma tarefa [Aufgate] no dominada e nds aceitamos com toda seriedade esse ponto de vista [.”" SA, 1960, cap. I, p. 274). Freud percebe lum paralelo evidente desses casos com as neuroses espontineas. Bles permitem descortinar uma visio da economia do funcionamento da nossa psique. Afinal, para Freud, “a expressio [‘traumitico’] nao tem outro sentido, que nfo econémi- co. Nés — afitmou ele — assim denominamos a uma vivencia que traz em um petiodo de tempo curto um erescimento de estimulo de tal ordem, que 0 trans- porte [Frledigung] ou elaboracio [Aufarbeig] da mesma no se di do modo nor- ‘mal, do que resultam distérbios duradouros no funcionamento energético” GA, 1960, p. 275). ‘Alguns anos depois, em Jenseits des Lasipringjps (1920), essa teoria da neurose de guerra foi desenvolvida dentro de uma reflexio sobre as pulsdes. Esse texto também deve ser entendido dentro dos esforcos da psicanilise de entio no senti- do de dar conta dos efeitos dos eventos traumaticos da guerra. Em 1918 um congresso sobre a psicanilise das neuroses de guetta foi realizado em Budapeste com contribuigdes de Ferenczi, Abraham, Simmel e Jones, as quais, no ano se- guinte, foram publicadas em um volume prefaciado pelo proprio Freud. O im- portante para nds no ensaio de Freud de 1920 & a relagio que ele destaca entre 0 trauma ¢ 0 pavor (ou susto, Schreck) que representaria uma quebra na nossa Angtbercitschafi — uma anggstia que tem 0 valor positive de nos preparar para 0 desconhecido —e do nosso pira-excitagdes (Reigschuls). O trauma é deserito como uma fixagao psfquica na situacio de ruptura. Esse tipo de fixagio Freud compara a do paciente histérico que para ele também é alguém que “softe de reminiscén- 2, BORLESER (2000, p. 799) ecoxde ume oxa do oud a Fle co 219.1697, na gud ee expen pera.0 ‘extova cbardonando ¢ feofa oo seaugd0. Em peta gat eo porcebsu quo na ext bone Sucess0 na sun trap votods para acotose do pociete uo ovelaroo Gace oigndra: em sag.ngo lugot a floabincs das nesoass nscale 8 crenga na pices em masa Ge cous sane ro os tomas or iio, ews abondera @ feera da recov da cana vecclcoda deviso & propa caroctersicu do mates inconscieie: uma vee que N00 erste clgo como um sina de veokcode no Recrecierte no fers ura base sckda po sepa 7500 63 verdad, 138 Pro-Posig6es - vol. 13, N. 3 (39) - set dex, 2002 cits” (SA, 1960, ILL, p. 223). A quarta parte do Pans além do principio do prageralbre com 0 aniincio intrigante e nada gratuito: “O que se segue é especulagio, com freqiiéncia uma especulagio que vai longe demais, que cada um, segundo a sua pripria posicio, iri clogiar ou desprezar” (SA, 1960, p. 234). Apés localizar 0 sistema consciente de percepgio no local externo do eérebro, no cértex, ele afir- ma que “todos os processos de excitagio [Ermgmenorging| deixam nos outros sistemas, como base da meméria, marcas duradouras, restos de recordagao por- tanto, que nio tem nada a ver com o tornar-se consciente. Elas sio normalmente mais fortes € duradouras quando 0 proceso que as eriow nunca chegou a consci- éncia” (SA, 1960, p. 257). O que Freud introduz aqui € 2 interessante ¢ arriscada tese — na verdade jé ensaiada por ele e Breuer nos anos 90 — da incompatibili- dade de registros simultineos no sistema percepgio-consciéncia e no inconscien- tes “das Bewyftscin entstebe an Stelle der Exinerungsipu”, “a conscéncia surge no lngar do ‘rapo mmeminice”,escreveu cle entio (SA, 1960, p. 237). A neurose de guerra marcada pela quebra do para-excitagdes levaria o individuo a uma regressio a modos de reagio primitivos. As imagens do trauma que se repetem nos sonhos visam, para Freud, “reparar um dominio da excitagio com base no desenvolvimento da an- ‘gistia, cujo fracasso foi a causa da neurose traumitica” (SA, 1960, III, p. 241 5) Jaem Inibisia, Sintoma a ¢ Angistia, Freud deseteve 0 total desamparo do indivi- ‘duo na situacio de choque. A fonte da situagio traumitica tanto pode ser uma excitagio pulsional interna como vir de uma vivéncia externa. “O ego que nor- malmente desenvolve um sinal de angiistia na situacio de perigo € dominado por uma angustia automitica” (BOHLEBER, 2000, p. 801; LAPLANCHE, PONTALIS, 1988, p. 683). Vitios outros autores desdobraram ¢ desenvolveram essa teoria do trauma, Destaquemos alguns pontos desses trabalhos. O. Fenichel, no seu ensaio “Der Begriff “Trauma’ in der heutigen psychoanalytischen Neurosenlehre”, de 1937, descreve a angiistia primaria como uma situagio normal da ctianca exposta as agressdes do seu meio. Os traumas fizem parte, para ele, do desenvolvimento humano. Jé a angiistia secundéria teria a fungio de impedi vivéncias trauméticas, Para Fenichel “quanto mais energia psiquica é aplicada para controlar recalques, ppassados, tanto menos o ego pode conectar quantidades de excitagio e tanto mais facilmente cle se expde a traumatismos. Na situagio de desamparo o ego regride a um modo primitivo, passivo-receptivo de lidar com a realidade” (BOHLEBER, 2000, p. 801s). Outro aspecto importante, na teoria do trauma, paraa teoria da representagio, foi desenvolvido do ponto de vista nio mais da descrigio do traumatismo pontu- il — por um evento acidental — mas sim do ponto de vista da relagio objet. Desse ponto de vista o trauma & visto como uma quebra de confianca (antes de ‘mais nada com a pessoa amada que postetiormente nega ter realizado 0 ato vio- lento}. A quebra na relagio objetal gera o surgimento de uma “ilha interna de |, faa singbo dp desarpar © regs o um estado posivoweceptio nfo deka do cork. a rt aotantes co muras porshech 8 gues comecns cord Tyumen cus os erro Co Fame lw, desrevram er sues cb como fondo es nevis os Goarnedes © eHasores ‘orton certo dos Comps de Concanogée, Nas odntovetoerrosa tocar nasa coreaquénci ita do tour fe sctelio do tour curds) quo Ransornacs posto or Yobb som wrap 139 Pro-Posigdes - vol. 13, N. 3 (89) - setter. 2002 cexpetigncias traumiticas que fica separada encapsulada da comunicagio inter- na” (BOHLEBER, 2000, p. 805)', Jé outros trabalhos no eaminho aberto pelas pesquisas de, entre outros, Freud, Ferenczi, Ernst Simmel ¢ Karl Abraham acima ‘mencionadas, sobretudo apés a guerra do Vietni, levaram a um aprofundamento da tcoria do trauma de guerra ¢ & introducio, em 1980, do diagnostico de “Post- traumatic Stress Disorder” (PTSD). (CARUTH, 1995, p. 3; BOHLEBER, 2000, p. 810). ‘Também os estudos especificos sobre os sobreviventes de campos de concen- ttagio navistas trouxcram novos elementos para a teoria do trauma. Em 1967 foi realizado em Copenhague o primeito simpésio sobre os problemas psiquicos de sobreviventes (BOHLEBER, 2000, p. 812). WG. Niederland cunhou catio 0 conceito de “sindrome de sobrevivente”. Para ele, o sobrevivente € caracterizado por uma situacdo crénica de angiistia e depressio, marcada por distiibios de sono, pesadelos recortentes, apatia, problemas somaticos, anestesia afetiva, “automatizacio do ego”, incapacidade de verbalizar a experiencia traumitica, culpa por ter sobrevivido e um trabalho de trauma que aio é coneluido. Jé H. Keystal descreve um estado cataténico que leva a um “robot-state”. Ele diagnos- ticou também uma cisio interna entre um eu que observa e outro que é abando- nado, a saber, o corpo. Essa mesma cisio, de resto, podemos ver nos testemunhos em video de sobreviventes de Campo de Concentragio, que costumam refetit- asi mesmos na terceira pessoa. Nao existe identifieagio entre o ‘eu fora do KZ” (abreviagio de campo de concentragio em alemio) com aquele “eu” que passou por aquela vivéncia.* Bolileber sintetiza, com base na pesquisa de Martin Bergmann de 1996, as conseqiiéncias dos estudos de sobreviventes para a teoria do trauma: “4 Wore Bortsber 2000, p. 828) cié na possttodo de ate ogbo das uae coordagersbékoar qua tm \domnado Gert do lara do ter "Do parle ce vita do molcoscaloge@feora pecanalica do fauna neces de ares a: madeos, fro o hemenulion, tawado ra hose do loro oD ‘come também do pccecenémica, Ac rival da erparBncia paca. © Modal pscseconémica — pat o qual paruigmotcomanto encontase o cheque Iaumdkeo — goslace a exnetiénla da Sorrinagao © de um ecedenio om veenel, angisia © axciaeda que NOo podom so! kad gue etic. A posvidode o o dasampar que lagosarentesa0 dol Somveios PASH OK OU Sriegorse 2a As consiugdes dos modelos ns foots ds elagdo one. perinan do ornament cot ‘nlogboe obetot intenas exerts colocam no camo o feol desaraar @ a ntamingn ae ae Jga;be olin e comuncagte ten, oque lempor coreoquéncia quao Fauma nao pede sar Pvegado verona {5 iso 6360 lombim pode sar ponsad come a clvagem ono o meméianekumantc uma mere mas ciovo.Tnooracion'’. que Banjara casocoua meméxo Fucksionace hour charrane aero pono fo ce que.99use corte ca memoteasiocodo aor memos nseo compo. Dis meres "nvolortote des mores st ener der von Prous Devonian Gegersiorde TAmemove Invortate Oos ‘memeres € um cos objetos pretax de rout, GS 9.613). Nao dona do ser erossrfoofalo deo ‘otis ott do tour tt chagace a dgumos coreLzbos que karma ua corrmeere29 9 nO00 02 remota rwclurtare coma Fico 62 wdo Houmdlica: “Come Hows comprovou, ecordaebes ersamenoa, snimenios » eraciments ro corrpatnert cue fernoam © cto fepennarmano 20 Pidces pal o entncio do um four.” GOHIERER. 2000, p.825) A peneicoe erte Her © Sescuo”carsitu um fonos na elexdo Fedo Geese polo mend at suaalsas © sebehuGo ra oboe Foucault Auleius (com T makeub) nesceu com 6 ormantemcoefansarente&enttontopde 32 agra, ca fartasa © 09 “Roast ns sents do uta do nheln na Worch. S, com ot roménticosaltsratszo pide cbordion oregsto de meres como inate 9 sicUS XX come Fasano (or vanguard Herts © orsieas oo so cos quoros e ca vonca en uma excale Rous uu Uratifertua ob roume que fedcolzou cats alemancs que Besioven nice em abr coiarr0 sco 1K Alterctuta—0 082105 —abandne oregeto da rnlogao eandowmes.so om arraseiogeo ‘eveno. £0 que veremos mas aslo com Kata 8 com & nego de taxlernunho. 140 Pro-Posigdes - vol. 13, N. 3 (39) - setter, 2002 1. tanto a questio da personalidade pré-traumitica como a questio correlata dda regressio a uma fase primitiva da vida psicossexual deixam de desempenhat um papel agora. A questio central aqui slo a duragio e a intensidade do terror a que os sobreviventes foram submetidos; 2. a incapacidade de enlutar leva & melancolias 3. 0 tereeiro ponto essencial para uma abordagem da representagio da cena traumitica: “a capacidade de falar e agic por metiforas foi perdida, Diferentemente de pacientes psiedticos, 0 coneretismo animico sesultante é apenas parcial. [sso levou i importante descoberta de que os sobreviventes vivem em uma dupla reaidade. No cotidiano eles aruam conforme & realidade, De tempos em tempos, no entanto, & realidade psiquica do Holocausto brota e destedi a vida deles. © trauma destruit em algumas regides animicas a capacidade de dlstinguir entre a realdade e a fantasia”; rnctetizado por um longo petiodo de laténcia, que pode chepar a atingir décadas. $6 depois desse petiodo a ncurose traumitica brots; 5.08 traumatismos softidos foram além da capacidade de elaboracao dos sobrevi- -ventes ¢ vieram a mareara geracio seguinte. BOHLEBER, 2000, p. 814 s) Sobretu- do nas fannlias em que os pais se protegeram do trauma negando-o ¢ se recusando @ falar dele, as criancas teceberam de modo inconsciente os fatos, relacionam-se com cle via fantasia e— dentro de um esquema mitico-repetitivo — “agindo””. Em certos casos, a identifieagio com o sofrimento dos pais levou 0 que jé foi denominado de “elescopage” de duas ou até trés gerages (BOHLEBER, 2000, p, 817): um desastre de engavetamento miikiplo que reduz trés geragbes 20 expago do tempo — fora do tempol ~ do tezuma. A temporalidade para essas criangzs identificadas com 0 soft- ‘mento de seus pais torna-se fragmentada. Nicolas Abraham ¢ Maria Torok desenvol- ‘veram nesse contexto o importante conceito de identificagio endocriptica”. De tes- to, a teoria da memaria etiptica claborada por esses autores & central dentro dos descobramentos da teoria do trauma’. A essa decantagio topogrifica — em termos da pique ~ das recordagdes que sio como que enterradas vivas, corresponde um estancamento temporal’. F uma carateristica dos pacientes traumatizados manifesti- {CE ABRAHANN TOROK 1976: 1995: DERAION. 1999: LANDA, WEGEL 19, 1, sgcrneapongto da wen heumaica am ure cpio cbeata por Abcam @ MTok Mata TO0k 1 soveredo Acros nso do oya Navas paoecsmelapscobgor, decuirdoactingaenbelnioegso ‘caspulbe einoopcoga9 do dbelb — cuaknorsesxsncasha deingootloudenaarifokioomonccko Terevu: A eoposticoeo ce cogs um dos Uos rovirerios Sule, poser, claurnoni, Eric Frroecao das pubses poe fm Gepancincls eb © Rcoooza0 Go obo cia cu vlogs um lame Irogal. © opto ncocrach exctorente no gat co ons pica, tara som (om nome Jo testo pan also Ge seu corfesao| ama outa con pean: 0 case cing pcr tecalaer io erumert comemoeive, 0 chjta neaponaa rercao Liar 6 doa oscrerercks em ave tol esa Io bare da niovgc: quarts rule na va ce Ego, You bar: que os dob mecanignos Opec ‘erGodotomerto er canals cottes um arn ogc0 ae cut, Das eses cas oveios HOO as pukbos © Rcopacive de obo] eb rear lomo noo ar rhurra cheza @ comuricaeS DeiAivHs, TORO 19%, 228 As co Pu carer estore Gosh de oreo, Oo ‘okies Sires pcre com a mera ensplecersprtca, Volo @ pena pars eho Meo Cr merumonic nan toner orfor un pasado ave nao ol hnitoco. No cone dos mnamenios a ‘Shean es bua ¢ potodamors, obo, conta Or ‘rtrrenumenice do Jochen Gow do Hout het [Pecuamn excors casa todgao Tonananie’ acorns Clos coeIogor o hrc da GENE @ HOFER, 141 ProPoslees - vol. 13, N. 3 (39) - set/dex. 2002 rem uma sensagio de diminuigio no fluxo do tempo: como se 0 seu relégio tivesse ficado parado no momento do traumatismo.* (BOHLEBER, 2000, p. 827) ‘Também devemos a Dori Laub importantes contribuigdes para a reflexio sobre © trauma e 0 testemunho dos sobreviventes de KZ (Konzentrationslage). Apesat de ser conhecida a difieuldade — e em alguns casos, a impossibilidade — da narrativa a cena traumatica, ele destaca o aspecto de “necessidade” dessa tradugio testem- sal: “Existe em cada sobrevivente uma necessidade imperativa de ‘eontar’¢ por- tanto de ‘conhecer’ a sua propria historia, desimpedido dos fantasmas do passado conta os quais temos de nos proteger. Devemos conhecer a nossa verdade enterta- da para podermos viver as nossas vidas” (LAUB, 1995, p. 63), escreveu ele tanto na «qualidade de um sobrevivente, como de um analista de sobreviventes ¢ ainda como um dos responsiveis pelo arquivo Fortunoff de videos de sobreviventes ca Univer sidade de Yale. Laub também destaca 2 impossbilidade de traducao total da expe- riéncia, nto em termos do pensamento, como da meméria c da linguagem. Daf ele afirmar cue existe uma impossibilidade de se testemunhar 0 KZ: ‘This allan of suitmesing te reich in my view, what és central fo the Holoeaust experience” (“Esse colapso do testemunho é precisamente, do meu ponto de vista, o que & central na expetién- cia do Holocausto”, (LAUB, 1995, p. 65)). E ele ainda escreve: “durante a sua existéncia hist6rica o evento no produ tatemunbas. Nao apenas porque de fato os snavistas tentaram exteeminar as testemunhas fiseas dos seus crimes; mas a estrutu- 1 inerentemente incomprcensivel «iluséria do evento impediu o seu prdprio teste- munho, mesmo da parte de suas préprias vitimas” (LAUB, 1995, p. 65)’. Laub cenfatiza a belatedness do testemunho: o tempo que ele demorou para ser elaborado para que a sociedade pudesse ouvi-lo é resultado da impossibilidade de testeme- ‘har diretamente evento. A narrativa do testemunho ~€ Laub destaca o testemu- 1 ComWote: nom aodernos recor ce um perl haéicona evict |do 18:0] como um momento ‘G2 colo — Nourna — hea Nex sus fone "Sob 0 eonceo Ge hse’ — recgeas mn 1940 — oe ‘Secor "cr cobncixor no norco 0 far do rhewTarodo que os kgs oss arumaries So tira corsobnce Hilerce do au bo paoce mos hawt ra Eucpa, Ra cer ane. 0 rina vesge. A Roveligio deh egos ord uminckenlo ern auo esa Corsclsnco se ones. 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Dal RB posers (aavor-0) docu ‘ceiso mposbiidode de festerunno una “obuz000",@, ro fa, urna Blinaa0 co festornunno, ‘como osata curs outer De eo, Laud 80 pimat otecernace a nacasicace 0 estou 80 0.08 dora do couble na do necesionce 8 ca mpcsinicods 142 Pro-Posigdes - vol, 13, N. 3 (39) - setter, 2002 nnho oral, realizado diante da cimara de video — permite que 0 sobrevivente estabe- loca uma ponte com o “tu” ilhado que existe dentro dele" Nesse contexto € importante destacar também a complexa relagao existente centre 0s discursos individuais das testemunhas — no registro da meméria — © da meméria coletiva que se articula na cena piblica, 0 discurso juridico (no ambi- to dos julgamentos no tribunal e cortes, locais ou internacionais) ¢ 0 hist6rico, ‘Também fala-se muito sobte sociedades inteiras traumatizadas pela guerra ou por eventos como a Shoah (Catistrofe, em hebraico). No caso da Alemanha, Alexander © Margarete diagnosticaram nos anos 60 um nivel tal de recaleamento do passado ¢ de negagio da culpa que getou uma bloqueio no proceso de luto. A hist6ri torna-se assim “destealizada”. (BOHLEBER, 2000, p. 818) A luta pela justica nos tribunais, bem como no registro histdrico, caminha paralela ao trabalho de luto/de trauma das vitimas e da sociedade. © reconhecimento social da culpa ajuda a restabelecer o prinefpio de realidade e a capacidade de diferenciae a fanta- sia da realidade, Por outro lado, é evidente que no devemos, indo no sentido contritio, projetar de modo indevido conceitos desenvolvidos na psicanilise so- bre a abordagem juridica e historica, sem realizar as devidas mediagies, © ponto de vista de J. Cohen (1985) pode servie para sintetizar alguns dos tragos centrais da teoria do trauma, O trauma é caracterizado, para ele, pelo enfraqueci- ‘mento da eapacidade de organizacio dos tragos mneménicos nos representantes objetais na nossa mente. (BOHLEBER, 2000, p. 831) Desse modo ocorre uma clivagem interna: os fatos vividos ndo sio reconhecidos como parte do ego. Hi ‘uma falha na capacidade de representagio interna, Ocorre um registro, mas nfo a representacio — do mesmo modo como se di na teoria do proto-recaleamento. O bburaco no ego é “sanaclo” de modo reativo através da criagio de casulos ou cripeas internos. Outro ponto central, no nosso contexto, éa exatidéo das imagens traumé- tieas, que tem seu correspondente tanto no coneretismo dos fragmentos de memé- rin ¢ das tentativas de represcntacio da cena do trauma, como também na fragmen- tacio da narrativa. Mesmo que alguns teéricos tenham posto em questi o quanto esse cariter realista corresponderia a uma imagem “exata” da cena traumatiea", & 10. Vos ovtoes cescievern 0 rauma como uma especie de umn gis cultnomo que representa um niicleo due ressente & sibolzagée @ a9 spriicode, Col fiber @ melita do “bucre nega" IBOHLEBER, 2000p. 623). cue, oreo, ferbern i oicplcade oo pple evento Ga Shah. 11. Na vou azresentacqu todo longo e per vazes,assstadraments -raumoscarerta.~engdiodo {debate om Tone da recovered-mornay de pacientes com Nsuras de cbuso ssiual a fone riercia, Espectarnontoro rio wigo-srba fe dover ovr congo sty ica cunt Oost9 GoTMCIGOO (rogetea.| dsculewe mus sole a verdad dos Ceres de abuso aus sstenom inhows process ekicos. Ct, quonio a ese debate ete cos. Soller (1996)@ lots (199) Eclao também o paral Sesse debate com a quot Gorell 8, S0b13/30, do 990 FOIMA MAS! G9 9409 rez negocios na mada om que Nettodars nogom a iors da shoo e Gas Coma Ge 065 ro Segunda Guana. © cose da pueuno-axziogios do ipsovdo} Bjorn Wri GoFou events Coma 6 dabato emton da Tarra recuperoda~ v8 Ua ipa que cot possads com Bo fm fogmertos de maréia co poclaro fem mute aver cam quad do nogaciansme, WASH. fue. olde. nav fel ee chara Dasteten on sur a sus logit (2 oo eres a path Se uma \Gertfcogbo “poteligica com os tras doak2)tonude omc’ pexaosregacentéasquepreterdgm reauztoaosce esernunhos & chave do srulagta, Omak emvel na negacionema nde apenas fo ‘So raprog.at ma ra vee | mere oe cesta, mae ermbam 2 fo d= que ose Pe Go feccrome psquica do soblewerta ants © cuba care iendnia 0 Seeger o ealiade do cena foumétca, CL quanto c esse debate orev Into SEUGNANN-SIVA 19996] e sobiewda0 io Ge Meter |2000), © ti ce Wher fl pubicodo em porguss (CL WRXONISH, 1998), 143 Pro-Posigées - vol, 13, N. 3 (39) - setVdlez. 2002 inegivel que existe esse cariter literal dessas imagens. A actibia do flsbbad domina ‘a mente como uma imagem fantasmatica que assombra o individuo traumatizada. Trauma e Literatura ‘A tesc da incompatibilidade entre « meméria duradoura ¢ a atividade de defe- sa dos choques do sistema percepcio-consciéneis, que vimos em Freud no seu ara alim do principio do prazer, € talvez. mais importante pela sua carreira fora da tcoria psicanalitiea propriamente dita do que no seu interior. Walter Benjamin apoiou-se nla no seu conhecido ensaio Sabre alguns temas em Baudelaire, de 1939 G5, 1972 ss, I, p. 612-615), para desdobrar a sua teotia da modetnidade © do homem moderno como alguém que acumula apenas sivtnaiar estércis (Erkebmisi) para construgio de narrativas que se alimentavam, antes, da experiéndia autlntica (Exfabrung). Essa experiencia, para Benjamin, s6 seria capaz de perdurar na modernidade de modo fragmentatio, como na meméria involunticia, tal como ele alé na obra de Proust. A onipresenca dos choques na modernidade ea mobilizagio do homem moderno para apari-los faz com que s6 exista a “Jembranga conscien- te” (benufte Erinnerang, GS, 1972-55, 1, . 614). “Surge uma interrogagao”, formu- Jou Benjamin, no mesmo ensaio: “de que modo a poesia litica poderia estar fan- damentada cm uma experiéncia para a qual o choque se tornou norma?” BENJAMIN, 1989, p. 110; GS, 1972 ss, 1, p. 614). Baudelaire (e Valéry), para o critico, como é bem conhecido, teria conseguido transpor para a poesia 0 princi- pio do choque que penetrou no cotidiano da vida moderna, — O que nos interessa aqui é antes de mais nada a afirmacio de Benjamin que equipara a experigncia na modernidade & experiéncia do choque. Nesse ponto ele pode ser aproximado da Ieitura lacaniana do real como um ‘“desencontro”: como algo que escapa ao sim- bolico. Essa nogko Iacaniana de real representa um dos frutos da doutrina psica- nalitica do trauma. Como lemos em Lacan: A fungio do |] real enguanto encontro ~ 0 encontro, na medida em que ele pre tr pert u mnedda em cue ce € ecnoalmene o encontr peti ~ resentot-se pela pomeira ver a historia da psicanalise em uma Forma que era lem s1o suficiente para despertar nossa atengio, aquela do trauma! ‘Também em Nicolas Abraham ¢ Maria ‘Torok (1995, “A Topica Realitiria”, 1.237) a realidade é revista do ponto de vista da psicanilise como 0 “lugar em que © segredo esti escondido”. ssa realidade psicanalitica (e Abraham e Torok se V2 tocan “Tqut @ Axeator. ct. Cov (2000 p. 131}. Sod Weigel em sou ensco “Télescapage im Unbowaiian, Zim Veneer von Touma, Geschentnopat urd ise far ua oflca conundert oD fo de C. Coun Unclered Epavence, aura, Neratva. end Hiry anda 0 argo acta clad 11 pubtcods ip. 91-112. Pra Weiget Caran desl Tosa a cotoa des concotes roudnos do You, ‘Reorecente de pulido Ge mate, ra meade om cue el tra cosa. sza%0 oF fanas @ 6s colocadD oma parle de um “pregiora © da nom. u acompanno apencs er pare 6 efica Go WeigoL ‘vaddo que Car ds wozos Ib Froud som kar om cons 0 cca ® mesmo a cussion da buco ca pelaborarae come atoetapcanofi. 44 no seu ersao do 1991, "Urclorned Bpience: Faurno.erd fhe Posty of Hitoy” Fr: YO Flonch Stags 1.79, 1991 cleo ave poderros keriica este prema. Fereuto iad, Wigainée lewsem conta nem os contbutos conics para onoglo de rou @ thal nem parabe que ctmer 6 Jeol coma four’ noo agrcn exlue a smbowogoo, es OPS ‘pom por os sous res 144 Pro-Posigdes - vol 13, N. 3 (39) - set/dez. 2002 ditigem a essa realidade), “realidade enquanto ctime cometido”, tem paralelo com o récaleamento dinimico, tipico da histeria, mas tem a caracteristica de se localizar no seio do proprio ego. A realidade incorporada em um imulo fiea, segundo os autores, sob a guarda de um ego que deve ser cheio de “‘malicia, de asticia e de diplomacia” (ABRAHAM, TOROK, 1995, p. 239). © “blo de real dade” incorporado tem também a caractristica da ‘‘dmetafoizasio” (p. 245). A cripta é criada como resposta 4 incapacidade de enlutar, & recusa de introjecio. Assim como a teoria do trauma em Preud corresponde, em linhas gerais, a uma tentativa de dar conta de uma nova “tealidade” psiquica ¢ social do homem mo- derno — incluindo ai a realidade cotidiana violenta ¢ a do terror das guerras — do mesmo modo seria equivocado desvincular a teoria da cripta da experiéncia histérica do século XX. A escalada demogeifica, tecnolégica ¢ belicosa desse periodo gerou um nimero tal de assassinatos como nunea antes poderia ter ocor- Fido, Essa realidade da morte é gritante na mesma medida em que é emudecida, silenciada, enterrada. Ela retorna compulsivamente — 4 mente de uma sociedade culpada e que “no entende” sua historia. Como Freud afirmou — na linha de Nietzsche: “o que permaneceu incompreendido retorna; como uma alma penada, nao tem repouso até encontrar resolugio ¢ liberta¢io” (LAPLANCHE, PONTALIS, 1988, p. 126) O keep smiling e 0 the show must go an— a que assistimos novamente estes dias nos EUA, apesar de toda parandia ¢ da repetisao (traumati- ca) das imagens destealizadas do choque que abalou o mundo, verdadciras Deckerinnerangen dos verdadeieos traumas ~ servem para manter a fachada de uma sociedade que guarda a sua “realidade” como um segredo. Qual o papel da literatura nesse contexto? Fim primeiro lugar, seria inocente, é clato, acteditar na existéncia de tal coisa como a “literatura” na qualidade de um “bloco uniforme”. Mas é inegivel que existe tal modalidade artistica — por mais «que j nio tenhamos a seguranga para delimiti-la. De resto, justamente uma das principais caracrerstcas da literatura é a de nto possut limites: & 9 de existir Constantemente negando seu mite E qual limite & esse? E aquele que a “separa” do “real”. A literatura, portanto, encena a criagio do “real”. A sua “enctiptagio”, ‘sua resisténcia ao simbélico, o desejo de introjesio. Talvez. seja ousado afirmar algo tio geral com relagio a uma manifestacio cultural que vai do bestseller a ‘obras como as de Guimaries Rosa, Beckett, Blanchot ¢ Paul Celan — mas a ousa- dla da empresa literiria, da literatura desde a sua configuracio romantica, exige ¢ ‘40 mesmo tempo justifica tal leitura. No mais, jé para Friedrich Schlegel e Novalis, a literatura € meio-de-reflexio, fiz parte do processo infinito de clivagem Eu/ Nao-Eu. (GS, 1972 ss, I, p. 62-72; BENJAMIN, 1993, p. 80-3). A literatura esti nna vanguarda da linguagem: ela nos ensina a jogar com o simbélico, com as suas, fraquezas ¢ artimanhas. Ela é marcada pelo “real” — e busca caminhos que levem a cle, procura estabelecer vasos comunicantes com ele. Ela nos fala da vida e da morte que esti no seu centro — vide Blanchot... -, do visivel e da sua moldura que nnio percebemos no nosso estado de vigilia ¢ de constante Ayer — diante do pavor do contato com as eatistrofes externas ¢ internas. De certo modo podemos afitmar que a literatura é também uma porteira da cripta. Uma figura que tanto vem “de dentro” como esti “fora”, diante da cripta, de 145, Pro-Posigées - vol. 13, N. 3 (89) - set/dlez. 2002 costas para cla. Essa eripta evidentemente — assim como a nogio forte de “real” — possui a mesma carateristica da concepgio freudiana de Unbeimlick: como algo de familiar que nao pode ser revelado. O que pode habitar esse timulo senio 0 proprio hist6rico? Algo que conhecemos mas nos “esquecemos” dele... E esse elemento “esqjuecido” que € encenado em muitas histérias de Kafka. Kafka traca, retraca, apaga para novamente riscar o limite interdito que permite que nés vivamos assen- tados sobre nossos tiimulos sem olhar pata baixo. Nas suas obras o olhar tear “de ‘haixo’. Orson Welles traduziu esse fato genialmente na sua filmagem de O Provo 20 explorar os canireplngées, sem que com isso tornasse as pessoas gigantes: sobretu- do K. nao é um gigante. Apenas seu advogado, que, na verdade, é um dos tiltimos, ‘na hierarquia da justica.., essa instituigio que representa tanto a lei ~ 0 cédigo civil, da drtasem oposigio a0 campo (ef. "Um médico rural”) — como o eddigolinguistico, simbélico. A justica€ tio impenetrivel quanto o niicleo duro da linguagem, que em termos psicanalticos no pode ser dissociada dos nossos traumas constitutivos, do desamparo e da tentativa de dar conta da angistia por meio dela. Ocupar a boca ‘com linguagem, nos ensina Torok, s6 é possivel em meio a uma “comunidade de bocas vazias”. A justiga do veredicto, condena, censura — como nosso superego mas também estabelece no seu cédigo correto € o errado: 0 bem € o mal. Era linguagem — a nossa linguagem pés-queda e pos-babélica'” — s6 existe a partir do ‘conhecimento do bem ¢ do mal, do re-conhecimento da vergonha: diante do espe- téeulo da nudez de nossos eorpos. (Nao por acaso na iitima frase de O Proceso lemos: “Era como se a vergonha devesse sobreviver a el.”) A culpa incorporada na linguagem ¢ a vergonha do corpo sempre caminharam juntas na histéria mitica da hhumanidade. Nao ha esperanga na literatura de Kafka, porque ele leva até as iti mas conseqiiéncias o saber em torno dessa linguagem “decaida”, dessa linguagem que condena a priori, que exclui e vive dessa exclusio. Na sua literatura, a lingua gem € desconstruida enquanto maquina de conccituacio ¢ consolo diante da “Que- da’. Dai a impossibilidade da metifora e a sua literalizagio que leva os leitores 20 “desespero”. O espeticulo da catistrofe a que se resume a vida (moderna) é apre- sentado como se fosse um evento banal. Também a temporalidade da narrativa é estancada: a literatura de Kafka reduz 0 mundo a ingens sem um necessirio nexo entre clis (ANDERS, 1993, p. 30). Sua obra apresenta 0 “trauma” do individuo, alienado moderno que porta em sia marca do choque. Kafka nos fala de uma “fetida... rasgada por um raio que ainda perdura” (ANDERS, 1993, p. 60): esse raio €0 mesmo flash do “real” que nos paralisa e que nossa sociedade miditica repro duz incessantemente em imagens sem significado, Essa reflexto também possui tum coroliio que resistimos muitas vezes em reconhecer: identificamo-nos com a literatura de Kafka, com K., porque somos filhos de nossa era, porque de certo ‘modo nos identiicamos com os sobreviventes, porque sentimo-nos culpados ¢ nos voltamos para os mottos, mesmo que sempre “tarde demais”™. Kafka apresenta 0 12, Longo mao aq de tes da rota ao Inquager de Weta Baryon fa como from deeervoNeos ‘ot $048 escfos 6 nico dos ores vive. Ck andise que fe dla No LIM Lor 0 UO dO MNoD. Were Bano: ernentima 8 cica podtoa pp. 79-123. 14. Conan (2000) quarto & naqse ce ouma em Lacon como casper pars. @ eri "do cue, com> Um comproriso ico que se da serere “com cosa, no Gores Coup Malcresico. 146

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