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penn ene ‘Tempo e Temporalidade em Heidegger a partir da dtica de Benedito Nunes Bruno Thompis Alves Siqueira Barbosa?! Resumo Em Ser & Tempo, Heidegger nos apresenta uma perspectiva impar acerca do tempo e da temporalidade, mostrando-nos ideias que tiveram ¢ tém uma importante contribuigio na caracterizagdo do jeito de pensar o tempo na nossa filosofia, tomando-o um autor de leitura essencial e quase obrigatéria na busca por uma existéncia auténtica. Os modos da temporalidade, 0 movimento extitico e a concepgao do Intratemporal serio estudados aqui através da perspectiva heideggeriana na ética de Benedito Nunes. Palavras-chave: tempo, temporalidade, Heidegger, Benedito Nunes. Heidegger’s time and temporality from the perspective of Benedito Nunes Abstract In Beingand Time, Heidegger honor us wit ha singular perspective about time and temporality show Ingusideas thath adand havean important contribution to form the way to think 0 four time philosophy, tuminghim in a essential autor toread in a searc ho fauthentic living. The “kinds” of temporality, the extatic movement, and the Innertemporal conception willb estudied in the perspective of Benedito Nunes. Keywords: time, temporality, Heidegger, Benedito Nunes. Introdugio Tempo ¢ temporalidade sio, talvez, alguns dos assuntos mais polémicos da filosofia. Aristételes, Agostinho, Bergson ¢ muitos outros tentaram dar, cada um, sua definigao ideal sobre 0 assunto, Mas & Heidegger, em Ser & Tempo, quem revoluciona, Brindando-nos com ‘uma 6tica impar acerca deste tema, Transformando ¢ adaptando Aristételes e, de certa forma, criando uma nova concepgao temporal, Heidegger procura desvelar 0 mistério da existéncia e, para isso, 0 diélogo com 0 tempo é pega-chave nessa busca inicial. Temporalidade propria e temporalidade imprépria, autenticidade ¢ inautenticidade, 0 movimento extético © a sua estrutura do cuidado, formatando, assim as estruturas do Dasein, a questio da substancia serdo pontos a serem discutidos aqui. Benedito Nunes procurou passar-nos os ensinamentos heideggerianos mediante a obra Heidegger & Ser ¢ Tempo que discutiremos aqui. Para isso, nada melhor que uma pequena apresentagdo acerca dos possibilitadores desse artigo, *\Graduando em Filosofia pela Universidade Federal do Piaui (UFP). E mail: brunothompis@gmail.com ce ee oy Pe BT] Tempo e Tomporalidade om Heidegger a partir da étiea de Benedite Nunes O autor Benedito José Viana da Costa Nunes foi um filésofo brasileiro nascido no final da década de 20 e que veio a falecer em Novembro de 2011, aos 81 anos, devido a uma hemorragia estomacal que no péde ser controlada. Benedito nos deixa como legado diversas obras que versam entre a poesia ¢ a filosofia, onde residiam suas dreas de maior atuagio: Filosofia da Arte, Hermenéutica, Estética e a Literatura como um todo. Benedito, em vida, foi vencedor de duas edigdes do Prémio Jabuti de Literatura (1987 — Passagem para o poético ¢ 2010 — A clave para o poético) e foi agraciado com um Prémio Machado de Assis de Literatura, pelo conjunto de sua obra, Dentre suas publicagdes, destacam-se os livros: O dorso do tigre, Joao Cabral de Melo Neto, Poesia de Mario Faustino, Introdugao 4 filosofia da arte, A filosofia contempordnea, O tempo na narrativa, Passagem para o poético: filosofia e poesia em Heidegger, No tempo do niilismo e outros ensaios, Crivo de papel, Hermenéutica e poesia e, a nossa obra em questo, Heidegger Ser & Tempo. Martin Heidegger Heidegger foi um filésofo alemao, professor da Universidade de Freiburg im Brisgau ¢ reitor da mesma entre 1933 ¢ 1934. Benedito nos apresenta um Heidegger que pode ser didaticamente dividido em duas fases, sendo que a primeira fase compreende a publicagdo de Ser & Tempo, que seria um tratado sobre o ser, ¢ a segunda compreenderia a década de 30 ¢ culminaria com a publicagdo de Sobre o Humanismo, logo apés a Segunda Guerra Mundial Sua contribuigao para a filosofia moderna é inegavel e ultrapassa a barreira do simples publicar, avivando-se a cada dia mais nos dmbitos académicos e acendendo a chama de uma ontologia, na qual a busca de uma primazia do ser sai do ambito meramente inteligivel e resulta numa busca quase que empirica pelo sentido do ser langado, beirando o existencialismo, embora esse nunca fosse sua preocupagao principal. Benedito nos ensina que Heidegger utiliza 0 método fenomenolégico de Husserl, a quem ele dedica a obra Ser & Tempo, o que quase o impossibilita de trabalhar com conceitos (caracteristica da filosofia) bem definidos. ‘Tempo e temporalidade Nao ha uma esséncia, uma substincia, intrinseca ao eu como o pensam grandes correntes e tedricos da filosofia. E com essa afirmagdo que Benedito comega a discorrer sobre © tempo, Para ele, Heidegger diz que essa esséncia se encontra em outa coisa que no o eu. Aqui nos ateremos, por enquanto, a concepgio de temporalidade descrita por Heidegger e, mais a frente, procuraremos, desvendar esse segredo que nos remete & perguntar: onde esta essa esséncia, entdo? Soe en tt nt ry Tan) A possibilidade como possibilidade se abre para o homem a medida que ele decide. Essa deciséo nos remete 4 morte e, finalmente, nos situa dentro de um mundo pré- determinado onde fomos langados. Para Heidegger, é quando o homem toma consciéneia da morte, como possibilidade da impossibilidade, que ele se abre para todas as possibilidades com as quais pode vir a ser. E a consciéncia da finitude que leva o homem a decidir, é a presenga da morte que o faz decidir, é 0 despertar para a possibilidade da impossibilidade que © faz decidir e essa decisio 0 totaliza. Benedito chama essa decisio de projetar-se. E é através desse mesmo projetar-se que 0 homem pode advir a si de modo existencial. Em outras palavras, quando eu decido, eu potencializo mantendo 0 meu ciclo de possibilidades em aberto. E através da decisdio, que descubro, com minha existéncia, que posso ser cu mesmo € ime libertar das decisdes que a todo instante foram tomadas por mim por outros entes. O Dasein s6 se reconhece como ser langado quando se futuraliza, quando se antecipa remetendo-se 4 morte © essa projego o leva ao presente, como momento da decisio. Heidegger nomeia esses trés passos citados como movimento extdtico, ou, como “o fora de si em sie para si mesmo” da existéncia, ou ainda: temporalidade. Para Heidegger, a temporalidade & bem mais que uma ferramenta de contagem de momentos pretéritos ¢ momento suscedentes, A temporalidade ¢ a principal ferramenta utilizada pelo homem na busca do caminho da existéncia auténtica ou propria, Dessa forma, temos uma estrutura extitica bem definida e que nos pée cara-a-cara com as caracteristicas do Dasein: 0 advir é 0 poder-ser, 0 retrovir € 0 ser langado ¢ 0 apresentar € o estar junto aos entes, ou seja, é 0 ser com. Assim compéem-se os trés membros da estrutura do cuidado. E através de sua movimentagdo, de seu exercitar, que finalmente nos imporemos a frente da nossa propria subjetividade. E valido ressaltar que 0 movimento extdtico nos incita a sair fora de nds mesmos, quer que nos projetemos, quer que nos libertemos e a primeira recompensa que recebemos por compreendé-lo é ter nossa subjetividade livre para ser nossa e nao mais dos outros. Assim, por ter status de completude, a temporalidade abarca 0 homem como um todo pelo fato de remeté-lo a morte, Porém, nao é surpreendente perceber a tendéncia quase que unanime de esconder a morte do cotidiano do homem, O ser-langado é bombardeado com todos os tipos de influéncia, pré-determinagdo, toda a carga de possibilidade do outro que o engessa em sua situagao atual, impedindo-o de praticar 0 exercicio para a morte. Fica nitida, entio, a tendéncia do Dasein de oscilar entre dois pélos distintos: 0 da existéncia auténtica e 0 da existéncia inauténtica. Essa oscilacdo teria fim quando © homem decidisse antecipar-se, ou seja, aceitar a concepgdo de temporalidade focada no fim que jé somos, na nossa finitude, Em outras palavras, essa decisdo reconheceria 0 nosso fim ¢ para ele se remeteria, nio como expectativa, sim como antecipagao. Partindo desta concepgao, temos 0 que Heidegger define como temporalidade propria ou auténtica, onde o futuro deixa de ser expectativa e passa a ser antecipagao. O futuro, entio, perderia a caracteristica de ndo-existente (0 futuro é aquilo que ainda nao é, diria 0 senso Soe oy creer ne 89 en an Soe comum) de modo a nao termos controle sobre ele, jogando-o 14 na frente, quase como inalcangavel. © passado deixaria de ser esquecimento, saitia do plano do que “ja passou” necessariamente teria conotagéo de retomada. Deixariamos, entio, a tendéncia de esquecermos € inacessibilizarmos 0 que outrora fomos, em favor de retomarmos algo que uma ver, foi possivel. © presente, que puxa a cadeia da temporalidade vulgar ou inauténtica, deixaria de ser 0 nosso foco principal e passaria a ser 0 momento da decisao. E no agora que cu decido, antecipando-me. Assim, organizando 0 pensamento da forma como Benedito no explicou anteriormente, vimos que ¢ com a antecipagdo que retomo o que uma vez foi possivel & através dessa retomada & que me apresento, buscando 0 momento da decisdo e, assim, projetando o presente, mas focando sempre no futuro. Desse modo, o Dasein ainda & passado sem deixar de ser presente e a partir disso, antecipa o futuro. Citando Agostinho para justificar a inexisténcia dos trés tempos, Benedito nos pie, frente a frente, com uma temporalidade que ndo se mostra em etapas independentes entre si ‘mas, como um emaranhado de sucessdes que atuam em conjunto, impossibilitando a divisdo e a independéncia dos trés tempos que aqui sdo divididos somente como forma didatica. Frisemos: ndo importa o éxtase da temporalidade, a temporalizagdo deve ser feita através do futuro. Agora, o presente ndo mais seria o “mandatario” da temporalidade. Fo futuro quem puxa a cadeia dos éxtases. # s6 com o futuro que a possibilidade se abre como possibilidade, 6 ele quem potencializa 0 projeto. O presente, como no cotidiano, é concebido como um simples agora ¢ essa é a deixa para entrarmos no ambito da temporalidade imprépria ou inauténtica: © presente é como dito, 0 agora, o futuro é expectativa © 0 passado & esquecimento do que jé passou. A impropriedade citada por Heidegger se apresenta, tomando como base essa concepgao de temporalidade, por esquecermos a morte. Além do mais, a temporalidade imprépria, por basear-se nos agoras da existéncia, se torna infinita em si espalhando-se pelos entes intramundanos parecendo que deles se origina. Heidegger define a temporalidade assim explicitada por intratemporal. intratemporal Caracteriza-se pela preocupagdo iminente com as coisas com as quais se est. Ou seja, assumindo a concepgao de temporalidade de forma impropria, tendo a me esvaziar de futuro, esquecer-me da morte e viver com © para o mundo circundante, transformando minha concepedo temporal como o tempo, que posso tanto agarrar quanto perder. Nao é dificil que, a0 pensarmos 0 intratemporal, 0 julguemos como esquecedor da temporalidade, mas nio é bem isso. O intratemporal & derivado da temporalidade que outrora definimos © compreendemos. A grande diferenga, e ¢ aqui onde mora a o cere da questo, ¢ que 0 intratemporal altera a temporalidade, retirando do futuro a primazia extética outrora conquistada e estabelecendo o presente como carro-chefe dos éxtases da temporalidade, retomando, assim, a concepedo de temporalidade imprépria. ‘Tempo e Temporalidade em Heidegger a partir da ética de Benedito Nunes © tempo, assim concebido, remonta 4 concepgdo dos entes intramundanos que primeiro so acessiveis nao de modo cognoscivel e, sim, por sua utilidade, seu tato, sendo definidos pela fungdo a qual se prestam. Tendo por base essa concep¢do, o carater piblico que Heidegger atribui ao tempo, transforma-o em algo com utilidade pré-estabelecida, remontando a Aristételes e & concep¢do que Heidegger definiu como tempo natural ou vulgar. Assim, 0 tempo com 0 qual contamos passa a ser “contado, medido, descoberto nas coisas” ¢ que nos prestamos a alocé-lo em instrumentos piblicos, obedecendo ao seu cariter anteriormente citado, para medir 0 tempo. Porém, nesse processo, entramos em conflito direto com o Dasein: se 0 Dasein ja conta com 0 tempo, jé 0 apreende, onde alocariamos as nossas medidas? Benedito diz que, as medidas feitas por nés passariam a ter fungdo meramente reguladora, estabelecendo momentos especificos para cada coisa. Assim, teriamos uma sucessio de “agoras” independentes, expondo aqui o presente dianteira dos éxtases da temporalidade em fungdo das coisas nas quais se temporaliza”, No que tange a temporalidade, ao remetermo-nos a subjetividade, significa remetermo-nos 4 compreensio da temporalidade extitica, Heidegger frisa que ¢ na temporalidade extitica que a subjetividade se liberta, Respondendo, entio, & pergunta feita no comego do artigo, posso afirmar que a substincia como vigente no eu, é puramente neutralizada pela temporalidade, Fazendo com que a substincia do homem seja a sua propria existéncia e aqui Heidegger nos incita a um pequeno exercicio légico sobre © Dasein: tudo o que vimos anteriormente pode ser traduzido na seguinte definigdo, 0 Dasein & temporal. Se 0 Dasein & temporal, ele existe de modo a temporalizar-se desde 0 seu nascimento até o seu fim, até a sua morte. Pensemos pois, num mundo sem temporalizagdo. Se 0 Dasein & temporal e estamos nesse mundo sem temporalizagdo, ndo haveria Dasein. E, entio, de acordo com as definigdes heideggerianas, ¢ © Dasein quem proporciona 0 mundo. Nao haveria mundo sem Dasein. Desta forma, o intratemporal se preocupa com 0 mundo circundante ¢ se estende em cada “agora”. Lembremo-nos sempre que a busca de Heidegger em Ser & Tempo & pelo sentido do ser. Sentido, em Heidegger, é onde a compreensibilidade de algo esta apoiada, Logo, compreender o ser, esta diretamente ligado questio da temporalidade outrora explicitada por nés, Esta mesma temporalidade, é 0 sentido do Dasein. Por fim, concluimos que a temporalidade, que abrange todas as estruturas da existéncia (0 ser langado, 0 ser-com ¢ © ser-para-a-morte), é a possibilidade da possibilidade, Consideragées finais Benedito Nunes nos brinda com uma compreensio astuta da ordem temporal na filosofia de Heidegger, nos impulsionando a refletir acerca da autenticidade de nossa propria "Heidegger, segundo Benedito, frisa que a concepgao de tempo natural no pode set deixada de lado, pois & “a primeira interpretagdo detalhada desse fendmeno que nos foi transmitida”. Soe creer ne 90 LL ee ine existéncia. Inquietante para alguns, absurdo para outros, 0 fato é que Heidegger possui uma visio impar da temporalidade e procura, com ela, embasar uma existéncia propria, auténtica em cada um de nés. Sua preocupagdo, entretanto, nao pode ser vulgarmente definida como arbitraria, Da mesma forma, no podemos dizer que o homem vive melhor com a existéncia auténtica. Heidegger nos deixa a cargo de nés mesmos; a nossa decisdo antecipadora um dia vird e quando ela vier, teremos que escolher entre a abertura a propriedade ou a permanéncia na impropriedade. © homem é e sempre foi livre para escolher ¢ a ordem racional é prova disso. A ordem racional impulsiona 0 homem a ser livre, como Benedito faz questo de frisar: “a vocagdo convoca-nos a nossa liberdade, a um ‘querer ter consciéncia’, que ¢ 0 que escolhemos angustiadamente” (Heidegger & Ser e Tempo, p.23). Porém, isso nao constitui uma automaticidade da decisio, da consciéncia da morte, do remetimento a finitude, da antecipagdo, da saida da menoridade do presente, muito pelo contrério. A razo nos angustia © momento da decisio pode e, frequentemente, esbarra nessa angistia, nesse “conscientizar- nos”, Cabe ao homem domar a angistia ¢ apropriar-se de sua propria vida, Para isso, & bom ter em mente que o caminho facil ¢ a permanéneia, a mudanga sempre tende a ser a radicalizacdo de paradigmas e, portanto, 0 caminho a ser percorrido esté muito longe de ser facil. Submetido em outubro de 2013, Aprovado para publicagdo em fevereiro de 2014. REFERENCIAS NUNES, Benedito. Heidegger & ser e tempo. 3* Ed. Rio de Janeiro, RJ: Zahar, 2010. Soe

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