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4{Estratécias & Dimensdes 00 Campo 0A Sadoe Menta € ATeNcAo PsicossocrAL Vimmos que © HHOUélGTpEGURIHED, nascido do modelo biomédico, teve como uma de suas carncteristicas princi pais um sistema “terapéutico’ baseado na hospitalizagio, Como este modelo pressupde um paciente portador de um Uistiebio que the rouba a Razio, um insano, insensato, inca: paz, irresponsavel (inclusive a legislagéo considera 0 louco isresponstvel cei), correcionais, peni- tenciérias. Portanto, E como nio poderia deixar de ser, Aste respeito, podemos constatar no artigo 32 dos estatutos do Hospicio de Pedro II (Decteto 1.077, de 4 de dezembro de ck nel 1° - A privagio de visitas, passeios e quaisquer outros recreios; 2° - A diminuigio de alimentos, dentro dos limites prescritos pelo respectivo Facultativo; 3° - A reclusio solittia, com a cama ¢ 06 alimentos que © tespectivo Clinico prescrever, nlo excedendo a dois dias, cada vvez que for aplicada; 4° - O colete de forga, com reclusio ou sem ela; iy 5° - Os banhos de emborcagio, que s6 poderio ser empre- sgados pela primeira vez na presenga do respectvo Clinics fe nas subsequentes na da pessoa e pelo tempo que ele de- signat. mt ane esquego da historia de uma mulher que foi rest aque faleceu, de fore ¢ iio! Tamanho era 0 descaso cue, somes tmuitos anos depois, seu corpo foi encontrado, jé petrficado. ‘A silhueta mumificada indicava o tanto de softimento naquela mulher em posicio fetal, em completo abandono, Seu crime er ter loucal Curiosamente a marca da silhueta niio sain com nhum produto de limpeza, nem mesmo com cidos. Ficow ali ‘Quando a disegio soube que a rpoticia estava correndo para fora do hospicio, mandou arrancar 6 piso. Mas, antes que isto ocoreesse, conseguimos faze a foro- sgrafia ea publicamos na revista Said em Debate n. 13 (1981). “Enfim, se tomna evidente que um modelo dessa natureza con- centea boa parte dos esforcos dos profissionais comprometi- Gos com of ideais de mudanga no sentido de implantar um processo efetivamente distinto do anterior. "As grandes experiencia de reformas psiquitieas, como po- demos constatar, incorreram nesta limitagio, isto é Em al sgumas delas, ass entativas de humanizat o hospital, de dnuroduzir-lhe novas técnicas € tatamentos para transformélo oe] «om sing erp Fn ours, vos 0 eorgo de cao dle servigos externos que minimizassem os efeitos nocivos do hospital ou que evitasser as intemnagées, procurando fazer com «que 0 hospital fosse um recurso utlizado somente em ikimo caso. Him ambos os casos, foram mudancas restrtas aos servicos que dominaram a atengéo ¢ a rofissionais e dirigentes. Assim sendo, "cos, muito embora se torne evidente que os mesmos tenham de set radicalmente transformados e os manicémios superados. Mas Como entio ultrapassar esta limitagio? Vamos por partes! © um processo social que é Esta é - € a proposta de 'anco Rotli,sucessor de Basagla e uma das mas imporates expresses da reforma italiana (Rotelli ef al, 1990) Quando falamos em proceso pensamos em movimento, Ss algo que caminha ¢ se transforma permanentemente, Neste = ao wo sudo novos elementos, novas situagées 2 se- rentadas. Novos elementos, novas situagdes, pressupdem_ «que existam novos atores sociais, com novos ~ e certamente «onfltantes ~ interesses,ideologia, vis6es de mundo, concep- seers, as, ics de penencime snto de dasse : Bim, um processo social complexo se constini enquan- ee de dimensées simultineas, que oma se alimen- tam, ota so conflitantes; que produze: 3 as -m pulsagdes, paradoxos, contradigées, consensos, tensbes. me [a ‘Apenas com o intuito de possbilitar uma reflexio mais sste- matizada sobre este processo, com objetivo exclusivamente di- ditico, pode-se pensar em algumas destas dimensdes (Figura 2). Figura 2 — Dimensées do processo social complexo Inicialmente, vejamos algo sobre a dimensto teético-conceitual (ou epistémica). Como nos referimos anteriormente, as ciéncias ttansigio. O pressuposto de que a ciéncia era um saber neutro, insuspeito, que, se munido de um bom método (a experimenta- io), ‘Ai estio vrios cientstas de renome mundial debatendo estas questes como Ilya Progogine, Edgar Morin, Isabelle Stengets, Fritjof Capra, Henry Atlan, ‘Umberto Maturana, Francisco Varella, Boaventura de Sousa Santos, e muitos outros. 6) eee até mesmo uma sociedade planejada e administrada de forma totalmente cientifiea; este era que ficou identificado como 0 ‘mais importante dos positivistas. O esquema a seguir talvez trans- CIENCIA J ACAO/INTERVENCAO Atualmente sabe-se que as coisas nfo sio mais‘assim. Ao claborar uma intervensio, um programa de sade para uma comn- nidade, ume ago socal ou politica qualquer, ‘Vejamos como ficaria 0 esquema agora (que é sempre sem- pre inufciente e sempre provserio) ‘CIENCIA J IDEOLOGIA + ACAO/INTERVENCAO € POLITICA tT ETICA im summa, esta dimensio nos transporta a reflexio dos con- ceitos mais fundamentais da ‘que, como vimos, foi Nagceu em um contexto em que ciéncia significava a producto de um saber positivo, neutro e aut6no- ro: expressio univoca da verdade! Assim € que 0s conceitos psiquiitricos devem ser avaliados, contextualizados em umm de- tetminado modelo de ciéncia que esti em plena transformagio. Com base nesta concepgio podemos considerar que (como afitmam os defensores da psiquiatria), Franco ‘Ao ‘considerat a doenga um objeto natural, extemo a0 homem, a psiquiatria passou a se ocupar dela © to que a vive cia, ‘Analisam os tipos, suas seme- Thangas e distingdes: “as esquizofrenias dividem-se em...” “sio de tantos tipos as neuroses.” a tn do da idade, ou do sexo, ou da classe social a doenga poderia assumir tal ou qual caracteristica, curso ou progndstico. Enfim, se a psiquiatria havia colocado o sujeito entre parénteses pars soups da doenga, a proposta de Basagia fl ade eolocar 661 do sujeito em sua experiéacia. Franco Basaglia se inspirou em Edmund Husserl, considetado 0 pai da fenomenologia ¢ autor do conceito de “reducio analégica” ou de colocar © conceito centre parénteses. A ideia da doenga entre parénteses pode ser entendida como uma atitude epistémica, isto é, uma atitude de producio de co- nhecimento, que significa a suspensdo de um determinado con- ceito ¢ implica a possibilidade de novos contatos empiticos com © fenémeno em questio, que, no caso, é a expetiéncia vivida pelos sujitos. Desta forma, aero a| Fcaa nasi da exstnca da ‘Goenga moots pales, 0 significa a recusa em aceitar que exista uma experiéncia que pos- sa produzir dor, sofrimento, diferenga ou mal-estar; ndo é a nego da experigncia que a psiquiatra convencionou denoti- nat doenca mental. A estratégia de colocat a doenga entre parénveses €, 2 um 56 tempo, ama ruptaralcom o modelo Desta forma, se torna possivel constatar 0 que Basaglia (nspirado no pocta ¢ dramarurgo Antonin Artaud) iso é0 “ccitos (estigmas, valores, jufzos) 1 Logo que iniciou seu trabalho em Trieste, Basaglia conheceu uma interna que estava sempre solicitando um pente. Bstou despenteada, dizia ela, “quero me pentear; mas nio tenho um pente, preciso de um pente, tenho direito a um pente!”. le «3 Mas ninguém the atendia: a obsessio pelo pente seria um mero sintoma psic6tico? Para que uma louca necessitaria de um pente? (O transformaria em uma arma? O jogatia fora e peditia um outro, ¢ mais outro, ¢ outro ainda? Com o dominio da nogio de doenca mental, uma simples necessidade basica, inclusive de au- tocuidado e autonomia, pode ser entendida como um mero sintoma, Nada mais € do sujeito: tudo se refere @ doencal (Os autores da psiquiatria nfo assumem, mas a Antipsiquiacria a Psiquiatria Democratica obrigaram a psiquiatria @ abandonar © coneeito de doenga mental na medida em que provaram que nao contribuia em praticamente nada para entender e lidar com 08 sujeitos assim classificados: a resposta da psiquiatria foi criar asilos psiquiitricos. ‘end, piqua passa expen novs defi ges e mais recentemente optou por adotar os termos “transtorno ‘mental’ (em portugués e espanhol) ¢ ‘desordem mental” (em in- £85). A legislagao brasileira utliza a expressio ‘os portadores de transtorno mental’. No nos dé a ideia de alguém carregando um fardo, um peso enorme ¢ eterno, inseparivel e indistinguivel do sujeito? Se formos levar ao limite a ideia de portadot, poderia- mos considerar que todos nés carregamos o fardo de nossa per: sonalidade e cariter. Por outro lado, uma pessoa com transtorno ‘mental € uma pessoa transtornada, que € 0 mesmo que possessal Em ings 0 termo menial dink nos emese 2 pens em > cordem, quebra da ordem, sem ordem, ai voltamos ao principio Sa ques: qual order mena? O se €normaide mental? or estas razes no campo da saide mental e atengio psicossocial se tem utlizado falar de sujitos ‘em’ softimento psiquico ou men- tal, pois a ideia de sofrimento nos remete a pensar em um sujeto que softe, em uma experiéncia vivida de um sujeito. Enfim, se com a doenca entre parénteses nos deparamos com ‘6 sujeito, com suas vicissitudes, seus problemas concretos do co- tidiano, seu trabalho, sua familia, seus parentes e vizinhos, seus pro- jetos e anseios, isto possibiita uma ampliagio da nogio de inte- sralidade no campo da satide mental ¢ atenglo psicossocial. Os servicos ji nto serao locais de repressio, exclusao, dseiplin tole e vigilincia panéptica (Foucault, 19772). Devem ser entendi- «los como dispositivos estratégicos, como lugares de acolhimen- (0, de cuidado e de trocas sociais. Enquanto servicos que lidam com as pessoas, € no com as doengas, devem ser lugares de sociabilidade € produgio de subjetividades. E aqui jé estamos na “dmensio técnico-assistencial’,ejé podemos perceber algumas de suas inter-elagSes com a dimensio que acabamos de analisat Por outro lado, se a loucura/alienagio nao é sindnimo de periculosidade, de irracionalidade, de incapacidade civil, de exer- cicio de cidadania, na ‘dimensio juridico-polities’ situa-se um conjunto de desafios e estratégias. A sevisio de toda a legislagio um primeiro aspecto, pois tanto o cédigo penal quanto o civil ‘ou ainda outras leis e normas sociais estio repletos de referencias nocivas 20s sujeitos em softimento psiquico e representam obs- ticulos significativos 20 exercicio da cidadania. A concessio do Beneficio de Prestacio Continuada (BPO) previsto na Lei Orgi- hea da Assisténcia Social (Loas) ¢ um bor exemplo, na medida ‘em que € testtito & pessoas com diagnéstico de deficiéncia mei tal e que 0 beneficiisio nao pode ter nenhuma atividade profi sional (nem mesmo nas cooperativas e projetos de geracio de renda ou economia solidiria), sendo um obsticulo, portanto, a cstratégias de inclusio social. ‘A questio dos direitos humanos assume aqui uma expressio ingular. Trata-se de uma luta pela incluso de novos sujeitos de [69 fal, Direito 20 trabalho, 20 estudo, a0 lazer, 0 export, daltur, cnfim, 20s recursos que 2 Sociedade oferece. “De volea icidade, senhor cidadao”, diz 0 poeta Paulo Mendes Campos. nesta diregio foi dado com a promulga- oo estates Embora 0 projet original tenha sido rejeitado, apés doze anos de tramitagio, foi aprovado um substitutivo que dispde sobre “a proterio € os texto da lei aprovada Mesmo asim, revogou a acta legisiso de 1934, que ainda estava em vigor, sigifico um avango consi derivel no modelo assistencial. Um aspeeto muito importante no que diz tespeito 20 pro- cesso social da reforma psiquidtrica em relagio @ Lei 10.216/ 2001 BURN come pode scr observa vo argo Por outro lado, Listamse a seguir as leis estaduais de reforma psiquidtrca: « Rio Grande do Sul — Lei 9.716 de 7 de agosto de 1992; + Coat — Lei 12.151 de 29 de julho de 1995; «+ Pernambuco ~ Lei 11,065 de 16 de maio de 1994; «+ Rio Grande do Notte — Lei 6.758 de 4 de jancio de 1995; 7) + Minas Gerais ~ Lei 11.802 de 18 de janeiro de 1995; + Parand ~ Lei 11.189 de 9 de novembro de 1995; + Distrito Federal - Lei 975 de 12 de dezembro de 1995; + Espirito Santo — Lei 5.267 de 10 de setembro de 1996, ‘como nio basta apenas aprovar leis, pois niio se determina que 4s pessoas sejam cidadis e sujeitos de diteito por decreto. A vonstrugio de cidadania diz respeito a um processo social , tl «qual nos refetimos no campo da saide mental e atengio psicos- “cl proses nd mpm Ep me Ao longo de sua hist6ria, todas as sociedades csiam determi- nadas interpretacées sobre fatos, pessoas e coisas. Todas proca- tam dar sentido as coisas € sensagdes que veem, experimentam ‘ou remem. Estas interpretagies e sentidos se totnam representa \Whes coletivas, pois passam a ser, por um processo natutal, com- prrithadas de uma forma semelhante pelos componentes do tipo soi, Apia cone mio aa uc seeds ‘nental.. Voce jf parou para pensar oe quantos =a ‘xistem sobre as pessoas com problemas mentais? Quantas ane- «lotas existem sobre loucos? Quantos casos de loucos futiosos, sssassinos, pervertidos... O préptio Kraepelin, naquela mesma «nla inicial do curso de clinica psiquitrica, prossegue afirmando: Pelo menos um retgo do niimero total de suicidios tem Por causa eventual diferentes transtornos mentais, como ‘em menor escala eles sio também os indutores dos ex. mes contra 0 pudor, de incéndios, roubos, fraudes ¢ in ‘outros. Mulkiddes de famfiaschoram suas ruinas por causa destes desventurados enfermos, que dissiparam fortunas cou meios de existéncia em iniciativas insensatas ou por causa do empenho em aliviar sofrimentos sociais € cor porais nascidos em virtude da preguica, da incapacidade para trabalho, que acompanham quase sempre a todos os transtomnados de mente. (Kraepetin, 1988: 22-23) Nao € de assustar? Hi quem diga, so const, ove nfo tem i ai yuelas que se edo das pessoas que nio tém razio, ¢ sim daquelas julgam com razio demais! E nesta medida que a nogio de pro- ccesso social complexo é estratégica, pois € necessério introduzir ‘uma série de transformacées que perpassam as visias dimen. sBes aqui referidas ‘Vamos construir, da mesma forma, leis restritivas, autoritarias, impediti- vas, Vamos, enfim, construir representagies sociais ¢ sentidos sociais de medo, de risco, de exclusio: estigmas, discriminagdes, preconceitos. No maximo vamos percebet algumas atirudes de tolerincia. Mas, Franco Em contraposiglo, se recusarmos aqueles conceitos arcaicos © procurarmos sentir ¢ nos relacionat com os sujeitos em sofri- ‘mento, nl Contribuimos desta forma para 0 questionamento pritico das legislagdes € normas excludentes, construindo estratégias efeti- vas de cidadania e participacio social, que so, 20 mesmo tem- po, fundamentos ¢ comprovacies materiais dos novos pressu- Franco Basaglia observava que cra importante questionar no somente “o manicémio nem a prsiquiatria como ciéncia, mas tudo que, partindo do ‘territé- rio? repelia a doenca e a confiava & psiquiatria e a0 manicémio” (Basaglia, 2005: 243). Um «los prineipios fundamentais adotados nesta dimensio & 0 en- volvimento da sociedade na discussio da reforma psiquiétrica com 0 objetivo de provocar o imaginatio social a refletir sobre #» tema da loucura, da doenga mental, dos hospitais psiquiitricos, «patie da propria producto cultural e artstica dos atores sociais cavolvidos (usuarios, familiares, técaicos, voluntitios). Para nto, ‘ia 18 de maio, no qual (¢ mesmo nos dias préximos & data), em ‘odo o pais ocorrem atividades culturais, polticas, académicas, «sportivas, dentre outras, que promovem 0 debate e instigam a sociedade a participar e a refleti. ‘Uma experigneia marcante para mim foi o convite tecebido «le Franco Rotelli para organizar uma escola de samba com suitios, écnicos, familiares ¢ voluntérios no carnaval de Trieste (73 em 1992. A partie do toma Meninos de rus, compus o samba- cnredo “Tutti i bambini della strada” e fizemos uma bela festa Ge marcou o carnaval testino, Ager, vjamos exemplos de atvdades no Bras (EIB) Jecidiu-se no mas fazer um {BISEO AE) 3s sim or- ganizar uma ala num dos blocos mais famosos do Rio de Jancito, (0 “Simpatia é quase amor”. A ala sain com 0 nome de “Ala do aluco beleza” (em alusio a mmisica de Raul Seixas) e fez: muito sucesso no bloco e na midia. Em anos posteriores, foram ongani- ‘zadas wits iniciativas semelhantes e até mesmo escolas de samba do Rio de Janeiro desflaram com alas ¢ temas abordando a lou- cura, a diferenga, a diversidade. Hé, no pais, muitos blocos © coletivos camavalescos que fazem alusio a0 tema. No Rio de Janeiro, destacam-se 0 “Ta Pirando, Pirado, Pitou!”, o “Loucura Suburbana” e 0 ““Tremendo nos Nervos”. Em Paracambi (RJ), ha 0 bloco “Maluco Sonhador”; em Séo Paulo, 0 cordio “Bibi Tanti”, em Natal, o “Lokomotiva”; € muitos outros pelo pais (Gi camisetas com SS relacionadas 4 luca antimanicomial ¢ reforina psiguitrca, A que mais se destacou foi “G8 BERS > cextraida da mvisica “Vaca profana” de Caetano Veloso, ao qual Biz refectncia logo no inicio deste vee, Dai em dante, houve uma proliferagio de camisetas com desenhos, pn turas ¢fases com o objetivo de levar o debate & opinio pablica, de instigar a curosidade as pessons sobre o tra. Misias,ima- pense pocsias serviam de isc pata esta estat: “Gemte € pra brilhar..", a partit de misica também de Cactano Veloso; “Malu ‘co beleza” e “Sociedade alternativa”, ambas de Raul Seixas; “ha tanta vida lé fora...”, “Como uma onda”, de Jaulu Santos, “Dizem m] {gue sou louco, por pensar assim, Se eu sou muito louca, por eu ser feliz, Mas louco é quem me diz que nio € feliz, nio & feliz”, “Bae id es de mo apes R Le ges de tas misicas que ajudam a provocase instigar as pessoas a pergun- tarem 0 que esta ou aquela frase signifieava, ¢ 0 motivo de estar ‘naquela camiseta e assim produzir didlogos e encontsos (no senti- do de encontro de pessoas/entre pessoas) sobre o tema da low (Ga importante Denite as que mais se destacaram estio, em primeiro lugar, a TV Tam Tam, criada em Santos logo no inicio do processo de desmontagem da estrutura manicomial na cid: com roteitos, flmagens e aruagio dos usuatios, familiares, pro- fissionais € voluntarios, Outta proposta é a de programas de eens cree es uum dos espagos ina mobs clr nacional brn sas porn parce |Loucura e Cultura e nesse mesmo ano foi iniciado em Barbacena © Festival da Loucura. | rts daSokgLOURSREVR sl paicpan snusical que gravou um CD com varias misicas, dentre elas “Nas terras do Juquery” ¢ “Loucos pela vida”, de Lizinho Gonzaga, ls gue profeza qu “in dn os mars do Juguery vo at”, No Rio, foi ctiado o grupo musical Harmonia Enlouquece que gra- you “Sufoco da vida” com a voz de Hamilton Assungao: “es- tou vivendo no mundo do hospital, tomando remédio de psi- wriada mena Hal, agp, hip romero trio no sabe como me tora um aa norma” Ov Pal agente fez nascer 0 sol pra nfo tomar haldol”. E muitas outras inves so conpo dams, como a dos Migeor do Som (Volta Redonda/RJ), Lokonaboa (Assis/SP), Viajar (Santo An- dsé/SP), Trem Tan Tan (Belo Horizonte/MG), Zé do Pogo (Ribeitio das Neves/MG), Sistema Nervoso Alterado (RY), Can- ioneiros do Ipub (UFR), 01 0s shows hist6ricos do Projeto Canta Loucura na Estacio das Barcas da Cantarcira (Niter6i/R)). No iitimo Férum Social Mundial em Porto Alegre um evento Sacer west eee ers Ba fiend em S80 SD cura, cao, Paulo representar,significar. No Rio, a partir do Teatro do Oprimido, de Augusto Boal, foi criado o Grupo de Teatro Pirei na Cena, ‘mas existem intimeras iniciativas como estas por todo o pais. O ‘Teatro do Oprimido é um bom exemplo de como € possivel produzir trabalhos orientados por principios como emancipa- fo, autonomia, consciéncia ertica, dentre outros, que no sejam reduzidos 20 carites terspéutico. E apenas teatro! ( nao basta?) No Rio de Jancito hi também o grupo de teatro “Os némades” 0 “Camisa de forca’, intervengio cultural concebida por Lula Wanderley © que acompanha o “Sistema Nervoso Alterado”” ‘Com o objetivo de cxiar uma politica pablica de cultura no Cam- po da Saiide Mental, Secretaria Nacional da Kdentidade ¢ da Diver- ral 761 Sidade Cultural, do Ministétio da Cultura, ¢ a Escola Nacional de Satide Publica Sergio Arouca, da Fundagio Oswaldo Cruz (Ensp/ Fiocri), langaram, em agosto de 2007, com a presenga do ministro Gilberto Gil, 0 projeto Loucos pela Diversidade. A originalidade deste projeto esto fito de ser a primeita iniiativa regular de politica cultural para pessoas em softimento psiquico. Nenhum outro pais ‘em iniciativa semelhante! Em 2009 o eaital do projeto Loucos pela Diversidade, que homenageou Austregésilo Cartano autor do livro «que inspirou o filme Bicbo de 7 Cab), reccbeu quase 400 inscrigdes de projetos. A solenidade de premiacio, presidida pelo ministro da Cultura Juca Ferreira, ocorreu na sede da Caixa Cultural, onde 55 projetos foram contemplados com o prémio. Mas existe um aspecto fundamental nesta dmenio se Dako pine ee le 0s primeiros anos do processo, no cendrio da redemocra- tizagao nacional, a participagio social tem sido objeto de mereci- do destaque. Vejamos alguns aspectos desta participasio. Em 197%, fo endo no Rio de Jncto © SESE “alain Sule Maa GNA yo ones frsou um movimento cational een jay de 1979, orp zou 0 1 Congtesso Nacional no Instituto Sedes apizntis eat Samana cetera mee clo pais, denominada Sosintra, ainda hoje atuante ¢ importante a en tena ea ae eens vindas de_ ntribuiram decisivamente para a Peasy ao morn a teers eee juando veio juntamente com Felix Guattari, Robert Castel, Erving Goffman, Thomaz Szasz a0 I Congresso Brasileiro de Lor 8] Paicanilise, Grupos e Instituigées no Rio de Janeiro, ou em (979) quando veio para 0! ‘a crueldade e violéncia da assisténcia psiquiftrica que eta presta da s pessoas em softimento mental. A iniciativa de Sergio Arouca, entio presidente da Fiocruz ¢ Soordenador da 8° Conferéncia Nacional de Saiide, de envolver cefetivamente a sociedade brasileira na discussio e formulagio das politicas de sade abriu um novo campo de possbilidades para 0 «que arualmente conhecemos como Sistema Unico de Satide (SUS) Com a organizagio da ‘Oitava’ (como ficou conhecida) passaram 1 se envolver nio apenas profissionais de satide, mas também usuatios do sistema, familiares, ativistas de associagées, de ongani- zages no governamentais,sindicatos, igreja, partidos politicos, enfim, de vitios segmentos da sociedade brasileira. Na I Confe- réncin Nacional de Saiide Menta, realizada como desdobramen- to da Oitava, os varios participantes do MTSM decidiram realizar II Congresso, que ocorreu em dezembro de 1987, em Bauru. Neste congresso, o MTSM sofreu uma profunda transformagio, tomando-se um movimento no mais (predominantemente) de profissionais da satide mental, mas com efetiva participacio de ususiios e familiares, Por outro lado, decidi-se assumis um cari tet mais claro em relagio ao papel do hospital psiquidtrico e, para tanto, adotou o lema: gue havia surgido no IIT Encontro da Rede de Alternativas a Psiquia- ‘tia, realizado no ano anterior, em Buenos Aires, no petiodo de 17 1121 de dezembro, Muitas associagies e cooperativas foram cria- das desde entio, dentre as quais destaco algumas, tio somente como forma de registro hist6rico: Loucos pela vida (inicialmente em Juquery e depois em Ribeirio Preto/SP), SOS Saiide Mental (Sio Paulo/SP), Franco Basaglia (Sio Paulo/SP), Franco Rotelli (Santos/SP), Cabega Feita (Sio Gongalo/R)), Loucos por Voce (patinga/MG), Loucos Por Cidadania (Olinda/PE), Lokomoti- va (Natal/RN), Qorpo Santo (Alegrete/RS), Praia Vermelha (Rio de Jancizo/R)), dentre muitas outras. ‘A participacio social, no apenas na saiide mental, mas nas politicas de saiide de forma geral, teve um impulso decisive com a introdugio do capitulo da satide na Constituigao de 1988 «¢ posteriormente, com a instituicio do SUS, regulamentado pela Lei 8.080 de 19 de setembro de 1990. Logo apés, em 28 de dezembro do mesmo ano, a Lei 8.142 estabeleceu 2 participa sa0 da comunidade na gestio do sistema, 0 que ficou conheci- do como 0 “controle social”. A realizacao das trés Conferéncias "Nacionais de Satide Mental, em 1987 (Rio de Janeiro, de 25 a 28 de junho), 1992 (Brasilia, 30 de novembro a2 de dezembro) © 2001 Brasilia, 11 a 15 de dezembro) ofereceu possibilidades inigualaveis de participagio dos atores sociais na discussio ¢ cons- truco das politcas de satide mental ¢ aten¢io psicossocial. O ideal é que existisse uma regularidade na convocagio destas con feréncias. Muito importante ainda ¢ o envolvimento dos atores sociais nos Conselhos de Saiide estaduais e municipais e nas s de Satide Mental ligadas a estes Conselhos e a0 Con- selho Nacional de Satide A dimensio sociocultural recebe muita visibilidade atra- vés da realizacao regular de grandes encontros totalmente of- ganizados e protagonizados pelos atores sociais da reforma psiquiatrica: usuarios, familiares, profi tas de movimentos sociais pela cidadania e defesa da vida. Sio tantos os encontros do Movimento Nacional da Luta Comi jionais e outros ativis 80} Antimanicomial quantos os enconttos exclusivos de usuitios ¢ familiares (Quadro 1). Apés virias manifestagdes da sociedade, em particular dos ‘movimentos antimanicomiais, que culminaram com a Marcha dos Usuarios em 30 de setembro, em Brasilia, foi convocada a TV Conferéncia Nacional de Satide Mental, que foi finalmente ‘marcada para 27 de junho 2 01 de julho de 2010, Essa conferén- cia teve como cariter inovador 0 fato de ser intersetorial, con- tando com a participagio das reas de cultura, direitos huma- ‘nos, economia solidatia, assisténcia social ¢ outras. Quadro 1 — Encontros Nacionais do Movimento da Lata Antimanicomial e das Associagdes de Usuirios e Familiares 7 oe Tot T Recssica Nadal oe Ueitn¢ Faalars 1961 Sia Pal Py Baconco Nilo de Uniti ¢Puniloes 1992. de ano RD 1 Raconr Nason ata Annan) 1999. Saaor BA) UL Encotro Nacional de Unasor Faire 1993 Santon SP) Eaconee Nail de Ls Actimaricosal 1995 Bein (MG) 1 Bacono Naso deUmisorFamiares 1986 Franco da Roch SP) ML Becotto Nacional da Lat Artinricominl 1997” oto Alegre (RS) Encore Neon de VkineFaminer 1998 Heim (MG) 1 Encotz Nacional da Lata Antimaricomiad 1999 Papas (AL) Veco Nilo de Unusore Femirsy 2000 Gold (G0 \VEnconto Nacional de Lt Antinsnicomit 2001 Niguel Pera (RD) {VI Encore Nicol de Unie eaniies 2002 Keri (R) ‘incon Nico da Lat Ainanicnmal 2005 Sk Pub (SP) VII Econo Nacional da Lota Andciconil! 2007 Vin 5) ‘VU EaconroNacioa deUnisos Fumie 2007 Via (5) ‘VU Encontro Nico de La Aasimancomial 2009S Renao do Campo SP) 1X EsconoNciona de Ussisios «Fumie 2009 § Benard do Campo SP Caminos & TeNDENCIAS DAS PoLiticas 5 {oe Sadoe MentaL & ATENCAO PsicossoctaL NO BRASIL ‘Veremos algumas peopostas aruais que estio delineando no- vas possibilidades no campo da satide mental e a «cial. Por meio da analise destas experiéncias, actedito que seja \sio psicos- possivel observar a complexidade das ages e a riqueza das in- ter-relagdes entre as dimensdes analisadas anteriormente, A ATENGAO A CRISE E 0S SERVICOS DE ATENGAO PSTCOSSOCIAL A atengio & crise representa um dos aspectos mais dificcis cxencon Need lio digit, Como consequéncia desta Concepgio, a resposta pode ser agarrar a pessoa em crise a qual «quer custo; amarri-la, injetar-Ihe fortes medicamentos intrave- nosos de agio no sistema nervoso central a fim de dopé-la, aplicar-Ihe eletroconvulsorerapia (ECT) ou eletrochoque, como © mais conhecida pelo dominio popular. Ao contriio, no con- texto & GGSde cn SNES FSD TA CEES 1m momento que pode ser resultado de uma dimi- nuigio do limiar de solidariedade de uns para com outros, de uma situagio de precariedade de recursos para tratar a pessoa com sua residéneia, enfim, um jue puramente Lan biolégica ou psicol6gica. Também por este motivo trata-se de Poriso énecestio eS TTS e pr todas as pessoas envolvidas possam scr ouvidas, expressan- do suas dificuldades, emotes e expectativas. £ importante que at que elas se sintam realmente ouvidas ¢ cuidadas, que sintam que 0s profissionais que as est2o escutando estio efetiva- mente voltados para seus problemas, dispostos e compromis- sados a ajudéclas, Ei atengio psicossocial se usa a expressio elas pessoas que estio sendo cuidadas. A psiquiatria se refere a rclagio médico-paciente, mas na verdade © que ela estabelece é uma relagio médico-doenca (SEER |Gitis, dentre muitos outros atotes que sio evidenciados neste ‘processo social complexo — com sujeitos que vivenciam as pro- lee URES Te EOE SISOGS cm se evidencia no esquema a seguir. PROFISSIONAIS <> UsuARIOS SOCIEDADE °e FAMILIARES i introduzido pela legislagao do SUS eis, 1, 8080/90 e 8.142/90), 4s quais jé me refeti, no sentido de des- racar o protagonismo do qu | (BEM expresso acabou sendo adotada com sentido bastante e) end em iia un sons edo WO termo vem sendo criticado pelo fato de ainds © utllizarei entre parénteses, Este é um importante indicio do See eee ee ea reforma psiquitrica. Oiler nequadamente Steers eed ipre procurando evitar que a pessoa levada para 0 aten: dimento seja alijada do proceso. pois tais atitudes representam que estariam deixando de lidar com as pessoas e sim com as doengas. Como devem ser lugares onde a crise possa ser acolhida, pode ser que tenham de ofetecer letos de suporte nos quais as pessoas possam ser interna- das por um breve petioda, No Brasil, as portarias ministeriais 189/91 ¢ 224/92 insticuiram varias modalidades, dentre as quais 0s hospitais-dia, as oficinas terapéuticas e os Centros de Ateagio Pricossocial (CAPS), que foram reestruturados pelas portariasn. 336/2 © 189/2 estabelecendo virias modalidades de CAPS (Os GAPSFancionam, pelo menos, durante os cinco dias dteis dla semana (de segunda a sexta-feira). O horitio ¢ funcionamen. to mos fins de semana dependem do tipo de Centro: + CAPS I — municipios com populagio entre 20.000 ¢ 70.000 habitantes — funcionam das 8h as 18h, de se- gunda a sexta-feira (3 + CAPS IT — municipios com populacio entre 70.000 e 200.000 habitantes — funciona das 8h as 18h, de segunda a sexta- feira. Pode ter um terceio periodo, funcionando até 21 horas. + CAPS II ~ muniefpios com populacio acima de 200.000 habitantes — funcionam 24 horas, diariamente, também nos feriados e fins de semana, + CAPSi— Atendimento de criangas ¢ adolescentes ~ rmunicfpi- fs com populagio superior a 200,000 habitantes ~ funcio- nam das 8h as 18h, de segunda a sexta-feira. Pode ter um terceito periodo, funcionando até 21 horas. "APSad — Atendimento de dependéncia quimica (élcool ¢ deogas) — municipios com populacio superior a 100.000 ha- bitantes — funcionam das 8h as 18h, de segunda a sexta-feira Pode ter um terceiro periodo, funcionando até 21 horas. (Os usudtios que permanecem um tutno de quatro horas nos CAPS devem receber uma refeigao diéria (Brasil, 2004) ‘Como é possivel observar, os CAPS IIT funcionam 24 horas € oferecem leitos de atendimento 4 crise. Ao contritio dos hos- pitais psiquidtricos sio leitos em salas abertas, com bastante pos sibilidade de acompanhamento das pessoas por todo o periodo tem que elas estiverem internadas. Os servigos de atencio psicossocial procuram @ispon) aa) nt como: miisicos, artistas plisticos, artesios, dentre outras, a depender da possibilidade de cada servigo, de cada cidade ou da criatividade de cada um, Os servigos de atencao psicossocial devem procurar desen- volver ao maximo suas habilidades em atuar no tertitério que, como abordamos anteriormente, nfo se reduz ao espago sco III sao cis de ‘centros ameticanos e franceses de satide mental, as oficinas eram ctiadas no interior dos servigos. Tinham um catiter de oficio terapéutico (remanescente da nogao de terapéutica moral) ¢ uma funcio normativa, de produgio de subjetividades adequadas & norma social. Atualmente, a tendéncia é construir ‘ateliés’ pelo espaco social, pela cidade afora... O desafio esti na possibilida- de de encontrar associagdes civis, times de futebol, entidades cometciais, enfim, aliancas sociais que possam participar solida- riamente da invengio de estratégias de atencio psicossocial, incluindo as pessoas em acompanhamento nos servigos de atengio psicossocial em suas varias formas de sociabilldade jé existentes ‘ou que estejam sendo criadas (Cf. diagrama a seguir) J t | — sete = | = - - ( E2|=> (ff 4+ (35 86] Esumosfalando do principio dQ iso 6, de tanto do campo da saide mental esaide em geral, quanto das poicas piblica fda sociedade como um todo. Em outs palavas, os servigos (G]SSBisEAteS Dever articular-se com todos os recursos exis- tentes no campo da satide mental, isto é, com a (GoURSHGUEIMERE (outros scrvigos de atengio psicossocial, cooperativas,residéncias de egressos ou outeas pessoas em situ- agio de precariedade social, ambulattos, hospitais-da, unida- des psiquistricas em hospitais gerais), € STEED (GAP stracégia Satie da Familia, centros de sade, rede bisica, ambulat6rios, hospitais gerais e especializados etc.) ou no (ministério pablico, previdén: cia social, delegacias, instituigdes para criangas,idosos, desassisti dos em gera, igrejas, politicas educacionais, de esporte, lazer, cultura ¢ arte, turismo, transporte, acio e bem-estar social etc.) «, finalmente, no ambito dos recursos criados pela sociedade civil para organizar-se, defender se, solidarizar-se. As politicas de satide mental ¢ atengio psicossocial devem organizar- ‘rede’, isto & formando uma série de pontos de encontso, de ttajetorias de cooperagio, de simmultaneidade de iniciativas e ato- res sociais envolvidos, ‘A Figura 3 apresenta uma ideia de Rede de Atencio a Saiide Mental tal como entendida pelo Ministério da Saiide, mas que pode ser bem mais ampla e complexa, de acordo com as possibilidades locais e a criatividade de cada servico ou equipe. em Figura 3 — Rede de Atengio & Satide Mental na concepcio do MS Visions Pragas Esportes CAPS Cu Asocagies on cooperatvae detairra “Trabalho Fonte: Bra, 2008 AS ESTRATEGIAS DE RESIDENCIALIDADE € ENANCIPAGKO 00S SUJEITOS (Os mais de trezentos anos de psiquiatria centrada no hospital psiquidtrico produziram muicas sequelas ¢ desastres nas vidas de muitos milhares de pessoas Quando iniciamos um trabalho de desinstirucionalizagio constituigio de um trabalho de saiide La mental ¢ atengio psicossocial, nos deparamos com muitas pes- soas que vivem ha décadas enclausuradas nestas instituigdes. O Gaesmaay cores or pre cevtn acon Se once: Dae por isso, € muito importante que sejam organizados programas € estratégias de apoio psicossocial para estas pessoas, dentre as juais as estratégias de residencialidade e de subsidios financeiros. \s familias, até como mecanismo de defesa, para que no sofram tanto com a hospitalizagio de tum de seus membros, reorganizam-se ¢ reacomodam até mes- smo os espagos da casa. Apés algum tempo, no hé mais lugar para aquele que partiu. Mas, como disse anteriormente, se nos debrugarmos com atengao sobre algumas das contribuigSes da Antipsiquiatria en- tenderemos o motivo. Assim, as politicas piblicas devem ofe cer condigSes para o processo d: QIN dessas sarrumar-se, reparar alimentos, ler jornais, ouvir radio e ver televisto, cantar, dangar, passear pela cidade, falar com as pessoas na rus, it & igreja,jogar bola. ‘As equipes podem continuar acompanhando as pessoas em diferentes praus de autonomia ¢ independéncia. Existem pessoas dependentes que no conseguem realizar as atividades da vida 88] cotidiana, mas, nem por isso, deveriam ser mantidas em institui- ‘goes fechadas. E incrivel como as experiéncias de desinstitucio- nalizacéo tém demonstrado que muitas das pessoas internadas, ‘em cujos prontudrios existem anotagées de alheamento, desinte- tesse social, estereotipias, auséncia de iniciativa ete, sio protago- nistas de uma transformacio radical. Para saber até onde po- dem ir, 56 hi uma opeao: possibilitar-lhes paticipar do proces- so de desinsticucionalizaciol Em muitas siruagdes € necessério que as residéncias sejam assistidas ou supervisionadas em graus de complexidade que variam com a autonomia ¢ independéncia dos moradotes. Mas «em vitios paises (por exemplo, Itélia, Espanha, Canada, Norue- ‘a, Inglaterra, dentre outros), existem experiéncias de residéncias, absolutamente autdnomas. Nas residéncias com pessoas menos auténomas, podem ser ofetecidos cuidados profissionais (mé- dicos, psicolégicos, fisioterspicos etc), a0 mesmo tempo que, nas residéncias com pessoas mais auténomas, todas as ativida- des ditas tetapéuticas sio realizadas nos recursos sanititios exis- tentes no territério. De qualquer forma, é importante tet como Principio que cumpre As equipes de Satide da Familia, com a supervisio e 0 “apoio matricial” dos servigos de atencio psicos- social (como veremos mais adiante), acompanhar todas as resi- déncias existentes no tersitétio. No caso do Brasil, por meio daPoriatia 106 de 11 de eve “sco de 2000, foram instoe of “servgor residence tra ((Péuticos”, destinados aos internos em instnigBes psiquiericas por um perfodo de, no minimo, dois anos. Em que pese o fato de denominar as residéncias de servigos e, mais grave, de tera- péuticos, a iniciativa vem contribuindo para a superagio do mo- clo psiquidtrico predominantemente asilar ainda hegeménico. tes A observacio relacionada a denominagio nfo se refere a um simples rigor conceitual, e sim ao risco de indugao aos aspectos indesejaveis de casas que deveriam ser menos institucionalizadas € de instituigdes que se pretendam terapéuticas em si (fecorde- mos Esquirol e Tenon com 0 hospicio como 0 melhor remé- dio) A terapéutica deve ser funsio dos téenicos e dos trata- mentos nos locais destinados a este fim (que nem por isto sio terapéuticos de per se). Desta forma, nunca é demais advertit Para que seja possivel evitar este destino, € preciso ter em mente, todo o tem- para o risco de 10, que se tata de casas, ‘omo nos aponta Saftre). Devemos lembrar que © dia a dia deve ser de uma casa A nda proposta a todos aqueles que também tenham difculdades de moradia ou convivio familiat. expressio usada por Goffman (1992) para denomina oprocesso de SSSR pedi ‘Uma vez que muitas pessoas que viveram longos anos insti- tucionalizadas nao tém facilidade para conseguit um emprego, ‘ou um emprego com renda suficiente para que possam susten- tase, ou outra forma de recurso financeito, varios paises garan- tem uma renda mensal minima a titulo de subsidio. No Brasil, 90] como parte integrante de um programa denominado “De volta pra casa”, a Lei n, 10.708, de 31/7/2003, instituin auxilio-reabilitagio psicossocial para pessoas com transtornos mentais epressas de internagies psiquidtricas. AS COOPERATIVAS, CENTROS DE CONVIVENCIA E EMPRESAS SOCIAIS Uma iniciativa considetada muito ousada, até mesmo insana para a época, foi a ctiagao de cooperativas de trabalhos para os pacientes itenados no hospital pigs CSB constatou que, ld pelos idos de{l973}fo Ospedale San Giovanni, de ele diga ent THAR, uma boa pare dos ini ee, Ora, se poderiam trabalhar, poderiam reecber plo aba, nada mais justo Mas adinistagio po hlica nao permitiu porque os considerava loucos. Além disso, (cer imente inserido nas modalidades que as instituigdes totais eri am para o controle dos internos, pelo sistema de privilégios, ppremiagdes e punigdes) ou até mesm fadequado ais visOes atcaicas da laborterapia e ergoterapia, filhas legitimas «lo trabalho terapéutico nas colénias de alienados). Foi assim «que a historia registrou a ‘primeira greve de loucos’ em toda a humanidade! tor Uni abaladores Unidos) ~ ue fot conrad pea cxercer varias tarefas do hospital (limpeza, cozinha, lavanderia, crrigos gen). Anos depots niin fot considerate Ho movadorae eficaz (inclusive ‘terapeuticamente’, se esta fosse uma ‘erapia), que a OMS passou a apoiar o projeto, a divulgar ¢ tor 21 cstimular iniciaivas similares em outros paises. Ainda mais, foi aprovada uma lei nacional criando cooperativas sociais, destina- das a oferecer trabalho a pessoas consideradas ‘em desvantagem, social’. Isto acabou por inspirar uma legislagio da Comunidade Econdmica Buropeia, que passou a apoiar politica e financeira- en beeen sociais ou mesmo com projetos de geragio de renda que incor- poram os mesmos principios das anteriores, a questio do traba- Iho foi alvo de uma reviravolta. O trabalho deixa de set uma atividade terapéutica (prescrita, orientada, protegida), ou deixa de set uma forma de simples ocupacio do tempo ocioso, ou, ainda, uma forma de submissio e controle institucional pata se tomar uma estratégia de cidadania, de autonomia e de emanci- pacio social. Atualmente existem muitas inieiativas de incluso pelo trabalho e geracio de renda, E neste sentido que, também no (BAilfoi aprovada a pe nsinin apes muito embora tivesse nascido no ambito do movimento social da saiide mental e reforma psiquidtrica, ampliou o leque de be- neficidrios da lei. : Em Sio Paulo, existe uma experiéncia, iniciada nos primeiros anos da década de 90, que ainda hoje tem uma grande expressio por sua originalidade. Trata-se dos Centros de Convivéncia ¢ Cooperativas (Ceeco), que possibilitam espagos de socabilidade, de redes sociais de solidariedade ¢ encontros entre sujeitos dle diversas origens ¢ condigdes sociais e culturais. Os Ceccos nos ensinaram que a cidade é repleta de recursos e que basta um projeto e vontade para encontré-los SAGDE MENTAL E SAUDE DA FAMILIA Uma das areas mais promissoras é esta da satide mental na ced ri ESAS RTS wr 1994 com 0 nome de Programa de Satide da Familia. A equipe hisica da ESF € composta por um médico generalista, um en- fermeiro, um auxiliar de enfermagem e de quatto a seis agentes de saide, estes, devem ser residentes no proprio tertitério de atuagio da equipe. Em alguns casos é incluido um odontélogo. Cada equipe é responsivel pela atengio a cerca de 800 familias, ‘0 que significa em torno de 3.500 pessoas. B em decorréncia deste objetivo que 0 GRRE por esuncga Vous 0 moto. Como vimos anteriormente, 0 modelo biomédico termi- ‘nou por constituir um sistema altamente centrado no hospital, € {sto nao apenas no ambito da assisténcia psiquidtrica. A medicina clinica moderna nasceu no hospital e se reproduziu no hospital, ‘Todos nés, profissionais da saiide, somos formados no hospi- tal, fazemos ‘tesidéncia’ (isto é moramos no hospital) e desen- volvemos nossas atividades predominantemente no hospital. Em decorréncia deste modelo, aprendemos a lidar tio somente com doentes, ou melhor, com as doengas dos doentes, Nao apren- demos a lidar com as pessoas, com as familias, com as comunidades. Enfim, a6 aprenderio8a lidar Coma satide. Uma questo que sempre me intrigou é que, 40 iniciar 0 curso de medicina, a primeira aula que tive foi de anatomia; meu primeieo contato foi com ‘pecas’ de Grgiios de pessoas que haviam falecido, Se ni tomasse a inicativa de me enwolver com projetos comunité- tos, eu s6 comegaria a lidar com pessoas quando jf estivesse no quarto ano da faculdade, 0 que ocorreu com a maioria da turma, Este modelo centrado na doenga ocasionou uma outa catac- tevstica: 0 GHBERBEEBIBEHBDCada especinlista trata de um tipo apenas de doenca; em geral, cada um lida com um 36 drgio do corpo humano, Em suma, a medicina levou 20 extremo a ideia de que & a arte de curar as doencas, minimizando a ideia de que & também, a arte de prevenie as doengas e de lidar com a satide. AESF representa o inicio da possibilidade de teversio desta, situagio, investindo na promocio da sate e na defesa da vida, ‘educando a comunidade ¢ desenvolvendo priticas de pensar ¢ lidar com a saiide. Considera-se que em tomo de 80% dos pro~ blemas de sade poderiam ¢ deveriam ser resolvidos no ambito da rede bisica, isto é, com cuidados mais simples (mas nao des- qualificados), sem muitas sofisticagdes tecnol6gicas de diagnds- tico ¢ tratamento. Isso nos remete a uma importante observacior MERE isto pode pr entendido de duar maneiras. A primeira é WR nesaas Soe aa cance sola da ESE, edges od grande parte dos encaminhamentos para os niveis mais sofistca- dos ¢ complexos de atencio, tas como ambulatétios ¢ outros ser vigos especializados de diagnstico e trtamento (nivel secundétio) —_—-- «hospitals ¢ outras unidades de eratamento e diagnéstico hiper- «specializado (nivel tereidtio), nfo valorizando ou estimulando ‘excessivamente a‘carreira de doente’ na pessoa que vive a expe- sncneia da doenca, |\ segunda se refere a determinadas consequéncias decorrentes cle algnmas intervengdes médicas (e aqui cumpre ressaltar que es- twat me refetindo & medicina e aos seus agentes profissionais teeursos terapéuticos, no apenas aos profissionais médicos). Ha tun certo consenso em considerar que a propria medicina seja capaz de produzit ou agravar as doencas, 0 que ¢ denominado tnurogenia. “Nao causar danos”, proclama um dos principios fun- clamentais de Hiipécrates. Mas 2 aitude invasivae a intermediagio dle interesses oriundos do denominado complexo médico-indus. trial podem acarretar muitos excessos ¢ riscos aos usuarios. No entanto, o termo medicalizagio tem dois significados ¢ ppode ser bastante ambfguo. Na tradigio inspirada em Michel (Fai (197)e Fan lich (1975) 1a seja, diz respeito a pos: “aguilo que & da ordem do social ou econémico ou politico, como por exemplo, ‘m outras pala vias, o termo esta relacionado Je fazer com qui 1s pessoas sintam que os seus 0 BIeHas S80 p «oo QIN = exemplo, uma grande tristeza apés a peda de um familiar que, 20 ser ‘medicaizada’, tomna-se uma ‘depressio’; ¢ a pessoa, um ‘paciente deprimido’, outro significado do termo, que geralmente é consequén- cia do processo anterior, é a utilizagio de medicamentos para 961 responder a situagao que é entendida como patologica. O mais correto, pelo menos para efeito didético, seria denominar esta segunda possibilidade de ‘farmacologizacio’ ou ‘medicamen- talizacio’, para diferenci-la da medicalizagio como vimos an- teriormente. ‘Mas, retomando a discussio, um dos prinefpios da saiide ‘mental na sate da familia é exatamente o principio da desme- dicalizagio, no sentido de ndo se apropriar de todos os problemas de uma comunidade como sendo problemas médico-sanitirios Na concepgio de(Eaneetti)(2006), € no ambito da satide da fa- milia que podemos alcancar a radicalidade da desinstitucionali- zagio. Para tanto, as equipes de sate da familia devem set bem treinadas na concep¢io mais geral da reforma psiquidtrica da reforma sanititia, entendendo ambas como processos sociais ‘complexos que visam tanto a melhoria da assisténcia médica, quanto a promocio da saide €& construgio de conseiéncia sani- téria nas comunidades. ém de um bom treinamento, é importante que as equipes recebam/“@poi0 matricial para conduzir os casos de satide men- tal de forma mais adequada. Para Campos (1999), 0 apoio ma- tricial tem como objetivo propiciar retaguarda as equipes que atendem as familias. Os profissionais da satide mental devem oferecer 0 apoio matricial is equipes de saide da familia, contri- buindo para que estas consigam 0 maximo de sucesso em suas intervengdes, sem a necessidade de encaminhar as pessoas aos niveis mais complexos de recursos. Lancetti (2006) observa também que, no caso da satide mental no contexto da saide da familia, a ideia de complexidade é in- vertida. O que isto significa? No caso da medicina em geral, a complexidade caminha da rede basica (intervengSes mais sim- plificadas) no sentido dos servigos tercivios (com recursos mais tofsicads ecco) No avo dase mena «com to

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