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I - FUNDAMENTOS Cadernos de Estudos Lingbisticos Nimero 9, 1985 Paginas 9 - 22 COMUNICACAO E CONVENCAO Donald Davidson (Univ.of California-Berkeley) (Tradugio de Marcelo Dascal) Convengoes fazem parte de muitas de nossas atividades, como por exenplo Jogar tarot, falar e comer. No jogo de tarot, as convencdes sdo essenciais. No comer, nao. Ao explicar o que é jogar tarot nio podenos deixar de mencionar as regras que de finem 0 jogo; a0 explicar o que & comer nao € preciso mencionar quaisquer regras ou convengoes. E 0 falar? Suas convengies sio meros artificios iteis ou floreios sociais ou sao elas necessarias para a existéncia da comunicacao por meio da Vinguagem? ‘A questao @ delicada, pois diz respeito nao & verdade da mera af irmagio de que o falar & regido por convengies, mas sim 3 importdncia e ao papel das conven gdes na fala. Podemos formutar a questdo hipoteticamente: poderia haver comunicagdo por meio da linguagem sem convencao? Segundo David Lewis, “o fato de que ha convencoes Lingbisticas € um lugar-comum, ago que sé um filésofo sonharia negar*!. Certamente se ria absurdo negar que muitas convencies incluem o discurso, como p. ex. dizer “Bom dia" com qualquer tenpo; mas este nao € 0 tipo de convengées do qual depende a existén cia da linguagem. Sem diivida Lewis tem em mente a idéia de que a conexdo entre as pala vras € seus significados & convencional. E talvez sd um fildsofo negaria isto; mas tal vez porque sé um fildsofo afirmaria tal tese. 0 que &, sem margem de dividas, dbvio, & © fato de que o emprego de un determinado som para referir-se a, ou significar o que significa & arbitrario. Porm, enquanto que o convencional & num certo sentido arbitra rio, 0 arbitrario nao € necessariamente convencional. Num certo sentido, descrevemos completamente una lingua ao dizermos 0 que conta como um enunciado tendo um significado e o que cada enunciado, atual ou po tencial, significa. Mas tais descrigdes pressupdem que j8 sabemos o que quer dizer que um enunciado tem um certo significado. Para esclarecer esta questao - 0 tradicional problema do significado - devemos ligar a nogio de significado com crengas, desejos, intengées @ metas, de forma esclarecedora. Convengdes so invocadas principalmente pa ra dar contas das relacdes entre o significado linglstico e as atitudes e atos huma nos descritos em termos ndo-linguYsticos. £ para este fim também que muitas teorias diversas foram propostas. Vou dividi-las em trés tipos: 1) teorias que afirmam existir ‘una convengao ligando as sentencas que pertencem a um ou outro modo gramatical (ou ue contém uma construcao performativa explicita) a intengdes ilocutorias ou a proposi tos mais amplos; 2) teorias que procuram um uso convencional para cada sentenca; 3) teorias segundo as quais ha convengies que ligam palavras individuais a uma extensio ou a una intensio. Nao se trate de teorias que competem entre si. Dependendo de cer tos detathes, todas as combinacies dos trés tipos de teoria sio possiveis. Vou anali sar os trés tipos de teoria na orden em que os enumerei. Em um de seus prineiros - mas influentes - artigos, Michael Oumett afirmava que ha uma conven¢ao que governa 0 uso de sentencas indicativas”. Conforme o formula mais recentenente: - & enunciagao de una sentenca [indicativa] nao requer um contexto especial para que tenha um valor determinado Aenunciagéo de uma sentenca serve para asseverar algo -~- ha uma convenclo geral segundo @ qual a enunciacao de uma sentenca ~ exceto em contextos especiais - @ tomada como tendo sido reatizada com a intengdo de enunciar una sen tenga verdadeira.*? Esta afirmagao @ complexa e talvez nao totalmente transparente. Eu a interpreto assim: ha uma conexio convencional entre o enunciar uma 'sentenca indicativa e o sev uso para asseverar algo (a gente assevera algo, a néo ser que o contexto seja especial); © ha luna conexdo conceptual (e tatvez convencional) entre asseverar algo e a intencdo de dizer a verdade. A plausibilidade desta interpretacao fica aparente @ luz do argumen to mais convincente de Dummett. Ele comeca por examinar definicoes de verdade 3 1a Tarski. Dummett nos faz recordar que, enquanto que Tarski mostrou como construir, em principio, uma definicdo de verdade para certas Tinguas (formais), ele nao definiu a verdade em geral, pelo menos nao usando seu método. Mais ainda: ele provou que nio se ria possivel fazé-to. Tarski, portanto, nao era capaz de dizer o que fazia com que ca da definicio de verdade fosse uma definigo do mesmo conceito*. A convencio T.que ser viu a Tarski como critério para julgar a corregao de definigdes de verdade, ndo espe cifica o que € a verdade em geral, mas sim faz uso da compreensao intuitiva que temos desse conceito. Dummett compara 0 conceit de verdade ao de vencer em um jogo. Se que remos saber o que @ vencer num jogo, nao nos daremos por satisfeitos se nos derem as definigées do que @ vencer em varios jogos; queremos saber o que & que torna a situa g80 definida para cada caso uma situagio de vitdria. No caso da verdade, o problema pode ser formulado da seguinte forma: se estivéssemos diante de falantes de uma Tin gua que nos @ desconhecida, e se nos fornecessem uma definico tarskiana de verdade [Para essa lingua}, como poderTamos decidir se a definic&o & apropriada para a lin gua em questo? Uma boa pergunta; mas néo creio que possa ser respondida por meio da convencao proposta por Dummett. Isto porque tenho a impressio de que nao hi nada na ‘Tinguagem que corresponda relevantemente a vencer um jogo. Este ponto @ importante Porque, se Dummett tiver razdo, compreender o que na Tinguagem corresponde a vencer em un jogo estabelecer a conexao crucial entre o significado - enquanto _descrito por uma teoria da verdade - e 0 uso da linguagem em contextos de comunicacao® Vencer em un jogo coma xadrez apresenta as seguintes caracteristicas : -10- em primeiro lugar, as pessoas que jogam geralmente querem vencer. Quer queiram ou no realmente vencer, una condigio essencial do jogar & que elas se representem como que rendo vencer. Isto ndo equivale a fingir que querem vencer, ou a tentar fazer com que 0s outros creiam que querem vencer, embora talvez se aiguem se representa como queren do vencer ele incorra em possiveis criticas, se se descobre que nao esta realmente tentando vencer. Em segundo lugar, pode-se vencer somente por meio de jogadas defini, das pelas regras do jogo, e o proprio vencer @ inteiramente definido pelas regras. Fi nalmente, vencer pode ser - e muitas vezes & - um fim en sT°, Tanto quanto posso per ceber, néo hd comportamento Tinglistico que tenha essa combinacio de propriedadesnes te caso, a analogia de Dummett entre jogos € linguagen @ radicalmente defeituosa. Dizer a verdade, no sentido de enunciar intencionalmente una sentenca que @ verdadeira, @ semelhante a vencer? Sim, na medida que uma teoria da verdade pro cura justamente definir o que vem a ser dizer a verdade. Logo, na medida que as condi ‘goes de verdade dos enunciados so conhecidas de antenio pelos falantes, e aceitas co mo condigdes de comunicagio, dizer a verdade possui uma das caracteristicas do vencer. (Examinarei a verdade desta afirmacdo mais adiante.) Mas as outras caracteristicas es. ‘tao ausentes, pois quem enuncia una sentence ndo quer, em geral, enunciar una senten a verdadeira. As vezes sim, as vezes nao. Tampouco, a fim de jogar 0 jogo da fala , aS pessoas tém que se representar como querendo ou pretendendo dizer a verdade; nao se pode supor, correntemente, que quem enuncia uma sentenca indicativa quer ou preten de dizer a verdade, nem que, se ele diz a verdade, ele o faz intencionalnente. Final mente, dizer a verdade, no sentido de enunciar una sentenca verdadeira, jamais € un fim em sii mesmo. Poderia parecer que asseverar - em vez de dizer a verdade - @ um me Thor andTogo linguistico de vencer. Ao fazer un asser¢ao, uma pessoa representa-se como acreditando naquilo que diz, e talvez também como plenamente justificado em man ter tal crenga. E como desejamos que nossas crencas sejam verdadeiras, parece justo concordar com a afirmacao de Dummett de que quando alguém assevera algo, ele se repre senta como pretendendo dizer a verdade. (Assim interpreto a observacao de Dummett de que “entende-se" que o falante tem a intengo de enunciar uma sentenga verdadeira.) Como jogando um jogo, a representacdo pode ou nio ser enganosa. (0 mentiroso assevera) Quem assevera pode ou néo, ao fazer sua assergio, pretender fazer com que seu ouvinte acredite que ele acredita no que ele diz. Asseverar &, portanto, semelhante a jogar en um aspecto em que dizer a verdade nio o : hi une suposigao publica de que existe um proposito [no asseverar]. Em outros aspectos, porém, a assercao difere da vitoria, Ja que aquilo que constitui un ato de asseverar néo € regulado por regras ou conven ies aceitas”. Se se espera que 0 conceito de assergao ofereca a ponte convenciona entre propésito e verdade, duas condigées deven ser satisfeitas:deve haver convencées regulando as assergdes, € deve haver uma convengio ligando una assergio ao que se acredita ser verdadeiro. A meu ver, nenhuna dessas condicies ocorre de fato. -u- Muitos fildsofos pensaram que hé convengdes regulando o ato de asseve rar, Dumett, por exemplo, em una frase que omiti numa citagdo anterior, diz: "A enun ciagdo de uma sentenca serve para asseverar a7go---"®, Vejamos primeiramente se o as Severar @ governado por convencdes. Evidentemente, se ha uma convencao gracas @ qual uma sentenga tem seu significado literal quando enunciada, entao ha convengao em qual quer enunciagio, e portanto também nas assergdes. Porém, o significado literal talvez ndo va além das condigdes de verdade (e na minha opiniao efetivamente & isso que ocor re). E suponho que ninguém nega que uma sentenca indicativa pode ter o mesmo signiff cado quando empregada para fazer uma assercdo, para contar uma piada, para irritar um chato, para completar uma rima, ou para fazer uma pergunta. Portanto, se hi uma con ven¢do que faz de uma enunciacdo uma assercio, ela deve provir de aspectos convencio nais da enunciagdo que vio além de seu significado literal. E dbvio que nao basta di, Zer que algo no contexto a transforma em uma assercdo. Isto & verdade, mas nada prova sobre convengies. Podemos ser capazes de dizer o que no contexto a transforma em uma assergio, enbora pareca-me que poderemos dizer apenas coisas vagas e inconpletas a Fespeito disso. Mas mesmo se as condigdes necessdrias e suficientes fossem explicitas © aceitas por todos, ndo se seguiria que tais condiges sdo convencionais. Todos esta mos de acordo em que um cavalo deve ter quatro patas, mas nao hi uma convengao segun do @ quai os cavalos tem quatro patas. Ha algo mais a respeito das assergdes, que sugere que podem ser conven cionais, Trata-se do fato de que, ao fazer una assergio, 0 asseverador deve ter a in tengo de fazer uma assercao, e deve ter a intencdo de que sua intencdo seja reconhe cida pelo(s) destinatrio(s). Pretende-se que as assergdes sejam atuagdes —_piiblicas. que oferecem pistas adequadas para a identificecao do carater assertorico da atuacao. Logo, @ natural pensar que seria util dispor de uma convengao a fim de tornar claras nossas intengdes assertivas. Mas Frege certamente tinha razo ao dizer que “nao ha palavra ou si nal na Tinguagem cuja funcdo seja simplesmente a de asseverar algo". Frege, como se sabe, tratou de renediar isso inventando tal sinal, a saber 'b '. Neste ponto Frege atuou em nome de um principio valido: se ha uma propriedade convencional na lingua , ela pode ser tornada manifesta no simbolismo. Entretanto, antes de inventar o stmbolo para a assercio, Frege deveria ter-se perguntado porque tal simbolo nao existia antes. Imaginem 0 seguinte: um ator atua em uma cena em que supostamente ha um incéndio (por exemplo, a peca de Albee Tiny Alice). Seu papel consiste em imitar da forma mais con vincente possivel uma pessoa tratando de alertar os outros para 0 incéndio. "Fogo!" - ele grita. E talvez acrescente, segundo instrucées do autor, "No duro! Olhem a fuma gal", etc. Nesse momento comega um incéndio verdadeiro, e 0 ator tenta em vio avisar © pablico verdadeiro. "Fogo!" - ele grita - "No duro! olhem a fumaga!". etc. Se ele dispusesse do simbolo Fregeano para a assercao!! E dbvio que o simbolo da assergao ser initil, pois 0 ator o teria em Pregado também no primeiro caso, quando estava apenas representando. Um argumento se -12- melhante mostraria que de nada serviria afirmar que 0 palco, ou 0 arco do proscénio, criam um contexto convencional que suprime a convencio da assercio. Isto porque se as sim fosse, a convencio de 'representacdo’ também poderia ser traduzida em simbolos;e, evidentenente, nenhum diretor ou ator a usaria. Nao existe una convencéo conhecida, aceita e publicamente reconhecTvel para fazer assercoes. Nem para dar ordens, fazer Perguntas, ou fazer promessas. Essas sio coisas que fazenos, muitas vezes com éxito , © nosso éxito depende em parte do fato de termos tornado piblica nossa intencao de fa zé-las. Mas nao foi gracas a uma convencio que tivemos éxito. 0 segundo ponto da tese de Dummett @ que ha uma conveng3o segundo a qual ‘entende-se' que o falante, ao fazer una assercdo, fala “com a intengio de enun ciar uma sentenga verdadeira". Isto também parece-me errado, embora de forma diferen te. 0 que se 'entende' @ que o falante, se € que asseverou algo, representou-se como acreditando-o, isto €, como enunciando uma sentenca que ele acredita ser verdadeira, no momento. Mas isto nao € uma convencao; € apenas parte da analise do que vem a ser uma assercio. Asseverar , entre outras coisas, representar-se como quem acredita no que assevera. E claro que nao pode existir um simbolo convencional que mostre que al guém esta dizendo 0 que acredita; pois sendo cada mentiroso o empregaria. A convencao nao pode vincular 0 que pode ser sempre secreto - a intencdo de dizer o que é verdade = com o que tem que ser publico - fazer uma assercio. Nao ha convengio de sinceridade. Se 0 significado literal @ convencional, a diferenca entre os modos gramaticais - indicativo, imperativo, interrogativo, optativo - @ convencional. Tais diferencas sio aparentes, e feitas para serem reconhecidas; em geral,a sintaxe execu ta esse servigo sozinha. 0 que isto mostra @ que o modo gramatical e a forga ilocutd ria, ainda que estejam mito proximos, nao podem estar ligados entre si simplesmente Por convencao. Embora tenha-ne concentrado na assercio, consideragdes _semeThantes. aplicam-se as forcas ilocutérias de todos os tipos. Aqui, meu principal interesse nao € porem o de investigar a natureza da forca ilocutdria, ou dos atos de asseverar, pro meter e ordenar, mas sim o de examinar a idéia de que uma conven¢do pode vincular o que nossas palavras significam - suas propriedades seninticas literais, incluindo a verdade - a nossos propositos ao usa-las, por exemplo, para dizer a verdade. Discutimos até agora afirmacoes de que ha propdsitos globais associa dos. por convencao, 4 comunicacéo TingBistica - propositos que, empregando o termo de Dumett, nos fornecem o “porque de cada uso da linguagem. Passo a examinar teorias ben diferentes, que tentam derivar os significados literais de sentencas inteiras (e ‘nao apenas dos indicadores de modo) a partir dos propdsitos néo-lingbisticos servidos por sua enunciagdo. Neste artigo, tratarei apenas de teorfas desse tipo que fazem a derivado em questao depender de convencio. Grosso modo, tais teorias afirmam que ha um inico uso (ou algun niimero finito de usos) ao qual uma dada sentenca esta associada, e que esse uso fornece 0 significado da sentenca. Ja que ha na verdade um nimero ilimitado de usos que se pode -13- fazer de uma sentenca sem modificar seu significado, o vinculo entre um uso determina do (ou um nimero finito de usos) e a sentenca @ convencional: 0 uso que pode ser chamado de "standard". A exposicao acima &, evidentemente, demasiado simples, mas trata-se de uma idéia natural e atraente. Pois parece haver uma conexao importante entre uma sen ‘tenga como “Coma sua berinjela" e a intencao de fazer com que alguém coma sua berinje Ja, ao enunciar essa sentenga. Poder-se-ia dizer que fazer com que alguém coma sua be rinjela & o que a sentenca portuguesa "Cora sua berinjela" serve para fazer. Se tal intuigdo pudesse ser explicitadamente formlada e defendida sem peticdo de principio, haveria esperanca de chegar-se a una explicacio do significado literal em termos dos Propésitos nao-linglisticos comuns que sempre estdo por detras da enunciagio de sen tencas. Wa intenges em toda enunciacao linglTstica, de modo que, se pudésse mos deteti-1as, saberTamos qual foi o significado literal das palavras enunciadas . Pois ninguém pode enunciar a sentenga “Coma sua berinjela" com as palavras significan do literatmente que alguém deve comer sua berinjela a nao ser que ele pretenda que a sentenca tenha esse significado e que 0(s) destinatario(s) a intepretem como tendo es se significado. Evidentemente, a simples intengao nao outorga a sentenca esse signifi. cado; mas se ela & enunciada com a intengio de enunciar uma sentenca com aquele signi Ficado, sem que tenha de fato aquele significado. & claro que ela nao tem nenhum sig nificado linglTstico. 0 significado literal eo significado literal intencionado de ven coincidir se € que existe um significado literal. Porém, embora este fato seja verdadeiro e importante, ele nio nos ajuda diretamente na elucidagio da nogo de sig nificado literal, J que a intencdo chave tem que ser caracterizada referindo-a a0 significado literal. Uma convengdo que vinculasse a intengdo de usar palavras tendo un certo significado literal com o significado literal dessas palavras ndo explicaria © conceit de significado, mas sim dependeria dele. © que buscamos so intengées caracterizadas em termos ndo-linglisticos ~ intenges ulteriores - a0 enunciar sentengas. (Este conceito pode ser relacionado com 0 que Austin chamou de "atos perlocutdrios"). Mencionei anteriormente - e agora quero insistir sobre - 0 fato de que enunciagdes linglisticas sempre tém um propdsito ulterior. Esta foi uma de minhas ra zHes para afirmar que nao ha atividade puramente lingistica que se assemelhe @ ven cer um jogo. Talvez eu esteja estipulando aqui, mas eu nao chamaria de ato linghisti co 0 mero enunciar “palavras" a fim de escutar os sons, ou a fim de adormecer alguém; uma aco deve ser considerada linglfstica somente quando o significado literal @ rele vante. Mas quando o significado @ relevante, ha sempre um propdsito ulterior. Quando falamos, intencionamos instruir, impressionar, divertir, insultar, persuadir, adver tir, lembrar, ou ajudar em um cAlculo. Podemos até falar com a intencao de chatear um Publico determinado; mas nao esperando que ninguem preste atencao ao significado. Se tenho razao ao dizer que cada emprego da Tinguagem tem um propdsito -14- ulterior, entdo sempre que alguém fala esti tratando de produzir algun efeito ndo-lin GdIstico gragas 3 interpretacio que sera dada a suas palavras. Max Black negou esta tese, indicando que "--- uma pessoa pode fazer 0 esboco de uma aula, ou escrever uma nota lenbrando a si mesmo de um encontro, ou simplesmente enunciar certas palavras - como "Que lindo dia!* - na auséncia de quaisquer destinatarios*?. Os dois _primeiros casos so claramente casos em que o significado importa, e hi um destinatario que de vera interpretar as palavras: a propria pessoa mais tarde. No Gltino caso, seria ten dencioso insistir que a pessoa esta falando consigo mesma; porém importa que palavras so usadas e 0 que significam. E deve haver alguna para usar esas palavras,com seus significados, e nao outras. Black cita Chomsky a este respeito: “Embora a consideragao dos efeitos intencionados evite alguns problemas, na melhor das hipoteses fornecera apenas uma andlise da comunicacao bem sucedida, mas ndo do significado ou do uso da Vinguagem - que nao necessarianente implicem a comunica¢ao ou mesmo uma tentativa de com nicar-se. Se emprego a Tinguagem para expressar ou clarificar meus pen ‘samentos, ou com a intengio de enganar, de evitar um siléncio embaraco. $0, ou com uma dezena de outros proposites, minhas palavras possuem um significado estrito, e posso perfeitamente significar o que digos porém, @ compreenséo a mais perfeita possivel do que intenciono fazer ‘com que meu interlocutor (se @ que existe) acredite ou faga nem por is so oferece a menor indicagao do significado de meu discurso.*!° Neste trecho, parece que Chomsky chega a uma conclusio correta partindo de premissas confusas ou irrelevantes. A questao & saber se 0s significados das sentencas podem ser derivados das intenges nac-lingbTsticas do falante. Chomsky conclui - corretamen te, na minha opiniao - que nao podem. Mas @ frrelevante, para tal conclusao, saber se os efeitos intencionados devem referir-se a alguém além do falante, e a existincia ou no de efeitos intencionados nao importa para o arcumento, Escrever ou falar para cla rificar pensamentos séo certamente atividades possuindo wm efeito intencionado, Tampou co importa como usamos a palavra ‘comunicar’. 0 que importa se uma atividade € con siderada lingbTstica(num sentido interessante do termo) quando nao se intenciona usar significados. Mentir & um caso em que o significado @ essencial; o mentiroso tem um propésito ulterior que sé & satisfeito se suas palavras so compreendidas como tendo © significado intencionado por ele. Chomsky tem razio, como disse, ao afirmar que 0 conhecimento do que in tenciono fazer com que meu interlocutor acredite ou faca - por mais completo que seja = no levara necessariamente ao significado literal de meu enunciado. Mesmo esta afir magio deve, como vimos, ser Timtada 3 descricdo de minha intencao em termos nao-lin gbisticos. Pois, se intenciono fazer com que meu interlocutor faca ou acredite algo, devo obté-1o através de sua interpretagio correta do significado literal de minhas pa lavas. -15- Esté agora bastante claro o que deveria fazer uma convencao para poder retacionar propositos nao-linglisticos ao enunciar sentengas (propdsitos ulteriores ) com o significado literal dessas sentengas quando enunciadas. A convencao deveria se lecionar, en uma forma compreendida tanto pelo falante como pelo interlocutor, e de Maneira identificave? intencionalmente, os casos nos quais © propésito ulterior pra duz o significado literal. Tenho em mente, por exemplo, um caso no qua?, ao enunciar as palavras "Coma sua berinjela", com seu significado normal em portugués, alguém pre tenda fazer com que seu interlocutor coma sua berinjela gragas @ sua compreensio das palavras e da forga ilocutéria da enunciagao. Neste caso, porém, parece-me que néo sb nda existe tal convengio, como também que ela néo pode existir. Pois, mesmo se, con trariamente ao que procurei mostrar, alguna convencio governasse a forga ilocut@ria da enunciago, a conexio com a intengo de que o pedido ou ordem seja executada exigi ria que o falante fosse sincero - ou seja, que o que ele se representou como querendo ou tentando fazer, ele de fato queria ou tentava fazer. Mas nao hi nada mais dbvio do que o fato de que ndo pode haver uma convengdo que indique @ sinceridade, De nada serve, devo repetir, dizer que a convengao consiste em que a sentenca sempre significa aguito que o propdsito ulterior revelaria caso o falante fosse sincero, sério, etc. Isto na melhor das hipdteses, @ apenas uma analise parcial das relagoes entre significado literal, sinceridade e intengao. Ela néo sugere testes publicamente reconhecidos, critérios, ou praticas. As vezes sugere-se que uma linguagem sé poderia ser aprendida numa at mosfera de assergdes (ordens, promessas, etc.) honestas. Mesmo se isto fasse verdade, nada provaria a respeito de um possivel papel das convengées. Mas tenho minhas divi das quanto @ propria tese, em parte porque muita aprendizagem da linguagem se faz brincando, escutando historias e fingindo, e em parte porque a aquisigéo da linguagen no pode depender tanto de nossa sorte em dispormos de companheiros e pais confiaveis, sdbrios, e asseverativos. A natureza de um jogo como xadrez ou tarot é tal que, néo sé existem critérios reciprocamente aceitos do que vem a ser jogar, mas também critérios recipro camente aceitos do que é vencer. E essencial a tais jogos que no haja, normalmente, dispute @ respeito do resultado. Também pertence a sua esséncia o fato de que vencer pode ser uma meta por si mesma, e que os jogadores se avto-representam como desejando ou tentando vencer. Mas 0s critérios para decidir o que significa literalmente uma enunciagdo - a teoria da verdade ou do significado para o falante - ndo deciden se ele realizou seu propésito ulterior, e tampouco existe una regra geral segundo a qual os falantes se auto-representam como tendo algum proposito ulterior, além do de empre gar as palavras com um certo significado e fora. 0 proposito ulterior pode ou nao ser evidente, e pode ou ndo ajudar um intérprete a determinar o significado literal. Concluo, portento, que o fato de que o propdsito ulterior de uma enunciacio e seu sig nificado literal sejam independentes, no sentido de que 0 segundo nao pode ser deriva, do do primeiro, ndo @ uma caracteristica acidentaT da linguagem, mas pertence 3 sua -16- ‘esséncia. Denomino esta propriedade de principio da autonomia do significado. Encon ‘tramos uma de suas aplicacies ao discutir a forga ilocutéria, quando vimos que o que @ colocado no significado literal torna-se depois disponivel para qualquer propdsito ulterior (ndo-1inglTstico) - e mesmo para qualquer ato iTocutério'’. Antes de abandonar a discussio das teorias dos dois primeiros tipos, a seguinte observacdo pode ser ‘itil. Nada do que disse teve por objetivo mostrar que no hi Vigagdo entre os indicadores de modo e a idéia de um certo ato ilocutrio. A enunciagdo de uma sentenga no imperativo, por exemplo, literalmente etiqueta-se a 51 mesma como um ato de ordenar, Mas isto @ apenas parte do significado literal das palavras enunciadas, e nio estabelece relagdo alguna, convencional ou outra, entre as ‘intengdes ilocutorias do falante e suas palavras. £ facil confundir duas teses bastan te distintas: por um lado, a tese (correta) de que toda enunciacao de uma sentenca no ‘imperativo se etiqueta a si mesma (verdadeira ou falsamente) como uma ordem, e, por outro, a tese de que ha uma convengio segundo a qual, em condigdes “padrao", 2 enun ciao de tal sentenca & una ordem. A primeira tese explica a diferenca de significa do entre uma sentenca imperativa e uma sentenga indicativa, diferenca que existe inde pendentenente da forga ilocutdria. A segunda tese no pode explicar tal diferenca,por que postula una convencdo que se aplica somente em condigdes “padrao". Voc8 néo pode usar uma convengdo violando-a; vocé sd pode abusar dela. Porém, a diferenga entre im perativas e indicativas pode ser - e frequentemente € - usada, de forma apropriada , em situagdes em que o modo e a forga ilocutdria nao sto “padrao". De nada serve apon tar para casos como 0 de um ator com uma coroa para indicar que ele esta representan do um rei. Se hd aqui uma convencdo, trata-se de uma conven¢do que governa o signifi, cado literal, Usar uma coroa, seja de brincadetra seja de verdade, € como dizer “Eu sou o rei". Substancialmente, esta observacao aplica-se também ao tipo de teoria que procura derivar o significado literal de cada sentenca de seu uso “padréo". Ja que o significado literal atua tanto quando o uso em questéo esta ausente como quando ele esta presente, nenhuma convengio que atue apenas em situagdes “padrao" pode forne cer 0 significado literal. Examinamos a id@ia de que a atividade linglstica , em geral, compara, vel a um jogo no qual ha um proposito convencional (dizer a verdade, vencer) que pode ser obtido somente seguindo ou usando regras publicas e aceitas. Depois discutimos a tese de que o significado literal de cada sentenca se relactana a um fim nio-linglfs- tico padr3o (um propésito ulterior) por meso de uma convengio. Anbas concepgdes se mostraram insustentaveis. Chegou o momento de examinar a idéia "trivial" de que o sig nificado de uma palavra @ convencional, isto @, de que @ em virtude de convencdes que atribuimos a palavras e sentencas os significados que Ihes atribulmos quando sao enun ciadas ou escritas. Segundo David Lewis“, uma convengao € uma regularidade R em acdes, ou eM acdes e crenca, regularidade na qual mais de uma pessoa toma parte. R tem as se -We 12 guintes propriedades: (1) Todos 0 participantes obedecem a Re (2) acreditam que os denais ‘também a obedecem. (3) A crenga de que outros obedecen a R fornece a todos os partici pantes uma boa razo para obedecer a R. (4) Todos os participantes preferem que se obedeca a R. (5) R nao @ a Gnica regularidade possivel que satisfaz as duas iiltimas condigdes. (6) Finalmente, todos os participantes conhecem (1)-(5) e sabem que todos os demais conhecem (1)-(5), etc. Tyler Burge Tevantou dividas razoaveis relativamente a porgdes da ilti mma condicdo (uma convengio exige que todos saibam que hi alternativas 2)'°, e eu tam bém tenho minhas dividas. Mas nao quero aqui discutir os detathes da analise do con ceito de convencao, mas sim perguntar-me se esta nocdo, em qualquer de seus sentidos razoaveis, nos ajuda - e em que medida - a compreender a comunicacéo linglistica. Lo go, em vez de perguntar, por exemplo, no que a “obedigncia" a uma regularidade acres centa algo 4 propria regularidade, simplesmente admitirei que algo parecido as seis condigdes de Lewis @ verdadeiro para o que chamamos de conjunto de falantes de uma mesma lingua. Quo fundanental & esse fato sobre a Tinguagen? A andlise de Lewis exige que haja pelo menos duas pessoas participando, 458 que a convencio depende de una pratica mutuamente compreendida. Mas nada nessa and lise exige mais de duas pessoas. Duas pessoas poderiam dispor de convencies e compar tithar una Tingua. No que consiste exatamente a convengao necessaria? Nao pode consistir em que falante e ouvinte signifiquem o mesmo ao enunciar a mesma sentenca, ja que tal conformidade, enbora bastante comum, néo @ necessaria para a comunicagao. Cada falan te pode falar sua propria lingua diferente, o que néo impedira a comunicagéo desde que cada ouvinte entenda aquele que fala. Poderia mesmo ocorrer que cada falante ti vesse, de inicio, sua forma de falar sui generis. Algo aproximadamente assim € 0 que ocorre na realidade, evidentenente. Diversos falantes tém diferentes repertérios de nomes proprios, diferentes vocabularios, e atribuem significados um pouco diferentes as paiavras. Em alguns casos isto reduz o nivel de compreensao miitua; mas nao necessa. riamente, porque na qualidade de intérpretes temos una excelente capacidade de inter. pretar corretamente palavras que jamais tinhamos ouvido, ou palavras que jamais tinha ‘mos ouvido com os significados que o falante thes esta dando. ‘A comunicago nao exige, portanto, que falante e ouvinte signifiquem a mesma coisa com as mesmas palavras; porém, a convencao exige @ conformidade de pelo menos duas pessoas. Entretanto, ha ume outra forma de acordo que & necessaria: se a comunicagao tem éxito, falante e ouvinte tém que atribuir o mesmo significado as pala vras do falante. Além disso, cono vimos, o falante tem que intencionar que o ouvinte interprete suas palavras da forma intencionada pelo falante, e ele tem que ter boas razGes para acreditar que o cuvinte conseguira interpreta-1o como o deseja. Tanto o falante como o ouvinte tém que acreditar que o falante fala com essa intengio,e assim Por diante; ou seja, muitas das condicdes de Lewis pareceriam ser satisfeitas. E cer to que se trata - na melhor das hipoteses - de um sentido atenuado de “pratica” ou -18- “convengio", distante da nocdo corrente de prtica compartithada. Mas ainda assim, po der-se-ia insistir em que pelo menos esta porgio de un método de interpretacio mutua mente compreendido constitui o niicleo convencional essencial da conunicagéo lingUisti ca. Porém, @ preciso ainda dar conta da caracteristica mais importante da analise da nogio de convengdo proposta por Lewis - a regularidade. Regularidade, nes te contexto, deve significar regularidade no decorrer do tempo, e nio apenas acordo momentneo. Se que hi convengio no sentido de Lewis (ou em qualquer sentido, eu di ria), entao algo deve ser percebido como recorrente. 0 iinico candidato @ recorréncia de que dispomos @ a interpretacao de estruturas sonoras: falante e ouvinte devem in terpretar estruturas sonoras relevantenente semelhantes da mesma forma (ou de formas distintas, porém relacionadas por regras que podem ser explicitadas de antemao). devem fazé-lo repetidamente, intencionalmente, e de miituo acordo. No duvido que toda comunicagéo lingbistica apresente alguma medida de regularidade desse tipo, e talvez haja quem tenda a fazer da existéncia de tal re gularidade uma condi¢éo para chamar uma atividade de 'lingbistica’. Tenho minhas divi das, porém, tanto a respeito da clareza dessa tese como a respeito de sua importancia para explicar a comunicacao linglfstica. A questao da clareza surge por causa da difi culdade em dizer exatamente como devem coincidir as teorias do falante e do ouvinte relativas @ interpretacao das palavras do falante. Elas devem evidentemente coincidir depois da enunciacdo, sob pena de impedir a comunicagéo. Mas, a menos que coincidam de antemdo, os conceitos de regularidade € convencdo dificilmente se explicam. Entre ‘tanto, @ certamente possivel chegar-se a un acordo sobre o que um falante quer dizer com o que diz, mesmo quando falante e ouvinte tém teorias anteriores diversas sobre como interpretar o falante. Isto @ possivel porque o falante pode perfeitamente su prir indicagdes adequadas - naquilo que diz, e em como e onde o diz - que permitam ao ouvinte chegar @ interpretacio correta, Sem divida o falante deve ter alguna idéia de como 0 ouvinte € capaz de usar as indicagées pertinentes; e 0 ouvinte tem que saber © bastante a respeito do que pode esperar. Porém, tal conhecimento geral dificilmente se reduz 4 regras, e muito menos @ convengdes ou praticas. E facil enganar-se a respeito do papel da sociedade na linguagem. A Tinguagem @, sem divida, uma arte social. Mas @ errado supor que penetramos no amago da comunicacao linglistica quando notamos como a sociedade molda os habitos linglTsti, cos em uma norma publica. 0 que a Tinguagem tem de convencional - se & que tem algo - & 0 fato de que as pessoas tendem a falar como o fazem seus vizinhos. Mas, ao indicar esse elemento de convencionalidade, ou do processo de condicionamento que torna os fa Jantes fac-similes lingliTsticos aproximados de seus amigos e pais, nada mais exp] mos além da convergencia; nao esclarecemos a natureza essencial das habilidades que esse processo faz convergir. Com isto nao quero negar a importancia pratica - em contraste com a teorica - do condicionamento social. 0 que @ garantido pelo condicionamento comum -19- que podemos, até um certo ponto, presumir que o mesmo método de interpretagao que em pregamos para com 0s outros, ou que presumimas que os outros empregam conosco, funcio nar’ para um novo falante. Nao temos o tempo, a paciéncia ou a oportunidade para de senvolver una nova teoria da interpretacéo para cada falante, ¢ 0 que nos salva € que, desde © momento em que algum desconhecido abre a boca, sabemos muita coisa sobre o ti po de teoria que funcionaré para ele - ou sabemos que néo dispomos de tal teoria. Po vem, se suas primeiras palavras sao, digamos, em inglés, podemos presunir que ele foi exposto a um condicionamento linglTstico semelhante ao nosso (podemos até adivinhar ‘ou saber quais as diferencas). Para comprar um cachimbo, encomendar uma refeigio, ou dar instrugées @ um motorista de taxi, baseamo-nos em tal presuncao. Até que se prove falsa - © nesse ponto podemos rever nossa teoria a respeito do que ele quer dizer, & luz do que ocorre no momento, Quanto mais longa a conversacdo tanto melhor nossa teo Na se torna, e tanto mais detalhadamente adaptada ao falante individual. 0 conheci Mento das convencdes da linguagem € portanto um apoio pratico a interpretagéo, um apoio sem 0 qual, na pratica, nos verTamos em apuros. Mas @ um apoio que,em condigdes Stimas de comunicagao, podemos finalmente dispensar, e do qual poderfamos nos pasar, teoricamente, desde o inicio. 0 fato que a interpretacao radical @ tao corrente - ou seja, o fato de que empregamos nosso método padrao de interpretacdo somente como um ponto de partida Geil para a compreensdo de um falante - escapa & nossa atencao devido a varios fato res, 0 principal deles senda o fato de que a sintaxe & muito mais social que a seman tica, A razao disto - grosso modo - que o esqueleto do que chamanos uma Tingua @ formado pelo sistema de inferéncias e de estruturas criado pelas constantes légicas : 0s conetivos sentenciais, os quantificadores, e os mecanismos para cruzamento de re feréncias. Se @ que podemos aplicar nosso método geral de interpretacao a um falante, se @ que podemos ao menos comecar a entendé-lo presumindo que sua lingua € como a nos sa, isso se deve a que podemos tratar seus mecanismos de formacao de estruturas como tratamos os nossos. Isto fixa a forma légica de suas sentencas, € determina as partes da oracio. Sem divida alguns predicados importantes devem traduzir-se homofonicamente para permitir um avanco rapido; mas podemos entao ter bastante sucesso na interpreta 40 ou reinterpretagdo de novos predicados, ou de predicados aparentenente familiares. Este quadro do processo de interpretacao coloca a aplicacio dos ato, dos formais &s Tinguas naturais sob nova luz. Ele mostra porque os métodos — formais so melhor aplicados & sintaxes 1a, pelo menos, @ razoavel esperar que o mesmo modelo se aplique bem a varios falantes. E nao ha motivos Gbvios para negar que cada metodo de interpretacdo proposto seja uma semantica formal daquilo que podenos imprecisamen te chamar de uma Vingua. 0 que ndo podemos esperar, porém, & que possamos formalizar as consideracies que nos levam a ajustar nossa teorfa @ luz do recebimento de nova in formagdo. Sem divida inclutmos 2 capacidade de mudar de terreno de forma apropriada mo que chamamos “saber falar a lingua”. Mas neste sentido nao ha como dizer o que a) guem que sabe falar a lYngua sabe; pois a intuicdo, a sorte e a habilidade tém que = 20- ter um papel essencial aqui, como na invengdo de uma nova teoria em qualquer campo; @ 0 bom gosto e a simpatia tém um papel ainda maior. Concluindo, quero reiterar que a comicacao linglfstica nao requer.en bora freqlientemente empregue, a repeti¢io governada por regras; € nesse caso, a con vengo ndo explica o que @ a comunicacdo linguistica, embora possa descrever una de suas caracterTsticas correntes. Tenho uma reflexio final. Nio argumentei aqui - enbora o tenha feito em outras ocasiGes - que nao podenos confiantenente atribuir crengas e desejos e¢ in tengdes a criaturas que nao usam a Tinguagem.!4 crengas, desejos e intencdes sio uma condigao para a linguagem, mas a linguagem @ também uma condicao para eles. Por outro lado, ser capaz de atribuir crencas e desejos a uma criatura € certamente una condi so para compartithar com ela uma convencio; enquanto que, se tenho razio no que dis se neste artigo, a convencio nio & uma condigao para a linguagen. Sugiro, portanto , que os filésofos que fazem da convencéio ws elemento necessario da Tinguagem concebem a coisa ao revés. A verdade @, pelo contrario, que a Tinguagem € uma condicao para termos convengies. NOTAS 1, David Lewis, “Languages and language”. In Language, Mind, and Knowledge, ed. K. Gunderson. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1975, p. 7. 2. Michael Dumett, "Truth". In Truth and other Enigmas. London: Duckworth, 1978. Publicago original em 1959. 3. Michael Oumett, Frege. London: Duckworth, 1973, p. 298. ara uma versdo mais antiga desta idéia, veja~se Max Black, ‘tion of Truth". Analysis 8 (1948), pp. 49-63. 5. E sem importancia para meu argumento o fato de que Dummett nao acredita que uma teoria da verdade possa servir como teoria do significado. A questio aqui € se ha ‘ou no uma convengdo de um certo tipo governando nossas enunciacées de sentengas (indicativas). 6. A distincdo entre atividades que podem ser fins em si mesmas - como tocar flauta - © aquelas que tém propositos ulteriores - como construir una casa - provém, eviden tenente, de Aristotele i Etica a Nicdmaco 1094a; Magna Moralia 1211b. 7. Sobre este ponto, mito devo a Sue Larson. 8. Veja-se nota 3. -2- 9. Max Black, "Meaning and intentio History 4 (1972/3), p. 264. an examination of Grice's views". New Literary. 10, Noam Chomsky, Problems of Knowledge and Freedom. New York (1971), p. 19. 11, Para maior elaboragi + © uma sugestdo ‘de como a forca ilocutéria e o modo gramati al estdo relacionados, veja-se meu artigo "Moods and Performances", en Meaning and Use, ed. Avishai Margalit. Dordrecht: D. Reidel (1979), pp. 9-20. 12. “Languages and language" pp. 5,6. 13, Tyler Burge, "Reasoning about reasoning". Philosophia 8 (1979), pp. 651-656. 14. Veja-se meu artigo “Thought and Talk". In Mind and Language,ed.Samuel Guttenplan. Oxford: Clarendon Press (1975), pp. 7-23. = 22-

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