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Saberes gramaticais na escola Afranio Gonegalves Barbosa Trabalhar com o ensino de Lingua Portuguesa é muito mais do que relacionar o que ¢ certo. © que ¢ errado: ¢ compreender seu funcionamento hoje; e no passado, em um proceso dinfimico de capacitacio dos alunos para a produgao de textos orais eescritos os mais variados. Falamos do aprimeramento de uma habilidade a servi-los tanto na eficience concatenagio dos tépicos para uma atividade em sala de aula quanto para uma reuniao de negécios em seus fururos empregos; tanto para a redagio em um vestibular que venham a prestar quanto para a elaboragio de telatérios récnicos em suas profissies vindouras. Falamos do aprimoramento que, pouca a pouce, conduzo alunado & formacio deseu préprio estilo de escrever cartas, dirios, paginas eletrénicas, ‘Trabalhar com o ensino de lingua portuguesa ¢, ainda, cepacitagio desses mesmos alunos para.a decodificacao de sentidos em estruturas mais complexas, comuns em géneros textuais mais eruditos, Esse é 0 caso, por exemplo, da erudigao do léxico e da sintaxe em textos jurfdicos: mesmo que néo seja necessdrio cabrar de um ahuno secundarista a produgao de textos juridicos, ndo conseguir minimamente entender seu contetida pede atrapalhar, em algum momento, de alguma forma, sua vida, Numa realidade mais imediara a vida dos alunos, essa capacitagao se aplica na compreensao de rextos de outras épocas com os quais entram em contato em sala de aula quando estudam os séculos de produgao literdria. Estudar um texto de barroco brasileiro envelve, entre outras coisas, ter de compreender textos do século xvu1, assim como ler uma obra do 32 Ensino de gramética romantismo leva-os ao contata com textos do século xix. Evidentemente, nesses textos, nem toda diferenga em relagdo a linguagem escrita atual se explica pelo estilo de cada autor, ¢ sim pela mudanga natural por que qualquer lingua passa com o tempo. Seo livre didatico usado incluir as cantigas medievais, por exemplo, quantos aspectos tém de ser ensinados para que o aluno delas tire o melhor proveito? Quantas palavras jd soudaram de sentido? Chants inforrnarBey sobre w sociedade porniguesa de ofta staulos atrés ¢ imprescindfvel para interpretar, com propriedade, esas cantigas? Que saborosas diferengas morfossintaticas podem se tomar dtividas amargas, se nao houver boa condugao no trabalho dos mestres? Se as alunos nao decodificarem os textos de ¢pocas passadas, como poderio interpreté-los? Como poderio se apaixonar pela Literaruta? Sem 0 trabalho do professor de Lingua Portuguesa, aquele que ensina, também, categorias gramaticais, esses alunos vivenciariam maior dificuldade de ler entender esses ¢ outros escritos cuja referéncia de norma ¢ estilo nao participa de seu padrao verndcule. Atingir esse quadro ideal em que se deseja maior cficdcia ¢ graga é a meta de todos os profissionais de Letras. Alids, se queremos enriquecer os alunos com as variedades da lingua portuguesa, nijo deveriamos esquecer que no podemos nem ensinar a lingua padro literdria ¢ erudita como a tnica variedade a ser prestigiada, muito menos supor que ao aluno basta saber descrever sua variedade verndcula local: todos tém o direito demoeritico de, na escola, aprender a variedade dos textos escritos que guardam séculos de experiéncias e tradighes sociais. Digamos, por ilustragio, que © problema nfo scja ensinar meséelise na escola, mas sim exigir que o aluno escreva seus pronomes nessa posigio quando a regra exigir: o aluno tem o direito de aprender mesdclise para decodificd-te do ler'uma lei ou uma obra de Machado de Assis ou mesmo publicagées de autores do s¢culo xx. Por exemplo, em Marafa, de Marques Rebelo, um tipo de publicagao a baixo custo visando ao ensino méd oaluno encontra; “Indo a cidade, experimentd-lo-ia. Pretextando cansago, manda- lo-ia brincar” (Rebelo, s.d.: 67). Em outras palavras, o problema nio ¢ ensinar lingua padrao, mas sim ou ensinar, exclusivamente, as variantes artificiais da escola ou nao ter consciéncia dos objetivos de seu ensino. Entre as metas ea pratica, tem havido um quadro de fracassos que.cxige tuma maior reflexito sobre certos aspectos ideoldgicos ¢ acerca das crises que rondam nosso préprio fazer metadoldgico. Erros € acertos no ensino de Lingua Portuguesa O professor Ataliba de Castilho afirma que “em seu dia a dia o professor de Lingua Portuguesa se defronta com trés crises distintas cuja discussio é de fundamental Soberes gramaticcis naescola «=. 33 importincia para a busca de solugGes: a crise social, a crise cientifica ¢ a crise do magistério” (Castilho, 2000: 9). A crise do magistério far referéncia % desvalorizagio da profissio: 0 professor ganha mal, trabalha muito ¢ sua carreira nao recebe mais o status da de um médico, engenheiro ou advogado, $4 para exemplificar, ainda com as palavras de Castilho (2000), na década de 1960, um professor do sistema ptiblico paulista ganhava 2/3 do que ganhava um professor universitirio. Hoje a proporgao ¢ de 1/5. Isso sem falar da realidade em outros estados brasileiros, onde a figura do professor leigo se tornou quase exclusiva nas cidadezinhas do interior ou em dreas urbanas postas a margem da cidadania. A crise social diz respeito aos reflexes, no ensino formal, da mudanga que deslocou, no Brasil, a maior parte da populacao do campo para a cidade. Em 1970, jd 80% da populagdo brasileira era considerada urbana, proporsio que continua aumentando até hoje. No intervalo de duas décadas, um sistema piiblico de ensino que atendia a um numero relativamente pequeno de alunos nos azos dourados do milagre ecanémico passou a receber uma grande massa de novas geragics de alunos cujos habitos linguisticos familiares os afastavam ainda mais do modelo padrio apresentado com inica variedade valida da lingua. O preconceito linguistico, a partir de entio, tornou-se mais evidente em sala de aula. Diversos usos populares, a despeita de serem historicamente manutengoes do portugués transplantade para o pafs, assumiram carter de estigma social, Mais que isso, nao se podia, em tio pouco tempo, formar um ntimero suficiente de profissionais para cobrir aquela nova demanda. Comesou, assim, mormente na década de 1970, sob oapadrinhamento da ditadura militar, a multiplicagao de faculdades que passavam a Jangar no mercado de trabalho centenas de profissionais, digamos, nfo tio bem preparados para lidar com a tarefa de introduzir na literacidade, quer dizer, no mundo fantdstico de nossa tradicao escrita secular, publicos tio distintos na oralidade. Eram, também, pouco capacitados para adaptar os materiais diddticos disponiveis, preparados para a classe média urbana ¢ nao para filhos de pais iletrados. As reflexdes de Castilho (2000) valem-nos para outras reflexdes. Como combarer 6 preconceito linguistico em relacao a certos falares rurais urbanos sem deixar de ensinar a variedade culta? Quais as variantes trazidas para a sala de aula que mais tém merecido a agio normativa por parte dos professores? Quais delas realmente implicam fuga & norma padrio de prestigio social, ou seja, aqueles usos consideradas cultos geralmente espelhados na fala ¢ na escrita dos segmentos mais escolarizados da sociedade brasileira? Quais delas, dentre tantas variantes linguisticas, néo estariam sendo alvo de um principio de corregéa inflexivel & variagéo natural da lingua, uma suposta lingua culta sem respaldo nem na literatura contemporanea, nem nas gramdticas tradicionais. 34 Ensino de gramética Devemos lembrar que vivemos, hoje, uma pressio mercadoldgica de venda de materiais milagrasos de aprender portugués que tém recriado a figura de caturras do século Xiil, ortoepistas secundarios que exacerbaram o espirito da arte de falar e escrever corretamente, publicando uma série de manuais ortograficos divergentes entre si. Aquela pecs; ris haere time ortagrair- preverddy pructunente em todos os casos, arnasd mancira de escrever cada palavra, como ocorre hoje na Orcografia Oficial. Na verdade, existiam varias ortografias, todas validadas no uso castigo. Nossos caturnes atuais, falsos eruditos que tomam para si, oportunamente, o poder de definir 0 que é certo e © que é errado para toda a sociedade, inventam regras nunca previstas nos manuais, Apesar do status de autoridade, esse tipo de profissional, geralmente, desconhece informagSes bdsicas presentes nas bibliografias de cursos de graduagio em Letras. Nao ¢ raro encontrar, em seus materiais, a condenagao do uso de ele/ela na fungio de objeto direto. Chamar isso de erry sé faz algum sentido, ainda que precario, quando, em contexto de treinamento da variedade da escola, ¢ apresentado como algo que se afasta da convengao, da combinagao artificial de uso que assumimos na gramitica tradicional escolar, A forma exagerada de esses consultérios gramaticais perseguirem essa pritica gezal de brasileiros de todos as segmentos sociais costuma vir acompanhada da ideia de que esse uso seria uma corrupsao da lingua trazida pelos portugueses desde © Descobrimento. Esse poder é uma grave distorgao criada pela forga da midia no Brasil que mistura venda de hambuirguer com venda de ensino, Oexemplo de ele(s\/ela(s) como complemento verbal merece uma boa ilustracao. Se propusessemos um exercicio em sala de aula para marcar as sentengas a seguir com erros gramaricais em relacao ao padrao da gramidtica tradicional escolar no uso de Pronomes pessoais, nao terfames muitas surpresas: (1) Encontrei-o em casa. (2) Encontrei ele em casa (3) Damas ele a vos. (4) Damo-lo a vas. As respostas consideradas carrenar seriam (1) ¢ (4) porque 86 08 prononses obliquas poderiam funcionar como complemento direte do verbo. Quando muito, alguns alunos poderiam desconhecer a forma literdria vds. As sentengas (2) ¢ (3) seriam apontadas como © caso clissico de erro por deixarem a informalidade agredir o padrio culo. Essa condenagio sé faria algum sentido se estivéssemos no contento de sala de aula, durante © treinamento da madalidade escrita padrao. Como jé dito, fora o sentido de afastamento de uma canvencaa, isso no poderia ser visto como um erra. Os alunos — além do aprendizado de categorias gramaticais para lidar com a multiplicidade linguistica — encram em contato, na escola, com varias estrucuras para cles artificiais, mas presentes em varios contextos de escrita ¢ na fala de outras Soberes gramoticaisnaescola = 35 comunidades. Assim, a variante com o pronome a, visto em (1), serd cncontrada na ita de jornais brasileiros ou, de acordo com a aleance de seu intercurso cultural, fala de lisboeras, alentejanos etc,, por exemplo, nas transmissdes internacionais das emissoras de televisio portuguesas. Agora, como diz a sabedoria popular, uma coisa é uma coisa, ovina cotsa ¢ ovrra coisa. E preciso estar atento ao fato de que uma coisa somos nds, professores de Portugués, marcarmos com caneta vermetha, quando corrigimos trabalhos de nossos alunos, 0 erro gramatical em (2) e (3) por estarmos exercitando-os no reconhecimento/uso de uma estrutura que eles acrescentario ao seu conhecimento de lingua, uma variedade para eles nova, que nao trouxeram da linguagem familiar; outra coisa é pensarmas que esse erro € um crro na Lingua Portuguesa, quer dizer, uma impropriedade sem legitimidade histérica que deve ser evitada em todas as situagGes de fala ou escrita. Vamos aprofundar um pouco o gabarito de nosso exercicio. As sentengas (1) ¢ (4) foram criadas para este texto. Jd as sentengas (2) ¢ (3) sio dados reais: Encontrei ele em casa é do século xx © Damos ele a vds é do século xt. © que isso significa? Jd erravam os monges © escribas no século xi? Mas como, s¢ no existia Brasil no século xtu? A resposta ¢ simples. Passemos a palavra auma das maiores especialistas em Histéria da Lingua Portuguesa: “Creio que nao podem separar-se estes exemplos da fase antiga da lingua de uma construgao paralela existente no portugués do Brasil, Nao me parece que se trate de uma inovagio ‘brasileira’,” (Maia, 1986: 667). Camo se pode ver, trata-se nao de um problema generalizado, mas, na verdade, de um uso jd existente em Portugal, ainda que em menor proporcio aos pronomes ofs)/a(x) como complemento verbal, que, trazido pela boca de partugueses de todas as.classes socials, caiul no gosto doe iascidos em terras brasileiras. Assim sendo, podemos ensinar regras tradicionais, que poderao até ser cobradas em concursos que queiram testar o grau de conhecimento do padrao escolar, mas s¢ confundirmos essas mesmas regras com © que ¢ considerado bom na lingua reduziremos um universo de possibilidades expressivasa um simples recorte de certas usos, O ensina de lingua nao pode seguir a légica do menos. A inflexibilidade da corregao se faz seni sociedade, No Brasil, a falta de concordancia, tanco verbal quanto nom capftulos “Concordincia nominal” ¢ “Concordancia verbal” - ¢ um processo que vem se propagando das classes menos escolarizadas para aquelas de formacio escolar mediana e, em certos contextos sintiticos, atinge as camadas mais escolarizadas. de mancira diferente para cada al — ver No entanto, a fora desse processo no impede que o uso do pronome a gente com a desinéncia verbal exclusiva da primeira pessoa do plural <-mos> seja forremente a, E © famoso caso apontado nas gramdticas estigmarizedo a sociedade brasil escolares como err de concorddncia verbal com a expressao a gente, Veja-se como, 36 Ensino de gramética de fato, 0 que pesa para uns nao necessariamente pesa na avaliagao lingufstica de outros: em Portugal, pelo menos em Lisboa, tal pritica, quer dizer, uma frase como “A gente saimos todos os dias...”, apesar de igualmente apontada como desvio da norma padrao culta, nao chama tanto a atencio dos falantes portugueses coma ocorre no Brasil, mesmo para aqueles com formagio escolar média. Parece, portanto, incorporada 4 norma geral de uso em Portugal. Serd verdade ou puto impressionismo? Esse ponto merece um estudo sociolinguistico para definir os contornos da questao. A crise de contetido cala mais fundo na pratica dos professores formadores das Tixaros peofielonai de Laas ‘como enainas any gusduandal’a seein oped de traduzir o contetido tedrico aprendido durante 0 curso para a pritica de sala de aula? Em outras palavras, de que mancira habilitar os profissionais de Letras a encontrarem solugdes para as dificuldades de cada situag3o especifica que o dia a dia traz. Tem sido realmente dificil remar contra a maré de algumas faculdades brasileiras e convencer a todos que a sala de aula do ensino superior nao visa a ensinar a ensinar este ou aquele contetido gramatical, mas sim a habilitar o graduando a descrever a lingua de maneira a conhecer os seus caminhos de eficdcia ¢ graga comunicativa. Mais que isso, tem sc tornado cada vez mais dificil formar licenciados sem a perspectiva de que sua pritica vindoura como professores de lingua nao se reduz A simples memorizagio de nomenclarura. E dificil fazé-los entender que 0 préprio fracasso de ensinar a norma padrio idealizada decorre exatamente da falta de uma postura mais cientihica ¢ tecnicista do como ensinar. nas O ensino de Lingua Portuguesa na escola: os saberes envolvidos A busca do come enstnar lingua portuguesa na escola nao ¢ uma questo fechada a um s6 caminho, Nao pretendemos apontar aqui uma solugSo tinica para uma realidade tio complexa, mas acreditamos que uma boa possibilidade de enfrentar 0 problema seria tentar perceber os conhecimentos de lingua que entram em jogo na sala de aula, os saberes que trazem professores e alunos, Fagamos isso de mancira objetiva, examinando certas variantes estudadas no ponto gramatical formas nominais do verbo, O ensino descritive das formas nominais em portugués aparentemente naa traz tantas dificuldades ao professor do nivel médio quanto o de outros padres morfossintaticos. No entanto, quando vierem diividas sobre estrucuras bem diferentes daquelas escolhidas como oragSes-exemplo das gramdrticas, estas quase sempre muito artificiais, haverd, muito provavelmente, um verdadeiro embare com as desencontradas propostas prescritivas. Imagine-se que os alunos de um 2° ano do ensino médio apresentem as seguintes sentengas: Saberes qramaticaisnaescola 3. (5) Quanto dinheiro foi ganbade? Quanto foi gastado? Wocés tinham pagedo tudo a tempo? (6) Eles tinham ¢rago cudo de Brasilia, (7) Sempre tinha os gatinhos metos no cesto, aquecidos... (8) Deixei crescerem novas flores em meu jardim. (9) ‘Yodos se inscreveram no curso para aprender coisas novas, (10) A persistirens os sintomas, procure um médico. (11) Eu vow estar enviando um carné de pagamento na segunde-feira de manha. (12) Eu podia estar dizendo besteira sem saber. (13) Terfamos estado esperands a noite inteira na fila & toa se voré nao tivesse avisado para pegar a senha, Caso eles perguntassem como se classificariam os itens grifados, talvez sé houvesse maior dificuldade em categorizar as estruturas (6) e (7) por serem usos nao previstos na descrigio gramatical, Sao dados de fala espontinea, tendo sido o primeiro ouvido no Brasil ¢ o segundo, em Portugal. Para o restante, por mais estranho que soasse 208 nossos ouvidos, encontrariam nomenclatura na gramdrica tradicional —seriam participios regulares; infinitivos ¢ reduzida de infinicivo; gerindios em estruturas analiticas com verbos auxiliares ¢ tempo composto. Problemas descritivos, contuda, nao sio os que comumente trazem os alunos: perguntam se estd certo. Para cfetuarmos uma ponderagao avaliativa do tipo certo ¢ errado, precisamos ter consciéncia dos saberes envolvidos nas respostas possiveis. Nao adiantard responder que esta errado ¢ mostrar a tegra em uma gramdtica tradicional qualquer, se o aluno pode encontrar uma outra gramdrica que apresente o problema trarado diferentemente. Tampouco adiantard fincar pé numa regra que vd completamente contra 0 uso social consagrada: dizer que “Fiz ele no lugar combinado” esta ertado € que o certo seria “Fi-lo no iugar combinada” soard como uma piada, O aluno sé aceitard esse tipo de corregia se tiver havido eficiente encaminhamento do professor sobre as diversos saberes em jogo no tratamento dos fatos da lingua. O primeiro é 0 saber linguls que, para além da competéncia linguistica inata, é compartilhado por sua comunidade ou regiio. E o saber sacial da lingua, recebido primeiro no Ambito familiar e, depois, ampliado na rede de convivio social que se prolonga ao alcance do circulo humano mais préximo, formando nossa meméria afetiva ¢ identidade culrural de grupo. Se apelarmos para outro ditado popular — “Caala lugar tem sen finso, cada povo tem seu usa” —, € 0 nosso uso, 0 jeito de falar que os outros nao tém. E a base lingufstico-culrural que interagird com a tradigio eserita encontrada na escola, na leitura c nos espagos de oradizapdo da escrita. ico da norma verndcula de uso do falante, aquilo 38 — Ensine de gramdtica Se na Idade Média o contato com as variantes da escrita eram as pregagGes, a leitura das leis em praga publica, o teatro em portas de igrejas, dentre outros, no mundo contemporineo, a televisio, por exemplo, exerce esse papel: por tras de quase tudo que é falado, existe um texto escrito, Se a saber linguistic local contém “tauba”, os membros do grupo n3o o possuem exclusivamente, pois recebem, pelo contato com a televisio, a variante “tibua”, mantendo-a disponivel para o reconhecimento na fala de outros, E importante nfo esquecermos que toda comunidade conta, em seu saber linguistico, com uma norma padrao independente da norma padrao da escola. Elas até podem coincidit, mas isso ndo acorre necessariamente. Quer dizer, todo grupo humano constréi uma ideia de linguagem especial, cuidada, vigiada, para quaisquer cventas sociais que scjam sentidos como importantes. A tradugio dessa ideia em usos linguisticos geralmente se espelha em algum género textual ou fala de determinado segmento ou funcao social. Um exemplo disso é a mudanga de vocabulario e de construgées na fala de alguns individuos quando pregam alguma fé seligiosa, para eles, evidentemente, muito especial. Mesmo que eles nao tenham tido contato com a escola ou com a escrita, selecionam formas linguisticas nos textos sagrados ou na fala de seus lideres religiosas. Se nao quisermos ir muito longe, ¢ sé lembrar que antes de existir gramatica da lingua portuguesa (século xv1), os falantes de portugués nao tinham norma padrio para a escrita, mas isso nao impedia a presenga da nogao do dem escrever. Da mesma forma hoje, se abolissemos completamente o ensino de gramitica na escola, a sociedade continuaria vivendo com as diversas normas padrio praticadas. Lingua é variagdo no uso € na normatizagao. ‘O segundo € o saber linguistico descritivo/prescritivo partilhado por todo o Ocidente, atingido direta ou indiretamente pelos modelos greco-romanos de gramitica, Eo saber da gramatica tradicional. Nesse caso, além de categorias descritivas gerais como verbo, pronome, preposisio exc., sabidos por um brasileiro, um inglés ou um canadense, assume-se © principio greco-romano de que qualquer variante linguistica que nao pertenga a um dado conjunto de variances eleitas camo padrao seria uma variante errada para o uso formal, Essas variantes eleitas sio dispostas como regras do tipo “Nao se inicia perfodo por proname dtono” (Bechara, 2001; 588) ou “Enclise —E a colocagio normal do pronome na variedade padrio da lingua’ (Cereja & Magalhaes, 2004; 382), No caso da gramatica tradicional usada no Brasil e em Portugal, essa e outras regras vém referendadas, em geral, em variantes literdrias lusitanas do. s¢culo xix ou inicio do xx, Tanto para brasileiros, quanto para portugueses, a distancia entre o que usam normalmente ¢ 0 prescrito sempre serd grande porque se trata da distancia entre 0 artificial ¢ o natural. A impressio de que os portugueses acertam mais algumas regras, Saberes gramaticais na escola ww como as de colocagao pronominal, acontece em fungao de os textos literdrios que viram de modelo terem sido os de autores portugueses, quer dizer, até mesmo de orasileiros, mas sé quando estes estivessem espelhados nos usos portugueses. Dos escritores do romantismo brasileiro, pademas indicar uma s¢rie de exemplos uses que foram excluidos da montagem do padrao cult das gramiticas tradicionais. Assim, por exemplo, cra usual entre eles a alternativa de colocagdo pronominal depois verbe em cases que, por convengao, a regra gramatical exige a préclise. Imagine se um aluno ler que a prdclise “é a colocagio do pronome antes do verbo quando hd palavras que exercem atragao sobre ele, como: [...] pronomes relativos” (Cereja & Magalhies, 2004: 382) e encontrar 0 contrario, por exemplo, em A viuuinha, de José de Alencar: “Carolina gozava desse prazer, que faz-nos parecet tudo de novo ¢ mais belo do que na véspera”. Seria inevitdvel sua pergunta: Professor, Alencar errou? No sabia gramatica? Se o professor ensina as regras da gramitica tradicional escolar igualando- as as regras da lingua (regras cognitivas ou sociais), ele terd de dizer que foi erro da editora; quando muito, dird que era um caso de “liberdade poética™ da literatura, No entanto, isso é, no minimo, fugirdo ponto central: scu ensino esta mal encaminhado. ‘Veja-se que nenhum lugar da lusofonia fade lingua padrdo em sua plenitude, pois » préprio conjunto de regras do certo, presente na gramdtica tradicional, foi formado pela reunido de peguenas pedagos de um universo de variantes linguisticas escricas por literatos lusitanos. E por isso que nao ¢ incomum encontrarmos “erras” de gramatica mesmo em escritores portugueses, pois, apesar de a gramatica ter escolhido uma de suas variances de uso como padrio, suas outras variantes continuaram existindo. © conjunto de regras da gramdtica escolar ¢ uma artificialidade, um conjunto de-convengées grdficas, sintéticas, de prontincia ¢ de variantes morfaldgicas, conjuncto formado por gente de lugares diferentes, de momentos histéricos diferentes, de estilos diferentes. O que vimos antes com Alencar ocorre exatamente porque, além de o Préprio usa dos autores-modelo para as regras da gramadtica tradicional ser variavel (c apenas uma ou duas de suas variances foram assumidas no padrao), hd uma questéo politico-ideolégica maior: quem determina qual ¢ 0 padr3o? Quem, ou que grupo, € a autoridade magna a ditar a que deve ser posto, ou mudado, na norma padrio ensinada na escala ¢ pedida nos concursos, essa mina de ouro editorial? Por tudo que vimos refletindo até aqui, a resposta aponta para o bom senso: mesmo quando uma dada sociedade confia a tarefa a determinados especialistas, cuja autoridade académica foi construfda em anos ¢ anos de pesquisa e de produgdo cultural, nomes reconhecidos pela profunda erudicéo filolégica e lingufstica, proposta seria um ponto de partida para o bom senso de escolha de todos os falantes, verdadeiros donos da lingua. Nossa sociedle nda eleges nein convocon inn grupo espedifice. Vivemos da madigio de algunas grandes gramaticas consagradas no sécula xx. Por isso, 0 conjunto de regras da assim a padronizagao por cles 40 Ensino de gramatica do padrao expresso pela gramatica tradicional nao ¢ um conjunto nem uniforme, nem imurdvel, nem fechado. Os prdprios gramaticos entram em conflito apresentando regras contradirérias. Digamos que, em tarno de uma intersegao de regras consagradas por todos ~ como a referida anteriormente sobre a énclise obrigatéria — existe um grande espaco para sugestdes distintas de gramdtico a gramitico. Precisamente nesse espaco, ocorre 0 perige do falzo purismo: em ver de sugerir um dado uso como padrio — por exemplo, o de nao omitir ances de um pronome relativo uma preposigio regida pelo verbo da oracao adjetiva, quer dizer, em funcSo dativa ou obliqua —, gramatiqueiros impdem nao sé a obrigatoriedade em todas as situagdes de uso, mas até condenam tegéncias tipicas no Brasil. Pior que isso, gramatiqueiras com espago na midia comegam a inventar regras para o que nunca houve convengio referendada no modelo literdrio. O terceiro saber linguistico presente em sala de aula ¢ 0 recebido nos cursos de graduacao por ocasiao do estudo de diferentes linhas de gramaticas descritivo-cientificas — estruturalistas, funcionalistas, gerativistas, dentre outras ~ ou ainda de abordagens de foco na interaggo ou no discurso. Esse ¢ o saber do professor, aquele com que ele ‘opera — scm necessariamente expor para suas classes as nomenclaturas cientificas — para resolver impasses descritivos das muilhares de sentengas cuja estrutura nao pode ser bem analisada apenas com as categorias da gramadtica tradicional. Por exemplo, dizer que os vocibulos formados por adjetiva + [-menre] (sinceramente, geralmente) sao advérbios que expressam o mado como se processa 0 contetido verbal (Pratestam eloquentemente) é ficar sem resposta para a classificaco de casos como ‘Atualmente os valores estdo tnvertidos" ou “Geralmente as pessoas dangam a noite inteira em nossas fistas”, E preciso uma descri¢ao mais ampla para perceber que nao se trata de advérbios em—mente, mas de modalizadores oracionais, quer dizer, advérbios de toda a sentenga e nio sé. de seus verbos. Fora outros casos que funcionam como marcadores discursivos. A gramdtica escolar nao precisa esmiugar tanto sua descrigao dos fatos da lingua. E o professor com seu conhecimento, e usando a descricio tradicional como ponto de partida, que langa mio do deralhamento da pesquisa linguistica. Se os livros de bialogia apresentam um contetido didaricamente simplificado sobre gen¢tica, s6 como infarmacao basica que torna o bom aluno capaz de acompanhar as noticias sobre 0 assunto, por que as gtamdcicas teriam de ser compéndios exaustivos na escola? Em geral, como acontece com outras dreas estudadas no ensino médio, oaluno calouro de Letras pensa que aprenderd, de forma mais aprofundada, a mesma coisa que estudou até a Faculdade. E muito comum, apds alguns semestres de curso tendo acesso a descrig6es cientificas da lingua, ouvirmos a pergunta: “Mas quando ¢ que vou estudar gramutica mesmo, assim de verdade?”, Qualquer que seja a resposta, logo ver uma réplica do tipo “was mao vow usar iso pant nada", “mas isso no cai em concurso”, ‘tudo bem, mas quero saber qual é 0 pactrio por uma série de fatores, nao recebeu uma formacao sdlida em gramatica tradicional Esse fato revela, por um lado, que ele, Saberes gramaticais na escola 4) &, por outro, que o trabalho com a descri¢Go lingulstica talvez nao esteja dimentionanda bem as reflexdes sobre a linguagem humana. Para infcio de conversa, devemos lembrar que, de fato, se a faculdade se limitar a ensinar o padrio da gramatica tradicional estard formando um repetidor de livro sem qualquer condigao de resolver os impasses ¢ limitagées que vimos abordando aqui. Nao ¢ preciso ser formado em Letras para ser um criativo creinador das regras convencionais: um bom leitor formada em outras éreas é capaz de desempenhar esse papel. O prejufzo serd de scus alunos, que no serio aprimorados ¢ capacitados nas habilidades mencionadas em nossa intradugao. Devemos lembrar que o professor é também um pesquisador que tem de resolver problemas novos, nunca previstos nos manuais, com a habilidade de percepsio © reflexio sobre dados ¢ suposigSes que ele cria no acompanhamento das descrigSes ¢ hipéteses explicativas de cada escola lingulstica. Durante as aulas.na faculdade, claro que, em certo nivel, ele aprende por aprender assim como a ciéncia pesquisa por pesquisar, sem objetive imediato ou pratico, A universidade, de certa forma, ensina um conjunto minimo de informagées técnicas que interage com seu objetivo maior de fazer 0 graduando aprender a aprender na érea de conhecimento que ele escalheu. Ou alguém pensa que um médico aprende tudo de sua profissio em seis anos? Ou que um advogado sabe como trabalhar todo o contetido visto no Direito em cinco anos? Um bidlogo ou professor de Histéria cobre o suficiente de suas dreas em quatro anos? Por que para o curso de Letras seria diferente? O profissional de Letras enquanto aprende a aprender sobre os fatos da \ingua nao deve limitar-se a preencher suas lacunas de conhecimento do padrao culto da gramdtica tradicional escolar (nem se esquecer de preenché-las), Deve sempre se lembrar de que as pesquisas linguisticas nfo esto ocupadas da questio do padrao escolar, assim como a gramitica escolar no se ecupa em descrever toda a realidade linguistica. Sao preocupagdes diferentes, ainda que relacionadas. Sea gramitica tradicional for entendida como a descrigaa da lingua portuguesa, como ficarao todos as usos nao descritos? Todos crrados? Isso seria como se borinicos langassem um livro cam todas as espécies de vegetais que eles conseguiram catalogar na Amazénia ¢ as pessoas pensasscm que uma espécic nfo encontrada no livro nao pudesse existir na flotesta. Em contrapartida, se a ciéncia sé pesquisar o que tiver aplicagao imediaca, comoa humanidade dard grandes saltos de conhecimentos tecnoldgico ¢ cultural? Eo acurnular de informagées da pesquisa cientifica pura, sem finalidades predeteminadas, que revine condigdes para anos, ou séculos depois, uma pesquisa de aplicagao realizar descobertas maravilhosas. Alguém pensa que o monge austriaco Gregor Mendel (1822-1884), ha 150 anos, tinha nogao de que os principios que ele observou cruzando espécies de 42° Ensino de gramatice ervilha seriam os princfpios geneticos para diversas outras pesquisas aré chegarmos a0 teste de wa, hoje uma solucio para os processos de reconhecimento de parernidade? Se ele, no século-xrx, ouviu piadas do tipo “Nossa! Que importante descobrir as combinagoes posstveis entre ervithas verdes e amarelas. Nao sei como 0 mundo viveu sem isso até hoje", nao deve ter se importado. Sorte nossa. Sem essa mentalidade de buscar principios, o professor poderd cair no erro de se perguntar para que servem as gramdticas clentifico-descritivas. Nao perceberd que elas o tornam mais habil a entender, pela abstracio, problemas ainda desconhecidos e também a explicar melhor os jd conhecidos. Levando em conta os saberes gramaticais, o professor que queira responder a uma pergunta do tipo “isso estd certo?” deverd, antes, perguntar a si mesmo sobre o ponto em questio: O que dizem os falantes? © que diz a tradigao gramatical? © que dizem as pesquisas linguisticas? Apesar da crise da magistério abordada no inicio deste texto, devemos langar mio de quaisquer expedientes publicos ou privados —bibliotecas, permuta de material entre colegas, pressio politica junto 4s Camaras, Assembleias ou a candidatos ao Legislative federal para a criagdo de leis de descontas ou financiamento de livros para professores, consulta aos bancos de textos académicos na internet, enfim, toda ¢ qualquer forma de o professor formar sua biblioteca pessoal com gramdticas tradicionais escolares diversas, textos académicos, diciondrias, textos literdrios, dentre outros recursos. Sem 0 convivio com os saberes da escrita ¢ sem a capacidade de descrever o uso da comunidade local onde trabalha, o professor nao conseguird responder para si mesmo aquelas trés perguntas. Se assim 0 for, 0 que conseguird sera apenas repetir o que estd no material didatico que adora: serd a viva voz do livro e ficard sempre & mereé das incoeréncias atdvicas do ensino da gramatica tradicional. ‘Vamos aprofundar nossa reflexdo encaminhando um exemplo dessa busca pelos trés saberes por meio de uma abordagem pritica de certos aspectos ensinados no tépico gramatical formas nominais do verbo, Fagamvos isso de forma quase esquematica, pois, na verdade, nao se trata de um modelo unicamente para partictpios, énfinitivo e gertindio, mas para qualquer questo de corrego gramatical trazida & baila. Saberes gramoticaisna escola 43 Fenémeno em foco Participios duplos © que dizem os falantes? Aqui a experiéncia sempre ¢ local. Ha sempre uma impressfo geral da comunidade se uma dada forma ¢ certa ou errada, a despeita de conhecer, ou ndo, a regra da gramatica tradicional, Cabe ao professor saber descrever bem essa forma ¢ localizar para o aluno os contextos de uso — tanto para a es ay quanto para a oralidade, Voltemos aos exemplos (6) ¢ (7). O que dizem os alunos de “teago” como participio? Causa-lhes estranhamento? Seria um faco geralmente aceito na comunidade de falantes da local onde se encontra a escola? Os alunos, diante dessa forma em outras estrururas, por exemplo, com o verbo ser, aceitam-na com tranquilidade? Enfim, ¢ necessdrio realizar um teabalho de reconhecimento da norma local, uma tomada de consciéncia por parte do professor de quais usos nao sao avaliados negativamente pelo grupo. Se hd a pretensio de comunicar ao aluno a variance padrao escolar, urn dos primeiros passos ¢ tornar o grupo consciente de quais seriam seus usos locais que podem diferir do uso convencionada padrao. Veja-se que a propria descrigao da variante “trago” vai cxigir do professor a capacidade de aplicar categorias descritivas para estabelecer paralelos entre o uso de “trago” como participio ¢ como primeira pessoa do presente do indicativo do verbo “trazer”. Mais que isso, cle deverd buscar outros usos de formas fortes de participio que talvez sejam avaliadas negativamente pela turma. Poderia ser o caso de “chego”, “falo” ¢ “perco’, que, de modo semelhante a “trago”, nado apenas nao fazem parte da norma padrao, mas também séo avaliadas negativamente por varias comunidades do Brasil. Se o aluno vé que seu uso de “trago” nao faz parte do padrio convencionado, nao ¢ bem avaliado por outras comunidades locais, mas é variante legitima da lingua, ele decidird quando usar “trago” ou “cratido” nas situagdes de interagao local ou nao local. Ao falante. caberd a decisio de uso de determinadas variantes lingufsticas, inclusive a padrao, se a cle for dado 0 direito de conhecer o padrio seja por descri¢ao escolar, seja pelo contato com as textos escritos modelares, ¢ de conhecer sua prdpria realidade linguistica. Por vezes, nao 6a comunidade local do aluno, mas também quase toda a sociedade opta por nao usar, por conta do estranhamento geral, uma dada variante apesar de ela ser apontada como padrao pela gramatica tradicional. Ocorre isso normalmente com “pagado” ou “gastado” em sentencas do tipo “Tina pagado” e “Tinha gastado". E a forga da norma social de uso em agio. Se nos voltarmos ao “meto", pronunciado “m(é)to", no lugar de “metido” no exemplo (7), veremos outro exemplo de uso real. Esse dado foi produzido em conversa 44 Ensino de gramética informal em Lisboa, Variante do local? Idiossincrasia? $6 uma pesquisa de campo poderia revelar. No entanto, independentemente de qualquer coisa, esse foi um dado real da lingua portuguesa e, portanto, gramatical, que reforga a ideia de que a professor precisa saber observar e descrever as variedades trazidas por seus alunos. Caso contrario, o professor falhard em sua tarela de apresentar-lhes'as categorias gramaticais ec realidade do mundo escrito que guarda a experiéncia histérica secular da comunidade maior de falantes da lingua, realidade essa sempre distante de seu universo linguistico local. O que dizem as gramdticas tradicionais? O professor precisa verificar se, e de que maneira, 0 panto em questio aparece designado, deserito e prescrito nas gramadticas tradicionais, Encontrard essa possibilidade de uso de dois tipos de participio sob 0 rétulo verbos abundantes. Ei geral,emprega-se a forma regular, que’fica invaridvel com os auxiliares ter ¢ haver na vor ativa, ¢ a forma irregular, que se Hexiona em género € niimeto, com os auxiliares ser, estar e ficar, na vor passiva. [...] Ha ourros participios, regulares ¢ irregulares, que s¢ usam indiferentemente na voz ativa (auxiliares ter ou haver) ou passiva (auxiliares ser, estar, ficar) [J]. (Bechara, 1989: 110) Examinando varias graméticas, verificard haver miltiplas possibilidades de combinacio cabiveis na convengao, ora aceitando apenas 0 participio forte com os auniliates sere estar (passivo), ora apenas 0 regular em —do com os auniliares ter e aver {ativa), ora. admitindo, na lingua culta, a combinagao das duas variances de partic{pio com os dois grupos de auxiliares. O professor chegard a uma lista semelhante a esta: Accitado (arivo / passive) —_Aceiro (passivo) Aceite — (passivo) Assentado. {ativo / passivo) — Assente (passivo) Assente (passivo) Entregado {ativo / passive) — Entregue (passivo) Enxugado {ative / passive) Enxuto’ —_(passivo) Expressado —{ativo / passive) Expresso (passive) Expulsado (ativo / passive) — Expulso (passivo) Fartado (ativo / passive) — Farto (passivo) Findado (ativo / passive) — Findo (passive) Ganhado (ativo / passive) Ganho {ativo / passivo) Gastado (ativo) Gasta {ativo / passivo) Isentado (ativo) Isento (passivo) Junrado. (ativo / passive) Junto {ativo / passivo) Limpado —(ativo/ passive) Limpo {ativo / passive) Matado fativo) Moro {ativo / passivo) Pagado (ativo) Pago (ative / passivo) Saberes gromoticals na escola 45 Salvado {ative / passivo) — Salvo (ative | passivo) Acendido (ativo / passive) — Aceso (passivo) Desenvolvido (ative passive) Desenvolto (ative / passivo) Ekegido (ative) Eleito (ative | passivo) Envolvido {ative / passive) — Envolto (ativo | passive) Prendido (ative / passivo) — Preso (passivo) Suspendido —_(ativo / passivo) Suspenso —(passivo) Desabrido (ser indicagio) Desaberta (sem indicacao) Erigido {ativo / passive) _Exeto (passivo) Exprimido (ative / passivo) — Expressa (ative | passivo) Extinguido (ative / passivo) — Extinro (passivo) Frigido. (ative) Frito (ative / passive) Imprimido —(ativo / passivo) — Impresso —_—_(ativa / passivo) Inserido (ativo / passive) Inserto {ative / passivo) Tingido (ativo ( passive) Tinto (passivo) Em seu levantamento por graméticas tradicionais, os mestres ampliaram, item a ivem, a consciéncia das contradigdes. Na gramatica escolar de Nicola & Infante (1997), encontrario © seguinte: “Pegar ¢ chegar tém, em [{ngua culta, apenas o pacticipio regular: pegado e chegado”. Na nova edicao de Bechara (2001), verdo a inclusdo de pegado (ative | passiva) ¢ pego (¢ ou ¢). Ora, entio sinha pego € tido como errado? Foi pegado é a certo? Serd a hora de aliar o bom senso para coadunar a descrigio padrio ao uso normal culto da comunidade. O que dizem graméticas descritivas? Ninguém poderd esgocar os estudas descritivos sobre determinados fendmenos linguisticos. No entanto, deverd fazer parte do cotidiano de leitura do professor o acesso ¢ a consulta aos trabalhos que investigam as propriedades dos fatos da linguagem humana. Sempre haverd um pouco de luz sobre os assuntos na ordem do dia em nossa pesquisa na bibliografia especializada, Nem que seja um pouco de luz a revelar problemas ou aspectos 20s quais nem estdvamos arentos. Em relagdo aos verbos de 1* conjugagio, por exemplo, Mattoso afirma, em ourras palavras, que hd uma tendéncia de se ampliar 0 uso de —do por sobre a forma irregular em 2. Dada a situagio ambigua, jd aqui comentada, do participio como forma verbal © como nome adjetivo, algumas. graméricas aumentam a lista, incluindo formas que sio na realidade nomes adjetivos cognatos do verbo. Por outro lado, em certs dialetos sociais, alguns desses nomes adjetivos tém, com efeito, fungio de participio (um bom exemplo ¢ 46 Ensino de gramética Himpo, relacionado a limpar). |...) Ora so inclufdos, ora sio excluidos da lingua literdria. [...] A gramdtica normativa tem procurado, sem grande resultado, regulamentar a emprego de uma ou outa forma. Na realidade, 2 tendéncia do uso linguistico é ampliar o emprego do padrio geral. (Camara Jr, 1984: 115) Em trabalho variacionista, Barbosa (1993) demonstrou que haveria duas tendéncias de ctiaggo no portugues falado: uma, a de formar, por analogia a0 cognaro de primeira pessoa do presente do indicativo, uma variance irregular em —o (perco, falo, ago, chego), geralmente usada na estructura ativa com o auxiliar ser (“Eis tinba chego ene eae de madrugada); oivera seria a tendEncia contiiria de ampliar-o-uso'da forma regular em —#e em contextos com os auxiliares ser ¢ estar, antes dominados pela forma irregular (“O cheque ndo foi aceitaelo no mercado"), Lobato (1986), apés considerar os padrées de formagao de participios irregulares, conclui que no se tem ainda nem uma teoria fonoldgica nem uma teoria morfoldgica capazes de explicar os dados apontados: seriam necessdrias teorias que incorporassem o conccito de tracos formais, a fim de se chegar a uma verdadeira explicagio. Dessas /uzes descritivas, o professor retira informagées preciosas: a realidade local de seus alunos pode estar mais avancada na tendéncia & criagao de participios fortes, ou 4 de regulares; o debace explicativo do que condicionaria essas tendéncias em nivel gramatical profundo ainda no foi estabelecido. Como poderd ver, dos estudos Glentificos vird macéria-prima para a reflexdo que o leva a entender no sé a dinamica da mudanga linguistica, mas a mudanga na prépria norma padréo. Quem sabe, a0 encontrar escritos afirmando que a gramdtica normativa nao incorporau “pego (no ingar de pegado) forma puramente plebeia” (Elia, 1962: 134), serd possivel perceber que é 0 bom senso que altera as convengées, ¢ nao 0 contririo, Infinitive flexionado © que dizem os falantes? A semelhanga do que foi feito com os participios duplos, qual seria a impressao dos alunos sobre as exemplas (8) ¢ (9)? Notariam que, em ambos os casos, o singular ¢ o plural sio frequentes no uso geral dos falantes, muito embora, em relagéo a (8), as graméticas sempre renham rentado eleger o singular como 0 correo? Qual seria a impressio sobre (10)? ‘Nessa frase de campanha do Ministerio da Sadde yeiculada na celevisao, parece haver uma sobreposicao de estruturas: infinitivo Hexionado ¢ a estrucura A + INFINITIVO, com infinitivo sem flexdo. Essa estructura ¢ também conhecida como infinitive gerundive por ser uma variante do gerindio em varios contextos (“estow a dar” equivalente a “estou falando”), inclusive nos de valor circunstancial (“A sorrir 4 Soberes gramaticalsnaesesia 47 se vive a vida", alrernativa a-“Sorrindo se vive a vida"). Seu valor, em (10), seria‘co de uma condicional, equivalente a “persistindo os sintomas”. Haveria avaliagio negativa ou estranhamento por parte do grupo escolar para a variante plural “A persistirem os sintomas”, que transformaria uma preposigao @ em um se condicionador? Se podemos inverter a ordem com o gerindio (“persistindo os sintomas’ © “os sintomas persistinde”), a inversio com © infinitivo flexionado (“as sintomas a persistirem’”) seria mais estranha do que a com o infinitive gerundivo (os sintomat a persistif)? E 0 proprio professor percebe (e por isso descreve) como boa a estrutura com plural nesse caso? Enfim, qual o saber linguistico da comunidade sobre essa frase de propaganda? Hi estilizagio proposital? Pensar no que pensam os falant promover, pela descrigaio gramatical de suas intuigdes, a criatividade. O que dizem as gramiticas tradicionais? Se o professor tiver a oportunidade de um levantamento mais exaustivo sobre as estrururas possiveis com infinitive flexionado, vera que existem diversas regras para seu uso, quase todas considerando excegoes, Em Bechara (2001; 284), por exemplo, vera que “Nao se flexiona normalmente 9 infinitivo que faz parte de uma locugao verbal”, mas logo em seguida encontrard exemplos que se afastam desse critério. Igual encaminhamento a excegGes para a estrutura com infinitivas dependentes de verbos causativos ¢ sensitivos: achard excegdes As excegées, Apesar do bom senso do gramatico de expor os casos no nivel das tendéncias, o professor ter de fazer valer o bom senso definindo sugestdes para 0 uso culto, Mais que isso, quando houver questionamento para esse ponto gramatical, com base em outros gramaticos, 0 mesmo professor, por sua vez, terd de fazer valer sua experiéncia ¢ autoridade de quem nao se subjuga ao material diddrico com que trabalha, mas estd acima dele em seus saberes wadicional ¢ cientifico- descritiva. Se precisar de um apoio tradicional, é sempre bom contar com outras descriges sensatas. Em Cunha & Cintra (1984: 473), encontramos: © emprego das formias flexionada ¢ nfo flexionada do wieuvrrivo € uma das questées mais controvertidas da sintaxe portuguesa. Numerosas £m sido as regras propastas pelos gramdticos para orientar com precisio 0 usa seletivo das duas formas, Quase todas, porém, submeridas a um exame mais acurado, revelaram-se insuficientes ou irreais. ...] Por tudo isso, parece-nas mais acertado falar nao de regras, mas de tendéncias que se observam no emprego de uma e de outra forma do INEINITIVO. O que dizem as graméticas descritivas? Além da descricao simples, ou de controles variacionistas das tendéncias de uso, um ponto de destaque que poderia ser visto pelo professor seria descobrir que a flexao no infinitive portugués despertou especial atengéa da gramética geraciva, pois, em deerminados momentos da histéria da construgio de sua ceoria lingulstica universalist, esse fendmeno 48 Entino de gramética serviu de concraexemplo a ser explicado. Em Raposo (1992: 82), j4 longe da fase Inicial de debate, lemos: As frases podem ser caracterizadas através de uma tipologia baseada na estrutura morfoldgica da flexao verbal. A flexdo verbal da grande maioria das linguas apresenta marcas de acordo ou coucorddncia (em geral, mas fem sempre, com o NP sujeito da frase) e de tempo. A presenga ou auséncia dessas marcas permite classificar as lexdes verbais em quatro tipos: i. [+ T, + Agr] ii, [-T.-Age] iii, [+T, -Agr] iv. [-T, +Agr]. (...) A opgao iy existe em Portugués, no fendmeno que a gramdtica tradicional designa por infinitive pessoal ou flexionado |...]. Entendendo Tcomo marcagio de repo ¢ AG como marcagio de concordineia, 9 que encontramos nas anilises da epedo iv em varios outros trabalhos ¢a informagao de que 0 caso do infini desenvolva marcas flexionais seria claramente uma situagdo marcada na gramatica universal. Inreressante descobrir tratar-se de uma estrurura tio especifica da lingua portuguesa e mesmo assim tao aberta ao controle de condicionadores externos, provocadores daquelas cendéncias mencionadas pelos gramaticos. De qualquer modo, ‘© mais interessante para o licenciado ¢ verificar ser o que ele estuda para lecionar — a sintaxe do infinitivo flexionado — um ponto de interesse na discussio tedrica da gtamdtica gerativa, 1 flexionado ¢ excepcional, ou seja, que uma forma infinita Estruturas com gerundio © que dizem os falantes? Nos tiltimos tempos, tem ficado bem comuma ditvida arespeito de uma estrutura como a de (11), se estaria certa ou ertada. Qual a intuigaa dos alunos? Qual a intuicao do professor? Se hi estranhamento geral, a0 menos temos de pensar que a construgo Eu vox estar enviando seria incomum; no minimo pouco difundida pelos varios dialetos locais ¢ sociais. Mas qual seria seu campo de uso? Os alunos conseguem identificar os contextos em que ¢ssa estrutura ver sendo usada? Nessa etapa de investigagao da propria norma dos alunos, o professor vem: oportunidade de usar a linguagem do dia a dia para treind-los na descrigao linguistica com as categorias gramaticais que ensina em sala, Observe-se que a simples comparagao dessa estrutura com uma sentenga onde haja duas ages fururas em paralelo e com aspecto continuo pode revelar que a estrutura IR + ESTAR + Verbo-nDo é accitavel, Alga do tipo: “Fim dezembro, enquanto voce estiver se gieimanda nas praias de Saleador, eu vou estar limpando banheiros no quartet’, Se. os alunos conseguirem descrever essas estruturas com a nomenclatura verbo auxiliar, forma nominal gertindio, aspecto verbal continuo, perceberd que na sentenca (11) nao havia situagao em que o aspecto verbal Necessitasse ser continua, Soberes gromaticals na escola 49 Aexperiéncia dos alunos pode fornecer elementos explicativos para o surgimento de variantes incomuns. Costuma-se dizer que a estructura vor ester [verbo}-ndo é frute de'uma tradugao malfeita dos manuais de treinamento de telemarketing repetida pelos milhares de operadores das mais diversas companhias piiblicas ¢ privadas no pals. Verdade ou nao, o fato é que o uso dessa estrutura aumentou © suficiente para ser notada pela sociedade, Mas, se nos perguntam se est certo ou errado, seria porque ainda estaria restrita a contextos especificas? Talvez a pesquiisa do mestre em sala revele ‘o que a controla, se ¢ que ela existe, em sua comunidade local. Jd vimos consideragGes de alunos que afirram ter se tornado, no atendimento ao puiblico, uma estratégia para marcar polidez ou énfase em situagées de compra e venda; uma linguagem especial, uma estilizagaa. E 0 caso de perguntar aos falantes. © que dizem as gramaticas tradicionais? Nelas hd apenas a descrigao de variadas estruturas analiticas e sintéticas em que a forma nominal gertindio pode figuras, seja marcando o-aspecto verbal, scja marcando uma circunstancia, seja.ainda com referéncia a. um nome. Nao existem regras prescritivas para usos da forma nominal gertindio nas graméticas tradicionais. Contudo, existe aquela grande onda prescritiva no ar: comecam a inventar regras por ignorincia ou subserviéneia cultural, ‘Veja-se bem que uma coisa ¢ encontrar em um manual de redagiio conselhos para evitar alguns casos de ambiguidade, como o da sentenga O professor encontraw o aluno enmando na sala, ourra coisa ¢ encontrar condenagao de todo ¢ qualquer gerindio em Fungo adjetiva, estrutura que existe na lingua portuguesa hd séculos, Contra essa agao purista, para uma sentenga do tipo Tag dgua fervendo, Bechara (2001; 224) afirma que “Nesta funcao adjetiva o gertindio tem sido apontada como galicismos porém, € antigo na Ifngua este emprego, quando ocupou o lugar vago deixado pelo participio presente [., "Por vezes, os “laboratérios” gramaticais sfio realmente irresponsdveis, Observe-se o urecho a seguir, retirado da segao de Ciéncia e Téenofogia de uma revista de grande circulacio no Brasil cam a subtitula Coma escrever bent: “O uso do gerindio empobrece o texto. Lembre que nao existe geriindio no portugués falado em Portugal.” (Revista Epoez, 14 jul. 1999). Dizer que nio existe gervindio em Portugal revela, de antemio, nao apenas que uma seg%o especializada de uma revista deixou de consultar especialistas, mas também que no houve © menor bom senso. Em segundo lugar, ao que parece, quem redigiu a indicag4o nessa matéria para vestibulandos deve ter confundido o caso de variacio linguistica entre a forma nominal gertindio ¢ o chamado infinitive gerundivo, que, coma jd dissemos, se equivalem em exemplos do tipo “estou estudando francés” e “estou a extudar francés” ou “dependendo da resposta, fico ou nda” e “a depender da resposta, fico ow no”, O redator, seguindo a falsa impressio de que os portugueses s6 usassem a Variante com 0 infinitivo, generalizou seu erro supondo que isso fosse 50 Ensino de gramética verdade para todo ¢ qualquer caso de uso de gerindio. Mesmo que esse absurdo fosse verdade, porque teriamos de considerar pobre o uso do gerindio? Estaria havendo confusio entre origem geogréfica de uma lingua transplantada e legitimidade histérica? Estaria havendo subserviéncia colonial anacrénica? Com certeza, entre outras coisas, teria havido lacunas de formagao e a falta da pergunta 0 que dizem as gramdricas deseritivas? Nelas, e nos trabalhos cientificos sobre o assunta, é clara a descrigao da mudanga linguistica quantit: variantes referidas anteriormente nao no Brasil, mas em Portugal. Ao que parece, trata-se de uma mudanga consolidada somente na primeira metade do século xx, quando j4 estavam estabelecidas varias regras da gramitica tradicional escolar. Para que, ¢ por que, inventar cegras de bom uso nessc caso? Talvez os principios de mercado aplicados ao ensino, que transformam alunos em clientes, possam a daquelas explicar o porqué. Sistematizando e concluindo: a questdo do ensino Depois de todas essas consideragées, come fica o trabalho com os tés sabever em sala de aula em nossas atividades descritivas com a gramatica tradicional? Como entender/ensinar qual o certo? Sistematizemas algumas de nossas ponderagdes. A chave estd em como se inicia o estudo de lingua na escola, em como a professor contextualiza seu trabalho j4 nos primeiros contatos com a turma: * Nao se pode dizer que ensinar gramiitica ¢ ensinar o portygués certo porque nem mesmo no nivel das regras convencionadas, postas na gramatica tradicional escolar, hd consenso entre os gramiiticos, quigd nas descrigdes nelas empreendidas. * A gramdrica tradicional escolar ndo cem a pretensio de cobrir todos os casos existentes na escrita literdria, muita menos todos os encontrados na fala considerada culta no idedrio social. + E preciso ensinar gramdtica como um ponto de partida a ser complementado pelo professor, que no ¢ apenas um porta-voz do texto escrito, mas 0 profissional treinado para desenvolver habilidades de codificagio ¢ decodificagao das textos orais ¢ escritos. Seo aluno for alvo de um ensino que lhe apresente a gramatica tradicional escolar como uma lingua, ¢ nao como a descrigao de parte da lingua escrita lireriria somada ao conjunto de certas convengées artificiais:

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