CAPITULO V
O PORTUGUES NA AFRICA E NA AS)
Se a lingua portuguesa sobreviveu 4 descolonizagao do século xX no que diz
respeito 4 Africa, a sua presenga na Asia parece estar seriamente comprome-
tida. Mesmo na Africa, nos paises ditos luséfonos, a situagao do portugués é
muito diferente da do Brasil.
1 — O portugués na Asia
No inicio do século xx, a presenga politica de Portugal na Asia
limitava-se aos territérios de Goa, Diu e Damo, na India, a uma parte da
ilha de Timor, na Indonésia, e & pequena zona de Macau, nas costas da
China. Mas os Portugueses tinham controlado outrora regides bem mais
extensas, particularmente em Ceilao (hoje Sri Lanka) e em Malaca. Além
disso, dos séculos XVI a XVIII, o portugués serviu de lingua franca nos portos
da {ndia e nos do Sudeste da Asia.
Hoje, afora o mintsculo territério de Macau, a soberania portuguesa
desapareceu no Oriente. A «{ndia portuguesa» foi recuperada pela Unido
Indiana em 1961, e Timor anexado pela Indonésia em 1974,
As sobrevivéncias linguisticas sao de dois tipos.
1 — Qs crioulos
No inicio do século Xx falavam-se ainda crioulos de origem portuguesa
em Goa, Damiao e Diu, bem como em certos pontos do territério da {ndia do94 HISTORIA DA LINGUA PORTUGUESA
Sul entao controlados pela Inglaterra, em Ceilao, Java, Malaca e Macau.
Estudos recentes vieram mostrar que alguns desses crioulos continuam a ter
vitalidade, particularmente em Ceilao e em Malaca.
2 — Oportugués oficial
O tinico ponto onde o portugués, na sua forma oficial, poderia esperar
conhecer uma certa sobrevivéncia como lingua veicular, ou como lingua
estrangeira estudada em estabelecimentos de ensino, seria o territério de
Goa, hoje incorporado 4 Uniao Indiana. Mas o portugués vem sendo ai
progressivamente suplantado pelo inglés.
2 — O portugués na Africa
Na Africa a situagéio é bem diferente. A descolonizagio que se seguiu a
revolugao de 25 de Abril de 1974 levou a constituigao de cinco republicas
independentes: | — Cabo Verde; 2 — Guiné-Bissau; 3 — Sao Tomé e
Principe; 4 — Angola; 5 — Mogambique (ver mapa 4). Estas cinco
republicas nao séo comparaveis nem pelas dimensGes dos seus territérios
nem pela importancia das suas populagGes.
Superficie Populagao”’
Sao Tomé e Principe 964 km? 67 000
IIhas de Cabo Verde 4033 km? 285 000
Guiné-Bissau 36 125 km? 570 000
Mogambique 783 763 km? 8 715 000
Angola 1 246 700 km? 5 840 000
Nestes cinco territérios, o portugués é a lingua oficial, a que é utilizada
na administragao, no ensino, na imprensa, assim como nas relagdes com 0
mundo exterior.
O PORTUGUES NA AFRICA E NA ASIA 95
Ilhas de"
Cabo Verde
Guiné- Bissau
MOCAMBIQUE
0¢ iQ
Mapa4—A Africa lusdfona
Mas em todas as areas deste conjunto, 0 portugués sobrepée-se as
linguas locais — chamadas na terminologia oficial «linguas nacionais» —,
que servem de instrumento de comunicago nas miltiplas situagGes correntes
da vida. Essas linguas sao ou crioulos, ou falares africanos. As ilhas de Cabo
Verde conhecem apenas o crioulo. A Guiné-Bissau possui o seu proprio
crioulo (falado também na provincia senegalesa de Casamanga), bem como
numerosas linguas africanas. Ha crioulos igualmente em Sao Tomé e
Principe. Em Angola e Mogambique, o portugués coexiste com as linguas
locais, algumas, como o quimbundo, faladas por milhdes de individuos.
1 — Os crioulos
Os crioulos africanos de origem portuguesa esto, por sua origem,
como os crioulos franceses, ligados 4 escravatura dos Negros. Sao o
resultado da simplificagao e da reestruturagdo de uma lingua europeia, feitas
por populagoes aléfonas que a adoptavam por necessidade. Os crioulos
Portugueses comecaram a formar-se desde os primeiros contactos entre
portugueses e africanos, provavelmente no século xv. E mesmo possivel ter
existido, em épocas passadas, um tipo de lingua franca portuguesa que os96 HISTORIA DA LINGUA PORTUGUESA
escravos utilizavam na costa da Africa. Os crioulos portugueses da Africa,
bastante diferentes entre si, resultam da completa reestruturagao do portu-
gués do qual se formaram. Essa reestruturagdo é, alids, menos forte nas ilhas
de Cabo Verde do que na Guiné e em Sao Tomé. Tais crioulos s4o, hoje,
portugueses apenas pela sua base lexical. A organizagao gramatical é muito
diferente da do portugués. Ainda que a sua descrigo e andlise sejam do mais
alto interesse (e, com efeito, os linguistas actualmente dedicam-lhes uma
grande atengao), os crioulos portugueses tornaram-se linguas diferentes do
portugués donde sairam. Por essa raz4o, vamos deixd-los fora do nosso
campo de estudo.
2 — O portugués da Africa
Trata-se do portugués falado e escrito por parte dos habitantes dos
novos Estados africanos independentes. Possui 0 estatuto de lingua oficial,
por oposigao as linguas nacionais. Os responsaveis afticanos proclamam a
sua utilidade e declaram que, no momento, desejam conserva-lo. Mas
afirmam, ao mesmo tempo, que o seu fim dltimo é 0 de promover as linguas
nacionais, pelo menos algumas dentre elas.
Qualquer que seja o seu futuro remoto, a Africa «lus6fona» constituird
ainda durante longo tempo para a lingua portuguesa uma importante area de
expansao. Oficialmente, esse «portugués da Africa» segue a norma europeia.
Mas, no uso oral, dela se distancia cada vez mais. E nao deixa de ser curioso
que por certas particularidades ele se aproxime do «brasileiro».
Uma literatura de lingua portuguesa desenvolveu-se nesses paises, ¢
alguns dos escritores mais representativos esforgam-se por elaborar um
instrumento linguistico original, que leve também em conta a linguagem
falada.
O estudo desse «portugués da Africa» estd ainda nos seus comegos.
Numa tese recente, Michel Laban * submeteu a uma anilise sistematica a
lingua do angolano (de origem europeia) Luandino Vieira, um dos escritores
actuais mais caracteristicos da Africa luséfona. Encontram-se na sua obra
estruturas tomadas ao portugués falado, tal como o pratica a populacio
humilde de Luanda. Uma das mais originais é a forma passiva expressa por
uma frase como «O Jodo, Ihe bateram na mae dele», em que «Joao» é 0
paciente e a «mae» o agente. O vocabuldrio compreende centenas de
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empréstimos do quimbundo; ex.: musseque (terreno arenoso, favela), quinda
(cesta), quissanga (tipo de cerveja). Acontece com muita frequéncia que
uma palavra angolana se encontra no portugués do Brasil, seja com a mesma
forma e o mesmo sentido, seja com variagées morfoldgicas ou semanticas;
ex.: cochilar, cacula, moleque, cubata, cafuso (mestigo em geral, no Brasil
mestigo de Negro ¢ Indio), cazumbi (no Brasil zumbi). E. dificil saber em que
medida essas coincidéncias se explicam por uma origem comum, ou pelo
retorno do Brasil para a Africa de algumas dessas palavras. Se as semelhan-
gas de vocabulario acrescentarmos as identidades sintacticas, como uma
grande liberdade na colocagao dos pronomes atonos ou o emprego da
construgao eu vi ele por eu vi-o, nao podemos deixar de surpreender-nos
pelas analogias que existem entre o portugués de Angola e o do Brasil.