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AETICA. \_ MA EDUCACAO \ © INFANTIL L »: Deis Baty a AETICA . NA EDUCACAO INFANTI Rheta DeVries Professor of Curriculum and Instruction and Director of the Iowa Regents’ Genter for Early Developmental Education at the University of Northern Iowa. Betty Zan Research Fellow at the Iowa Regents’ Genter for Early Developmental Education at the University of Northern Iowa. Doctoral candidate in Developmental Psychology at the University of Houston. Tradugio: Dayse Batista Consultoria, supervisio e revisio técnica desta edigio: Maria Thereza Oliva Marcilio de Souza Licenciada em Pedagogia pela UFBA. Mestre em Educacdo pela Harvard Graduate School of Education, Harvard University, Cambridge, Massachussets. Consultora do projeto MEC/Banco Mundial. Es PORTO ALEGRE, 1998 Digitalizada com CamScanner O Que QuerEMos DIZzER COM “SALAS DE AuLA Morals”? las de aula nas quais o ambiente sécio-moral apdéia e promove o de- senvolvimento infantil. O ambiente s6cio-moral € toda a rede de rela- Ges interpessoais que forma a experiéncia escolar da crianca. Essa experiéncia inclui o relacionamento da crianga com o professor, com outras criangas, com os estudos e com regras. As classes morais caracterizam-se por um determinado tipo de ambiente s6cio-moral. Todo 0 nosso livro dirige-se 4 questo formulada no titulo deste primeiro capitulo. No momento, contudo, desejamos dizer que nao estamos nos referindo a salas de aula caracterizadas por um programa de doutrina¢io, com ligdes sobre carater ou sobre o “valor da semana”. Q uando falamos de salas de aula morais, estamos falando sobre sa- VINHETAS DE TRES SALAS DE AULA A fim de ilustrarmos diferentes tipos de ambiente sécio-moral, comegamos com breves vinhetas de trés classes de jardim de infancia em bairros de baixa renda de um distrito educacional urbano grande. Nossos relatos sao extraidos de gravacdes em video envolvendo dois dias em cada classe no final do ano escolar. Considere o que é ser um aluno nas classes descritas abaixo’: “Nos diflogos, foram preservadas as caracteristicas da fala infantil e da informalidade da relago profes- sor-aluno, o que mostra incorregbes gramaticais; entretanto, a corregio redundaria em um didlogo inverossimil e inadequado, Digitalizada com CamScanner 18 A Erica Na EpucacAo INFANTIL 1* Classe: Campo de Treino de Recrutas Vinte e dois alunos do jardim sentam-se em carteiras enfileiradas. A profes- sora estd de pé, em frente 4 turma, com cenho franzido e falando em um tom rispido: Ougam, minha paciéncia nao vai durar muito com vocés hoje. Sen- te-se (gritando e apontando seu dedo para uma crianga)! Trés, 6, vamos (enquanto a professora bate palmas uma vez para cada ndmero, tanto ela quanto as criancas recitam em unissono). Trés, 6, 9, 12, 15, 18, 21, 24, 27, 30. Multiplos de 5, até 100. Vamos. Cinco, 10... 100. Multiplos de 10 até 100... Boa contagem entre as fileiras 2 e 4. Excelente trabalho. Boa contagem para os miltiplos de 3 e 5. Vamos resolver alguns problemas agora. Os que nao terminaram esta parte de trabalho hoje, vao se dar mal agora (ela apaga a licio-de-casa de aritmética). Olhem para c4. Nosso primei- ro problema é 6 + 3 (escreve no quadro). Nao sabemos qual € o resultado de 6 mais 3, mas ji sabemos o resultado de 6 mais 1. Lembrem-se, quando somamos 1, dizemos o ntimero seguinte. (As criangas recitam 6 + 1 € 7). Estou observando que fileira vai me dar a tesposta certa. Vamos 14. 6 + 1 = 7 (as criangas recitam em unis- sono enquanto a professora aponta para os ntimeros no quadro- negro com uma vareta dirigindo o certo). (O mesmo procedimento para 6 + 2 = 8 e 6 + 3 = 9).Preste atencao, T. Nao sei por que a fileira 3 (a fileira de T) esta perdendo. Muitos nio esto prestando aten¢o.. Quero ver todos respondendo. Cruzem as maos sobre a mesa e olhem para ca. Agora é hora do jogo da professora. Ougam_ com cuidado. Aposto que posso ganhar este jogo. Vou propor uma soma. Se vocés acertarem, ganharao um ponto. Se eu acertar antes, ou se ouvir muitas respostas erradas, eu ganho o ponto. Se vocés “nao se comportarem, eu também ganho um ponto. Vou acrescen- tar uma nova regra. Ok, 5 + 2 = (sinaliza para que as criangas respondam, com um movimento de mios para baixo). (Algumas criangas dizem 6 e algumas respondem 7). Acho que ouvi uma resposta errada. Vou dar um ponto a mim mesma. R, vocé vai me dar um ponto por comportamento? (Ela franze a testa para R). Vemos esta professora como uma “Sargento-Instrutora” e caracterizamos 0 ambiente sécio-moral desta classe como um “Campo de Treino” para re- crutas académicos. 2* Classe: A Comunidade Vinte criangas de pré-escola e sua professora se..am-se em-circulo sobre um tapete. A professora fala com um tom preocupado. Digitalizada com CamScanner Ruera DeVries & Betty ZAN_19 ‘A mie de M traria nosso lanche hoje, mas ela no chegou aqui a tempo e entio ficou para amanhi. A tinica coisa que temos para comer aqui so algumas caixinhas de passas de uva. Nosso pro- blema € que nao temos o suficiente para darmos a cada pessoa uma caixa inteira. (M levanta a mao). M tem uma idéia. O que devemos fazer, M? (M sugere que abram as caixinhas ¢ distribu- am as passas em pratos). Esta é uma idéia. Se todos tivessem um prato, quantos pratos precisariamos (sorri, na expectativay? (E diz que 17, mas L chama a atencio para o adulto que est4 filmando (B), para N (que preferiu nao participar no grupd) e para duas criangas que esto dormindo e nao foram contadas). Ah, nao contamos todos (a professora e as criangas discutem a contagem. Uma crianga conclui que ha 20 pessoas, e outra diz que sao 22). Quantas criangas temos geralmente em nossa sala? (E diz que sao 21). E quem est faltando hoje? (L diz que J faltou). Entao, 21 menos 1, J, quanto da? (Le E respondem que o resultado é 20). Se vocé contar B (0 adulto que esta filmando) e eu, entio serio 20 mais 2, Quanto dé isso? (H responde 22). Entio precisamos de 22 conjuntos de passas (D sugere: “E se dermos as caixas a duas pessoas para serem servidas nos pratos?”) Esta é uma idéia! E se cada um dividisse com um colega? Esta é uma boa idéia, E. (di- versas criancas aprovam espontaneamente, dizendo: “E mesmo!”) Muito bem, cada um de vocés encontre um parceiro. (As criangas retinem-se em duplas, algumas abragando os parceiros na expec- tativa). Estou indo (com os pratos). Quando vocés receberem seus pratos, como decidirao com o colega quanto cada um come- r4? (Uma crianca diz: “Conta 1, 1, 2, 2”, colocando uma passa em cada prato com cada ntimero dito). Ok, esta é uma idéia. Prestem atengao para dividirem certo e todos ficarem com a mesma quan- tidade. D, esta foi uma boa idéia (As criangas formam duplas, dividem suas caixas de passas e conversam enquanto comem). Vemos esta professora como uma “Mentora” amistosa e caracterizamos 0 ambiente s6cio-moral desta classe como a “Comunidade”. 3* Classe: A Fabrica Vinte criangas pré-escolares sentam-se sobre um tapete em fileiras, olhan- do para a professora, que est de pé a frente, junto ao quadro-negro, falando em um tom calmo, mas sério. Vamos colocar um ziper aqui (faz um movimento de fechar um ziper em sua boca) porque precisamos olhar e prestar atengio. ‘Aqueles que desejam aprender, sentem-se € escutem. Se vocés querem brincar, terdo de fazer isso depois, Ok? E, sente-se. (A crianca pede para beber 4gua). Nao, sinto muito, estamos espe- rando que vocé se sente. Ontem, trabalhamos uma palavra gran- Digitalizada com CamScanner 20 _Alfmcana EoucaghoINpawmy de nos nossos cadernos de exercicio, subtragao (escreve a pala- vra no quadro-negro). Tinhamos muitas tartarugas nadando jun- tas (desenha 3 tartarugas). Tinhamos um grande conjunto de tar- tarugas (desenha um circulo em torno das tartarugas). Lembrem- se, tiramos uma tartaruguinha, e vocés a colocaram em uma caixa (apaga parcialmente uma tartaruga, mas deixa sem contorno in- terrompido, depois desenha uma tartaruga fora do circulo). Ok, quantas tinhamos no circulo quando comegamos? (Quase todas as criangas dizem 3) E depois, quantas foram embora? (Algumas criancas dizem 2, ¢ algumas dizem 1). Tiramos uma e, entio, quantas ficaram? (Quase todas as criangas respondem 3). Duas. Ficamos apenas com 2. Chamamos isto de subtraciio. Na verda- de, tinhamos dois conjuntos dentro de um conjunto grande. Con- tinuamos com este conjunto e tiramos este aqui. (A professora escreve varios outros problemas de subtragao. As criangas dao muitas respostas erradas, as vezes somando ao invés de subtrai- rem e, ocasionalmente, chamando o sinal de menos como sinal de “igual”). Ok, vamos voltar para nossas tabuletas e abrir na pagina 120. Sera que todos estiio prestando aten¢ao? Ougo algu- mas pessoas falando. Shhh, no quero ninguém conversando. Vemos esta professora como a “Gerente” e caracterizamos o ambiente s6- cio-moral desta classe como a “Fabrica”. APRESENTACAO BREVE DO AMBIENTE SOCIO-MORAL EM TRES SALAS DE AULA Apresentaremos agora, com maiores detalhes, as experiéncias s6cio-mo- rais das criangas nas trés salas de aulas descritas antes. Enfocaremos a vivéncia das criancas em relagio A professora, A aritmética, ao programa como um todo e em relacao aos colegas. Em seguida, resumiremos o tom emocional geral de cada classe e levantaremos questdes envolvendo pos- siveis efeitos dos trés ambientes s6cio-morais sobre as criancas. O Campo de Treinamento de Recrutas Na sala de aula n° 1, o ambiente sécio-moral geral é de forte pressio por obediéncia. As criangas seguem as orientagdes da Sargenta-Instrutora no apenas para a aritmética, mas também a maneira exata como devem se sentar e onde devem colocar as mios. A anilise desta sessio de 33 minutos de gravacaio em filme mostra que as criangas siio colocadas sob o tigido controle da professora. Durante esse periodo, a professora: Fez 87 perguntas tipo-teste e 157 exigéncias. * Proferiu 21 ameagas, tais como: Digitalizada com CamScanner Ruera DeVrues & Berry Zan 21 “Isto ira tomar o tempo de nossa aula de artes de hoje”. ‘Darei um ponto a mim mesma, se ouvir isso novamente”. “Vocé precisa sair? Tomara que nio esteja fingindo hoje.” (sobre a necessidade de ir ao toalete). “Va ficar de pé no canto da sala pelo resto da tarde” * Fez 36 criticas, tais como: “Vejo alguns alunos que nfo esto bem sentados. Encostem as costas contra a cadeira.” “Seu lapis nao est4 onde deveria estar. Pegue-o e escreva. Depois quero ver seu lapis no lugar certo.” “Vocé est4 se comportando como um bobo” “K, este é 0 tipo de comportamento que complica sua vida”. ° Puniu arbitrariamente trés vezes: “Vou dar um ponto a mim mesma.” “Dé-me seu dever e vocé vai fazer isso no gabinete de dona S.” (a conselheira escolar que, juntamente com o diretor, funciona como uma disciplinadora temida, que bate nas criangas). “Vou mandar um bilhete a seus pais”, * Perdeu o controle duas vezes ¢ intimidou emocionalmente as crian- ¢as, gritando com elas. Essa regulagem continua pela professora da as criancas pouca ou nenhu- ma oportunidade para o autocontrole auténomo. As criangas experienciam elogios por respostas corretas e ameacas ou punicdes por desvios no com- portamento. A regulagem parece vir de fora delas mesmas, da Sargenta- Instrutora que lhes diz o que fazer e o que pensar. A experiéncia das criangas com aritmética sugere que a aprendizagem de aritmética significa recitar a tabuada ou usar procedimentos mecAnicos como apoio para chefiar as respostas corretas (por exemplo, “quando vocé soma 1, vocé diz o préximo ntimero”). A auséncia de reflexao na hora de receitar manifesta-se pela freqiiéncia de respostas erradas, a despeito das varias horas de treino durante todo 0 ano anterior. As verdades matemati- cas para essas criancas vém da professora e nao do seu raciocinio. ‘A vinheta dessa classe é tipica da experiéncia que as criangas tém com o professor, durante dois dias de filmagens neste programa de instrugao direta centrado no professor (considerada como uma classe exemplar pelo diretor). Ligdes de leitura em grupos pequenos sao conduzidas do mesmo modo que a ligio de aritmética. As criangas que nio participam da ligdo em um grupo pequeno sentam-se em suas carteiras realizando exercicios ou tarefas escritas no quadro. Durante o dia inteiro, as criangas sao exortadas a trabalhar, manter o siléncio e evitar interagdes com os colegas. No geral, as criangas sio muito obedientes, embora alguns olhos possam se desviar ou olhar o vazio e algu- mas criangas “se comportem mal”, revirando-se inquietamente em suas cadei- ras e comunicando-se sub-repticiamente com um colega. Digitalizada com CamScanner 22 Amica NA EDucacAo INFANTIL ‘Além das licées de leitura, aritmética-e linguagem, no grande e em pequenos grupos, a professora do Campo de Treinamento 1é hist6rias para a classe e guia discusses. Essas atividades também sao conduzidas tao rigidamente quanto as ligdes. Por exemplo, 0 momento de discutir ¢ rela- cionar o que existe em uma granja é usado para ver qual a fileira que sabe mais, As criangas saem das aulas e vio a biblioteca, a sala de computado- res, educaciio fisica e almoco supervisionadas por outros professores. Opor- tunidades ocasionais para um perfodo de recesso ao ar livre dependem de as criancas mostrarem-se “boas”. O professor impde ¢ faz cumprir rigida- mente as regras. 'As necessidades emocionais ¢ fisicas das criangas freqiientemente dei- xam de ser atendidas na classe n® 1. Idas ao toalete ocorrem em hordrios estabelecidos, e os banheiros da escola sto trancados a chave 30 minutos antes de as criancas deixarem a escola. Criangas que solicitam uma ida ao banheiro so vistas com suspeitas. Por exemplo, quando V pergunta: “Posso ir ao banheiro? Preciso ir’, a professora acusa “Nao, porque vocé est4 men- tindo”. V insiste: “Nao estou, nfo”, mas a professora responde: “Vocé esta tentando me enganar, V”. Mais tarde, ela permite que 0 menino va ao ba- nheiro, mas manda junto outra crianga, dizendo: “Vocé ira com V ao banhei- ro imediatamente e (para V) quero um relato a seu respeito. Mocinho, é melhor nao estar fingindo hoje. (A outra crianga) Volte e me conte ¢ (para V) vocé tem um minuto para ir ao banheiro”. Para outra crianga, a professora diz: “Vocé quer ir ou apenas quer sair de sua cadeira? Amanha acho que terei de entrar no banheiro e fazer com que todos vamos l4 na hora prevista”. Mesmo passando tanto tempo sentadas, as criancas tem poucas opor- tunidades para o exercicio fisico e estas sio usadas como recompensas para o bom comportamento. A ameaga de perder o recreio é usada freqiientemente pela professora: JA que voces foram bonzinhos esta manhi e se prometerem compor- tar-se, verei se podemos ir um pouquinho ao patio. Todos devem terminar seus trabalhos antes de sairmos ao patio hoje. (Para uma crianga) Vocé vai ficar fazendo o seu enquanto estiver- mos [4 fora. Vou recolher os trabalhos dos que ainda ndo terminaram agora, e vocés terao de fazé-los quando sairmos depois. (Durante a licdo de aritmética) Quero ouvir todos vocés. Lembrem-se, as respostas valem pontos. Temos 20 minutos l4 fora, se vocés vencerem. Apés o almogo, as criangas descansam 15 minutos colocando a cabeca sobre as carteiras. Quando algumas criangas tém dificuldade para desper- tar, a professora puxa-as das cadeiras e faz com que fiquem de pé. Poucos conflitos manifestos ocorrem entre as criangas nesta sala de aulas, em vista do rigido controle da professora. Quando uma crianga pa- Digitalizada com CamScanner Rueta DeVries & Berr “aN 23 rece estar a beira de se comunicar ou de agredir, ela diz: “Cuide de sua propria vida e deixa a dos outros. Ignore-o, que isto fara vocé ser bom”. Quando uma crianga queixa-se que “L chutou o meu nariz”, a professora “soluciona” o problema aconselhando: “Entio, sente-se no fundo da sala e ninguém poderd fazer isso”. Um conflito é observado durante uma hist6ria, quando as criangas esto sentadas no chio. C protesta: “Ele me beliscou”, ea professora pergunta por qué. T entiio responde: “Ela nao quis dar uma coisa que eu queria”. Ao invés de explorar a raiz do problema, a professora repreende T: “Venha ca. O que foi que eu jé Ihe disse? Esta é a quarta vez em duas semanas. Vocé teve problemas por isto na semana passada, niio foi? Quando alguém lhe faz algo, o que vocé faz? O que vocé faz? (T diz: “Conto A professora”). Vocé conta A professora. Vocé nfio precisa fazer mais nada além disso. Desculpe-se agora mesmo. (A crianga murmura algo). Diga novamente. Assim esta melhor.” A competi¢ao, ao invés do senso de comunidade, € promovida entre as criangas. Contudo, as criangas conseguem relacionar-se umas com as outras através de olhares silenciosos e sussurros conspirat6rios ilicitos. Essa experiéncia compartilhada ocorre fora do relacionamento professor-aluno e apesar da presenca da professora. A fim de descobrirmos se a regulagem do comportamento da crianga € interna ou se vem do controle externo da professora, pedimos que esta deixasse a sala enquanto as criangas realizavam trabalhos sentadas em suas carteiras. Nosso filme mostra que a maioria das criangas no Campo de Treinamento nao continuava trabalhando. Ao invés disso, elas se engajavam em conversas, em comportamentos anti-sociais, por exemplo (correr pela sala, perseguir uns aos outros, pegar objetos de colegas e agredir-se fisica- mente), e em comportamentos “sorrateiros” (tais como olhar pela janela para ver se a professora estava vindo e entéo cometer alguma espécie de violagao das regras). Essa experiéncia demonstra que a regulagem do com- portamento vem da coer¢io exercida pela Sargenta-Instrutora e nao da auto-regulagem aut6noma das criangas. O ambiente sécio-moral geral desta sala de aulas de instrugo direta é de opressiio, raiva, ansiedade e isolamento social. A energia das criangas, ao invés de ser expressada, parece ser contida e frustrada. As criangas nesta classe procuram a professora com mais queixas fisicas do que crian- ¢as em qualquer das outras classes. Isso pode ser decorrente do estresse na sala de aulas e/ou do fato de que o tinico momento em que esta professora expressa preocupagio pessoal pelas criangas é quando elas dizem que nao se sentem bem. Em resumo, podemos dizer que as criangas nesta sala de aula autoritaria tem de suprimir sua personalidade, seus sentimentos e seus interesses, a fim de satisfazerem as demandas da professora e evitarem punicées. Quais sao os efeitos deste ambiente s6cio-moral controlador sobre as criancas? Em primeiro lugar, as criangas sentem-se impotentes. Apenas se Digitalizada com CamScanner 2A__AncaNaEoucssio Nam elas se submetem completamente & vontade da professora podem “contro- lar” o que lhes acontece. Entretanto, a vontade da professora (isto €, 0 comportamento exato que ela considera inaceitavel) nem sempre é previ- sivel, e a crianga mais ansiosa por agradar também recebe criticas € puni- Ges. Além disso, a expectativa de que as criancas pequenas podem con- trolar seu comportamento para atenderem a esses padres rigidos pode tornar inevitavel o fracasso desses alunos. . Sera que essas criangas esto pagando um preco alto demais pelo sucesso académico? Sera que os resultados deste Campo de Treinamento fortemente académico poderio manifestar-se mais tarde, rebelando-se contra um sistema nao soliddrio as necessidades e interesses das criancas? Ou elas se tornarao calculistas, fingindo obedecer, mas violando as regras escola- res/sociais quando nao estiverem sob vigilancia? Sera que abandonarao sua vontade ao controle de outros? O que acontecera ao desenvolvimento da competéncia social e moral das criangas neste ambiente? Elas desenvol- vero esta competéncia fora da escola? O que acontece a iniciativa e racio- cinio ativo? A Comunidade Na sala de aula n® 2, o ambiente sécio-moral é de respeito. A professora respeita as criangas, consultando-as sobre como solucionar o problema do lanche e seguindo suas sugestées. As idéias das criangas sao valorizadas e a professora Mentora se firma e encoraja-as a terem orgulho por suas boas idéias. Ela assume uma atitude de “nds”, freqiientemente identificando-se com as criangas como um membro do grupo. Ela facilita as interagdes entre as criancas. A justiga é o objetivo da interagio com outros. A atitude do grupo € positiva e reflete uma sensagio de comunidade. A anilise do filme desta classe, durante um perfodo de 30 minutos, incluindo a vinheta revela que a Mentora: * Jamais ameagou ou puniu as criangas. Fez apenas quatro questées de teste e 23 demandas. e Fez apenas uma critica. Suas interagdes com as criangas caracterizaram-se por 151 usos de estraté- gias persuasivas, tais como dar sugestdes, desenvolver as idéias das crian- gas, lembrar as razes para as regras, oferecer opcdes, encorajar a geracio de idéias e sustentar o valor da justia. Tais estratégias persuasivas sio respeitosas, porque levam em consideraco a perspectiva da crianga e ape- lam para tendéncias cooperativas. Em contraste, a Sargenta usou apenas 11 estratégias de persuasio, e a Gerente usou apenas sete, ; , EM seus se; de 30 minutos. a Digitalizada com CamScanner Rueta DeVries & Betty ZAN 25 A experiéncia da aritmética pelas criangas, na vinheta, € que sua fina- lidade € solucionar o problema da quantidade limitada de passas para o lanche. Elas pensam ativamente sobre o cdlculo envolvido na determina- ¢4o de quantas pessoas precisam ter sua parcela do lanche. Embora as respostas nem sempre sejam corretas, nenhuma € criticada. A professora orienta as criangas para tentarem dois diferentes procedimentos, a fim de descobrirem o ntimero de pessoas entre as quais as passas serio divididas. Ela as desafia a imaginarem um método justo para a divisao, com o objeti- vo de todos receberem por¢6es iguais. Uma crianga sugere um meio légico de garantir que ambos os parceiros tenham a mesma quantidade de passas, isto €, contar sistematicamente 1 (para si mesmo), 1 (para o parceiro), 2 (outra para si mesmo), 2 (outra para o parceiro) e assim por diante. A aritmética, nesta atividade, esta embutida nas finalidades das criancas e € integrada com uma meta social (negociar com um parceiro de forma que ambos fiquem satisfeitos e com uma meta moral). A vinheta da classe n® 2 é tipica da experiéncia das criangas com os professores, durante os dois dias de filmagens neste programa construtivista centrado na crianga. Em outras experiéncias compartilhadas, a classe, como um todo, canta junto (e as criangas sugerem o que cantar enquanto, por exemplo, revesam-se contando os versos com nomes de animais da fazen- da na mtisica “Old McDonald's farm”), planejam e recordam uma ida ao zoolégico, encenam a histéria “Os Trés Ursos” e discutem preocupacdes comuns (tais como o que fazer por um colega que esté com sarampo € como solucionar o problema da bagunga no local que serve como palco para as encenagGes). Nesta classe Comunitdria, nada silenciosa por sinal, o curriculo é inte- grado, e as criancas interagem umas com as outras, selecionando ativida- des entre as quais: ¢ Fazer barquinhos e experimentar, por meio de testes, se flutuam na 4gua. © Encenar em um canto mobiliado como uma casa, restaurante, etc., criando simbolos e negociando e interagindo com outros. e Escrever nomes e nimeros de telefones dos colegas, a fim de lhes telefonar durante as férias. © Ditar uma histéria para que o professor a transcreva no quadro, pensando na seqiienciagado temporal dos eventos. ¢ Explorar a possibilidades de criar com massa de modelar represen- tagdes dos animais vistos no zoolégico * Inventar modos de usar tiras de papelio preto em artes manuais, pelo raciocinio sobre as relagdes espaciais (como na criagio de esculturas de papel). * Participar em jogos de mesa, levando em conta as perspectivas de outros e inventando estratégias para vencer. Digitalizada com CamScanner 26 Amica Na Epucacio INFANTIL © Confeccionar estruturas equilibradas com blocos, levando em con- sideracdo um sistema de relacionamento entre diferentes pesos. aula, as criangas engajam-se diari- vendo desdobramentos de pipas e inflar de ar para- Além das atividades internas na sala de amente em jogos ao ar livre (em geral envol atividades da sala de aula, tais como brincar com quedas feitos por adultos € por criangas). : ‘A Comunidade é organizada para atender 4s necessidades emocionais e fisicas das criangas. Além de amplas oportunidades para a atividade fisi- ca, as criangas cochilam por pelo menos uma hora diariamente. Embora a instalagio sanitaria da escola seja afastada da sala, as necessidades de idas ao banheiro sio satisfeitas individualmente. As criangas apenas comuni- cam 2 professora quando desejam ir. A tinica regra é que as criangas devem ir uma de cada vez. Obviamente, surgem conflitos entre as criangas nesta sala de aulae a professora dispende muito tempo ajudando-as a superi-los. Os conflitos ‘sao seriamente considerados como oportunidades para ajudar as crian¢as a ensarem sobre o ponto de vista de outros e a imaginarem como negociar com eles. A Mentora diz as criancas: Usem suas palavras. Se vocés nao falam, as pessoas niio compreendem. © que vocé poderia dizer a ele? Vocé pode falar com ele sozinho ou precisa de minha ajuda? Ocasionalmente, a professora diz as criangas as palavras que devem ser usadas (por exemplo): “Diga ‘B, isto me magoa’. Fale ‘Diga-me com pala- vras”). Quando as criangas se queixam de que C est monopolizando o uso de um jogo de montar, a professora pergunta: “C, € justo vocé ficar com mais pecas? Vocé acha que os outros gostam quando vocé tem mais pe- cas?” J e M dizem que “Niao”) “Eles dizem que nao, C. Eu também nao acho justo que vocé fique com mais peas.” Em uma discussio entre trés meninos acerca de quantas bolinhas de gude cada crianga deveria usar em um jogo, a Mentora pacientemente obtém as idéias das criangas, pergunta a cada uma se gosta de cada idéia e apéia-as durante um longo procedimento para decidir quem deve distri- buir as bolinhas. Esta Mentora construtivista 6 uma orientadora e companheira que or- ganiza um programa de atividades visando a estimular o raciocinio das criangas e oferecer-lhes um ambiente favorivel no qual possam explorar € experimentar, cometer erros inevitaveis no raciocinio e inventar novas for- mas de raciocinar. fe eae ea eee ee decisdes de grupo e as regras sio professora. Quando surgem problemas, Digitalizada com CamScanner Ruera DeVries & Betty Zan 27 as criangas freqiientemente sugerem novas regras. Por exemplo, quando algumas criangas lidam rudemente com um porquinho-da-india, os prépri- os alunos criam um conjunto de regras para regular as brincadeiras com o bichinho. Em uma entrevista sobre a vida na classe, as criancas da Comu- nidade expressam claramente um sentimento de propriedade em relagio as regras na sala de aulas. Quando indagadas sobre “Quem faz as regras em sua classe?”, dizem que as criangas fazem as regras. Quando pedimos que a Mentora saia da sala, as criangas na Comuni- dade simplesmente prosseguem com suas atividades. Elas trabalham em um jogo de equilibrio, modelam argila, jogam cartas, desenham e escre- vem. Uma vez que buscam suas pr6prias finalidades, elas nao tém qual- quer desejo de se rebelarem ou agirem sorrateiramente. Essa experiéncia mostra que as criangas da comunidade sao auto-reguladoras, ao invés de serem reguladas pela professora. O tom emocional desta classe construtivista € amistoso € cooperativo, refletindo uma sensa¢aio de comunidade. As criangas sentem-se confortaveis para expressarem seu pensamento & professora e umas as outras. As conver- sas entre professora e criancas focalizam-se nas muitas experiéncias compar- tilhadas e negociagGes que envolvem participantes da Comunidade. O hu- mor € expressado. As express6es de afeto sao abundantes na Comunidade, pois as criangas em geral abracam espontaneamente a professora e ela de- volve o afeto com um abrago ou um beijo. Embora ocasionalmente surjam conflitos intensos, as criangas também expressam afeto umas pelas outras. As criangas envolvem-se ativamente umas com as outras, dividindo experi- éncias e negociando. A professora encoraja interagdes e amizade entre as criangas. Em resumo, podemos dizer que as criangas sao livres para serem elas mesmas no ambiente construtivista da Comunidade, com todo seu egocentrismo, sentimentos honestos e interesses genuinos. Quais siio os efeitos desse ambiente sdcio-moral receptivo, respeitoso e estimulante sobre as criangas? Em primeiro lugar, elas tém a oportunida- de para sentirem que podem interferir efetivamente em sua realidade ime- diata. Elas exercem suas vontades e iniciativas, agindo sobre os objetos e pessoas e observando os resultados dessas ages. Elas comegam a modular 0 exercicio da vontade no contexto de conflitos com a vontade de outros. Com a assisténcia da professora nos conflitos, o entendimento interpessoal das criangas evolui a partir de agdes impulsivas e autocentradas para nego- ciagdes que respeitam os direitos e sentimentos de outros. Sera que as criancas da Comunidade tornam-se respeitosas em relagio umas as outras? Sera que conseguem conter seus impulsos como um resul- tado da experiéncia em conflitos mediados? Sera que elas se tornam mais competentes social e moralmente? Sera que obterao suficiente base acadé- mica para uma escolarizagio posterior? Digitalizada com CamScanner 28 Anca Na EpucacAo INFANTIL A Fabrica Na sala de aula n® 3, o ambiente s6cio-moral é de press’o para uma produ- ¢4o obediente do trabalho na classe. Entretanto, nao é tio negativo quanto no Campo de Treinamento, nem to positivo quanto na Comunidade. As criangas parecem obedecer mais espontaneamente e ser mais déceis do que aquelas no Campo de Treinamento. Na vinheta, elas ouvem silenciosa- mente a professora e observam enquanto ela e alguns colegas escrevem respostas aos problemas de subtrag’o no quadro. A professora fala calma- mente As criancas, mas parece emocionalmente distante. A anilise das fil- magens desta classe, durante um perfodo de 30 minutos, mostra que a professora indagou 91 questdes de teste e fez 51 outras demandas. As criancas, nesta classe, como aquelas na sala de aulas n® 1, sio mantidas sob um rigido controle pela professora durante 0 tempo todo e tém pouca oportunidade para o exercicio auténomo do controle. Como no Campo de Treinamento, as criancas sdo elogiadas por respostas certas, mas no seg- mento em video a professora Gerente oferece apenas 12 criticas, e o tom desta sala de aulas é, geralmente, muito mais positivo. Como a Sargenta-Instrutora, esta professora acredita fortemente no valor da resposta certa € corrige todos os erros. Ela tenta claramente atrair © interesse das criangas com as tartarugas, na li¢cio de Matematica. Entre- tanto, as criancas ficam confusas pelo fato de ainda poderem ver 4 tartaru- gas (quando uma é redesenhada fora do circulo e © contorno pontilhado do bichinho “subtraido” permanece). Posteriormente, quando as criangas sentam-se em suas carteiras, a professora “as guia” passo a passo na folha de exercicios, instruindo-as a colocar 3 tartarugas (recortes simbélicos) no alto da pagina, tirar duas, escrever 3 - 2 = 1 € colocar uma tartaruga no “lago”. Novamente, as criangas parecem confusas pelo fato de que, en- quanto a tartaruga est no lago, ela ainda esta presente, em algum lugar. O segundo e tiltimo problema é 4 - 2 = 2. Apés dizer as criangas 0 que fazer € quais sao as respostas, a professora retira-se para sua mesa e verifica 0 trabalho dos alunos quando eles vém mostr4-lo. Quando aprovada, a pagi- na do caderno da crianca recebe um carimbo representando uma moeda de um niquel. A experiéncia da aritmética pelas criancas, nesta classe Fabrica, € de incerteza. Frente a historias desconcertantes e formalismos que ndo com- preendem, as criangas parecem muito inseguras de si mesmas e dependem da Gerente para lhes dizer o que fazer, a cada etapa. A experiéncia de muitas criancas parece ser a de passos isolados nio-compreendidos como um todo coerente. Uma vez, durante os dois dias de gravagio em video, a Gerente per- deu o controle. Uma crianga que estava na fila junto 4 mesa da professora estava sendo empurrada e disse “Pare de empurrar!”. Ao invés de respon- der ao problema da crianga, a professora impulsivamente empurrou a crianca Digitalizada com CamScanner Rueta DeVries & Betty ZAN 29 i queixosa para fora da fila e disse: “Sente-se até ser capaz de parar com toda essa gritaria na fila!”. Exceto por este incidente, ela nao ameagou ou puniu as criangas em nossos dois dias de filmagens. Entretanto, as criancas res- ponderam em entrevistas que ela as punia fazendo com que pousassem as cabecas sobre as carteiras e trancando-as no banheiro e que as ameacava de espancamento na frente dos outros alunos. A vinheta da Fabrica € tfpica de instrugio, nesta classe eclética, Cha- mamos esta classe de “eclética” porque este é 0 termo usado pela propria professora e porque este programa compartilha algumas caracteristicas de programas didaticos tanto de instrugo direta quanto construtivistas. Ap6s as criangas da Fabrica completarem seu trabalho académico, elas podem brincar de casinha, pintar em um cavalete, brincar no escorregador, ali- mentar os peixes, molhar as plantas, realizar uma atividade de arte (embo- ra as criangas devam seguir o modelo oferecido pela professora), ou jogar domin6. Antes da instrugdo formal pela manhi, elas podem brincar com blocos Legos e outros brinquedos de montar. As criangas saem da sala de aula para aula de gindstica, para idas 4 biblioteca, musica, almogo e brinca- deiras ao ar livre, supervisionadas por outros professores. Em nossos regis- tros de videos, os momentos de literatura da professora para a classe foram de livros que davam informagées sobre dinossauros as criangas. A @nfase nesta classe recai sobre a producio. Além das folhas de exercicios, as criangas colam “ossos” de papel branco sobre papel preto, exatamente como a professora instrui, para representarem o esqueleto de um dinossauro. Elas seguem o modelo da professora para fazerem as pega- das do dinossauro e para desenharem uma cena com 4gua azul, plantas verdes, montanhas roxas (ela explica: “As pessoas usam 0 roxo porque esta € uma boa cor para mostrar a distancia”) e sol amarelo. Elas usam um carimbo de dinossauro para colocarem um dinossauro na paisagem e es- crevem a palavra “Brontossaurus”. A Gerente mostra como desenhar um vicunha (explicando que este é parecido com um camelo), pinta-o de mar- rom claro e escreve a letra V, em mintisculas e em maitisculas. Durante o horario de descanso, as criancas so chamadas individualmente até uma mesa e testadas para a contagem até 10, para os dias da semana e meses do ano, para dizerem a data de seu aniversdrio, ntimero de telefone e endere- ¢0, nome da escola, para escreverem seus nomes, identificarem circulo, quadrado, triangulo e retangulo, ordenarem numerais até 20 e lerem os numerais para os quais a professora aponta e darem o nome de sua cidade, estado e pais. A medida que passam em grupos desses testes, as criancas so recompensadas com medalhas vermelhas, azuis e douradas, afixadas em suas fotos no quadro existente na sala. Quando joga dominé6 com as criangas, a professora assume o controle e dirige 0 jogo, de modo que nao sao cometidos erros. Entretanto, ela assume realmente o papel de jogadora, junto com os alunos. Digitalizada com CamScanner 30 _ABmica na EDUcAGAO INFANTIL A professora visita “a casinha”, mas assume um tom critico. Por exem- plo, quando a crianga lhe oferece algo para beber, ela responde: “Est4 bom, mas eu preferiria café. Vocé nao tem nenhum café nesta casa? Jogue isso fora e me dé um pouco de café, por favor. Ah, est quente. Quem fez © café tio quente? Terei de tomar aos golinhos. Mas esté bem bom. A sua casa est4 uma bagunca. Quem limpa a casa? Acho que 86 voltarei quando sua casa estiver limpa”. ‘Apesar do relacionamento impessoal e, as vezes, critico da professora com as criancas, ela estimula o interesse dessas em alimentar os peixes € observar uma lesma viva e uma libélula morta. Ela mantém conversas ami- gaveis com as criancas, enquanto uma delas conta-he que “Meu pai me deu um perfume de presente” e uma outra diz: “Eu sei onde tem um ninho de passarinhos”. Esta classe niio é to rigidamente controlada a ponto de nao ocorrerem conflitos. Em geral, a professora responde aos conflitos entre as criancas forcando um pedido de desculpas, dando “sermées” e exortando as criangas a serem mais cuidadosas no caso de perigos fisicos. Ela tende a “passar por cima” das situagdes sem considerar seriamente os sentimentos das criancas. Ela ignora S, que se queixa: “G me chamou de ratio feioso”. A professora freqiientemente “culpa a vitima”. Por exemplo, quando L queixa-se de que “p bateu na minha cabeca”, ela responde: “Por que ela fez isso? Vocé est perturbando P? Eu quero que vocé fique longe dela, esta bem? Quando eu acabar aqui, quero ver se vocés j4 se entenderam”. Em um outro caso, L queixa-se: “Ele pisou na minha mio”. A professora responde: “O que vocé vai dizer? Diga ‘Desculpe-me’. Na proxima vez, L, coloque suas mios no colo. Preste aten¢ao onde as coloca no chio, ao levantar-se.” No conflito mais sério, quando B mordeu A varias vezes e A mordeu B uma vez, a Gerente respondeu sem muita énfase. Ela brincou: “Vocé estava com fome, B?” e deu um sermio: “Acho que bebés pequenos mor- dem 4s vezes, mas somos gente grande e podemos dizer, quando nao gostamos de algo. Vocé ainda vai morder, B? Eu ficaria contente se voce nao mordesse. Vocé jé terminou de morder? Agora eu quero que vocé e A sejam amigos. Diga a A: ‘Eu nao vou mais morder’ (A crianca no respon- de). Vocé nao quer dizer isso? Quando vocé quiser falar sobre isso, tera de falar com ele”. Nada ocorre depois disso, e a professora simplesmente conta @ mie de B sobre o incidente, ao final do dia. Quando pedimos que a Gerente deixe a Fabrica, a produgio diminui o ritmo, mas nao p4ra completamente, j4 que as criangas continuam traba- Ihando nos exercicios aritméticos distribuidos antes. Entretanto, muitas crian- ¢as riem e falam muito alto. A classe inteira exclama “Ohhhh!” e uma das criancas vem ao cAmera para delatar: “Ele disse uma palavra feia”. Muitas vezes, as criangas ameagam delatar coleguinhas (“Eu vou contar”) por in- fragdes menores. Ap6s colocarem a primeira tarefa pronta na mesa da professora, varias criangas correm, dangam e provocam umas as outras. Digitalizada com CamScanner No geral, o tom emocional nesta classe eclética é relaxado, mas ainda assim exigente. As criancas devem permanecer quietas durante a instrugao e relativamente quietas durante as atividades. As criangas tém alguma opor- tunidade para a auto-regulacao durante as atividades, embora a professora ainda seja claramente quem mantém o poder, na sala de aula. Uma vez que a professora mantém um controle continuo, as interagdes entre as criangas freqiientemente siio limitadas. Exceto pela oportunidade para brincarem umas com as outras no canto do faz-de-conta, as criangas tém pouca oportunidade para serem elas mesmas, no sentido de serem livres para expressar suas emog6es e interesses, Os interesses e personali- dade da professora é que predominam. Quais sio os efeitos da Gerente sobre as criancas? Em primeiro lugar, muitas delas parecem muito inseguras sobre o que a professora deseja que facam. Isso leva a uma forte dependéncia da orientagao dada pela profes- sora. A maior parte das criancas parece nao possuir autoconfianga. Embora este ambiente seja menos negativo do que no Campo de Treinamento, as criangas da Fabrica sao reguladas quase com a mesma rigidez. Sera que a combinacio eclética da instrugio e atividade livre € o me- lhor entre os extremos? Sera que as criangas, nesta sala de aula, aprendem os temas académicos e também desenvolvem suas personalidades e com- peténcia social? O estilo calmo mas firme da professora permite que as criangas regulem-se de um modo auténomo? COMPONENTES DO AMBIENTE SOCIO-MORAL Afirmamos, anteriormente, que 0 ambiente sécio-moral € toda a rede de relagdes interpessoais que forma a experiéncia da crianga na escola. Esta rede pode ser imaginada como sendo formada de duas partes principais: a relagio professor-aluno e a relacio das criangas com seus colegas. Embora o professor e a crianca possam trazer outros relacionamentos para o ambiente s6cio-moral da sala de aulas (a familia, a relacio professor-diretor, etc.), esses dois componentes siio centrais e constituem o foco primério do livro. A Relagdo Professor-Aluno O professor estabelece 0 ambiente sécio-moral organizando a sala para atividades individuais e de grupo e relacionando-se com as criangas de um modo autoritério ou cooperativo. O ambiente sécio-moral de nossas trés classes pode ser visto em termos de diferencas no exercicio do poder pelo professor. A Sargenta-Instrutora exerce o maior poder sobre as criangas seguida pela Gerente. Embora a Mentora exerga o menor poder, ela é altamente influente, j4 que encoraja um processo reciproco de dar e rece- Digitalizada com CamScanner ber, nas discussdes, mediagao de conflitos e decisées do grupo. O ambien- te s6cio-moral pode também ser visto em termos de diferengas nas ativida- des das criangas e na carga afetiva. Nessas dimens6es, as classes mostram- se invertidas. A maior atividade dos alunos e a carga de afeto mais positivo ocorrem na Comunidade, com a Fabrica em seguida e o Campo de Treina- mento em um distante terceiro lugar. Relagdes entre Colegas Quando os professores profbem que as criangas interajam entre si, como no Campo de Treinamento, a relacao professor-aluno perfaz quase 0 total do ambiente sécio-moral, exceto pela pouca interagdo que as criangas po- dem estabelecer as escondidas da professora. No Campo de Treinamento, as criangas tém a experiéncia da opressio compartilhada em sua relagao de adversrias da professora. Por outro lado, quando elas tém a possil ilidade de envolvimento umas com as outras, como na Fabrica e na Comunidade, as relagdes com os colegas também contribuem para o ambiente sécio- moral. As interagdes das criangas podem ser harmoniosas, indo desde toli- ces até brincadeiras amistosas até revelagiio de segredos e outras questdes pessoais. As interagdes entre as criangas também podem ser tensas, indo desde agressio verbal e fisica até agdes controladoras unilaterais ou nego- ciagdes mtituas visando & satisfacio de ambos os lados. A interagZo entre colegas em e por si mesma nao garante um ambien- te s6cio-moral que promova o desenvolvimento infantil. O professor pode influenciar a qualidade das interagdes das criangas de varias maneiras, in- clusive oferecendo atividades que engendram a necessidade e 0 desejo de interagir pelas criangas e o apoio ativo 4 cooperacdo e negociagdo entre os alunos. Discutiremos, ao longo de todo este livro, como um professor construtivista promove o desenvolvimento sécio-moral das criangas enco- rajando a interagao entre colegas. PESQUISAS SOBRE O AMBIENTE SOCIO-MORAL E O DESENVOLVIMENTO SOCIO-MORAL DAS CRIANCAS Tentamos responder algumas das questées apresentadas antes, sobre cada classe, em um estudo dessas trés professoras e seus alunos. Os dois dias de filmagens para cada professora foram transcritos e atentamente analisados, a fim de compreendermos melhor o ambiente sécio-moral estabelecido por meio das interages professor-aluno. As vinhetas e apresentagoes ofe- tecidas baseiam-se e resumem os resultados de uma codificagaio cuidadosa de mais de 20.000 comportamentos para as trés professoras. Digitalizada com CamScanner Rueta DeVries & Betty Zan 33 A fim de explorarmos os efeitos desses trés ambientes sécio-morais bastante diferentes sobre o desenvolvimento sécio-moral das criangas, alu- nos dessas classes foram estudados em pares, em duas situagdes. Em uma delas, as criangas brincavam com um jogo de mesa feito pela professora, chamado “Corrida do Dia das Bruxas”, no qual os competidores rolam um dado para determinar a distancia que podem percorrer com 0 marcador, a0 longo de uma trilha que vai do inicio até a ameaca de “Truques ou Doces”, ao final’. Um assistente da pesquisa ensinara o jogo as criancas alguns dias antes, jogando-o com elas até se certificar de que haviam compreendido as regras. Quando as criancas compareciam frente ao assistente de pesquisa na segunda vez, este dizia-lhes: “Desta vez vocés jogario entre si, Eu tenho um trabalho a fazer. Digam-me quando estiverem prontos para voltar 4 sala de aula”. Na outra situacao, pares de criangas recebiam cinco adesivos para dividir entre si. Com base nas preferéncias expressadas pelas criangas, os adesivos incluiam apenas um que agradava as duas criangas e quatro que ambas nao haviam gostado. O objetivo, nessas situagGes, era ver o grauem que as criangas conseguiam engajar-se e negociar uma com a outra quan- do no havia o controle ou influéncia de um adulto. A anilise atenta e detalhada das transcricdes e filmagens dos compor- tamentos das criangas, nessas duas situacdes, mostra diferencas significati- vas nas interagdes das criangas de diferentes salas de aula. As criancas de todos os trés grupos expressam seus préprios desejos e, portanto, tentam controlar os outros. Entretanto, as criangas da Comunidade sao mais ativa- mente engajadas umas com as outras. Elas tém mais experiéncias amig4- veis e compartilhadas umas com as outras e nao apenas negociam mais, mas negociam com maior sucesso. As criangas da Comunidade usam uma maior variedade de diferentes estratégias e resolvem mais conflitos do que as criangas do Campo de Treinamento e da Fabrica. As criancas do Campo de Treinamento tendem a tentar resolver os conflitos sobrepujando outros fisica e emocionalmente e, em geral, relacionam-se socialmente de formas menos complexas. Além disso, as criangas da Comunidade usam significa tivamente mais estratégias que levam em conta a perspectiva de outros e demonstram esforgos para atingir uma interacdo mutuamente satisfatoria. Ademais, em interagdes harmoniosas, as criancas da Comunidade também agem com mais reprocidade (por exemplo, compartilhando segredos e tecordando experiéncias conjuntas passadas) do que as criangas tanto do Campo de Treinamento quanto da Fabrica (que se engajam em tolices muito mais impulsivas). (N. de T) No dia das Bruxas ou Halloween, em novembro, as criangas norte-americanas percorrem fantasiadas casas da vizinhanga e, ao serem atendidas A porta, “ameagam" os adultos com a frase Trick or Treats (“Truques ou Doces"), sendo geralmente recepcionaclas com dloces e balas. Digitalizada com CamScanner

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