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A PARRHESIA cinica e a verdade como ESCANDALO Sob a perspectiva de Foucault, 0 éthos parrhesidstico cinico configura-se como essencial para a problematizagao da governamentalidade, pois consiste em uma atitude filoséfica voltada para a questao da verdade intrinsecamente vinculada com a Politica ual é0 objetivo de Michel Foucault (1926-1984) a0 abordar 0 tema da parrhesia? Possivelmente, essa indagagdo_possa ser esclarecida a partir de uma forte conotagio ética referente a uma atitude politica, afirmando-se a im- portincia de um éthos parthesidstico, que ganha a conformagio de um ques- tionamento politico inserido na atua- lidade, instigando novas possibilidades ¢ implicagées para a subjetividade, cujos dominios recaem sobre os exercicios da coragem, da provocacio ¢ das priticas de liberdade, assim como a propria ati- vidade do intelectual. £ de suma impor- tancia analisar mais especificamente 0 sentido politico do éthos parrhesidstico, destacando que este demarca uma forte nogio de atitude politica, colocando-se contra as verdades e normas estabeleci- das como inquestiondveis ¢ dogmaticas, que influenciam nas relagdes de poder, levando a um governamento abusivo dos individuos. Desse modo, ressaltamos as- pectos da parrhesia cinica que busca, se- gundo seu estilo de vida, uma soberania para consigo mesma; ou, dito de outro ‘modo, procura governar-se a si mesma, recusando ser governada por outros. Evidencia-se, entdo, uma forte conota- ‘gio politica na pratica da parrhesia cinica no sentido de que o exercicio desse éthos manifesta a verdade de quem a enuncia com franqueza, mantendo uma relago direta entre o discurso racional do indi- vviduo, seu logos, eo modo como ele elege seuestilo de existéncia, que nao deixa de colocar-se como uma forma de interpe- lar as praticas de poder que envolvem © governo de si e dos outros. A atitude ligada a parrhesia trata da constituigio do sujeito moral no interior das relagoes do saber e do poder ~ discurso da irre- dutibilidade da verdade, poder e Etica. Exatamente nessa contextualizacao, 0 terreno da Politica e da Etica ligando os problemas do governo de sie dos outros se intensifica na pesquisa foucaultiana RoaRio Luis Da ROCHA SEIKAS & Dovror EM FILOSOFIA, eDoceNte EM Fitosorta Poufrica, eEmica pe P6s-GRADUAGAO EM Frtosoria (UBM-R)), Prsquisapox Da REDE DE BIOPOLITICA, LA ScHoot oF Howantmiss, University oF NEW Sour Wats & ScHOOL oF SoctAL ScuENcES, UNIVERSITY of New Sours WALES. wm:poraienciaeidacombr + Filosofia diniatoda + 17 CAPA A parthesia cinica, que se configura como uma atitude de critica extrema a toda e qualquer forma de dominagio 18 + Filosofia ciénciaswvida A PARRHESIA £ O PRINC PARA A ELABORAGAO MODO DE VIVER, CON A parrhesia 60 principal instrumen to para a elaboracao do éthos como um modo de viver, consequéncia da esco- Iha do préprio sujeito ~ tratando-se, assim, de uma pratica de subjetivacao que se coloca como coerente com o es- tilo de vida que se impée a si mesmo enquanto é capaz de autogovernar-se; €, muito além da possibilidade de fi. xar regras de conduta, consiste em modificar o seu préprio modo de ser, fazendo da sua vida (bios) uma arte de autogoverno. Por essa razio, obser- vamos uma pritica que poe em acio, a partir do exercicio autocritico do éthos Parrhesidstico, um modo de desestabi- lizasdo do individuo, isto é, um inquie- tar-se com si mesmo, para que se torne ais livre e possa exercer 0 governar asi € 0 governo dos outros IPAL INSTRUMENTO po ETHOS COMO UM SEQUENCIA DA ESCOLHA DO PROPRIO SUJEITO A PARRHESIA NO. CONTEXTO POLITICO i Fazer da propria vida uma estética da existéncia adquire um significado politi co importante na medida em que hé uma acdo de criagao de estilos de ser para si mesmo, levando a cabo um trabalho de mudanga sobre si - entendendo-se como uma pritica da liberdade que nao é outra coisa senao a criagao de si mesmo. Uma atitude politica como arte de viver, ma: nifestando a coragem da franqueza em dizer a verdade; em se exercer o éthos parrhesidstico ~ mesmo sob 0 risco da ‘espada na garganta” ~ como um estilo de vida que possui como dever dizer a verdade para a autoconstituicao do sujei- to como soberano sobre si mesmo, como Sujeito livre, Indubitavelmente, Foucault apreende, na parrhesia cinica, uma radicalizagio na relacao do dizer verdadeiro e 0 modo como o cinico estabelece para sium estilo de vida como uma pratica que vai muito além de uma atuacio tedrica. Estilo de vida marcado pela afirmacao arrojada £ oposta 4 dissimulacdo, expondo esse modo de ser de maneira absolutamente visivel e piblica m todas as suas formas, sem nada ocultar, Tal radicalizagio demonstra que o ct fico escolhe © assume a coragem de seu modo de existéncia x como uma manifes tacio da verdade, » como uma alethurgia. modo, para Se assumir © risco et verdadeiro, tomar uma atitude de do diz 2 faz-se necessirio convengées e das aprovacées ou Teprovagies morais dos costumes, Pois, para o cinico, a vida sempre se expde em suas condicées mais naturais € fundamentais, isenta de convengées artificiais, Muito ao contrario, as critica e acusa de encontrarem-se fundamenta- das em hipocrisia e de assumirem Pouco compromisso com uma vida mais livre. A parrhesia cinica se expressa exatamente pela sime- tria radical entre 0 légos e 0 bios, enfatizando-se uma vida ética que se condiciona a livrar-se das con- vengées da vida social, encaradas ‘como engodos e obstrucées para o exercicio da vida filos6fica ou vida verdadeira. £ a vida em sua radi- calidade que é “passada ao fio da navalha da verdade"! Percebe-se uma tarefa de cuidar dos outros como uma pritica exercida no contexto das relagdes sociais por meio do escindalo e da provoca- ‘¢40. Com qual objetivo? Criticar ‘0 modo de vida dos seus concida- daos que, presos as convengoes, vivem uma vida que nio é a ver- dadeira. Deve-se provocar os ho- a buscarem viver uma outra vida ~ uma vida reta segundo os preceitos da natureza ¢ contraria ‘as convengdes. O desvio da condu- ta dos homens ocorre exatamente pela sua obediéncia as verdades convencionais, institucionais ¢ ‘morais que guiam sua conduta. O g escandalo da verdade da parrhesia cinica, que se coloca como oposta ‘as normas que conduzem as ages dos individuos, devendo elas se- rem denunciadas em seus erros ¢ inverdades, além de serem, inclu- sive, recusadas. A vida verdadeira GOS, 2004 p. 162 Foucault trata do tema parthesia a partir de um olhar sobre as pritcas do dizer verdadeiro na Grécia Antiga, no Estoicismo, no movimento cinico até chegar ao Cristianismo €ado cdo, que leva uma existéncia nao oculta, desapegada; que, a0 la- tir, demonstra retidao ao discernir entre a vida verdadeira e a falsa € como cao de guarda, exerce a vigilia sobre si mesmo e sobre os outros. Destaque-se uma atitude, no modo de vida filoséfico cini- co, enquanto atuante no seu éthos arrhesidstico: levar a vida de cao cinico é também um dever ~ mas nao para servir de mestre parrhe- sidstico no sentido socritico, ow conselheiro do governante, como objetiva Platéo (afinal, 0 cinico se afasta dessa figura modelar ou institucional). Semelhante a um ‘clo, realiza sua parrhesia de modo ativo, polémico, mordendo e ata- cando ~ por meio da escandaliza- a0 da verdade. See G DIOGENES LAERCIO A parrhesia cinica se configu- a, assim, como uma extrapolacio, uma reversao, tao singular que se coloca, de fato, como uma vida filoséfica marcada pela ruptura € contraposicao as estruturas de poder. Demonstra-se a coragem, mais pontual e intensa, da provo- cago, da insoléncia e do escin dalo. Uma coragem de constituir- se como um estilo de existéncia, marcado pela pritica de viver 0 dizer verdadeiro em seu extremo; buscando uma vida soberana, marcada por um intenso governo de sie, por esse motivo, capacitado para governar outros. Um ponto importante a ser ressaltado: a i tensidade dessa vivencia de uma vida soberana. Foucault vai afir- mar, remetendo-se mais uma vez a figura de Didgenes, 0 cinico, que le é mais rei do que Alexandre, o Grande. Como assevera 0 autor: “O proprio cinico é um rei, ele é, de fato, 0 tinico rei. Os soberanos coroados, os soberanos visiveis de certa forma nao sdo mais do que a sombra da verdadeira monarquia. © cinico é 0 tinico rei verdadeiro. E, a0 mesmo tempo, em relacao 20s reis da terra, 20s reis coroados, 0s reis sentados em seu trono, ele & 0 antirrei, que demonstra 0 quanto a monarq ilus6ria e precéria’: Nesse caso, enquanto Alexandre necessita de muitas coisas mate- riaise apegar-se as leis regras para exercer seu poder, Didgenes nao depende de nada e de ninguém, pois é um rei por natureza e exerce sua soberania do modo como vive: desapegado as coisas e ligado ape- nas as suas conviccdes. O outro tornou-se rei pela forea. Por fim, Alexandre pode perder seu poder por qualquer acontecimento, a qualquer ocasifo, deixando de ser dos reis é va, FOUCAULT, 2008, p. 252-254 ‘wow:portalcienciaevida.com.br * Filosofia ciéenciasvida * 19 O PRINCiPIO cinico de “mudar 9 valor da moeda” a pratica da alethés bios — trocar o metal da moeda significa modificar a imagem, para que a verdadeira vida apareca, sem mistura, sem dissimulacao, reta, soberana, incorruptivel e feliz soberano de algo e sobre alguém. Did genes, devido ao modo como exerce set. estilo de existéncia, sempre serd sobera- no de si mesmo, mesmo despojado de honras e riquezas, exibindo seu compor- tamento escandaloso, Claramente o que nteressa nessa confrontagio é uma énfase na vida ética, trazendo a questio da bios philosophos (vida filosofica), a partir da parrhesia provocativa € gros- seira, Chama-nos atengio a sua técnica de didlogo provocativo que, se nao se en- contra tio afastado da nogao do dislogo socrittico, apresenta uma caracteristica bem distinta: 0 cinico, com seus sermées provocativos, busca abalar o orgulho do interlocutor em se arrogar saber como esta se conduzindo, nao se assemelhan- do 20 jogo ignorancia-conhecimento, comum nos didlogos platénicos, que se utilizam da maiéutica socratica. Fo- quemos novamente no embate entre Alexandre e Didgenes, 0 Cio. Ao ser in- terpelado por Alexandre ~ alguém que representava poder e autoridade - além de desprezar essa ostentagio, Didgenes nao sente medo em colocar-se como so- Didgenes, 0 Cao perano de sua vida, senhor de si mesma, colocando-se de modo mais soberan que o rei dos reis ~ porque a vida cinj. ga é totalmente desapegada € 86 depen. de de si mesma, Ao exercer €53 posturg de escandalizar 0 poder, Didgenes ex pressa a aspiragio do cinico a uma so. berania singular, a ser como um deus ¢ alcangar uma autonomia divina. Assim, Didgenes é 0 verdadeiro ¢ tinico rei, pois sua soberania é seu modo de viver. Nio depende de qualquer tipo de convencio social ou reconhecimento para exercé- la - vive, da forma mais pura possivel, 0 seu éthos parrhesidstico. Parece ser nessa expresso de existéncia soberana que se pode encontrar o sentido de governar-se a si mesmo, Ao escandalizar as verdades convencionais ¢ 0 poder a elas ligado, 0 cinico realiza a sua atividade de transmi- tir, através de uma vida que procura fa- zer sua propria soberania, um alerta para que os outros busquem constituir como sujeitos mais soberanos de si. Essa tare- fa, segundo a caracteristica da parrhesia cinica, s6 pode ser executada de forma ativa, polémica e, assim como um cio, Didgenes Laércio, maior exemplo da parrhesia cinica, fo respeitado pelos cidadaos da pélis justamente por “viver de acordo.com seu pensamento, Ele néo dssimula. € um filésofo ‘em ato, Nao ¢ alguém que apenas fala” (POL-DROIT, 2012, 1p. 143). © ret6rico fala mas ndo vive ao extremo 0 que diz e afirma como verdadeiro. Ele apenas adula. Didgenes afirma tuma estética de existencia que coloca o modo de ser verda- deiro sem se adequar a nada a nao ser a sua naturalidade de viver. Nao ha proposta de fixidez de atitudes, aceitando ‘como propria da vida nua e exposta a sua contingéncia. € um estilo de existencia filosfica que faz explodir a verdade da vida como escindalo, A relacio entre dizer verdadeiroe vida é mais exigente e polémica. i © tema da “vida verdadeira” — alethés bios ~ pode ser retratado por outro episddio da vida de Didgenes, 0 cini- ‘co, narrado por Didgenes Laércio: aquele teria recebido a 20 + Filosofia cienciatvida misao divina para “falsificar 0 valor da moeda”. Se, por um lado, pire uma aproximacdo entre moeda e costume, por ‘outro significa que € possivel trocar a efigie da moeda por ‘outra, permitindo que ela circule com seu verdadeiro va- lor — a moeda verdadeira, Foucault vé, nessa metfora, uma espécie de passagem ao limite, a uma extrapolacio da vida- vwerdadeira ~“alteraro valor da moeda’ est igado & qua UWicagio de cdo (adjetivacdo que Didgenes ‘empregava para si mesmo), e que passou a identificar © inismo, como vida que faz em pablicoe aos mordendo e atacando, criticando como falsa e ilusoria a concepgio do “poder so- berano do rei terreno” que se. quer colocar como de fato verdadeiro e assumido por todos. Nao podemos deixar de identificar uma atitude de cunho agonistico mordaz que faz aflorar, por sua aco, verdades que todo mundo conhece, mas ninguém se da o trabalho de fazer viver: a coragem da ruptura, da recusa, da deniincia. Ha uma coragem no dizer a verdade, ancora- da na convicgio de que ela deve ser expe- Timentada nao como mera Tetorica, mas como um estilo de existéncia puro. Uma vida verdadeira como a do “cao que leva uma existéncia ao ar livre, desapegada, 0 cio que late e sabe discernir o estranho do familiar (@ retidao), cio de guarda, enfim, cuja vigilia assegura uma absoluta tranquilidade (o imutavel)”.’ Vigilancia ‘que parece relacionar-se com o potencial agonistico do éthos parresidtico cinico que, para exercer o seu dizer verdadeiro (parrhesia) de modo puro e ao ar livre, trava uma agonistica contra sie contra os outros — implicando uma ruptura radical contra o que é determinado costumei- ramente como verdadeiro ¢ necessario, implicando na forma como os homens se deixam conduzir; enquanto a parrhe- sia cinica busca fazer de sua existéncia © teatro provocador do escindalo da verdade, para denunciar exatamente aquilo que é dissimulado e ilusério, para que se possa exercer uma estilizacao da vida segundo a verdade que é reta, visivel e pura, permitindo-nos cuidar mais corretamente de nés mesmos ¢, por consequéncia, governarmo-nos de modo mais auténtico e livre. Para os cinicos, a pritica filoséfica deve ser uma forma de estratégia para “armarem-se” os indivi- duos para o enfrentamento das adversi- dades. Nao ¢ um modo de consolo, mas uma preparagao para um exercicio ago- GROS, 2004p. 165 nistico, inclusive, da vida. Por essa ra- 20, o desenvolvimento da resisténcia e do combate serviria de “armadura” para enfrentar a vida, em sua mais extrema existéncia, O IMPUDOR DELIBERADO DOS CINICOS © modo radical do cuidado de si ci nico, segundo Foucault, é exatamente o “exercicio positivo de uma soberania de si sobre si“ A parrhesia cinica possui uma propriedade essencial: aalethés bios expressa a ligagio entre Etica, Politica e verdade. Hé um forte sentido de critica 4s instituigdes politicas subjacente no exercicio do éthos parrhesidstico cinico. O confronto com Alexandre ilustra uma agonistica entre 0 poder politico eo po- der da verdade. A verdade como vida Pratica, como modo de existéncia, ga- rante a soberania a Didgenes que pode, assim, anedoticamente, se proclamar 0 verdadeiro rei sobre a terra. Observa-se a caracteristica desse embate agonistico da parrhesia como um enfrentamento ‘FOUCAULT, 2009, 282 Apesar de contribuir com a construcso de vias, pos suas hipsteses so equivocadas ou vn portalienciaevda.com br + Filosofia céniatoda 21 CAPA Didgenes de Sinope levou ao extremo os preceitos da indiferenca ‘nica, endo 0 maior representante dessa vertente filsstica 2 « filosofia stnintsida SE TEETER entre 0 ato-poder do dizer a verdade li- vre do parrhesidstes e a figura do poder 20 que representa o exercicio de governamento que se deseja absoluto. Desse modo, a parrhesia cinica se con- figura como uma forma agonistica d pudorada, tratando-se de uma prética de vida politica que, ao exercitar a liga- 40 entre Idgos e bios, se coloca de forma critica em relagio aos que se identificam ‘como detentores do poder e da verda- de, Os cinicos exercem a sua parrhesia como uma atividade provocativa de berdade em seu estilo de vida filoséfico: exercendo uma ruptura radical com as estruturas de poder convencionais; re- sistindo as conveng6es sociais, além de criticé-las; no reconhecendo a legiti- midade de qualquer espécie de governa ‘mento dos outros; constituindo-se como sujeitos aptos a se autogovernarem, Verifica-se um extremo sentido po- Iitico na parrhesia cinica, colocando-se OS CINICOS EXERCEM A SUA PARRHESIA COMO UMA EU PROVOCATIVA DE LIBERDADE EM ESTILO DE VIDA FILOSOFICO de modo céustico e provocativo contra as instituigdes e contra os soberanos que se arrogam o direito de governar os outros exatamente a partir de convengGes e bens materiais. Ha uma postura politica, na atividade da parrhesia cinica, que sina- liza um modo de vida alternativo as nor. mas ¢ leis que regulam a vida dos indi viduos, normas que assujeitam de algum modo. Nessa situuagao, 0 cinico coloca-se de modo resistente contra a autorida- de, conduzindo-se segundo 0 seu estilo de vida. Obviamente, a parrhesia cinica condena a vida da futilidade e das con vencionalidades, em razio de que a “ver- dadeira vida s6 pode se manifestar como vida outra”’ Ha uma critica 20 modo da ‘Vida falsa, exigindo-se a mudanga em seu contrario, tratando-se de uma refutacio dos valores estabelecidos ~ essa critica supée um trabalho continuo sobre sie uma provocagio insistente para que os Outros assumam 0 desafio de deixarem de viver como vivem, isto é, extraviados €m sua condusao de si e vivendo segun- do falsas e hipécritas verdades e conven ‘sOes. Essa postura ¢ ica ~ supondo um trabalho continuo sobre si e uma intima- 40 insistente dos. outros — deve ser inter- Pretada como uma tarefa politica. Desse modo, trava-se uma agonistica contra si mesmo e contra as lecidas. © thos parrhesiéstico cinico con: Woca de modo critico os individuos @ buscarem outras formas de existéncia: © Para tal, deverso assumir a condu- leis e normas estabe- * Wem, p. 313 ‘a0 de si mesmos. Quando aceitam essa convoca¢io de ultrapassar os limites da materialidade inttil ¢ das ilusdes convencionais, a parrhesia cinica ilustra sua fungio de, utilizando-se do “escandalo da vida verdadeira’, fazer que “todos” mudem seu estilo de vida. H4 uma provocacao e uma critica como atitu- des que envolvam todo o género humano, O éthos Parrhesiistico cinico € dirigido a todos. Os cinicos se Postam no espaco piiblico, interagindo com a mul- tidao. A sua pratica popular - que se dirige a todos ‘08 homens ~ tem como corolirio a sua pobreza mi- litante. © cinico é um homem do mundo, ligando- -se a toda a humanidade. Reflete-se numa espécie de universalidade ética que torna possivel o exercicio da liberdade. A responsabilidade pela humanidade é a mais alta tarefa ética ~ vigildncia para que os homens nao negligenciem do cuidado de si. Essa epimeleia as- sume forma dupla nos cinicos: cuidado de si e cuida- do dos outros. Essa vigilincia afirma-se e se exerce a partir de uma liberdade que reside no esforgo cons. tante que marca no corpo a Coragem da Verdade. A vida como escAndalo, a visibilidade da verdade de forma irredutivel. Por esse motivo, provoca e escan- daliza através de seus gestos minimos, mas profun- dos e radicais. A parrhesia cinica permite pensar a relacao do sujeito com a verdade na condigao de uma atitude de provocagao: a verdade provoca o sujeito justa- mente no limite de seu ser; 0 sujeito provoca a ver- DST:T Nor Xs ‘Ao conhecer Diégenes, Alexandh admizacdo pelo fiésoto cin dade na pratica visivel de sua propria vida. E todos so provocados a assumirem a atitude de constitu- irem-se como sujeitos soberanos de si. Destaque-se outro ponto forte importante presente na parrhesia cinica: 0 confronto da verdade sobre a propria vida abrindo a possibilidade de nos constituirmos em um estilo de vida a partir de um desprendimento de tudo 0 quanto possa ser assujeitador. Assim, a Parrhesia se expressa como uma arte de existéncia Um exercicio para constituicio de modos inéditos

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