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‘século XIII, as ordens terceiras representavam um. ideal de vida penitente que, sob a insprado do exemplo de vida e das regras escrtas de Sao Francisco de Assis, motivaram multidées de fiéis ‘seculares a buscarem um grau ™maior de perfeigdo, praticando a pobreza evangélica, ahumidade, a frequéncia aos sacramentos e as oragdes, a caridade, a justga ea paz, EntreofinaldoséculoXVIe Principios do século XVII, sob o impulso da Reforma catélica, a lgrea procurou Aifundir de forma mais organizada, em todo oorbe, associagdes de més terocitos. de diferentes denominagées. No referido contexto, com uma Cristandade profundamente dividida, as ordens terceiras parecem ter atuado como um importante instrumento de discplina social de confessionalizagso por parte da \greja catdlica, formando uma elite espiiual de fis. O liv reine estudos de especialistas acerca das ordens terceiras fundadas no Reino de Portugal ¢ na ‘América Portuguesa ao longo do Periodo Moderno, Enquanto que as miseriodrdias © as iimandades t8m sido abordadas como objeto de estudos por parte dos historiadores, as andlises sobre as ordens terosiras ~ que mantinham vinculagdo institucional com as ordens regulares dos franciscanos, carmelits, dominicanos, entre outras ~ so muito mais escassas. Assim, o vo objtiva em primero lugar suprir uma lacuna da historiografia, oferecendo aos estudiosos © leitores interessados perspectivas recentes de estudos sobre as ordenstereeras durante 0 Antigo Regime. N ascidas durante intensa renovagéo espiritual da Cristandade durante 0 gramma sopezqebs0 supzeyy 220g ep WEYL (xen s0i998)oxoysexg-osm opuny ou sevsa.esuORIO WILLIAM DE SOUZA MARTINS Organizador ORDENS TERCEIRAS NO MUNDO LUSO-BRASILEIRO (SECULOS XVI-XIX) WILLIAM DE SouzA MARTINS Organizador ORDENS TERCEIRAS NO MUNDO LUSO-BRASILEIRO (SECULOS XVI-XIX) (© William de Souza Martins Gramma Eaitora Consetho Editorial: Bethania Assy, Francisco Carlos Teixeira da Silva, Geraldo Tadoa Monteiro, Gitcle Cittadino, Glico Marafon, air Reinaldim, oso Cérar de Castro Rocha, Leis Helena Salgado e Siva, Maria Clini Maia, Maria bel ere de Almcit, Mii Goldenberg e Silene de Moraes Freire Supervisio Ba see Mort Coordenagio Editorial: Marian Tencra Revisio de arquivost Michele Paiva Capa: Regia Pals Tiezat Foto de capa: BATE, Richard, Procession of the Host passing the Ireja dos Trceirs do ‘Carmo, frou the Palace Squate towards the Rua Ditet”[Procsdo da Evatt passando pel Igreja dos terceirs do Carmo, clo Largo do Pago em diego rua Dirt In; FERREZ, Gilberto apees.e texto). Aquatels de Riad Bate: 0 Rio de Janeiro de 1808 21848, Rio de Jancio: Galeria Brasilan, 1965, prancha 9. Diagramago: Leonardo Paulino Santos Dados Internacionais de Catalogasio na Publicagso (CIP) [Biiotecrio Fabio Osmarde Oliveira Maciel - CRB-7 6284 Martin Willa de Sonn ‘Ons tects no mut hs aio (aloe XVEXIX) / Ongar Will de Sous Marth, Rader Gran, 219, 2807; 2bem ISBN 978-85-5968-724-8 |. Orden mondo ¢ religious - Hira - ral. 2. Orden montis ‘erlgions Hindra ertogal, 3 ort - Colds - Hits ele, Ti, 745.009.19 cpp: 71.09408151 Gramma Editora ua ca Quitandla, n* 67, snl 301 CER, 20,011.030 ~ Rio de Jancivo (R)) ax: (21) 2224-1469 contato@gramina.com. br Site: ww gramena.com be Tadao delta esr, A reprodo no ator desta publica no td oem pte, cont ogo de deo tora (Lei 9, 610/198), SUMARIO Introdugio William de Souza Martins Estudos hist6ricos sobre as Ordens Terceiras portuguesas Maria Anténia Lopes Introdugao Caracterizacio breve das Ordens Terceiras, Monografias ¢ artigos sobre Ordens Terceiras “Teses académicas Artigos e eapitulos de livros Textos historiogrificos que nao se centram nas Ordens Terceiras Coneluindo Confronto e defesa de interesses: a relagao das Ordens ‘Terceiras com as Misericérdias em torno dos enterros (século XVIII) Maria Marta Lobo de Araijo Introdugio [As Misericdrdias e as Ordens Terceiras ‘Os enterros enquanto fonte de rendimento ¢ de visibilidade piblica A lata pelos enterros no século XVII Consideragaes finals 13 3 15 18 18 5 28 35 39. 39 40 52 54 66. 12 Wiliam de Sours Martine prestigio social no referido contexto. O autor empreende uma anilise detalhada dos registros de entrada na Ordem Terceira franciscana de Vila Rica, entre meados do séeulo XVIII e principios da centiria se guinte, Os livros de entrada de irmaos sio trabalhadlos de acordo com diferentes varidveis: sexo, estado dos ir ios, lugar de nascimento, ir- ‘dos apresentados de outras associagdes da Ordem 'erceira de Sto Francisco, Quanto a esta titima categoria de membros, era constituida Por irmios que haviam feito a sua entrada em outra associagao local da Ordem Terceira. Para serem aceitos como irmaos em Vila Rica, apre sentavam patentes emitidas pelas associagé de origem. O referido procedimento, que era praticado em diversas associagdes das ordens terceiras de Sio Francisco, do Carmo ¢ de Sio Domingos difundidas pelo mundo portugués, constitufa um dos elementos distintivos das irmandades, ordens terceiras face &s simple Sem ter a pretensio de exaurir um campo de estudos, de res- to ainda bem pouco explorado, os autores esperam antes que os seus trabalhos estimulem outros pesquisadores a observarem com maior atengao as ordens terceiras fundadas no mundo portugués sob 0 Antigo Regime. Os diferentes angulos de anilise da vida associativa desenvol Vida nas ordens terceiras que surgem nos textos aqui coligidos podem constituir um ponto de partida para © exame de outras associagdes com perfil semelhante, estabelecidas no referido contexto. Estudos histéricos sobre as Ordens Terceiras portuguesas ‘Maria Antéoia Lopes" Introdugao Excluindo as crénicas eoevas que nfo vou mencionar,’ publi caram-se logo no século XIX monografias sobre as Ordens Terceiras de Sio Francisco do Porto! e de Coimbra e sobre a Ordem Tercei- ra da Santissima Trindade do Porto.* As Ordens Terceiras surgem também na Histéria da Igreja em Portugal de Fortunato de Almeida,® mas de meados do século que data a obra que continua a sér um bbom ponto de partida e, por incrivel que parega, ainda hoje fon ' Usverlade de Coimbra, E-mail: lopes.marintonin gmail.com. "ejects pres em Marty, Wl Se Sousa de te: hierar Ren (170122) So Fa Er Unvrtne dS Pale, 700, p 35-5. Morey, lcs de Mel. et on pt tds te ct ean fei, Bg Sd ale (16721822) (Dotan om Hiri), Universe do Mino, Se 2008p 581.583, "toy, lero Pino de are Hr « Dori de Ono Ti Psi Pat Pr Liver Porton 180 “Bare, ong Sins: Nati ti dln! Ode Fc ei ce de cae Contd Hepa et, CoimbrTyp. de} Res Lato, 105. "Puc, rani Jo, Be a de and «Domaine de at! On Td Senta nal depo at Caps tn ln do Prop de dT, 1292S wm ne de acer tic cn ls, Fico Rib dB, rao rma Aoi Ones Trees Prtuce Sno, Eigen oord), Or ee ag 0 Hated sgl bow Comb Nea pst Comceraies doe Deine Rr ose 200, p57 “Aes ort de. Ha gol Cot pea Acid 191 p31 {i pore 1912p 39699). pre, Vp 276279. 14 Wiliam de Soura Martins te de informagio nica para a maioria das Ordens Terceiras porta _guesas, Refiro-me a Os Terceitos franciscanos portugucses, do padre Fr Bartolomeu Ribeiro,’ 0 qual procedeu a um laborioso levantamen- to, percorrendo os arquivos ¢ recolhendo todas as informagdes que conseguiu sobre os Terceiros. Também dessa década é um estudo de Eugénio Freitas sobre a Ordem Terceira do Carmo do Porto.‘ Por fim, em 1972 B. Xavier Coutinho publica uma historia documental da Ordem Terccira de $. Domingos do Porto, transformada no sé- culo XVIII em Ordem Terceira da Trindade.” Como fruto de investigagio em meio universitirio, foi apresen- tada nesse mesmo ano de 1972 a tese de liceneiatura de José da Costa Biras sobre os Terceiros franciscanos portuenses, trabalho que se des taca, assim, pela sua precocidade em meio académico."® Anos depois revisitou o tema, destacando os socorros prestados pela Ordem.!" Ultrapassada a historia positivista, o que, salvo honrosas exce- ‘98es s6 se verificou em Portugal em finais dos anos 1970, os primeiros estudos historiogrificos sobre Ordens Terceiras sio da area da Histéria da Arte, trabalhos que nao irei abordar. Eo mesmo ocorreu na Espa. nha!” © no Brasil.”” Mas se nesses paises tais fraternidades tém susci tado grande interesse na érea da Historia Social, originando numero- sas investigagdes com abordagens varias e atualizadas, em Portugal as ‘Ordens Terceiras continuam a ser esquecidas. E, contudo, por meio 7 ber, Hartolome, Or Toca ncn prague Ste do de hindi, Bag: Tpogaia Mises Fanless, 1952, * retas,Eugnio de Andrea da Cunt, mir inde da Oe Tt de Na Seo de erm do cided Pre. Ports, 1956, * Coun, B. Xavier Hina dct da Olen dina, 2 vols Porto: Orem de Tine do Porto, 1972 Jn Anil Guimares da Casa, Osram d aed Pv emer 50 tn) Tee (Licensure Ht), Univer do Pri, Porto, 972 " BIRAS, Js Anibal Gumus da Conta obs asistencia dos teri anicans portunies (clement para ose eso), Reviede Madi, Pat, 3, 21-15, 198, "GONZALEZ Lopo, Domingo, Balance y perspec dele sie eb lo VOT Frain en alc jn XVTEXIX) Is Gran Ci, Maria del Mar (e.).Fncnanne oP ce. aloe pepe, Barstna: GBC Eator, 208, p 567-583, MARTINS, Wiliam de Souza, Mer dcp ml: One Tens ml dea 1700-1822. opt, p 25.28 ‘Ondensterciras no mane io-brar (alos XVIXIX) 15 dos casos ja estudados, percebemos que a sua influéncia foi grande nas vidas das pessoas ¢ das comunidades entre os séculos XVII ¢ XVIIL Para que se possa avaliar até que ponto as OrdensTerceiras po- diam modelar as sociedades dessa época e ainda o mérito dos estudos, c abordagens que jé Ihes foram dediecadas ¢ 0 muito que falta pesquisar, torna-se necessirio tragar tum brevissimo apanhado sobre as caracteris- ticas dessas fraternidades. Caracteriza¢ao breve das Ordens Terceiras As Ordens Terceiras ou, falando com mais propriedade, as Or- dens Terceiras Seculares — pois havia também as Regulares que exi- giam os trés votos religiosos de pobreza, castidade e obediéncia ¢ cujos ‘membros viviam em comum — eram associagées de leigos que, sem coabitarem ¢ continuando a exercer as suas fumgées na familia e na ‘comunidade em que s¢ inseriam, estavam sujeitos a uma regra, vincu lados a uma ordem religiosa que podia ser de S. Francisco (a eriadora dos Terceiros ea que sempre os teve em maior néimero), S. Domingos, Nossa Senhora do Carmo, Trindade, Santo Agostinho, Servos de Maria © Minimos. Eram institufdas por bulas ou breves papais e regi por uma Regra aprovada pela Santa Sé e no por estatutos (como as, confrarias), embora cada uma delas os pudesse elaborar sem munca pér em causa a validade superior da Regra. A designagio de “terceira” remete para a cronologia e hierarquia das trés ordens franciscanas, sendo a primeira a dos frades, fundada por S. Francisco de Assis, a segunda a das clarissas, que se deve a St* Clara, © a terceira a dos leigos vivendo no século, Mas a palavra presta-se a uma hermenéutica mais espiritual. Em 1685, Fr. Manuel da Encarna- «a0 joga precisamente com isso: “So hum terceiro estado de gente, que faz. hum meyo entre o estado Secular, ¢ Religioso: porque nao S30 verdadeiros Religiosos, como os que vivem em claustros dos Conven- , portanto, E, tos nem sio de todo Seculares.”" Um estado intermedi Gi por COSTA, Pula Cristina Ofer Carmela de do es (1736-1786Tse Mestad om tris ds Inaitlgere Caltra Mederma e Contemporines,Universade do Minko, Bras, de fato, os Terceiros, que eram de ambos os sexos, faziam noviciado, durante o qual aprendiam doutrina ¢ as condutas adequadas, profes- savam e recebiam hébito especial em ritual de investidura que podiam passar a usar ou, em alternativa, determinadas insignias, Depois, esta- devocional intensa, vam obrigados a uma pr As primeiras Ordens Terceiras surgiram no século XIII ¢ ha noticia de algumas fundagdes em territério portugués, Mas aqui, como em outras paragens, declinaram e extinguiram-se, E de tal forma, que no século XVI jé nio haveria mei delas em Por- tugal. Com 0 movimento de profunda revitalizagio devocional da Reforma Catdlica quinhentista, ressurgem por todo o lado, dina mismo fundador que ¢ expressivo em Portugal na centuria seguin- te. O século XVIII parece ter sido o da afirmagio e crescimento de influéncia de vérias Ordens Terceiras portuguesas criadas no sécu- Jo XVII. Os seus rendimentos provinham dos anuais pagos pelos Irmaos, dos rendimentos de propriedade legadas em vida ou por testamento © do rendimento de capital por meio da pritica da con. cessio de empréstimos a juros. Nunca é demais repetir que as Ordens Terceiras no eram con- frarias, tipologia na qual certos trabalhos historiogrificos as englo- bam. Como também nio se podem amalgamar Misericérdias € con. frarias em geral. As Misericordias ou Santas Casas eram irmandades especialissimas, existentes apenas no Império portugués e hoje no mundo lus6fono, A sua natureza era civil, estando sob exclusiva ju risdigdo régia ¢ totalmente isentas da supervisio dos bispos ou de qualquer outra autoridade eclesiéstica."* As suas atividades, de indole spiritual ¢ social, visavam toda a comunidade e nao apenas os seus membros e as obras de socorro aos pobres cram fundamentais. A ca- idade nunca foi a principal missio das OrdensTerceiras, Praticavam- sna, mas destinada aos irmios, ¢ as mais icas abriram hospitais que reservavam aos membros da ordem — ago social que se intensificou e diversificou no século XIX. "Os pros pues capes, necendrton bs vias de ates ep, em conrtads Peles Mem deta comsiderado Fanconiroy sem ue at autores eles osc ng (Orden tries no manda ho-brascr (abeulos XVI-KDK) 17 [As Ordens Terceiras estavam dependentes ¢ intimamente rela dem p43 22 William de Sours Matin “Vivencia religiosa” dos irmaos terceiros de Braga, afinal, o objetivo essencial destas comunidades, Considero assunto importante a carecer de mais estudos, a anili se ¢ interpretacio das implicagdes sociais que a posse da patente (com- provativo de pertenga a uma Ordem 'erceira) assegurava a todos os terceiros ¢ terceiras, A leitura da tese de Juliana Moraes torna claro ‘como esses homens ¢ mulheres poderiam percorrer 0 mundo catéli- 0 € encontrar apoio © mecanismos de integracio em todos 0s locais, onde existisse uma Ordem Terceira. Apresentando a patente, niio s6 rrecebiam ajuda aqueles que passavam em viagem, como todos os que mudavam de residéncia definitiva, incluindo os que atravessavam 0 Atlintico e se instalavam nas coldnias ou os que regressavam 4 metr}- pole, encontrando todos um niicleo de sociabilizagio que os integrava nas novas comunidades A Histéria Social em geral sobre o século XIX portugués ¢ a aque envolve as inst igdes de piedade e de assisténcia e as pessoas que as perpassam, tem-se revelado menos dindmica do que a que se pra- tica para a Epoca Moderna. Entre outras razbes que nio vale a pena aqui refer , pelo excessivo peso dado & historia politica de oitocen, tos. Contudo, dispomos de duas teses de mestrado sobre a atividade de Ordens Terceiras durante 0 século XIX. Uma de 2003, de Carla Manuela Oliveira sobre a Ordem Terceira de Sao Francisco de Guima- res entre 1850 ¢ 1910;” outra, de 2014 e publicada no ano seguinte, de Ana Margarida Dias da Silva, que elege como tema o hospital e 0 asilo da Ordem Terceira de Sio Francisco de Coimbra entre 1851 ¢ 1926, avangando, assim, pela época da Primeira Repiiblica Portuguesa (1910-1926).” Como se disse, depois de 1834 nio existiam em Por- tugal conventos de frades, aos quais, pela Regra, os terceiros deviam estar adstritos. Foi, portanto, necessério que se adaptassem & nova si tuagio, E 0 que revelam os dois trabalhos & que as Ordens Terceiras em OLIVEIRA, Carla Manuela Bape. Onn Twi de Sa Pcs mo ede Guiere (50. 1910 Toe (Mestad em Primi Taian) Universe do Mink, Brags, 2003 "SILVA, An Margarida Dias a Hap ede One Tas da Pic dS Fc 4 Cin (18511926), op, Orden tercires no man io-beer (ules XVI-KIX) 23, aprego cresceram continuamente em nlimero de irmios e no alarga- ‘mento das suas atividades so Os abjetivos da tese de Carla Costa sio claramente enunciados: trata-se de um estudo social e institucional. E, como afirma a autora, a anilise social é muito mais inovadora, pois o que ento existia era quase exclusivamente de ambito institucional e formal. Deixaré de lado, diz, também, as vertentes econdmica e financeira, assim como as atividadles religiosa ‘Tragadas as origens, 0 contexto urbano em que se insere © © _quadro normativo, busca a caracterizagao social dos homens ¢ mulhe- res que corporizavam a Ordem Terceira, Encontramos aqui as idades, le residéncia dos Irmaos, 6s estados conjugais, as profissdes, os loca Depois debruga-se sobre a atividade assistencial e cultural da institui- «a0, Concretamente: hospital, aslo, creche, escolas primérias, oficinas de ensino profissional ¢ museu (uma notavel precocidade revelada por esta Ordem Terccira), Demonstra, efetivamente, a importincia da Or- dem Terceira no quotidiano de Guimaraes durante todo o period de estabilizagio da Monarquia Constitucional portuguesa [estes seasenta anos in mil quinhentos dois individuos admitidos ou agregndos, num equi brio razoivel entre homens e mulheres. Por ano ingressavam ma Or- dem, em média, cerca de setenta € cinco individuos. A méa anal dle novos tercciros demonstra a forge influgncia da instituigio no smeto circundante." igados foram registados na Ordem quatro E claro que as vantagens proporcionadas pelos estabelecimentos {que a Ordem foi inaugurando ao longo dessa época (hospital, asilo de centrevados, escola, creche, oficinas profissionais), pelos servigos fine bres assegurados, apoios aos irmaos pobres ¢ as indulgéncias que con- tinuavam a cativar, eram bons incentivos, como Carla Oliveira salienta, Além disso, “no havia limite minimo de idade para se ser admitido, [...] cerca de 30% até 1887 e de metade desse ano para a frente dos homens e mulheres ingressos eram pupilos, isto é, tinham entre zero e catorze anos”, Sendo assim, é natural que se reproduza ai “o quadro Menace Repl, A Oro Tn de Slo ante. opt. 153 24 Wilton de Souza Maine global das actividades profissionais apresentadas na cidade”. Tratava- -se, pois, le uma fraternidade interclassista ‘A obra de Ana Margarida Dias da Silva, sobre a inica Ordem Ter ceira que existiu em Coimbra, centra-se nas “vertentes institucional, ‘econdmica, assistencial e humana do Hospital e Asilo”.” De fato, a au- tora nio se restringe & natureza e objetivos da instituigo, suas normas regulamentares e caracterizagio dos espacos, mas dedica um grande esforgo & reconstituicio dos poderes, dos quotidianos, dos retalhos de vida, dos confli Mais do que a mera anise institucional e orginica da administra ‘0 do hospital e aslo — também presentes neste trabalho, como rio podia detxar de ser —, interessam-me as mulheres e os homens que por aqui passaram e aqui viveram parte da sua vida, lexando nos registos escrtos ndeléve] meméria da sua existéncia, Espero ter ‘conseguido dar vor aos que no tém vor, Vernos, portanto, essas pessoas que corporizaram a Ordem Ter- ceira movimentando-se nos seus espagos, nas decisdes de diresio, nas opsies de gestdo, no exercicio das suas atividades de funcionarios e no sofimento da doenga e da velhice desamparada no hospital, nos apoios domiciligrios ou no Jo identificados e caracterizados os dlirigentes da Ordem, os empregados do hospital e do asilo, os doentes € os asilados, buscando nestes a sua distribuigio por sexos, por idades, por naturalidade e residéncia, a sua insergio familiar, as profissGes as situagdes socioeconémicas, para o que contribuiu também a anilise q do ingresso — tudo isso procurando as mudangas ¢ as permanéncias no tempo que vai de 1851 a 1926, a0 vestuério com que se cobriam ¢ traziam essas pessoas no ato Depois respondeu a outras interrogagiies sobre os quotidianos dos utentes: 0 que comiam, como preenchiam os dias, como se com- portavam, como acatavam ou no as regras impostas, quanto tempo permaneceram internados, o que representavam os reingressos e que Pen pS SILVA, Ana Marorida Diss 0 apt dedi Onda Teri. opt p18 idem, p 1617 (Orden teres no mando lao- baal (solos XVEXIX) 25 icicia curativa encontraram no hospital. A autora procurow ainda identificar as doengas dos hospitalizados, o que é dificil e por vezes im- possivel, atendendo nomenclatura usada pelos médicos de entio, no tanto por haveram mudado os nomes das doengas (0 que se aprende facilmente), mas porque em boa parte dos casos se registam sintomas enio patologias. As instituigdes nfo fancionam sem recursos, Também esses as pectos ficaram estabelecidos, em um exame minucioso sobre as re ceitas e despesas, tio influenciadas pelas conjunturas. E no esquece, evidentemente, a insergao da Ordem ‘Terceira na cidade ¢ 0 relacio- namento com outras instancias de poder, de assisténcia e de devogio. Artigos ¢ capitulos de livros © Diciondrio de Histéria Religiosa de Portugal inclui uma sin- tese sobre as Ordens Terceiras,™* mas foi posteriormente que m trabalhos surgiram sobre o tema, embora ja no ano anterior tivesse saido um texto de Francisco Ribeiro da Silva sobre os portugueses, enriquecidos no Brasil e as relagdes que tiveram com as confiarias © Ordens‘T a Histéria da Ordem do Carmo em Portugal de Balbino Velasco Bayén, carmelita espanhol, onde se incluem trés capitulos sobre as Ordens ‘ceiras portuenses.” Logo em 2001, sai em portingués Terceiras, para os quais 0 autor coligiu dados das crdnicas cocvas ¢ recolheu informagdes de varios arquivos.” No mesmo ano, Boa ventura Silveira publica uma monografia sobre a Ordem Terceira da ‘Trindade, no Porto." Em 2004, Marta Lobo de Araijo escreve um artigo sobre a Ordem Terceira franciscana de Vila Vigosa” € nos dois anos seguintes vém a lume quatro estudos sobre a Ordem Terceira FF ARAUJO, Annio de Soma. Ordene tess, In: Azevedo, Carls Morcea (i). Dionne de sie Rigs de Rage, ol, 2 Lbs: Cel de Loe, 2001p. 38-355 SILVA, ancico Rise d, Bros Bron anndades/ Orden Tere Portaests, ot VELASCO BAYON, Balbo. Hore dy Od aa Libos Palins, 2001 SILVEIRA, Bouventrs, A Onde Tei dena «exo tee: XVM, Xo orto; Onkem dine do Porto, 201 ® ARALIJO, Maria Marta Lao de. Vso cde net os rk teers rasa desig sa, atvands dos Estate de 1686, Revit de Cal Calpl Va igo, 12; p, S258, 2008 26 Willa de Suze Martins de S, Francisco do Porto, de autoria de Célia Régo, Elisabete de Jesus € Inés Amorim.*® A partir de 2010, os trabalhos sobre Ordens Terceiras tornam- se mais frequentes, mas os espagos do Norte de Portugal, enquanto objeto de estudo, continua hegeménicos. Juliana de Mello Moraes debruca-se sobre 0 socorro que a Ordem Terceira de Braga prestava 4s Irmaos viajantes entre 1720 e 1816 ¢ sobre as mulheres nessa ci ‘munidade e na literatura hagiogréfica franciscana,' Alexandra Esteves aborda as regras de funcionamento e priticas assistenciais estabeleci- das pela Ordem Terceira de Ponte de Lima em 1863 e a sua compo. siglo social nos séculos XVIII ¢ XIX." Alfredo Martin e Marla José Pérez estudam a mesma Ordem Terceira confrontando-a com outras de Portugal e de Espanha.” Devemos também a Alfredo Martin um “REGO, Cin; Jens, Hobe de; Amorim, Ins Un confarin urban somes de um expo ‘onyentul - Imo da Orde Trea de 8. Fanci do Porto expnualae soillade (1661-1720; 1699-1730), tn; AMORIM, ls Amorim, Onsal, Helens Penis, Aad) Em torn dep igor» mania eee Ports HUF 2005p. 11-133 Jets, He se. As Mantels: um expo Feminin de eligode ds Teresi Frandseanae do Prt. iden, 1135-154 Amorim, Ini; Jen, Hbete de; Rég, Cl, Maer e eligi pce mtn A ‘Onlem Teeside S. Franc, um medlo de saciid reign, Pogue Stat vine 13 (1-2), Cambri, p. 369-399 2005. eas, libete de, Per rae «he Rien do Ajo so (167-1800, op. c.,EsteRecolhmento no pertena or ecco, mas como ade aa ages a autora debra sre as Ordens Trei, * MORAES, Julia de Mello Peregeiosewsjantes no Nore de Prt As esol dstrb as pla Orem Teresa fancacna de Brag nos les pst’ (1720-1816). CBA, Porto, 1p, 263-272, 2010. Moraes, Jina de Mell. paticpacio da mulheres nas asoxiases de Teigos entre ox seals XVI e XVI: exemple da Orem erecta de (Portugal) AHH Vi, 15, p. 89-102, 2015, Moraes, Jains de Mello, Modelos de pesegSo'e ‘Ga haglogaiarancisca e a mulheres legato Inpro portugus. Religare, Pas, © 13, typ 119135, 2016, ‘ESTEVES, Alexandr, Ordens Teerira de Ponte de Lim regs de fmclonamento ¢ pica ssnenlal {ue ds eats de 1861. In: Pela del Ros, Mantel). Fontana ea nil hh, je de SF po enna «ede 12142004, wl 1. Corde Fines El Almend-AsocacinHapsnic de Estalios Francneans, 2011. Esteve, Alesande | composiio socal da Ordem Teresa de Ponte de Lima (ctcalosXVII-XIX), In: FERREIRA ALVES, Nata Marino (coord). Osan no mn pra I 0 lea eS Fone Port: CEPESE, 2013, p, 5374 © MARTIN GARCIA, Aled. Espasa fancscans, dpe cre no Portugal i ade Modern Os teers de Pote de Lima. tn ESTEVES, Alesana, Aro, Maria Marta Lo de (coords) ent de ine. Sable, nomi Ine, Brgs CFFCEM, 2012, p. 238-283, Pet lve Mari Jot Mujer, carded yreligiosdade barra em el Norte porta Terera Orden Fanieana de Pate de Linn der, p 255-274 ‘Orden teres no mundo ho-braro (lor XVIXIX) 27 trabalho inovador que “analiza la importancia desempeiiada por la im- prenta en el proceso de propagacién del modo de vida Franciscano n la Peninsula Ibérica y América durante la Edad Moderna’”.** , refiro-me ao estudo de Guilhermina Mota com a caracteriza- secular Por fi fo social dos ministros da Ordem Terceira de S. Francisco de Coim. bra, que exerceram 0 seu mandato no século XVIIL. Af se demonstra {que a instituicio atrala para o seu governo “fidalgos de primeiro pla- no, lentes da Universidade, dignidades ¢ cénegos do Cabido, priores de Igrejas Colegiadas, juristas e cidadaos da governanga camararia, em alguns casos servindo durante varios anos". Em suma, “a gente mais ilustre da cidade”, constituindo “uma cépula fortemente elitiza- da onde nio hé espago, & imagem do municipio ¢ da Santa Casa, para gente que se dedica & atividade comercial e ao mundo dos negécios, ¢ muito menos ainda para o universo mesteiral".* Sobre as procissSes € outras manifestagGes religiosas péblicas promovidas pclas Ordens'Terceiras, dispomos jé de varios trabalhos.* ‘Ana Margarida ‘mental da Ordem Terceira de S. Francisco de Coimbra, privilegiando os século XIX ¢ XX," mas nao so: em 2016 publicou um trabalho da Silva tem continuado a explorar 0 acervo docu- maT GARG fb Reo iy poppe Pst Pe aes eee ca ane wc pon 04 = OTA, Orns ats da Oren ene, cee Cn oe, tate, Cami, ep 313, “ADONIS Ne _danancne pat deme Ca mp eee delim 2078, DANTAS Joc ejan eincn Onen Tecate Ges noe i Se errant et ese a aan ane ie eta ain Seas aiy nad pe ee oe eS rl in oe a ea ee ek gee Me acetal Rt CEP, as 421-72 VECINA, sts Satan es Rea oe eran ae Ae RAS nn Me (or), nic a pg ee Fee ee nemanan rag Game oe eo a pera alow paces om es Pa ETL trom Cua, rl do i op 207 Tr, hs hye DC hese 0 eo no Pog ow Or SERS SEE casa, tone trope ate, Cacien SSEe ne Sufi Onl faced Ore rece 28 William de Sowa Martins sobre as atitudes perante a morte e locais de sepultura dos irmaos fran- ciseanos seculares entre 1797 e 1785. Esclareca-se que nessa ¢poca a sepultura gratuita na capela da Ordem (diminuta em espago) estava reservada aos que haviam servido em Mesa e qualquer outro irmio ou irma que af quisesse ser inumado teri de pagar no minimo 10 mil réis, ‘© que fazia com que muito poucos af repousassem." Textos historiograficos que nao se centram nas Ordens Terceiras E claro que ha investigagdes cujos objetivos nio sio as Ordens “Terceiras, mas onde estas surgem inevitavelmente, revelando-se assim ‘com clareza que a exploragio dos acervos das Ordens eo conhecimen- to da sua atuagio sio imprescindiveis para a compre io das socieda- des do passado, Quando se estudam as Misericérdias, deparamo-nos quase sempre com as Ordens Terceiras. Assim acontece na tese de doutora mento de Maria Marta Lobo de Araijo, publicada em 2000, que nos faculta informagées valiosas sobre as Ordens Terceiras franciscanas de Vila Vigosa e de Ponte de Lima, sobretudo desta iiltima, em que vai muito além das conexdes que manteve com a Santa Casa. Quan- to A de Vila Vicosa, publicaré quatro anos depois um estudo auténo- mo, ja referido.” A tese de doutoramento de Anibal Barreira sobre assisténcia hos- pitalar é, em grande parte, construida com base em documentagio das Ordens Terceiras do Porto. Por isso esta obra fornece sobre clas abundantes e preciosas informagdes a0 longo de todo o texto: origens, Franco de Coimbra fag adapta dn empaga (1851-1910) He, orto, WV Ske, vl 6p. 231-249, 2016 SILVA Ana Nargrda indy Marque, dln, Pures, doentes exon 14 VenerivelOrdem Tevet de S50 Trancico de Cola, Portugal (18611926). Teno, Rlo de Jone, vol. 24,22, 32848, 2018 “SILVA, Ana Margarida Dis da. Ba margin Domine mori: aites praca mert lcs de seputura dos irmdosneseano sears da cide de Cite (1707-1785). Rea de ie sy Sse da Calas, Clb, 165, p 217-242, 2016 “ ARALIJO, Maria Marta Lobo de. Dara pcp Desa trast Se (doe XV-XVI. aig Ponte de Lisa: Miri de Vila Vign de Pte de Lis, 2000p, 308.510, $0.56, " ARALIJO, Maria Marta Labo de a de nzn ox mo tereioe ancicanos de Via igo, tends dos Exton de 1686, op, (Orden terciras no mando ao-bralr (atlas XVIKIX) 29, espagos, regulamentagao, organizagio interna, relagdes com as Ordens meiras, ritmos anuais de ingressos, identificagio dos dirigentes, ca- racterizagio socioprofissional dos irmaos, motivagies de dirigentes e josas ¢ sociais descnvolvidas ete." Se procurarmos reconstituir o universo social ¢ institucional de ‘uma cidade ou vila importante, li estio as Ordens Terceiras, eja-se San. tarém indagada por Maria de Fitima Reis,” por exemplo. Se é a morte 6 objeto do estudo, também as Ordens Terceiras serao protagonistas obrigatorios. O investigador interessado nessas fraternidades deve pro- curi-las nos textos desse cixo temitico, Refiro apenas duas obras onde de irmaos, atividades reli se encontram dados valiosos sobre as Ordens Terceiras: as de Ana Cris- tina Araijo® e de Norberto Tiago Ferraz. Eis um trecho da primeira A rege fanclcanadgpnia de tans fas de tree an gar nn verscc Nosh XVI, x mals meron Sao beled a crore de ins ok lisa tude Provinn de Portal No ano de 1704, moblinare ai e ‘eate yomme, deg wa aa da 57 angie at de 20000 lems Em clr destentagem numérico errs seth atailcoc ao Socal tr Nace dj tao uleeponrem o O00 econ, fanfla de penis dcx ne Chen diag, et de Fron dx iecis s cee ceatee fecemtincts Bon re pce bani ang pls par mle colic eden gre do Merino Des. coed sede prey sD et fac Tara, dour at ts at bce nde les pa vag do stalo, «abs un ceo perodo de conor ‘rir tain do eras po 9000 len Meso cp sede! te wage, 9 eee 3, entngn {atu in coder rns prs tert, Actin cee at ines in ovo 2 eR ec ee Re mm nc 30 Willa de Sousa Martine modéstia dos seus contingentes é, de certo modo, atestada pelos testamentos de Lishoa,** Ao contabilizar os locais de sepultura eleitos pelos bracarenses do século XVII, Norberto Tiago Ferraz. concluiu que: A escolha por parte de alguns testadores da nossa amostra [250 tes famentos}, dla igreja da Ordem Terceira, fundada no século XVIL, pa rece refletir a consolidacio desta ordem de lelgos, na cidade, ainda que nfo chegasse a disputar a primazia das igrejas das conrarias de So Vicente, Santa Cruz © Nossa § Senhora-a-Branca, nas preferéncias dos locas de sepultura, Os progos mais elevados para os sepulta- mentos dos individuos externos, que a Ordem 'Terceira praticava, «em comparagio com os das 60 rarias anteriormente releridas po- derio explicar o facto de esta instituigSo nio as ter desalojado das suas posigdes, entre os testadores da amostraanalsada, Ji em relacio 4 igreja da irmandade de Santa Cruz, que pratiava pres mats ele vados pelas sepulturas, pensamos que a vitalidade e influgneia desta irmandade, permitia manter-Ihe a sua posigSo sem qualquer perda para a Ordem Terceira,* E, como seria expectivel, também nos trabalhos sobre fes- tas ¢ rel osidades se colhem informagdes que interessam a0 nos. irva de exemplo Tempos de Festa em Ponte de Lima (séculos XVIL-XIX), com um longo capitulo sobre a procissio das Cinzas da Ordem Terceira (franciscana).” Eu propria, em 2008, quando abordei a legislacio setecentista e a intervengio régia de indole patrimonial, testamentaria, tributiria e so tema, inspetiva sobre as chamadas instituigdes pias, deparei-me, necessatia ‘mente, com as Ordens Terceiras.** Mas sobre esse assunto, creio ser necessirio fazer um enquadramento, retomando parte desse artigo.” "ARALHJO, Am Cristina, Aart Los Aca pret, 1700-1830, ot Teco da ver- ‘so lave no Exe Gel (Rpero Digal da Universidade de Cobra) 438-439, "*PERRAZ, Norberto Tiago, mate saad ala me Bay wtentia opyp 224-225. BARBOSA, tn Franco Dantas, Temp de atom ted Lin (cl XVM) Tse (Dow tri), Unversdade do Minko rag, 2013, p 56-139. "LOPES, Maria Anni interven da Crosman de protcso soil de 1750 182, ert de Hue das, Ctr. 29, p 131-176, 2008, "Will de Sousa Martins abou também asia cm ened pe mito ne ee no ie ay 19001822, 0 tp 495-51, (Ordene teria 9 mundo lo blo (abulos XVEXIX) 31 legislador ilustrado deparava-se com dois problemas governa. tivos antagénicos. Por um lado, havia que suster a diva indiscrimina- da de bens iméveis a instituigdes religiosas, assistenciais e confraternais, porque se tornavam bens vinculados (capelas ou bens encapelados), 0 {que acarretava prejuizos graves para 0 fomento econdmico do Reino «seus rendimentos tributarios; c, sempre que possivel, havia também. que recuperar para a Coroa os bens jé amortizados.® Mas, por outro lado, percebia-se a necessidade de captar réditos particulares para a resolugio de caréncias sociais a cargo das rodas de expostos. Por essa razao, esses trés institutos foram isentados de boa parte da legislagao pombalina ou protegidos de alguns dos seus efeitos, 0 que revela que o Estado os reputava insubstituiveis, Mas nao isericordias, hospitais procedeu assim com as Ordens Terceiras e as confrarias. Pela provisio de 3 de julho de 1769, esclareceu-se que pelas leis do Reino eta proibido a todos os corpos de mio-morta, tanto eclesiés- ticos como seculares, possuir e adq (calvo os anteriores a 1640), ordenando- no cumprissem a lei, Mas a 22 de agosto uma provisio eximia os hospi- bens de raiz sem licenga régia fo sequestro de todos os que stro foi amitide tais e as Miscricdrdias. O privilégio de isengio de seq esquecido, sendo frequentes as queixas de tais procedimentos. Em 1800 co decreto de 15 de margo reafirmov-o, impondo “perpétuo siléncio nas ‘Causas de Denuncia” dos bens das Misericérdias e hospitai A lei de 9 de setembro de 1769 proi por herdeira. Isto é, no se poderia aplicar a heranga para sufriigios, mas apenas reser var-Ihes algum legado sob certas condigoes. Esse pa rigrafo foi abolido em 1778, mas retomado em 1796, Além de pri var a alma de atributos de herdeira, aquela lei de 1769 impunha uma também instituir a alma drdstica redugio na capacidade de testar a favor das instituigdes pias, {que s6 poderiam receber, no maximo, a terga parte da terga e nunca excedéndo 400 mil réis. Contudlo, e mais uma vez, excetuavam-se as on ;e com Meri om hsp qu tna so dendos ‘ou estas para que crus rendmentor foie apiads 20 cute ou i earlade, Beam por le 1a grj ads cde int “morizdos(pssaan ser bens de motor) to extra vincladas a se oye sm que fst pee sr aller neo bene alla. A desmor zag tansformn-o em bens sets 32 Wiliam de Soe Marton Misericérdias, os hospitals, expostos, os dotes de drfis ¢ as casas de criagio © educagio, autorizadas a accitar 0 dobro, desde que coubesse na terga; podendo ainda, com licenga régia, receber herancas de maior valor. Isto é, desviavam-se recursos até entio aplicados ao culto para ‘obras sociais, Mas também essas disposiges foram revogadas pelo de- ereto de 1778, nao sendo repostas em 1796, Foia lei de 9 de setembro de 1769 que proibiu encapclar bens iméveis, autorizando-se apenas a criagso de capelas em dinheiro cor ente ¢ apés consulta ao Desembargo do Paco, determinagio que nun- caloi derrogada, Ora, o que ela significava era que, & excegio dos mor gadios (que a partir do ano imediato ficaram reservados a um grupo restrito), deixava de ser possivel em Portugal a amortizagio de terras. Determinava ainda que os encargos pios nas capelas jé existentes se- iam reduzidos ao méximo de um décimo do seu rendimento liquido escriam extintas as capelas de valor diminuto, Isto é, mais uma ver se visava a redugio com gastos litirgicos e, simultaneamente, propiciava- -se a desamortizagao. Esse parigrafo foi um dos revogados em 1778, mas reposto em 1796, Ainda sobre as capelas ja devolutas ou a devolver & Coroa, esta beleceu-se que ficariam livres dos seus encargos. Ou seja, a Coroa nio assumia encargos pios. Tal como a anterior, a imposigao foi anulada em. 1778 e revalidada em 1796, que foi ainda mais longe, ao esclarecer serem esses bens inteiramente livres de vinculos e unides. Sucessivos diplomas sobre a mesma matéria demonstram que foi dificil implantar este novo ordenamento juridico © o alvara de 1° de agosto de 1774 revela como se contornavam as leis testamentérias com o estabelect mento de convengdes em vida, Calcula-se, porém, que tenham sido suprimidos 15 20 mil vinculos (entre morgados e capelas) até ao final do reinado de D. José, Até que ponto essas leis afetaram as instituigdes, pias, tanto na desamortizagio como na restrigio da captagio de novos bens, € algo mais que nebuloso. O decreto de 15 de margo de 1800, jé referido, nZo alterou a natureza dos bens das Miscricérdias e dos hospitais, transformando-os em bens da Coroa, como por vezes se pensa. O legislador limitou-se a COneretereias no mundo lno-bateir (culos XVEXTK) 33 lembrar que os bens das Misericbrdias e hospitais detidos ilegalmente tinham jé a qualidade de bens da Coroa por forga da lei. E embora nio se especificasse que bens seriam esses proibidos pelas leis, & luz da legislagZo em vigor eram todos os possuidos sem licenga régia © 1s encapelados que nao atingiam o rendimento minimo. Por forga das, ‘mesma legislagao, ao ser incorporado na Coroa, todo esse patriménio cstava ji liberto de qualquer obrigacdo pia. O que se fez. em 1800 foi doar as Misericérdias c hospitais esses bens detidos ilegalmente para beneficio da causa piblica, tio interessada na conservagio dos ditos 10 a Humanidade”, Nao se tratava Estabelecimentos, que tanto auxi pois, de transmutagio da natureza jurfdiea do patriménio das Miser ccirdias e dos hospitais, mas, sim, de uma importantissima doagio de bens isentos de quaisquer 6nus pios feita apenas a essas instituigdes, As Misericdrdias, hospitais e, em menor grau, as confrarias do Santissimo Sacramento — que detinham no universo das confrarias um. estatuto especial ~ frequentemente escapavam também a voracidade tributéria, mesmo nos perfodos mais dificeis, o que nao sucedeu com as demais confrarias e ordens terceiras. Comprove-se a alirmagio com as solugdes adotadas na imposigio da décima e da contribuigao extraordindria de defesa. ‘A décima, ou mais propriamente a décima militar, era uma con: tribuiggo geral sobre os rendimentos da terra, do trabalho e da ativida- de crediticia. Quando, pelo envolvimento de Portugal na Guerra dos Sete Anos, 0 alvari de 26 de setembro de 1762 a reaplicou em lugar dos 4,5% ento vigentes, no mencionava Misericbrdias, hospitais ¢ confrarias, 0 que conduziu a interpretagdes divergentes. Treze anos mais tarde esclareceu-se que sd seriam isentos da Décima “os bens das, primordiaes fundagies, e Dotagdes dos Mosteiros, Conventos, Igrejas, Casas de Misericérdia, Hospitaes, ¢ Albergarias: Pagando-a de todos os ais bens, que tiverem com qualquer applicacio que seja” (alvaré de 114 de dezembro de 1775). Mas pouco depois da mudanga de governo, em 6 de agosto de 1777, as rendas das Misericdrdias hospitais ficam isentas do pagamento da décima, As confrarias ¢ as Ordens‘Terceiras no foram englobadas nesse privilégio. 34 Willm de Sous Martins A contribuigdo extraordindria de defesa foi estabelecida a 7 de jumho de 1809, Os bens das confrarias Ordens Terceiras pagariam 30% de imposto (3 décimas), mas as Misericordias, expostos e hospi- {ais ficaram isentos. Apesar da extrema gravidade da situagio do pais nessa época, nem assim essas instituigdes foram tributadas. Nao esque- ‘amos que, com 0 Reino jé invadido duas vezes e longe de se conside- rar em paz, as instituigdes locais de protegio social eram fundamentais. No ano seguinte a situagZo nacional agravou-se muito mais: principiava a terceira invasio ¢ era preciso arrecadar rendas extraordinérias para organizar a defesa. A portaria de 2 de agosto de 1810 determinou, pois, que os bens das “ordens terceiras, Confrarias, Irmandades, Semi- névios, etc.” pagariam 33% (0 tergo) c, também agora, os das Miseri- ccordias passariam a contribuir com 20% (o quinto) Por que, de novo, esta dualidade de cr protegao social as confrarias e Ordei ios? Se no Ambito da Terceiras tinham um papel me- nor, por estar em geral reservada aos proprios membros, nio pode, todavia, ser considerada desprezivel a sua fungio de autoajuda, dada a proliferaso desses institutos por todo 0 espaco portugués. Mas o Estado no os protegeu, Muito pelo contrario: as les testamentérias ¢ de desvinculagao da propriedade atingiram-nas diretamente e a pol tica tributéria nfo as poupou. A semelhanga do que se passava noutras ‘monarquias catélicas ilustradas, nao Ihes reconhecia utilidade piblica. ata-se, aqui, de mais um assunto a requerer investigagao. Quanto & fiscalizago das atividades e controle dos dinheiros por parte do poder central sobre esse po de agremiages, se para as con frarias se deteta a intervengio desde meados de setecentos, é nos anos 1790 que 0 cerco se aperta em torno das Ordens Terceiras — 0 que pode ser explicado pelo crescente prestigio e riqueza dessas comuni. dades. Em 15 de novembro de 1792 ordenou-se aos provedores das ‘comarcas que tomassem contas is Ordens Terceiras, Pouucos meses de- pois, em marco de 1793, foi expedida nova provisio com igual ordem © uma outra, de setembro 1794, estipulava 0 mesmo, mas alargando as auditorias aos dltimos 20 anos. Finalmente, um aviso 7 de marco de 1794 dirigido a Mesa da Consciéncia mandou-a propor as providéncias (Ondens teresa no no tnorairo (ocal XVLXIX) 35 «que julgasse oportunas contra os abusos das Ordens Terceiras ¢ confra- rias do Ultramar. No regime liberal portugués (1834-1910) as Ordens Tercei ras, que a legislasio englobava (incorretamente) entre as confra- rias, dependiam dos governadores civis, a quem tinham de pedir a aprovagio de estatutos, orgamentos € contas, como todas as outras “instituigdes de piedade”.*" Concluindo Em Portugal carecemos de estudos sobre a maior parte das Or dens Terceiras, sendo clamoroso 0 vazio de Lisboa e do Sul do pais E, contudo, a exploragio do seus acervos documentais abriria fecundos campos de anilise historiografica porque ndo permite apenas conhecer essas fraternidacles com 0s seus patriménios, rendimentos € despesas, homens ¢ mulheres que as corporizavam, as suas quezilias, rengas e priticas devocionais assistenciais ow as relagdes que manti- tnham com os frades das Ordens Primeiras ¢ com as demais insti locals. Cruzem-se todas essas questdes com outras jé colocadas por {quem trabalha a Igreja (em particular as ordens religiosas, os bispos © 4 intervengio do Estado na instituigdes eclesidsticas) a asisténcia, os pobres, os mecanismos de empobrecimento, as doengas ¢ os seus trata mentos, a atitudes perante a morte, a circulagao de livros e de corres: pondén do Império através de doagies ¢ testamentos, as priticas crediticias, 6s instrumentos de ascensio social ¢ de alirmago das elites nas suas ‘comunidades, a sociabilidade de mulheres ¢ 0s seus espagos de poder. E até, como ja comegou a ser explorado, a utilizagao dos ritos proces: sionais das Ordens Terceiras para o estudo da climatologia.© lidade que todos os Ter- ia, a transferéncia de bens e rendimentos entre os territérios Porque nio tem sido destacada a possi ceiros tinham de ingressar nas fraternidades congéneres sempre que Stn o asst, ver LOPES, Mari Anns Insts de ede benefits do tit ce Col Ind de 1870 Reina Tt de Scale ed Calera, Coes, 1,9. 317358, 201, © SILVA, Ana Marre Dit hy FIGUEIREDO, Fernanda “Pres 2 Now Senor para dat bom tempo", recs ¢Proinge de Rentini da Orde Franca Secolr de Coimbra (culo XVI XIN) Mir, Port, IV i, ol. 8m 1, S477, 2018 36 Willa de Sours Martins mucavam de residéncia? Nao haja dividas sobre a importincia do uso das patentes na integrasio nas novas comunidades, fosse para os que se deslocavam de vilas ou pequenas cidades portuguesas em diregio a Lisboa ou Porto, fosse para os que seguiam para as cidades do Bras fosse, ainda, para os que regressavam as terras de origem depois de ongos anos de auséncia. Utilizando as metodologias da historia da vida Privada, nfo seria frutuoso buscar as existéncias de quem durante toda 4 sua vida frequentou uma Ordem Terceira? Ou abordar a documen- tagdo desses institutos no Ambito da historia da cultura material? E, para meados do séeulo XVIII, também jé & possivel e facil cartografar a implantago das Ordens‘Terceiras em quase todo 0 territorio nacional, recorrendo s Memérias Raroquiais de 1758 na excelente edigzo em cur- s0 coordenada por José Viriato Capela.® Os estudos sobre Ordens Terceiras portuguesas concentram -se no Noroeste € Coimbra, Os poucos inventirios de documentagio Aisponibilizados aos investigadores provém das mesmas regides:™ Pe- naficl® e Coimbra." Mesmo assim, é possivel asseverar a sua pujanca setecentista, a qual decerto se explica por um conjunto de caracte. risticas que as distinguia das Misericérdias. Ao contrério destas, nas (Ordens Terceiras nio havia numerus clausus, nao se separavam os irmios em duas categorias, nelas ingressavam mulheres © grupos sociais mais baixos. Mas, simultaneamente, os critérios de selegio impostos de or dem racial, social e de costumes fazia delas instrumentos de reconhec ‘mento social para todos os excluidos das seletas Santas Casas, Podemos “© Pulicads pr dtsitos ministrative em 8 volume, ln snd ss dst: CAPELA, Jone Vino (cord) erga dedi de] nor Merrie Paros ce 1758 tan de Purine ra Casa Mae de Mong da Unvesade do Min, 20032016 * Enhoa em 2007/2008 Sandra Patio tena deni cxnvetigalresa explore a documen ‘ago ie Orem Tere deS, Fracaco de Sines, ci dn cota lentes (PATRICIO, Sod "A Yerael OdemTereia desta vil de Sine” Fontes prs seu esto m Arquivo Hitdein Arlo Slade, Sina, Sins, 55:57, p. 7, 18,17, 2007-208). ine Oo Teri do Car invent do serv document, Penfel: Ciara Map de 1, 2008, ntl rena: Fernandes, Pal Sl, Hira Aint, p44 32 A, An Magra Didnt de rtrd! Ode Ti dl tc dF shade de Crs (1659-20). Lisbon e Cob: Centro de Eto de Hiri Religious da Univer Cates Portugues (Lisboa) eVenerivel Orden Tercera da Pentel eS: Peele (Coimbra), 2013 . ‘Orden tercirs no mando lio-besce (Sculos XVIXIN) 37 também invocar como incitamentos dadesio a Ansia de vida mais risti, ‘as indulgéncias concedidas, os sufrigios pelas suas almas e os beneticios, iateriais que se podiam colher (preferéncia no crédito, por exem- plo), todos fatores importantes também para os grupos soca mats clevados. Por fim, para os que nao podiam almejar a eee numa isericordia, exam apelativos a interajuda ¢ os socorros na doenga ¢ na eS eres cles, ¢ 0s fumerais que a Ordem Ihes assegurava. Além da sociabilidade proporcionada durante a vida, Em- Ses possam também aplicar-se a muitas confrarias, bora todas essas iqueza crescentes das Ordens Terceiras transformava-as 0 prestigio e em instituigdes mais atrativas, numa época em que boa parte das con frarias se debatia com dificuldades financeiras. Creio, também, que os os nas Ordens ‘mesmnos fatores explicam o elevado nimero de ing “Terceiras oitocentistas,

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