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Do uso de "estudo de caso"em pesquisas para dissertagdes e teses em administracao Marcos Cortez Campomar Professor Titular da Faculdade de Economia, Administragao ¢ Contabilidade da Universidade de Sto Paulo INTRODUGAO ‘A necessidade de apresentagdo de dissertag0 ou tese para obtenglo de um titulo acadmico parece vir de um cos- ‘tume medieval, que exigia a defesa de um ponto da doutrina religiosapelos candidatosaentrar na Ordem dos Franciscanos (Smart & Conant, 1990). Os objetivos mudaram, mas a im- pportincia no, pois essa apresentago éreconhecida como va- lisa para o treinamento de pesquisadores e, principalmente, porpossibilitarconhecimentonovoem determinadaérea, Oconhecimentonovo, representado pelo estado da arte sobre um certoassunto, temevolufdo sempre, sendo transmiti- do de uns para outros (Goode & Hatt, 1979). Modernamente, nasescolas procura-se transmitir oconhecimentoaos que tém ‘vontade de aprender (e, 2s vezes, mesmo aos quendioatém), Quando © conhecimento a ser transmitido origina-se apenas da escola na qual foi aprendido nao hi avango e este processo de endogenia paralisa o desenvolvimento. Quando ‘© conhecimento vem somente de outras escola, Ad um rocesso de dependéncia que também acaba se transfor- ‘mando em endogenia, Porém, se o conhecimento vem prin- Imente de pesquisa, hd avango no estado da arte, Porque hd conhecimento novo ¢, neste caso, surge a inde- pendéncia intelectual (Kerlinger, 1979). Neste sentido, es- pera-se haver pesquisas nas escolas, desenvolvidas tanto por professores quanto por alunos. ‘A maioria das pesquisas académicas na frea da Admi- nistragio stragto tem surgido nas dissertagbes € teses, que ajudam a montar ou comprovar modelos ¢ teorias, além de fomecer informagées, principalmente no caso de pesquisas decampo. No Brasil tem-se dado grande énfase & produglo de dissertagaes e teses que desenvolvam pesquisa de campo, isto porque somos carentes de conhecimentos sobre nossa conjuntura, Na disseriagHo, normalmente, a pesquisa pode set mais simples do que na tese, pois o candidato ao titulo de mestre s6 precisa demonstrar ser capaz de isolar um assunto ¢ dissertar sobre ele, com base em pesquisa biblio- srifica ou de campo dentro de metodologia cientfica. Esta 6, em geral, a primeira fase de um pesquisador (professor) (ou pode ser a forma de um individuo mostrar que & mestre cm uma érea (mestre ndo significa ser 0 individuo profes- sor, mas sim dominar 0 tema que se propés pesquisar). Hi rmestrados em Business Administration em boas escolas dos Estados Unidos da América, as quais nfo exigem a pro- duglo de uma dissertagao a ser defendida. © doutorado diferente, Nesta fase, 0 individuo demonstra que, a parti da obtengao de seu utulo, poders ser tum pesquisador independente, pois nfo precisaré mais de um otientador. Por isso a tese de doutorado deve ter cariter de ineditismo e apresentar dominio da metodologia cientifica. ‘A metodologia, ou método cientfico, assume grande importincia nas pesquisas académicas © sem ela os resultados das investigagdes seriam de dificil aceitagao. O ‘método cienufico 6, simplesmente, a forma encontrada pela sociedade para legitimar um conhecimento adquirido empiricamente, ou seja, quando um conhecimento € obtido pelo método cientifico, qualquer pesquisador que repita a investigago nas mesmas circustincias, obleré 0 mesmo re- sultado, desde que os mesmos cuidados sejam tomados. Pode-se dizer, entdo, que 0 método cientifico de pes- ‘uisa é um conjunto de passos especifica e claramente de- terminados para obtengo de um conhecimento, passos estes aceitos pelas pessoas que estudaram e militaram na ‘rea em que foi realizada a pesquisa (Selltz et aii, 1974). ‘A Administragdo faz parte da rea social ¢ as pesquisas desenvolvidas so sobre © conhecimento prético. Assim, a pesquisa em AdministragSo pode ser chamada de Pesquisa Social Empirica. ‘© método cientifico da pesquisa social empirica per- mite que se faga levantamento, observagio e experimento, fomecendo conhecimento sobre opinides, atitudes, crengas © percepgbes dos individuos, sejam eles agentes ou pa- ciemtes de um processo (Campomar, 1982). Revista de Administrasio, $0 Paulo v.26,n. 3, p. 95-97, julofsetembro 1991 9s ‘Marketing 6 uma das subéreas da AdministragBo © ha necessidade de diferenciar-se pesquisa em Marketing ~ que busca encontrar tcorias © modelos basestdos em situagBes reais — 0 mesmo tipo de pesquisa utilizado em outras subéreas da administrago, com pesquisas de Marketing — atividade especifica desta érea. © método cientifico usado para fazer-se pesquisa de Marketing ¢ 0 mesmo utlizado para qualquer tipo de pesquisa. © que varia si0 os objet ‘os, as uilizagbes e, mesmo, as formas de apresentaydo. ‘Como os professores ¢ os estudiosos de Marketing ge- ralmente Iecionam e estadam Pesquisa de Marketing, ficam familiarizados com a metodotogia cientifica e, por isso, & comum seem convidados a lecionar metodologia de pesquisa. Deve-se considerar que pesquisas de Marketing sio diferentes de pesquisas em Marketing para nto serem Aaceitos indiscriminadamente todos 0s trabalhos desenvolvi- dos da fea como sendo académicos. Para realizagto de trabalhos de pesquisa em Adminis- tragio, a maioria dos autores classifica os estudo em explo- ratrios e causais. Esta classificagdo € académica, com virias eriticds © superposigbes, mas ajuda no entendimento das estratégias utlizadas para-se fazer uma pesquisa. Estes estudos sto, em geral, para construga0 de teorias ou mode- los que expliquem uma situag0 pritica (Eisenhardt, 1989). No entanto, para qualquer tipo de estudo em desenvol- vimento poderio ser utilizados métodos quantitativos ou qualitativos. ‘Nos métodos quantitativos procura-se encontrar medi- das em populagSes € quando, por limitaglo de recursos, ise0 nto se toma ditetamente possivel, procura-se encontrar cessas medidas através de inferéncia estatistica, usando-se amostras de populaglo © testes paramétricos ou nio- pparamétricos de inferEacia, [Nestes casos as ansilises podem ser univariadas, biva- riadas ou mulivariadas baseadas ea levantamentos de opi nides, atitudes ¢ crengas dos elementos das populagbes. J4 nos métodos qualitativos no hi madidas, as possiveis inferéncias nio slo estatisticas e procura-se fazer anslises em profundidade, obtendo-se até as percepbes dos elementos pesquisados sobre os eventos de interesse. © uso de métodos qualitativos tem crescido em im- portincia nas pesquisas académicas em Administracio e, entre eles, o Estudo de Casos merece destaque por sua uti lidade e pela falta generalizada de conhecimento sobre essa metodologia (Stake, 1983). © QUE & “ESTUDO DE casos" Quando se fala em estudo de casos vem logo & mente a idéia do uso de casos como tentativa de reprodugio da realidade para o ensino, o que é chamado métode do caso. Neste trabalho estamos falando de estudo de casos como método de pesquisa social empirica, 0 que & compleia- mente difereate. E preciso lembrar, ainda, a existéncia na li- teratura da pesquisa no método do caso: pesquisa sobre 0s resultados de uso do método do caso no processo de en- sino. Esta diversidade no uso de palavras iguais para apre- senlar atividades diferentes tem confurdido muitos estudio- sos, tanto quando se usa a literatura brasileira, como quan- do uilizada a literatura estrangera,traduzida on no. Ousodeestudodecasosem pesquisatem sidoapresenta- ‘do de vérias formas, porém, a definigdo de Yin (1990) parece sera mais adequada: "O estudo de casos € uma forma de se fazer pesquisa social empirica ao investigar-se um fen6meno tual dentro de seu contexto de vida-ral, onde as fronciras entreo fendmeno 0 contexto nao sio claramente definidas € nasituagoem quemiliplas fontesdeevidencia sto usadas". QUANDO USAR “ESTUDOS DE CAsos" 4 muito preconceito quanto ao uso de casos em pes- quisa, primeiro por aqueles que desconhecem 0 método € 0 consideram pouco estruturado, file, por isso, povco aca- d8mico. Em segundo lugar, por aqueles que acreditam ser verdadeiso somente aquilo que & quantiticado. Os dois gru- os exti0 equivocados. Com relagio 20 primeiro grupo, porque 0 métado do caso aio € fil, j6 que quanto menos esiruturada, mais dfcl a apicaglo da metodologia de pes- quisa e necesséria maior dedicagao académica (Bonoma, 1985). Quanto aos quanttativists, € bom lembrar que as verdades expressas de forma quantitatva precisam ser ex tus e quando a estatistica esti sendo wilizada, a procisso nto € necessra apenas no tratamento dos dados, mas, prin- cipalmente, na sua coleta. O que se vé, muitas vezes, si teatamentos estatsticos com tGcnicas sofsticadas sobre da- dos mal coletados, nos quais aparecem amostras mal feitas (eo aleatérias), além de mau uso de testes paramétrcos de inferéncia em escalas nominais e ordinas. Em algumas situag6es, 0 pesquisador tem uma técnica ‘quantitativa (uma solug30) ¢ procura um problema para aplicé-La 0 inverso da correta prtica da pesquisa, que reco- ‘mend, em primero lugar, a definigio do problema para, depois, enconizar a melhor forma de resolvé-lo. E melhor fazer uso sofisticado de. uma técnica simples, em vez de procurar téenicas sofistcadas apenas porque esto dis- poniveis (Castro, 1977). ‘Tanto os métodos quantitativos quanto os qualitaivos 18m suas limiiagdese estas limitagBos devem ser claramente ‘mencionadas n0s trabalhos cienicosa serem publicados. ‘A zea de Fsiucagdo tem usado, hé mais tempo, estu- dos de casos em suas yesquisas, enguanto apenas atual- mente a Administrago comesa a utiizé-los. A falta de ex- peritneia € escassa literatura a respito fez com que os trabalhos pioneiros safssem com algumas fathas, dando en- sejo as criticas daqueles que nio conhecem 0 mStodo, da mesma forma que, em tabalhos quantitativos anigos, la- bborados com outras metodologias, podem ser deteciadas er- ros, hoje considerados primérios. © estudo de casos envolve a andlise intensiva de um riimero reltivamente pequeno de situag6es e, As vezes, 0 rnero de casos estudados reduz-se a um. E dada énfase & completa descri¢do € 20 entendimento do relacionamento dos fatores de cada situagio, nto importando os nimeros envolvidos (Boyd & Stasch, 1985), © estudo intensivo de um caso permite a descobera de relagdes que ni seriam encontradas de outra forma, sendo 96 Revista de Administragio, Sio Paulo v.26, n.3, p. 95-97, ulho/setembro 1991 as andes einferbcias em esto de c40s fits por ana- toga de siuagbs, respondendo princpalmente As queses rave? € com Per Kieu pesquisnors,anaisndo casos, fazem medi- das ¢ estes de infréncia sobre as vardvels nelesencon- tras, Tis estudos, a maori das vezes,passam ser auaniatvos e nto. dovem ser chamados do estudos de cases COMO FAZER ESTUDOS DE CASOS Yin (1990) apresenta a melhor explicagao de como 0s estudos de casos podem ser icitos. Primeiramente, nocessério definir-seclaramente 0 pro- blemaa ser pesquisado, deixando claro que o uso de estudo de casosé estratégia adequada pararesolveresse problema. Depois, deverd ser desenhada a estrutura da coleta de dados € a apresentagao das perguntss principais, decidindo- se por um tnico ou por miltiplos casos, embrando que 0 uso de mais de um caso deverd ser determinado pela conve- nigneia ¢ oportunidade ¢ no para aumentar 2 possiblidade de inferéncias. Devers ser decidid so 0 estudo seré de natureza global Holistic), abrangendo todos os elementos do caso como tum todo, ou de natureza encaixada (Embedded), abrangen- do varios niveis dentro do caso. E imprescindivel a preparagao de um protocoto relacio- nando as atividades a serem realizadas © 0s procedimentos aserem seguidos. Deverdo ser determinados os instrumentos para a cole- ta de dados, os quais, normalmente, poderiam ser literatura, ‘documentos de arquivo, entzevistas (com decisio sobre es” trutura e disfarce), observago (partcipativa ou néo), expe- ritncias e, mesmo, artefatos. ‘As andlises deverio ser feitas prinipalmente por ana- BONOMA, Thomas V. Case re- search in marketing: opportuni ties, problems and a process. EUA: Journal of Marketing Re- search, v. XXII, p. 199-208, May 1985. BOYD, Westfall & STASCH. ‘Marketing research: text and coses. Ilinois: Richard D. Ir ‘win, Inc. 1985. CAMPOMAR, Marcos C. Pes- guisa de marketing: um auxilio A decisio. So Paulo: Briefing, v.4,n, 43, p. 20-22, abr. 1982. CASTRO, Clfudio de Moura. A rdtica da pesquisa. SI Paulo, cial. Revista de Administ Referencias Bibliograficas McGraw-Hill do Brasil, 197, EISENHARDT, Building theories from case study reseach. EUA: Academy of Management Review, v. 14, 1 4, p, 932-550, 1989, GOODE, William J. & HATT, Paul. ‘Métodos em pesquisa so- ‘Sao Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979. KERLINGER, Fred N. Metodolo- ‘gia de pesquisa em ciéncias so- ciais: wn tratamento conceitual ‘So Paulo: E.P.U. Editora Pe- dagégicae Universitaria, 1979. SELLTIZ, Claire et ali. Métodos logias, contendo comparagbes com teorias, modelos ¢ ou- {os casos. AAs conclusbes deverto ser especificas, com possiveis inferéncias (no estatisticas) ¢ explicagbes permitindo que as generalizagoes sejam usadas como base para novas 1co- ras e modelos. Nio se deve esquecer que as limitagdes gerais ine- rentes a0 método, ¢ as especificas que aparecem em cada pesquisa, deverio estar claramente expostas, CONSIDERAGOES FINAIS io tive a pretensio, neste ensaio, de ensinar 0 méto- 4o de estudo de casos, mas sim, a de apresentar idGias que sirvam para ajudar pesquisadores a ver neste método uma estratégia de pesquisa relevante para muitas situagBes, néo em detrimento de métodos quantitativos que, muitas vezes, 0 indicados como jnico caminho, mas como alternativa ltl e firme a ser usada para problemas especificos. sempre aconsclhavel fazer um trabalho seguro, com ‘base em métodos qualittivos, do que construir um caste- lo de cristal sobre alicerces de arein movedica, com 0 uso de métodos quantitativos quando eles no so os mais indicados. O estudante que estejatrahathando em sua dissertago de mestrado ou tese de doutoramente em Administragao deve ter a coragem de usar 0 método de estudo de casos fem suas pesquisas, quando indicado, sem intimidar-se por possiveis preconceitos e som se deixar seduzir por téenicas uantitativas, tomadas acessiveis pela moderna tecnologia de processamento eletrnico de dados ‘A bibliografia referenciada neste trabalho poder ajudar aqueles que precisarem usar estudo de casos, tan- to na justficaiva para sua utilizagtio, como nos passos a serem seguidos. depesquisanasrelagées sociais. S30 Paulo: E.P.U. Editora Pe- dagégica eUniversitéria, 1974. SMART, Denise T. & CONANT, | Joffrey S. Marketing disser- | tations: profilig the successful | thesis candidate. EUA: Journal | of Marketing, Education, p. 2- 8, Fall, 1990. STAKE, Robert E. Estudos de caso em pesquisa ¢ avaliaggo educacional. Educagdo | ¢ Selegdo,n.7, janJjun. 1983, YIN, Robert K. Case study re- search: design and methods. 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