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Rosalind Krauss O fotografico ilo original: Le Phaageaphique Powe une Théorie des Beart Publicado originalmemte por Editions Macula, Paris, er 15%) Traducao: Anne Marie Davte Resisio: Maya Hantower ¢ Lane de Castro Capa: Toni Cabré, Editorial Gustavo Gili, SA Fotografia da capa: Roger Parry, 1930, © Parry. Droits réservés. ‘Todos os direitos reservados. Nentinma parte desta publicacio protegida por erppright pode ser utilizada ou reproduzida de qualquer forma ou por quaisquer meios = grafico, eletn- nico ou mechnico, ineluindo fotucépia, gravacao on sistemas de armazenamento © (rans missin de dados — sem autorizaga por escrito da Editora, A Editora mio sc pronuncia, expresa ou implicitamente, a respeito da acnidade das informacées contickes neste livre © ndo accitara qualquer responsabilidade legal em caso de erros ou omisibes, ‘© Editions Macula, 1990 pari a presente edigo: © Editorial Gustavo Gili, SA, Barcelona, 2002 Impressio: Hurope, SL, Barcelona, indice Prefacio, por Hubert Damisch . Introdugao: A expresso «Histéria da Fotografia. refere-se a.um objeto de pensamento existente? Seguindo os passosde Nadar .... ‘Os espacos discursives da fotografia . A fotografia ¢ a historia da arte © impressionismo: narcisismo da luz... Marcel Duchamp on 0 campo imaginario : A fotografia como texto: 0 cD Namuth/Pallock 6 Fotografia ¢ surrealisino A fotografia ¢ a forma Stieglitz: equivalentes ‘Os noctimbulos Sobre os Nus de Irving Pen a fotografia como colagem ....64.0e00e0erecdeeeeesieee A margem da fotografia Corpusdelicth oo... e eee Sea gicmert nae ao ‘Quando fatham as palavras . ; Nota sobre a fotografia e o simulacro , Bibliografia ... indice onoméstico Créditos Fotogrificos 65 76 105. 71 216 251 233 239 A partir da fotografia A fotografia invadiu os salGes de exposicio de museus ¢ galerias de arte. Mais ainda, seu ingresso velativamente recente no campo da critica como objeto de saber ¢ andlise, assunto de pesquisa ou tema de reflexio tem o efeito parado- xal de ocultar a realidade da qual é, ao mesmo tempo, signo e produto. Por ocultar esta realidade, por mascaré-la ou Go bem deturpar o seu sentido sob acao, a proliferacio de escritos de todo tipo dedicados a uma pratica considerada por muito tempo demolidora parece andar par ¢ paso com a afirmacio prdpria da modernidade de uma conti nuidade restabelecida para além da ruptura. © surgimento de um comércio especializado particularmente florescente ¢ a especulagao desenfreada acaba- ram de vez com controvérsias fiiteis sobre o estatuto da arte fotogrifica, enquanio os pregos alcancados pelas chamadas tiragens “de época” corres pondem a um retorno no melhor dos casos equivoco — ¢ até contraditério quanto & operacko constitutiva da fotografia — das nogdes de “autenticidade” ¢ “originalidade”. Chegou a haver @ ressurgimento de uma nova forma de aura, substituta fetichista da queenvolvia a obra de arte tradicional, quando era de se supor que © desenvolvimento dos meios de reprodugio mecinicos da fotografia precipitaria o desaparecimento dessa aura. Mas o fenémeno tem outras conseqiiéncias: como aconteceu na sua época com a pintura, 6 ingres- so da fotografia no mercado da arte tem como corolirio o florescimento de uma “literatura” especializada por género, ordem de prioridade, catilogos, monografias, preficios ou textos criticos que obrigatoriamente a acompa- nham, Como se algo pudesse ou devesse existir de fato como literatura da foto- grafia; como se a fotografia devesse ou pudesse ser objeto de literatura, Parte dos textos reumidos por Rosalind Kranss sob o titulo Q Fotagrifico ves ponde aparentemente a esta descrigao. Nesse livro, o leitor encontrar @ pre- ficio que ela redigiu por ocasiao de uma exposicgao dos Nus de Irving Penn, bem como os dois ensaios dedicados 4 fotografia surrealista, que escreven, como introdugio a uma exposi¢io memorivel que parcialmente montou. Estes textos, porém, transgridem a lei do género, na medida em que a autora, em vez de escrever sobre a fotografia, é tentada a escrever contra ela tamente contra a fotografia, mas antes contra uma determinada maneira de eserever sobre cla ¢, em particular, sobre sua histaria, De mado que este livro, 7 fragorosa testemunha da irrupeio da fotografia no campo da critica, assume posicio de ruptura com o discurso dominante © wrabalha inde de encontro a ¢le, porque age 4 mancira de um corpo cstranho que perturba sua cconomia por demais regulamentada, por demais azcitada ou — melhor ainda — que desloca essa econon ‘Tenho por exemplar o trabalho realizado por Rosalind Krauss a partir da fotografia — repitor a partirda fotografia ¢ mio sobre cla — em primeiro lugar por causa do olhar de singular acuidade que ela quis ¢ soube dirigir sobre sua propria trajetéria critica: uma trajetéria que, depois de acompanhar ao que parece um movimento de época — quando nao de moda — eveluin progres: sivamente volundese sobre ela mesma ¢ soube extrair desta involugio refle- xiva seus recursos mais constantes. Frente ao excesso de andlises ¢ comenta- rios de que a fotografia € objeto nas dias de hoje, Rosalind Krauss ob leitor a se perguniar o que se deve entender por “histéria” aplicada a esta arte. i A eschevernos, supondo-se que seja possivel escrever algo além de uma “pequena histéria” da fotografia, para retomar o titulo atrituide por pouco 4 lite- oriadares, Tratase, porém, igualmente de uma histéria tal como cla nos escreve, tal come irrompe em nossas vidas, aqui, agora, pelo canal ¢ sob a iluminacio, 7 © das sombras que pertencern a fotografia: uma his toria revestida de uma dimensio eminentemente pessoal quando atinge sir meta de chofre por intermédio do que Roland Barthes designon como seu phnetum, odetathe, 0 traco que nela me pontua, aponta para mim, me punge. entre Outras Coisas, da Aforga do texto de Rosalind Krauss basta para coloci-la lade a lado coma *Pequena histéria da fotografia” de Walter Benjamin ow a “CAmara clara” de Roland Barthes, duas obras em que ela reconhece a honra do que cham, sem muito pensar, de literatura fotografica. Essa forga provém decidida do grau de interioridade, em resumo, de intimidade que este texto pode atingir na descrigao da foto dc um nu assinade por Man Ray ou Irving Pen come da intensidade dos encadeamentos, deslocamentos, curtos-circuitos com os quais joga no registro de parte do inconsciente entre imagens mobi zadas pela analise, mas.sem por isso perder jamais a posigio de exterioridade e até de controle que decidi assumir. Isto vale para o olhar que eta dirige sobre sta prépria experié (co se Timita aqui a bali: ar um ilinerério que conduzira uma critica formadas pela escola de Clement Greenberg — , por este motivo, habil cm todas as sutilezas do “formalismo” (termo despojade de qualquer conotagao pejorativa, tanto para ela quanto para mim) —a querer testemunhar a aparicio em Nova lorque, nos anos 70, de formas de arte que pensava poder ainda qualificar de absstratas, embx sem elas premissas de algo completamente 8 forma s ctapas de um Trabalho ou A ticess vas fases de uma agio que , pelo viés de uma montagem documental ete forma mais sutil, de pracessos. operacoes, interven ses, ATOR Tmances efeme-— que ressungiam elas riscado no pipes chio, no casa do Land Art) ou vestigio da impressio (deixadio ou exibido por um corpo, no caso do Body Arf), em que Rosalind Krauss soube reconhecer a forte influéncia do modelo fotografico. Melhor ainda: revelaresta influéneia a ponte de the atribuir valor de sintoma ou indice, ao estilo da solucao qu que. por reducho dos sais de prata expostos a luz em prata tietilica, torn vel. na ciapa da revelacio, a imagem latente impressa sobre a placa oa pelicu- Jano fundo da caixwesctiva ¢ a revela pelo que é: um indice 16 semlide atribu- ido pelo filésofo americano Charles §. Pierce, am signo que mantém com sew referente uma relagio direta, fisica, de derivacio, de causalidade. Devemos a Rosalind Krau: @ fate de ter desenredade os motives propria: mente estéticos da ascendéncia exercida por Maree! Duchamp sobre a gera- so de jovens artistas americanos que ingresaram no palca noviorquino no momento em que © expressionismo abstrato perdia o folego. Isso (a perda de flego), por motivos que nada tém a ver com o desgaste ou com a moda, escla- Fece a pergunta que obcecou os grandes mestres da abstracio rice america: na ¢ serve para situd-la como um dos grandes momentos da arte deste século: © que acontece com o sujeita da pintura, ou, literalmente, com o sujeito ma pintura? Pergunta que talvez nao peca resposta, pelo menos ndo uma respos- ta que @ anularia enquanto pergunti, questi que ndo-se pode resolver, se for verdade que ela se inscreve, enquanto tal, nos primérdios desta arte e que dela faz sua condicio € motivagao. A lenda clissica da origem da pintura contada por Plinio — 6 tracado, realizado pela filha de um olcire de Sicione, da som- bra de scu amante desenhada nun ivel com- ponente indicia, Pois son m carpe, come nie existe fumara sem fogo) é um indice, no sentido auribnifdo por Pierce: ¢ indice, mas. que mio deixa qualquer traco permanente, a nao ser que possa ser elrcunscrito ¢ fixatlo. A nacio de projerio— esta puramente teérica — sobre a qual boa parte da pintura chissica se pautou através do dispositive perspective, nio tinha outro significado. A cla responde o mito que Alberti pretendeu colocar no lugar da lenda tradicional: o de Narciso mirando-se na superficie da agua, Um mite, nao mais uma histaria © aquelas contadas per Plinio, que tem como funcio primeira inscrever © sujeito como herdi de fabula na pintura ¢ como sew inventor (no sentido em que se Eala ce inivertceio dla fotografia); tanta € que Narciso néo pode alimentar a esperanga de apre- ender a imagem que o espelho Iiquido Ihe devolve, s6 apontar este espelho como uma superficie que suas mios nao saberiam como atravessar € que Ihe cabe abracar (mas cada um de nés percebe logo que a.questio do sujeito ja na lenda da filha de Sicione, através da roca de posicdes entre objeto ce sujeito do desejo, a irrepreensivel passagem de um a outro a que se resume _fazerante). = Nao caberia dizer que o componente indicial da pintura tenha sido algum dia motivo de forclusdo. A propria Rosalind Krauss nio podcria ter deixado de observar que a grande pintura americana dos anos 80 apresentava uma forte caracterfstica indicial: quer se trate dos tracados em pleno vao de Pollock, dos sutis arrancos de Barnett Newman ou do fluir cuidadosamente organizado de Morris Louis, todos estes tragos remetem diretamente ao gesto que os origi- nou, O mesmo, porém, ocorria ma pintura clissica, com os tacos visiveis da evidéncia: @ toque em que gostariamos de reco abhecer o vestigio da subjetividade, porque nela se inscreve a presenca do pré- prio pintor ¢, se mio dele, de sua mao na origem da obra. Se a critica, se a his: téria da arte foram levadas a enfatizar o componenie icénico da pintura em detrimento de sua aparéncia scnsivel e a confundir a imagem com o quadro, nio se deve procurar a razio dessa atitude numa cegueira qualquer ¢ sim na vontade cada vez mais afirmada de ignorar @ que acontece com o sujeito da pintura, com o sujeito na pintura, esta arte cuja intimidade no coraco do homem aumenta 4 medida que se torna mais material, como dizia Delacroix O.que a geragio dos anos 60 reteve da ligio dos mais velhos nao teve nada a ‘yer, no entanto, com os éxercicios “materiolégicos” a que se tinha entregado, deste lado do Atkintico, um pintor como Dubuffet. Se esta geragde se desviow de Picasso para olhar o territério de Duchamp foi com a idéia de aprender com este ultimo a utilizar o proprio real como matériarprima, como fazem a Tovografia ¢ o cinema. Do proprio real, incluinde-se 0 sujeito dito produtor ou artista”, cuja atividade nao teria outra fungdo nem outra razto de ser sendo a de montar 0 palco cada vez mais desmantelade de sua comparéncia ov entio de “desconstrui-la” com obstinagao, por uma decisio justificada doravante somente pela sta propria reiteragao, por sua repetigao convulsiva, £, portanto, o proprio movimento da arte que teri conduzide Rosalind Krauss, num primeiro momento, as raias da fotografia. As razdes que a leva ram a escolha deste campo, nele realizar mais do que repetidas incursbes, sio imtiltiplas. Parte do interesse suscitado por este livro nasce da preacupacio da autora em entender a receptividade da fotografia por parte do ptblico a par tir da sua experiéncia pessoal, de seu proprio percurso critico. Por que a foto grafia ¢ Lio importante hoje para nds? A esta pergunta, que formulou sem rodeios, Rosalind Krauss soube dar uma resposta singular, subjetiva (como 10 tem que ser quando sc trata de julgamento estético), mas que, por apresentar ‘essa mesma subjetividade e singularidade, se reveste de maior valor geral, Umma questio de humor, entre outras: s¢ estivermos dispostos a investir (em todos os sentides da palavra) na fotografia, seria em parte por lassidao, cansados dos jogos cada vex mais regressivos em que se perde @ pintéira, mas também sede vidos por ma forma de arte diretamente conectada ao real, uma arte funda- mentalmente realista, no sentido estrito da palavra, por sua prépria natureza, gua funcio de indice. O movimento que faz com que nas voltemos para a foto- grafia seria somente um sintoma, entre outros, do mal-estar da modernidade? Isto seria ignorar que a fotografia passowl por um de seus momentos mais ct tivos na época em que a abstvagao tinha conseguido imporse come um dos artigos do credo: moderni: sob muitos aspectos, © trabalho dos anos 20 sobre as condigdes materiais de producio da imagem fotografica, assim como. ‘6 trabalho sobre seus componentes téenicos ¢ formais nao tem equivalente hoje. Que este trabalho tenha sido levado adiante no contexto do surrealismo, como aconteceu com os raiogramas ou as solarizacdes de Man Ray, © que as pesquisas empreendidas no programa de ensino na Bauhaus tenham conse- guido se inscrever sob a bandeira da “Nova Visio", dando um salto por cima da instituigao, estes dois elementos histéricos analisades com: pertinéncia por Rosalind Krauss atestam a complexidade do relacionamento que « moderni- dade nunca deixou de cultivar com a realidade, de uma forma ou outra, € nao tém nada a ver com um “retorno 4 ordem™ qualquer. Este lives descreve assim uma tajetéria que corresponde a um verdadeiro deslocamento epistemoligico: ld onde 0 discurse oficial se esforga em trazer a fotografia 4 ordem, em deitarse na cama de Procusto da histéria da arte, em apagi-la enquanto acmtecimento para introduzi-la novamente na longa duragao ¢ continuidade de uma historia, a da arte. Arte de que seria produto, arte que teria preparado, suscitado, chamado ha muito, a panto de reduzir sua inven- gio a uma formalidade sem conseqiiéncia (come pretendia a exposicio Before Photography, apresentada em 1981 no Museum of Modern Art de Nova jorque), todo @ esforgo de Rosalind Krauss tem, a0 contririo, o objetivo de res irthe algo da forca, do valor de_ruptura que teve_originalmente ¢, #0 ~ jhesmo tempo, sublinhar sia vel exterjoridade. Tamanho empreendi- mento pressupée uma descentral fscurso: a fotografia no se deixa reduzir ds dimensdcs essencialmente. “estilisticas” da his da arte, ‘Came mostra a autoraa partir do exemplo do trabalho de Timoty O' Sullivan, Auguste Salzmann ou Roger Fenton, do proprio Eugéne Atget, que conquis: tou de plene direito seu lugar no Pantedo do século six, ela opera em outros espacos de discurso que n&o io estritamente artisticos: o espago da reporta- Bem, da viagem, do arquivo e até da ciucia. A aura algo suspe a que Ihe con- N fere hoje seu ingresso no muscu, overdadeiro culto de que os winlage prinesxio. objetos dormante sio como a paréd da obra de arte que teria chegado ao seu término com a invencao da fotogra- fia: o valor de exposicao leva vantagem sobre a fungdo de documentar. O resul- tado € que acreditamos dispor da fotografia como as obras de arte conserva. das no museu, quando ela continua evidentemente a dispor de nés, como 0 revela a imagem que nos assalta de reper 108 punge na hora da leitura dos Jornais ou quando irrompe de nose arquivo particular, O Fotagréficn decidi- damente, o titulo diz bem a que veio. Se a fotografia se impuser hoje como um dos polos de discurso critico, ela nao conseguir produzir todos os seus efei- tos na ordem tedrica senao sob condicio de sobrevir, como o fez historiea- Mente, falande no campo cultural, ¢ como o faz diariamente na vida inti desde que conservadas as condicdes tedricas desta sobrevinda. E preciso entio rejeitar, por motivos tanto de carter estratégi¢o como de principio, o lugar comum segundo o qual a pintura abriu caminho para a fot grafia, que a antecipau, assim como as formas modernas de narragio teriam aberto caminho ao cinema ¢ o teriam antecipado, quando nao ha neste caso nada sendo uma ilusio retrospectiva, ¢ que é a partir das novas praticas arti: ticas, dos processos © proceslimentos que as caracterizam ¢ igualmente por meio da linguagem ¢ da grade conceitual fornecida por ela que julgamos as priticas que as precederam. Di mesma forma € mister rejeitar, pelo menos por Precaucio, a participagto ma redagio coletiva de uma “historia da fotografia” qhe quisesse modelarse na histéria da arte, Nao porque a fotografia nao tem histéria, mas porque nos cabe novamente entender primeiro-o significado de Aistéria sob sua iuminacio. A fotografia no é apenas um indice do real. Mais ainda que o chamado “cinema de atualidades”, cla quer estar presente na his toria, tanto a oficial como a mais seereta, preseme na histéria coletiva bem como na histéria individual, A indiscrigio necessaria, constituniva, que é a sua, a faz multiplicar os dingulos de visio e escolher os pontos de vista sempre mais improvaveis para dar-nos a ver @ histéria, eveatualmente nossa propria ria para excitar em nés a inquictagio ¢ até o desejo — no pior dos casos — de despertarnos (como dizia Joyce) deste pesadelo. Tio empenhada nesta labu- ta, € freqiente que s6 consiga abordar @ contrapé desta historia, seu avesso, sua auséncia ou, a0 contnirio, o momenta de seu climax, quando o fordgralo quer permanecer 4 margem, testemunhar, se relacionar com a realidace man- tendo com ela um contato instramental ¢ estritamente pontual, instantinea, © tempo de um clique. A eficicia propria da fotografia no campo estético nio se deixa efetiva: mente isolar da eficdcia de sua mecanica, Delacroix ja se regozijava, na época, por ter a sua disposicao um meio de produzir, automaticamente a armacioda perspectiva do quadro, com o aparelho de apreensin da vista: a caixa fotogri- 12 fica tem uma disposi¢ao interna tal que a imagem formada na fundo da cima: ra escura obedece a uma regra projetiva aniloga & regra bisica de principio de construcio da perspectiva. A parte de automatisme do proceso fotagrati- co, porém, nio é apenas uma questio de ética, como Rosalind Krauss consta- tou no exemplo da fotografia surrcalista: considerado a partir deste crivo, € todo o problema do automatismo psiquico ou escritural que precisa ser estu- dado novamente, no sentido que André Breton ¢ seus amigos deram a estas palavras. Se for sempre a relacao do fotégeafo com sua técnica que julgara a fotografia em definitive, como escreveu Walter Benjamin, surge aqui wna das explicagdes para o mal-estar que por muito tmpo prejudicou o desenvolvi- mento de uma teoria, quando ndo de uma estética da fotografia. A concepeio fetichista de arte é inimiga da téenica come o é também da teoria; nae aceita facilmente que noves objetos venham reconduzi-la a eles, como disse Louis Jouvet sobre o cinema, alegando que esse condenava os homens de arte a fazer teoria do teatro!, A fotografia representa um destes objetos que chamamos “teéricos” © cuja irrupgao em determinado campo wanstorna tanto o mapa, que sc torna necessdrie retomar @ trabalho de medio comegando do zera, introduzir novas coordenadas ¢ talvez mudar o sistema de representagio. A historia da arte bem pode fingir ter digerido © até assimitade visceralmente a fotografia com a ajuda do mercado. Um livco como este tem como primeiro mérito dissipar esta ilusio ¢ invocar outra forma de projeriio que, longe de fazer um balanco da fotografia, a tomaria como ponto de partida ¢ trabalharia com cla obstinadamente. Hubert Damisch Nota: Louis Jounet, Le Comtdien ditimenred, Paris, HEH. Introdugao 0 Fotogrifico née vemete & fotografia como objeto de pesquisa, yas apresenta ‘@.que poderiamos chamar de objeto Eeorico. Assim, quer abordem o material fotografico reunido pelus expedigdes geogrifieas do século XIN ou os trabal- has de Atget, Nadar ou Brassai, os ensaios compilados neste livre nao pode- tam ser definides como cnsaios soére fotografia. Ao asumir essa atinde, ive, nada mais fazem senao seguir o exemple dos clissicos do discurso fotografico, aqueles autores a que nos referimos sempre ¢ cuja afirmagao desejamos refuiar, segundo a.qual o que se escreve sobre fotografia carece de interesse © profundidade, De fato, se poderia argumentar que a obra desses autores — euja breve lista iniciase por Barthes ¢ Benjamin — sequer versa sobre fotografia. “Nota sobre a fotografia” é 0 subtitula dado por Barthes La Chambre elesire {A Cimara clara), ¢ no entanto cle elimina de seu tema, uma apés a outra, cada pratica discursiva que teria permitido instiwir a fotografia come objeto io de sua analise, Para ele, a fotografia no é um abjeto estético; nao & um objeto histérico; nao é um objeto sacinlégico: A fote me comeve quando a subtraio de sen DIMI hubitual: “Téenica’, ‘Realidade’, “Reportagem’, “Ante’, ete, Calarae, fechar os ollios, deixar o detalhe emergir na consciée cia afetiva.” (p. 89) Na verdade, Barthes di as costas para todas as leis que autorizariam um nivel de generalizacao suficiente para organizéda em objeta de discurse — uma linguagem que seria formulada sobrea fotografia; a Barthes agrada enten- der aquilo que revela o filme como depositério de uma promessa utépica, a da “Géncia impossivel do ser dinico”. Para ele, a fotografia se constitnd de fato brute no seu estatuto de prova, (estemunha mua sobre a qual “nao hd mais mada a acrescentar”. E neste exato momento, quando o que Ihe da valor de prova tornase essencial, que a fotografia muda de condicda ¢ se transforma em objeto trérico, ou seja, uma espécie de crivo ow filtro através do qual pode-se organizar os dados de outro campo, situado em segundo plano. A Fotografia é o-centro a partir do qual torna-se possivel explorar este campo, mas, por acu- par essa posigio central, wansformarse de algum modo em mancha cega. Nio ha nada a deelarar sobre a fotografia, em todo caso. 4 Se for verdade que cada um dos textos de Barthes que abordam a fotogra- fia pode ser considerado como um texto que, 1 realidade, mio versa sobre a fowografia, © que dizer entio de Benjamin, o outro herdi do discurso sobre fowografia? ‘Assim como a fotografia se const _para Barthes no objeto tedrico que permite examinar a evidéncia bruta em sua relacha com a _cédligos de conoacic nor iBlicidade, ela contude represen- ‘ta igualmente o objeto tedrico de Benjamin. E a fotografia que Ihe pert refletir sobre a cultura modernista a partir das condicées geradas pela repro- ducdo mecanica, A fotografia é © dispositivo com @ qual se calibra os objetos dda paisagem cultural em termos de “reprodutibilidade”, Essa reprodutibilida- ide percebida recentemente € que poe 4 dispasicio de Benjamin os objets especifices de sua ansilise — como 0 desapareeimente da aura ou o relativis- mo histérico da nogio estética de original, por exemple. Um outro tipo de calibragem a que se pode submeter os objetos da expe- riéncia através da fotografia tem’ o nome de tindice'. Na medida em que a fotografia faz parte da classe de signos que maniém com sua referéncia rela- cées que subentendem uma associagio fisica, ela faz parte do mesmo sistema que as impresses, os sintomas, 0s tragos, os lices®. As condigdes semiolégi- cas proprias da fotografia se distinguem basicamente das condligies semiol6- gicas de outros modos de producio de imagem designadas pelo temo “icone”; ¢ € esta especificidade semiologica que permite transformar a fo.0- grafia em objew tedrico, por intermédio do qual se pode pensar as obras de ‘arte em termos de sua funcio de signos. ‘Ao longo da década que presenciow a mudanga dramatica de figuras exemplares da pritica modernista — Picasso substituide por Marcel Duchamp paraa geracao dos anos 60 —, a tradigio da pintura e escultura, considerada imutavelmente icdnica desde a noite dos tempos, revelouse de extrema fragilidade quando submetida 4 calibragem fotogrifica: Isto porque @ obra de Maree! Duchamp procede a uma redistribui¢de das pri- cas pietérica e escultérica dependendo do molde do “indice”, propondo uma nova interpretagio para © que constitui a imagem estética, Se no fosse para considerar La mariée mise é nu par ses ellibataines, méme (A noiva despida pelos scus celibatirios, mesmo) até come uma grande ¢ complexa fotografia — com aquelas marcas em suspensio sobre uma gigantesca placa de vidro — a partir do modelo de um quadro particularmente complexo ¢ de grandes dimensécs, aconteceria uma mudanga radical na mancira de perceber esta obra. Seu carater indecifravel, seu estatuto de enigma deixa- ram de ser relacionados a um programa iconografico que se pudesse atr buir a um quadro ou ndo. Antes de tudo, a obra seria considerada em rela- io ao que ha de fundamentalmente mudo no signo indicial, o siléncio do - que Barthes denomina o “nada a declarar™ da fotografia © a que se refere na sua conchusio: E precisamente nesta interrupedo da interpretagio que a conviegie da foto se afirma: cone tao a exaustio ye aguil fo, para qualquer pessoa que tenba uma foto 34 mow, esta & unr Serena fundamental”, uma “Urdoxa” que neahum ato pode desfazer, a menos que me provemn que esta imagem no é uma fotografia. (p. 165) Os ensaios agrupados em © Fatogrijiea veflctem o fato que, na qualidade de uma pessoa que escreve sobre arte (coma critica © tedrica), foi precisamente esta substinicae das regras de indexagio pelas regras de ‘iconicidade’ empre- endida por Duchamp que me levou a falar de fotografia, foi essa substitnicio que me permitiu ver até que ponto o exemplo do autor do Grand Verre (Grande vidro) revolucionow o trabalho dos artisias americanos de minha geracao. Analisar a natureza desta transformagio implicava em que eu escee- vesse nao sobre a fotografia, mas sobre as condigdes indiciais impostas. pela fotografia ao universo antcriormente fechado da arte, Falar nao da fotografia, mas da natureza do indice, da fungao de traco em sua relacdio com o signifi- cado, da condigao dos signos dicticos. A produgao estética contemporinea nao 6, obviamente, odinico terreno de aplicagao deste objeto tedrico, o folognifies, nem o Gnice territario Cujo campo de analise ele possa reorganizar. Pode-se cfctuar a mesma operagio de recali- bragem sobre dados histéricos de movimentos anteriores, como o surrealismo, por exemplo, ¢ abrir caminho para uma forma inteiramente inovadora de enfocar conceitos como o acaso objetivo ou o automatismo, que tinhamos relegado 4 categoria do “que nao reserva surpresa”, Estes conccitos adquirem, porém, um aspecto muito diferente quando abordados a partir de nocées como a de frapo, ou ainda a de duplo produzido de forma mecinica. Varios textos deste livro utilizam a fotografia come instrumento de uma calibragem tedrica no sentido que atribuo a palavra calibragem ©, ao adotar este procedimento, a traam de viés, de algum modo. Alguns ensaios, entre- tanto, como os que refletem sobre Stieglitz ou sobre Irving Penn, abordam a fotografia de frente, sem rodeio, diretamente no cerne. Por ter ingressado no mundo da fotografia partinde da problemitica do signo como indice © me defrontado com o que parecia ser, queiram ou nado, um novo tipo de midia, minha primeira resposta foi interragar a propria midia, como teria procedido com qualquer outro suporte de imagem, para definir os critérios criticos que Ihe sio peculiares. De que maneira o fato de tratarse de uma fotografia ¢ nao de um quadro afeta o sentido desta imagem? Que categorias de condicées for- mais vigoram em um caso e nic ne owe? Em suma, qual é 0 ‘espirito’ pré~ prio a fotografia? 16 Encerrando: se nfo me dei por inteiramente satisfeita com este projeto crf tico sobre 0 objeto fotografico, isso se deve a razdes que, finalmente, se atém ao fato de que a fotografia é um objeto tedrico ¢ incide de maneira reflexiva tanto sobre 0 projeto critica como sobre o projeto histérico que a escolhem como objeto. Pots se é verdade que a fotografia teoriza ¢ traz uma nova confi- guragdo aos componentes de determinado periodo ou estilo especifica da his- tdria da arte, esta teorizagaio também vale para as unidades através das quais a histéria da arte reflete tradicionalmente sobre o seu objeto, transformando em relatives conceitos come autor e obra, Mas, seja qual for a fungae critica que possa exercer a fotografia sobre a histéria da arte, cla também a exerce sobre sua prépria historia, pelo menos na medida em que esta hist6ria se deixe interpretar cm termos congruentes com os da historia da arte. Assim, este objeto tedrico, o fologrifics, nos ensina a esséncia problematica de toda histé- ria da fotografia, como ja tinha tornade essencialmente problematica a trans- posicao do discurso erilico da arte no plino da fotografia, Podese escrever uma historia da arte, mas nunca seri o mesmo tipo de histéria que se escreve- 1 solve a fotografia. Pensar sobre Os Espacas discursives da fotografia, As Condicées fologrificas do Surtealismo, A Folografia ¢ 0 siniilace, mas nio sobre'a fotografia; estes ensaios gostariam dé pensar a fotografia da (inica maneira que ela aceita ser pensada: através do viés de uma tcoria dos distanciamentos. Notas: 1. Indes em inglés, no sentido de Petes, “[Um indice €] wan oun mesniaia da pessoa que 4 usa como sigoo, de ato.” Charles 8. Peitce, Ears wa sig. Teton ‘ou Mn eproSATaG GE HO comH rice omnemnaen por Carat emote ap aew objet. mio tanta par post iclesalle (Paris, Seuil, 197}, p. 158, «Nowa quakicr similaridade ow analogia com ele,nem —trachugi daedigo francesa). or estar suuciade de Caracteristcas grain que cumtece dese objeto pouslr,€ sim porque exh em conrad dandiica (inclusive espacial com o ‘objeto inaividaal, de urn lao, © cam ws senaon 2 No sentide policiad a padasna. ues ena inglés ‘(Nota da tradvicho francesa. Fistas (Nota ale radugha da edie portanguesa), 17 AEXPRESSAO “HISTORIA DA FOTOGRAFIA” Seguindo os passos de Nadar Nadar eserevcu suas memérias Quand j'étais photographe (Quanda eu era fo- tGgrafo) nos seus diltimos anos de vida, ainda ¢m plena atividacle profissional. 0 titulo de livre surpreende pelo uso do imperfeito ao referirse ao passado ¢, de certa forma, assinala que se fechou um capitulo de sua vida, Ele utiliza este tempo verbal ndio tante como uma referéncia ao seu destino pessoal ou 4 evolucdo de sua propria carreira ao longo dos anos, mas como uma referéncia A sua condigao de testemunha. O homem cujo nome de batismo era Gaspard-Félix Tournachon ¢ cscolhen a alcunha de Nadar t dade emocional, fisica ¢ psicolégica dessa aventura, Nadar escreveu suas memorias com a consciéncia do historiador ¢ aquela necessidade irresistivel de relatar das testemunhas oculares: seu texto é moldado por este senti: mento de responsabilidade. Esta € a racio pela qual o livro @ tio incommim. Foi organizado A seme- Ihanga de contos pitarescos, como se tivessem sido recolhides ¢ confiados & contadora de histérias local pelos habitantes de uma aldeia, Dos teze capitu- los do livro, “O primitive da fotografia” €6 tinico que significa uma tentativa real de produsir algo semethante a um rekito histérico, Embora seja o mais longo dos treze, fei colocade quase no final do livro, na seri tavel de reminisces totalmente pessoais, tendo, na maioria das vezes ¢ mo melhor dos ¢asos, uma relagao anedética remota como assunte indicado no. titulo do live, Talvez a obra tenha permanccido relativarnente ignorada devido a sucesso: de anedotas sem plano definido, explicagdes arbitririas, detalhes aparente- mente sem cabimento ¢ constantes digressdes sobre o que seria aparente- mente o tema central. Publicado em 1900, nunca mais foi reeditado desde entio ¢ os exemplares que subsistiram até os dias de hoje, além de raros, esto em péssimo estado de conservacio!. Além deste texto sobre fotografia, Nadar publicou outras onze obras, tende: sido um novelista fecundo ¢ ensaista proficuo. Suas relagdes com o mundo das letras mao se limitaram &amiade que cultivava com os mais importantes escri- tores de sua época, Nadar conhecia intimamente a arte de escrever, a coms 21 rugao paciente € aplicada de sentido, Quando empreende um relato histéri- cod maneira de um romancista, o faz porque os fatos que espera preservar das destruicdes do tempo sic antes de wdo de ordem psicolégica: “Quando correu a noticia’, diz ele, “que dois inventores acabavam de fixar qualq imagem que Thes fosse trazida em placas prateadas, espalhowse um espanto iwersal que nao podemos aquilata dio acostu- dos a fotografia hd muitos anes ¢ termes nos tornado indiferentes a cla em fungio de sua vulgarizag’o”. (p. 1) dar desejava divulgar a importincia formidavel da descoberta e no 0 “quem”, o-"qué” e 0 “quando” da fotografia, Depois de incrivel de inventos que mudaram o cotidiano do século xix (a maquina a vapor, a luz elé- rica, o telefone, o fondgrafo, © ridin, a bacteriologia, a ancstesiologia, a psi cologia), cle insiste em condecorar a fotografia atribuindo-the a pal ginalidade © pergunta: “Todos estes novos prodigios nao deveriam contuda inclinarse peramte © mais surpreendente, o mais perturbador de todos ele prodigio que, I, parece conceder também as homem o poder de eriar, materializancto © espectro impalpavel que desranece tie logo entrevista, sem deixar sombra no cristal do espelho nem frémite na agua da ba (pe) ‘© que Nadar observava retrospectinamente em 1900 era a transformacio deste mistério cm Fato rotineiro. Assim, conclalase um capitulo definitiva- mbora a propria atividade permanecesse inalterada. Se esta foi a men- sagem histérica de Nadar no comego do século, ela da atencdo, par- icularmente no momento atual, pois cabe a nds avaliay agora o imenso panieira come impregnou nussas sensibilidades sem mente, além tao elevadas que atracm ox culagdo, em que cles subtilizam ¢ decretam, dogmatizam ou refutam (¢ tudo tintamente), como € Iei em todo conhecimento ilusério." Contudo, o argumento relative a Swedenborg aprox do problema, Que o resultado de seus esforgos ten pouce importa. A questo que os desenead sérias para o fundadtor da filosofia analitica: como encontr provein a cxisténcia de um mundo inteligivel (em contrapesigio a um mundo simplesmente material ou sensivel) Os trabalhos de Swedenborg, cientista que se 101 surpreendenie A inteligibilidade. Eles giram, como ji mencionei, em torno do problema da luz. Partindo da visio corpuscular da luz de Newton (para cle, luz sc compde de particulas infinitamente pequenas) © associando a id tesiana de que a matéria se compbe de particulas fragmentiveis ao infil chegou a conceber a luz como um espectro originade no munca clos ser que se esfurna no mundo dos Espiritos. Como a luc— na stra pareela divina — esti sempre presente no universe, pode-se considerar o proprio universo como sistema de simbolos, um vasto hieréglifo em que a leinura do di torna-se possivel, A mensagem de § > mundo. O Celestial Arcamum demonst a esfera nate O mundo visive © cncargo de impressionarse no visivel. “E uma k onginica, afirma Swedenbong, que va existam e subsistam gragas a formas desempenham wna que se deslocam por toto lug: que implicam uma idéia representativa de todo seu universo”, Emerson, que comenta este irecho em 1850, explica: “O que era por demais pequene ser detectado pelo olho era lido pelos aglomerados; 6 que era grande de pelas unidades".” Porianto, € a visibilidade do 1 manstracio do como isto se tor nos para produir u aculdades do os de espe- te ativam de imediate todas as do cerne algo que tico, sho wm hime ia ear ite, cle Hos wwerlenborg € a le 1 forma come ncont cos onde o invisivel recebe i permanente da matéria stos Corpas compostos ou formas visiveis ssimples.e a pnjuntas, com a d dade, « isso nvisiveis, q ferenca cal poss cio similar & dos grandes se art is, ndo das coi sem si que prose We age sobre os fendy A fotografia nasceu nos anos L8%0, “surginde sem ter sido previst qualquer expectativa”, como diz Nadar. Pelas primeiras reagoes diante deste mento, € possivel porque, pela pri vez, demonstrava-se que a * acio [...] suliciente para produsir xercer un William Henry Fox Taihat, Cena em uma bibiloteca: (Prancha Vill da obra The Pencil ef Nacure, 1844) asem 1844 em The Feneil » coneebide & semelh Estas tiltimas palavras sio de Fox of Nature (O Lapis da Natureza), un s aula sobre asm A primeira vista, née ha q cr motive para pensar que esta declaracao de Fox Talbot sobre a luz seja algo além do ce io de um homem de cincias. © canter h determi ya maior parte da obra, incita enuretan- to a ver nessa dec Jo tonalidades fist © essencial das ilustragdes corresponde exa a0 que seria cle se esperar cm uma obra deste tipo: edificagdes, paisagens ¢ reprodugdcs de obras de arte. Mas determinadas imagens sao algo estranhas, Uma delas, a ilustragaio VIL, tem oni ‘Cena em uma biblioteca” e apresenta duas prateleiras de livros ale frente ¢ cm primeiro plano, Minimalista ao extremo, esta imagem albor, publica Tin nga de uma has ¢ as possibilicades ca fotografi ro de adas jlustragdes, que form nente nada tem de original esteticamente ou di no de nota seja como for, Para obter uma explica que a acompar y de seu significado, nos vollamos para o texto de duas paginas Dentre asin euriosa_ expe rosas novas ieléins nascielas. com a descoberta da fotografia, encantra-se uma Sacla ou hipowse de que vou falar. Na realidadle, eu mesmo nunca a pratiquei e, até onde sci, eampauco uw realizé-ta ou propéla, Pensa no ‘emianto que teinies af se for conduzics de forma correts, ni poxte fathar. Quando um ralo de hts volar é refratado por um prisma © projetade em uma tela forma sobre cla a maravillioss [aixa colorida conkecida pelo nome de espectro sotar, Ox experimentadores descobriram que s¢ este espectro for projetade em uma superficie de 31 papel sensivel, a extremidade de cor vielcta prod mente, certos Fa feito semelina rio maior feito ©, surpreendente- imvisives, situados alm do sialeta ¢ dos limites do especuo, gerario- tendo sua cxisténcia revelad por este: efeito. minha peo posta seria a dle separar extcs raios invisivels ds demals fazendlo com que passem por wm ape na parede ou no painel de separ apascnto s¢ encheria entio de maios imisiveis (nda pode F que fear nado}, que se difundiriam em todas as direriies por uma lente convexa colocada atrits da abertura. Se houvesse pessoas nese aposery Mm Se Ver. PORLAMt, tm miquina fotogrdfica apontada para qualquer urna de seu retrato € revelai esta pessoa esta Com efeito, re nt 1 comtiguo por meio de uma abert 2 metifora que ji utili podria caxergar nitidamente coy locais onde o allio hum: Infelimmente, porém, este raciocinio € por demais refinade para ser introduziclo ca em akgum romance realista ou histria moderna de ew ois que desfecho ro escure se revelavam por tes allo ela maquina forogrifiea da veria semie brews. famos se puukissemes temmnbe inscrite em papel!” Do comege ao fim da obra de Fox Talbot trar as argumentos desenvolvidos no texto A maneira de de aula de ciéncias n A fologr fornece a prova visual da al albot de qu pode tazer uma infinidade de detalhes em um sé conjunte visual, enqy atural do ser humanotende lexio precedente sobre “r ia romanesca, ia aqueles romances. Talbot, porém, fala de obras que ain lc chofre, o estanut vem para ilus onstragao on de de um monte de feno, por exemple, mache de" ni represe > foram escrit da fo.ografia como ilustracdo tornase A fotografia dos livros sendo a enearnag scu papel é conceitual em determinado nivel, Es fotog Imente imegr Com efeito o livro, como continente da linguage dem signs totalme nguagem signific ceder a abstracdes, postular e ultrap projecio especulativa, papel imposto ao obje Joao tema da refericda imagem. ar onde resi- te cu eon pro- 1095 objetos a que a visao tem acesso, urais, em oposicao 20s signos naturais, Opera a faculdade ce conccitu A possi ott seja, evox ase do pensamemto, € mio apenas o trago de objeto material. Além do mais, o tipo-de wage fotogrifiee postulade por Talbe escrito anscricao do pensam mente velados, As fou nto OU AG menos: de fendmenos psicolégicos habitu intermédio dos “raios invisiveis” pacierao revelar as atividades em umn "quarto exeuro”. Se a corde com a previsio de Talbot, nio se contentara apenas em manifestar o comporta também o seu sentido. jeadas de mento. Nader, Victor Hugo em seu iefto de morta, 1855. Nest m taco produzie quar: feréncia tanto & ndinera obsewsa, por ser ela eseure de nature necessirio por raios invisiveis, to seul parente histérica completamente diferente: o espirito. Seria cferivamente de luz bastante es nla Aum outro ly 4 penetrar neste lugar “por tima abertura™ ¢ ¢ap turar por meio de suas emanacéics © que ali acontece através de uma sé tragos, rie de no falo clas fia. Essas especulagdes d do que éculo x1x que acabei especulages do tipe de Tr Pencil of Nature que penso q bigdes de alguns pionciros da foto, ssimilada a inteligibilidade inerente do tr depende, pe vee, das conceitos de pensamento do de enumerar, qual seja 0 traco fisiognoménico ¢ seu poder de re assim come © poder da luz para transmitir o invisivel ¢ imprimi-to aos fendmenc Mas para ligar todas estas nogdes e & preciso u ‘Ora, sabemos que este © periodo que nos 0 fowografico, pressuposic ciencia ¢ eapiritisma. samento ocorren em mais de uma opartunidade no > gerow wna dese essa € qe Minha tese € que, enquanto tal, a concepelo que se tinha de fotografia nos seus primérdios tem aqui suias rafzes. E Nadar, em meio a tudo isto? Afinal de contas, nfo pertencia A geracio de ‘Talbot ou Balzac. Os “primitivos da fotografia” eram seus pais ¢ mestres, nao seus irméos. A julgar por suas lembrangas e pritica fotogrifica, estava dividido quanto aos resultados esperacios da questio “metafisica”, Ele tinhia perfeita consciéncia do estanito de traco da fotografia, mas tinha igual conviceao de ‘seu contetido psicaldgico. Evidentemente, estava longe de fazer dlisso uma Lei- ura espiritista, como demonstra nde somente a forma como tratou a teoria de Balzac. como também sua recusa singular de participar da indtistria clo retrar to funeraria, Conwido, embora rejeitasse as premissis em que repousam tals suposigées, de certa forma desejou reconhecer sua existéncia ¢ wiilizi-las come tema! uma das rarissimas encomendas de retrate funeririo. que conser tit: produzir foi a fotografia de Victor Hugo no seu leito de morte (0 excritor participava de sessGes de espiritismo); Nadar escolhen_ as catacumbas de Paris como tema de sta primeira série de fotogratias subterraneas, onde esqueletos empilhados constituem por si, de maneira arqueologica, seu préprio arquivo da morte; enfim, como que para prestar uma espécie de homenagem especi- fica ao tema, Nadar comega suas memérias pela Teoria dos Espectros. Criticar um tema nio significa necessariamente destruflo. Por vezes, como no caso dos Sonhes de um Visiondriade Kant, isto equivale a transformio fazen- do um deslocamento até uma nova maneira de interrogé-lo. Para Nadar, a questio do traco inteligivel permanecia accitivel como base estética (mais do que real) da fotografia. Em ontras palavras: o fato da fotografia waduzir os fendmenos em termos de sentido é uma condigio possivel, mas nao necessa- ria 4 sua existéneia, A melhor ilusteicio das primeiras ambicdes de Nadar na matéria encontimse em uma série de Fotografias tiradas quando ele ¢ seu irmao Adrien Tourna- chon ainda trabathavam juntos, Esta série de imagens, chamada “Expresses de rasta de Pierré”, foi apresentada na divisio. forogeifica da Expasicio iernacional de 1855, onde ganhow uma medalha de ouro. Elas tazem o rosio do mimico Charles Debureau atuando as diferentes mimicas faciais de seu repertério-¢ se upresentam como registro ¢ duplicacio do taco fisiokigi- co que o mimico produz com seu desempenho, Pesquisas recentes chamaram a atencdo sobre o inicio de relagio que se estabclecia entre a fisiognamonia € a arte da pantomima® em meados do século xix. Champfleury, por exemplo, estudava a possibilidade de um jogo que uniria a especificidade fisiolégica de um traco revelador do cariter & gestualidade altamente estereotipada do mimico tradicional" nas obras que escrevia para Debureau. ‘Ora, é claro que representar 0 trago fisiagnoménico pela mimica implica em fazer com que este fendmeno passe por um filtro estético. Isto porque, no a | de ater, o mimico deve wansformar o automatismo seu caracteristicas de impressio mecdnica em um conjunto de gestos voluntirios ¢ conuolados, nesta linguagem que Mallarmé nomearia posteriormente “escrita™™, "As imagens de Debureau deixam transparecer a relacio explicita entre a estetizagao do trago pelo mimico ¢a forma similar ¢ extremamente conscien- te com que precede a fotografia. Em uma destas imagens assinadas como +Nadar jovem’ (Adrien Tournachon), podemos yer Debureau com uma méquina fotografica imitando 0 registro de sua propria imagem. Neste cliché, 4 luz, forma de “escrita” especifica da fotografia, desempenha um papel int portante. Com efeito, enquanto © mimico representa seu papel na imagem, Peorte a projecdo de uma série de sombras espalladas por seu corpo; clas for- (nam uma mensagem subjacente, percebida ¢ transcrita simultaneamente. Comerande pela cabeca, © rosto de Debureau, branqueado de aniemao: pela maquilagem, perde mais relevo ainda cm raze de uma iluminagio muito dura. Este efeito, acrescido A sombra nitida, precisa, que isola visualmemte 0 costo do resto da cabeca, reforea sua qualidade de miscara. Tanto é que esta superficie, embora pertenca a eabera, também pode funcionar independen- temente dela (o resto enquanto mascara) € constiuui um lugar onde o trago fatogrifico surge come signo. Para que sua posturs posta traduzir as marcas fisiognoménicas, Debureau mio precisava desempenhar apenas © seu papel, mas recompor artificialmente o seu rosto (como por exemplo no momento: em que procuraya imitar os libios fines da avareza) em um gestual efémero que encarna a fisiognomonia “falando-a Em seguida, o disfarce de Pierré utilizado pelo mimice se transforma na superficie branea sobre a qual se projetam as sombras, eriando assim um segundo conjunto de tracos que duplicam tis dos elementos essenciais para a imagem: a mao.de Pierrd nostra a maquina fotogrifica e a propria maquina, este instramento que é, a um tempo, sujeito de gestmal do mimico © objcto que o registra. Sobre a superficie formada pel pu, estas sombras, que combinam em uma substincia visual nica a linguagem gestual convencio- nal (mostrar com o dedo) ¢ um mecanisme técnico de registro [a maquina fotografica) assumem um cariter de simples tracos efémeros. Mas, por dltimo, a superficie onde estes amiltiplos traicos nao esto apenas formaclos come tam- bém fixados vem a constituir a imagem fotografica em si. Aidéia da prova fotogrifica na qualidade de ugar extremo do raga traba- Tha nesta imagem de duas manciras ¢ em dois diferentes niveis de articulacao. © primeiro nivel é 0 do sujeito do tema da cena (subject imaiter), ou seja, de ‘| opera por intermédio cionamento da 33 trago, suas ari da reflexibilidade em pel de fotdgr Hea ec cra esta figur o nivel, encer empenha ao tm Np MOS UMA represer foe Fotogra- peculiar da sobre si p que on smo tempo © | fado, Fle pousa ao lado da maquina fotog ns 1 © obje nade a linha que ane suje mare recomecar no mesmo ponte, Om to de ler cons iste, ¢ rprante & ara quem se Evidente te esti duplic Jo io paderia acontecer se ndio fosse fo- se Debureau €0 sujeito real [the a gem - grafo © atuande pi fico — que se coloca a questio do duplo, Se Debure: haveria qualquer efeito de duplicagao, ¢ ele nio AMO ©. PEESEH nal subject] det © espelho sentasse fucla. E somente pore tendo atudo no papel de do fordgrafo. Pu m, ele ter a repre de sua propria ima parece real ¢ outro no espelho. A tum espellto, € também o 1 absoluta sintultaneidade nultaneamente a capt sent que se produzir frente a um espetha. Neste case, yrorem wa Foto pore lugar sic do espaga. atores diferentes; u ifica, por ser ela most ico lugar © tiv um ntee ob to, OU Seja, em que se pode produzir uma duplicacao qu me a imagem fot implica Portamto defi logicamente « 1m segundo nivel, ode Euncionar fica como um tipo de espelho ico. rte cha. inva jas nas roupas de Debureau que dario vida a tema do duplo ¢ Depois. site as sen br do espetho, E projet las por dois objetos distintos (ox gestos do pimavam sobre uma ico eat perficie fisicamente indeps dente para produzie wr mien, Mas a som sentido que faz aparecer © personagem duplo dom em si una espécic de co, agente duplo do trace fatognifico, Isto porque & produside pela proj idéia de espetho ia € um espellio do trace fate Tuminasa de se inte fico, enquanto sombrt proje © objeto. sobre uma outa superficie. A esta fot superficie qu 0 tecidlo semiol ico da imag corpo do: mimi: recels oconjunte relacho padera se porque Je signos transkulados, mas, sobretudo, camo superlicie onde nite. vistalizar em conjunto siguil Assim aspiragao desta fotografia é ade ultrapassar seu cs F 1 » de simples veiculo passive do jogo dor Supostamente, ela represents a forogral em si enquanto espelho complexo. A imagem fotogrifica que ecoa otema do duplo pelo viés das sombras projetadas poe em cena, a um sb tempo, seu pro pria proceso de constituigae em tage huminoso © seu estaiite de ampo de sen Tourn: Charles Depureau. ©, 185 36 | signos fisicamente transladados. Seria o mesmo dizer que, aqui, mio se registra | apenas a duplicacao, ela também recriada por meios intrinsecos & fotografia, | asaber um conjunto de signos puramente produzidos pela luz, Na breve reflexio desenvolvida por Talbot em torn da “Cena em uma biblioteca”, a cimere obscura surge come dupla metafora do mecanismo regis ito dessa, metifora deste olhar reflexive que é a consci Seo trace (que também € uma sombra) tem a possibilidade de se desdobrar ao mesmo tempo como sujeito e objeto de seu prépric registra, pode entio comecar a funcionar come signa inteligi- trador © do espirito, Na fotografia de Debureau, © vinculo impli metifora se express gragas & imagem do espelho, cla prop! wae termos Come “consciéneia” ou “reflexibilidade” para falar desta imagem, entendasc que estou fuendo uso da linguagem do modernisma & isto pode parecer injustificado se levarmos em conta a direcio que a produgio fotogrifica essencial «le Nadar tomaria durante a maior parte de sua vida. Contudo, quando resale a atitude com relagio ao trace, caracteristica desta época fascinada tanto pela ciéncia como pelo espiritismo, € porque estou ten- tande elaborar um quadre muito particular em que poss colocar esta ima- gem. A genealogia da atitude analitica, de que cla oferece um exemplo pecu- liar, s6 tem pertinéncia em relacio com @ forma particular da fotografia para formar suas imagens. © tipo de contexto cultural que pade dar origem a esta fotografia, que pode tornar a imagem de um mimico pousando ao lado de uma miguina fotogrifica algo tio cheio de conotagées € completamente alheio ao nosso contexte atualmente, mas nao é 36 isso, Parece que também Nadar sentiut essencialmente a mesma coisa na época em que redigiu suas memdrias — ou pelo menos quanto ao acesso permitide pelas lembrangas, Contudo a persisténcia de Nadar em tentar evocar este ambiente vem nox lembrar que as midias esiéticas aprescatam uma historia surpreendente e, também, que seu fuuuiro € incerto: dificil prever, impossivel confisear. Notas: Lituipetabels de publiceciodo sion tt 4. No seus cresion, Roland Barthes anal estes Ronalind! Km, netbea de Nada foi reimprena —__‘Himites, uibuidos por eke ae estate ce na calecaes Les Introuvables, Sditions d'aujowsebui, — “mensngem sem codigo” da Fotografia, Ver “Le Plan dhe ta Tous, 1979, (NT, da edicho ‘Message Photographique’, Commurizations 1 (1961) francesa) cc Risevorique de Visage" Commuriaiions € (1961). Sobre «indice, wera definicanr jr. X. {pp Nee Kraus, "Notes aur Mites” evita . ‘Mscula, 1979, pp. V6S-ITS. 5, Monaré se Balzac, “Traité de la vie élégante", Ouaceven compas, ol. XX (Paris, Cabenan-Lary, S.A cidade de Pau sioweae aus pés dos Pirineus: 1ST1), pO {Nota de tradhicko db edge portniguens- 6. Glbert Malcolm Fess, The Carmapandence Feces oat Mena Redon wh Claes Sc {Phuladelphia, University of Pennyhamia, Series i Romantic Language ane Lieratirc, 1924), 9. 90, 7. Hi indreeron exemplos. Ei um deles, que Figen fo Thin eb démmrk de 1839. “Contac Lanatee Mico amis le en pe quae rk € ti feemem ac mono do anlar ieeria cr pelo teeon tn leet pio afer: Gites de antar erly Seqaio-era wana dechoco natural de maa primeira proposicsoe "Fado em ame rane interna Balla, ewes vol, XX, p. 588, ieee Sear ecvesleneeons

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