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9 5 N Um ponto ile partila par aaptendizagem ile novns contains: os comhecimenins previns Mariana Miras Professor: Julio, responda: por que os judeus foram expulsos da Espanha? Jiilio: Porque nao se deixaram fotografar. Professor: Como? De onde vocé tirou isso? Julio: E 0 que esta no livro. Professor: Esta, 6? Onde? Julio: Aqui, olhe: “porque nao se retrataram’, E provavel que, como professores, se tivéssemos em nossas maos a lampada de Aladim, trés desejos nao pareceriam suficien- tes para tentar resolver os problemas que enfrentamos em nossa tarefa cotidiana. No entanto, se nos concedessem apenas trés oportunidades, é provavel que um dos nossos desejos fosse que a mente de nossos alunos estivesse em branco, como uma lousa limpa na qual poderiamos ir escrevendo 0 que queremos que aprendam. Supondo que este desejo nos fosse concedido, o pobre génio da liampada teria um bom trabalho para ir apagando as lou- sas de nossos alunos até deix4-las completamente limpas. 58 © CONSTRUTIVISMO NA SALA DE AULA As mentes de nossos alunos est’io bem longe de parecerem lousas limpas, e a concep¢io construtivista assume este fato como um elemento central na explicacao dos processos de aprendizagem e ensino na sala de aula. Do ponto de vista desta concep¢ao, aprender qualquer um dos contetidos escolares pressupée atribuir um sentido e construir os significados implicados em tal contetido. Pois bem, essa construgio nao é efetuada a partir do zero, nem mesmo nos momentos iniciais da escolaridade. O aluno constréi pessoalmente um significado (ou o reconstréi do ponto de vista social) com base nos significados que pode construir previamente. Justamente gragas a esta base € possivel continuar aprendendo, continuar construindo novos significados. Esta idéia nao € propriamente original. Desde Sécrates até os dias de hoje, ela foi questionada por poucas teorias ou expli- cagdes. Entretanto, nem todas explicam do mesmo modo em que consiste esta base, quais sao as suas caracterfsticas, que papel desempenha na aprendizagem posterior e, sobretudo, como po- demos ou devemos ensinar coisas novas ao aluno a partir desta base (a nao ser que decidamos, em um exercicio de ilusio, que o génio da lampada tornou o nosso desejo realidade). Nas paginas seguintes tentaremos apresentar e refletir sobre a resposta dada pela concep¢ao construtivista as trés primeiras questdes, enquan- to a questio do ensino sera abordada em capitulos posteriores. O ESTADO INICIAL DOS ALUNOS Com que os alunos contam ao iniciar um determinado proces- so de aprendizagem? A partir de que base, mediante a ajuda neces- ‘ria, podem realizar a atividade construtiva que implica aprender algo de um modo significativo? Em lirihas gerais, e apesar de serem aspectos que sem dtivida estio inter-relacionados, a concepcao construtivista assinala trés elementos basicos'que determinam aqui- lo que se denomina estado inicial dos alunos, como que uma radio- grafia, no momento de iniciar qualquer processo de aprendizagem. Em primeiro lugar, como foi exposto em capitulos anteriores (ver capitulo 2), os alunos apresentam uma determinada disposi= go para realizar a aprendizagem proposta. Esta disposigao ou en- 3. Um ponto de partida para a aprendizagem de novos contetdes 59 Im ponto de partida para a aprendizagem 0: foque com o qual abordam a situagéo de aprendizagem de novos contetidos geralmente nao é algo inexplicavel ou imprevisivel, mas surge como resultado da confluéncia de numerosos fatores de in- dole pessoal e interpessoal. O grau de equilibrio pessoal do aluno, sua auto-imagem e auto-estima, suas experiéncias anteriores de aprendizagem, sua capacidade de assumir riscos e esforgos, de pe- dir, dar e receber ajuda, séo alguns aspectos de tipo pessoal que de- sempenham um papel importante na disposicao do aluno diante da aprendizagem. Mas, como assinalamos antes, estes nao s4o os tinicos fatores que incidem ou podem incidir nesta disposigao. Outros elementos, como a representagao inicial dos alunos sobre as caracteristicas da tarefa que deverio realizar (contetido, ativida- des, material, avaliagio etc.), seu interesse por ela ou, em outra ordem de coisas, a representagao e as expectativas que tém em re- lagao ao professor e aos seus préprios colegas, sem duvida fazem parte do conjunto de fatores que acabam determinando 0 animo com o qual os alunos se posicionam diante da tarefa de aprender um novo contetido ¢ o sentido que lhe atribuem em princfpio. Em segundo lugar, em qualquer situagao de aprendizagem, os alunos disp6em de determinadas. capacidades, instrumentos, estratégias e habilidades gerais para completar o processo. Por um lado, o aluno conta com determinadas capacidades cognitivas ge- rais ou, em termos mais correntes, com certos niveis de inteligén- cia, raciocinio e memoria que lhe permitirao um determinado grau de compreensio e realizagio da tarefa. Mas essas capacidades ge- rais nao. so apenas de carater intelectual ou cognitivo. O aluno também conta com determinadas capacidades motoras, de equili- brio pessoal ¢ de relacao interpessoal, tal como foi exposto ante- tiormente (ver capitulo 2). Neste sentido, entendemos que o aluno pde em jogo um conjunto de recursos de indoles diferentes que, de maneira mais ou menos geral e estavel, é capaz de utilizar em qualquer tipo de aprendizagem. Por outro lado, em estreita inter-relagéo com essas capacida- des para realizar a aprendizagem, o aluno dispde de um conjunto de instrumentos, estratégias e habilidades gerais que foi adquirin- do em contextos diferentes, ao longo de seu desenvolvimento e, de maneira especial, no contexto escolar. Instrumentos como a lin- } 60 © CONSTRUTIVISMO NA SALA DE AULA guagem (oral e escrita), a representagiio grifica e numérica, habili- dades como sublinhar, anotar ou resumir, estratégias gerais para pesquisar ¢ organizar informagio, para revisar, para ler um texto de maneira compreensiva ou para escrever reflexivamente sobre um tema, sao alguns exemplos desse conjunto de recursos de tipo geral que podem fazer parte, em uma ou outra medida, do reper- torio inicial do aluno e com os quais conta (ou nao) para enfrentar a aprendizagem do novo contetido. Sem dtivida, os dois aspectos globais que acabamos de men- cionar (a disposi¢ao apresentada pelos alunos diante da aprendi- zagem € as capacidades, instrumentos, habilidades e estratégias Serais que sao capazes de utilizar) constituem elementos impor- tantes da radiografia dos alunos no inicio da aprendizagem de um novo contetido. Neste sentido, poderiamos perguntar-nos se é preciso levar em conta algo mais para poder determinar suas pos- sibilidades de aprendizagem no inicio do processo e, conseqiiente- mente, para organizar e planejar o ensino do novo contetido. OS CONHECIMENTOS PREVIOS A concepgao construtivista responde afirmativamente a esta questao e propde que se considere um terceiro aspecto, indispen- svel na radiografia inicial dos alunos: os conhecimentos que ja possuem sobre o contetido concreto que se propde aprender, conhecimentos prévios que abrangem tanto conhecimentos ¢ in- formagées sobre o préprio contetido como conhecimentos que, de maneira direta ou indireta, estado relacionados ou podem relacio- nar-se com ele, Como se justifica a necessidade de considerar esses conhecimentos prévios como elemento fundamental do estado inicial do aluno? Sem divida, a justificagao esta na propria defini- so construtivista da aprendizagem escolar. Nessa perspectiva, en- tendemos que a aprendizagem de um novo contetido é, em ultima instancia, produto de uma atividade mental construtivista realiza~ da pelo aluno, atividade mediante a qual constréi e incorpora a sua estrutura mental os significados e representac6es relativos ao novo contetido. Pois bem, essa atividade mental construtiva nao pode ser realizada no vacuo, partindo do nada. A possibilidade de cons- 3. Um ponto de partida para a aprendizagem de novos contetidos. Ol truir um novo significado, de assimilar um novo contetido, em su- ma, a possibilidade de aprender, passa necessariamente pela possi- bilidade de “entrar em contato” com o novo conhecimento. Como € possivel, em um primeiro momento, contatar o novo conhecimento? A partir de algo que j4 conhecemos, que j4 sabemos. Como assinala C. Coll (1990), “quando o aluno enfren- ta um novo contetido a ser aprendido, sempre o faz armado com uma série de conceitos, concepgées, representagdes e conhecimen- tos adquiridos no decorrer de suas experiéncias anteriores, que uti- liza como instrumentos de leitura e interpretagio e que determi- nam em boa parte as informacées que selecionara; como as organizara e que tipo de relages estabelecera entre elas”. Assim, gracas ao que o aluno ja sabe, pode fazer uma primeira leitura do novo contetido, atribuir-lhe um primeiro nivel de significado e sentido e iniciar o processo de sua aprendizagem. Além de lhe permitirem realizar este contato inicial com 0 novo contetido, esses conhecimentos prévios sio os fundamentos da construgio dos novos significados. Uma aprendizagem é tanto mais significativa quanto mais relacdes com sentido o aluno for capaz de estabelecer entre o que ja conhece, seus conhecimentos prévios € 0 novo contetido que lhe é apresentado como objeto de aprendizagem (ver capitulo 4). Em suma, isto quer dizer que, con- tando com a ajuda e guia necessdrias, grande parte da atividade mental construtiva dos alunos deve consistir em mobilizar e atua- lizar seus conhecimentos anteriores para entender sua relagio ou relagdes com 0 novo contetido. A possibilidade de estabelecer essas relagdes determinara que os significados sejam construfdos de forma mais ou menos significativa, funcional e estavel. Considerando o papel central dos conhecimentos prévios na radiografia inicial do aluno, pode surgir no leitor uma divida razoavel. Sempre existem conhecimentos prévios no aluno? Seja qual for sua idade? Seja qual for o novo contetido? O fato de pos- suir conhecimentos prévios parece mais dbvio em alguns casos do que em outros, e parece Idgico pensar, por exemplo, que os alunos que iniciam o secundério tém conhecimentos prévios sobre lin- guagem escrita e, em compensacio, nfo é tao evidente que tenham conhecimentos nesse ambito nos momentos iniciais da escolari- 62 © CONSTRUTIVISMO NA SALA DE AULA os dade. Pode-se duvidar de que os alunos tenham conhecimentos prévios ao iniciar suas aprendizagens em areas como Quimica ou Histéria e, em contrapartida, aceitar mais facilmente que tém al- gum tipo de conhecimento sobre o meio fisico que os rodeia antes de iniciar uma aprendizagem sistematica e cientifica a respeito. Evidentemente, de uma perspectiva externa ao aluno e de forma abstrata, determinar se existem ou nao conhecimentos pré- vios sobre um novo contetido de aprendizagem 'é uma questao dificil ou pelo menos discutivel, pois depender& de quem decide o que constitui o conhecimento prévio sobre tal contetido. Mas, de qualquer forma, se nos colocamos na perspectiva do aluno, na légica da concepgao construtivista, é possivel afirmar que sempre podem existir conhecimentos prévios a respeito do novo contetido aser aprendido, pois, de outro modo, nao seria possivel atribuir um significado inicial a0 novo conhecimento, nao seria possivel a sua “leitura” em uma primeira aproximagao. Como veremos posterior- mente, essa afirmagao nao implica negar a possibilidade de que, em um determinado processo de ensino/aprendizagem, ocorram certas condigdes que impegam que o aluno encontre algum conhecimen- to prévio que lhe permita entrar em contato com o novo contetido. Se aceitamos esta légica e se respeitamos algumas condi- Ges basicas (distancia mais ou menos 6tima entre os conheci- mentos prévios e os novos contetidos, significatividade légica e apresentacao adequada do contetido pelo professor), conviremos entao que o problema‘que se coloca no caso da aprendizagem es- colar nao sera tanto a existéncia ‘ou nao de conhecimentos pré- vios, mas o estado desses conhecimentos. Diante de um novo contetido de aprendizagem, os alunos podem apresentar conhe- cimentos prévios mais ou menos elaborados, mais ou menos coe- rentes e, sobretudo, mais ou menos pertinentes, mais ou menos adequados ou inadequados em relagio a esse contetido. Colocar a questio nesses termos implica, entre outras coisas, dar alguma resposta 4 questao das caracteristicas e da organizacio do conhe- cimento que atribuimos ds pessoas em geral e ao aluno em parti- cular, responder questdes tais como em que consistem os conhe- cimentos prévios, quais sfo as suas caracterfsticas e que tipo de organiza¢io pressupdem. 3. Um ponto de partida para a aprendizagem de novos conteudos:... 63 OS ESQUEMAS DE CONHECIMENTO A concepgio construtivista, colhendo contribuicgées de uma série de teorias psicolégicas, compreende os conhecimentos prévios dos alunos (¢ em geral do ser humano) em termos de esquemas de conhecimento. Um esquema de conhecimento é definido como “a representacao que uma pessoa possui em um determinado mo- mento de sua histéria sobre uma parcela da realidade” (Coll, 1983). Desta definigio é deduzida uma série de conseqiiéncias im- portantes, que nos permitem entender as caracteristicas dos co- nhecimentos prévios de nossos alunos. Em primeiro lugar, essa definigao implica que os alunos pos- suem uma quantidade varidvel de esquemas de conhecimento, isto é, ndo tém um conhecimento global e geral da realidade, mas um conhecimento de aspectos da realidade com os quais puderam entrar em contato ao longo de sua vida por diversos meios. Por- tanto, em fungao do contexto em que se desenvolvem e vivem, de sua experiéncia direta e das informagdes que vao recebendo, os alunos podem ter uma quantidade maior ou menor de esquemas de conhecimento, ou seja, podem: ter representagdes sobre um niimero varidvel de aspectos da realidade. Que elementos estio incluidos nessas representagGes, nessas idéias sobre determinados aspectos da realidade? Os esquemas de conhecimento incluem uma ampla variedade de tipos de conheci- mento sobre a realidade, que vao de informagées sobre fatos € acontecimentos, experiéncias e casos pessoais, atitudes, normas e valores, até conceitos, explicagdes, teorias e procedimentos rela- cionados com essa realidade. Assim, por exemplo, o esquema de conhecimento de Joao, aluno da primeira série primaria, sobre as dvores, inclui conhecimentos de diversos tipos, tais como que elas estdo vivas, que tém partes (rafzes, galhos e folhas), que muitas arvores juntas sio chamadas de bosque (concertos), que algumas perdem as folhas, que so mais altas que ele, que sao verdes e mar- rons (fatos), que para planta-las deve-se fazer um buraco na terra, que podem ser cortadas e que os pedagos servem para fazer fogo na lareira (procedimentos), que sua mie diz que nao devem ser danificadas nem maltratadas (normas), que crescem quando chove 64 © CONSTRUTIVISMO NA SALA DE AULA (explicagées), que ele gosta de ir para o bosque no verao porque nao faz calor (atitudes) e que seu avd tem em casa drvores chamadas tilias e com um cheiro bom (experiéncia pessoal). Q.esquema de conhecimento de Joao ou de qualquer dos nossos alunos pode ser mais ou menos rico ou completo, isto é, pode incluir um nimero maior ou menor desses elementos, conforme a experiéncia e as informagGes as quais tiveram acesso. De onde provém os esquemas de conhecimento com os quais os alunos abordam a aprendizagem de novos contetidos? Sem dii- vida, a origem das representagdes que se integram nesses esquemas € muito variada. Em muitos casos, sao informacées e conhecimen- tos adquiridos tar.to no meio familiar ou em ambientes a ele rela- cionados, como no grupo de colegas ou amigos. Em nossa cultura, também é provavel que algumas dessas informagées tenham sido adquiridas por meio de outras fontes, como leitura ou meios audiovisuais, especialmente cinema e televisio. Por outro lado, e especialmente 4 medida que o aluno avanca em sua escolarizacio, parece légico supor que alguns dos conhecimentos que se inte- gram em seus esquemas tenham sido adquiridos no préprio meio escolar. Enfim, o/aluno pode'ter construido uma série de conheci- mentos com sua prépria experiéncia, especialmente no caso de parcelas da realidade as quais tem facil acesso. Nesse sentido, é provavel que Joao, que vive em um meio rural, tenha um esquema de conhecimento sobre as arvores mais rico e completo que Anté- nio, crianga da mesma idade, que vive em um ambiente urbano. Pois bem, o fato de o esquema de conhecimento de Joao sobre as drvores ser mais rico do que o de Anténio nao implica, necessariamente, que ele seja também mais organizado e coerente. Os esquemas possuidos pelos alunos nao se caracterizam apenas pela quantidade de conhecimentos que contém, mas também por seu nivel de organizacao interna, isto-é, pelas relacdes estabeleci- das entre os conhecimentos que se integram em um mesmo esque- ma e pelo grau de coeréncia entre esses conhecimentos. Nesse sentido, poderia ocorrer que 0 esquema de Antonio fosse mais pobre em conhecimentos, porém mais organizado e coerente do que 0 esquema de Joao. Além do mais, como podemos supor facil- mente, o problema da organizagio e da coeréncia nao é apenas uma 3. Um ponto de partida para a aprendizagem de novos contetidas:... 65 questio interna de cada um dos nossos esquemas. Visto que, em um. determinado momento, os alunos contam com um nimero mais ou menos amplo de esquemas de conhecimento, a questo da organi- zacio e da coeréncia também se coloca quanto ao conjunto de es- quemas que manejam. Assim, os esquemas de conhecimento de um aluno, no inicio da aprendizagem de um novo contetido, tém um certo nivel de organizacao ede coeréncia interna e, ao mesmo tem- po, certo grau de organizacao, relagio e coeréncia entre si. Enfim, os esquemas de conhecimento do aluno, considera- dos globalmente ou em relagio a algum dos elementos que o compoem, podem ser de validade diferente, ou seja, mais ou me- nos adequados 4 realidade a qual se referem. Por exemplo, o es- quema de Joao em relagio As arvores, embora possa ser considera- = do valido em seus tracos gerais, inclui crengas ou explicagses rvores s6 inadequadas ou imprecisas, tais como a idéia de que as crescem quando chove. Julgar a validade de um determinado es- quema de conhecimento nem sempre é uma questio facil ou ine- quivoca, sobretudo porque os parametros que nos permitem fazer essa avaliagio sao diferentes, conforme os elementos do esquema de conhecimento que se deve avaliar. Enquanto, em alguns casos, ha um referencial claro no conhecimento cientifico que temos so- bre a parcela da realidade representada no esquema (por exemplo, quando consideramos vilida a caracterizagio das arvores como seres vivos, no esquema de Joao), em outros casos, especialmente no tocante aos componentes atitudinais e normativos dos esque- mas, os critérios de avaliacao nao sao de tipo cientifico, ma respondem a referenciais de tipo social e cultural. Nesse sentido, a validade desses elementos sempre € relativa as atitudes, valores ¢ normas que uma determinada cultura ou grupo social considera adequados ou desejaveis. * Em suma, considerando o conjunto de aspectos menciona- dos, a concepeao construtivista entende que os alunos enfrentam a aprendizagem de um novo contetido possuindo uma série de conhecimentos prévios, que esto organizados e estruturados em diversos esquemas de conhecimento. Com relagio a isso, os alunos podem apresentar diferengas entre si quanto ao niimero de esque- mas de conhecimento que possuem, isto é, quanto a quantidade de cor- 66 © CONSTRUTIVISMO NA SALA DE AULA aspectos da realidade sobre os quais chegaram a construir algum tipo de significado. Mas também podem apresentar diferengas re- lacionadas 4 quantidade, organizacao ¢ coeréncia dos elementos que compéem cada um de seus esquemas, relacionadas a validade e adequagio desses esquemas 4 realidade a qual se referem e rela- cionadas & organizagio e coeréncia do conjunto de esquemas de conhecimento que configuram sua visio do mundo que os rodeia. OS CONHECIMENTOS PREVIOS NOS PROCESSOS DE ENSINO/APRENDIZAGEM O interesse da concepgio construtivista pelas questées re- lativas ao estado inicial dos alunos (e neste caso pelos esquemas em que seus conhecimentos esto organizados), nao é tanto um interesse por estudar e analisar essas questdes em si mesmas, mas porque elas repercutem e¢ incidem diretamente nos processos de ensino e aprendizagem realizados na aula. Uma das afirmagées mais contundentes sobre o papel do conhecimento prévio do aluno nos processos educacionais é a frase: “O fator mais impor- tante que influi na aprendizagem € aquilo que o aluno ja sabe. Isto deve ser averiguado e o ensino deve depender desses dados” (Ausubel, Novak e Hanesian, 1983). Ainda que estando basica- mente de acordo com essa afirmagao, supomos que qualquer pro- fessor e, provavelmente, até os proprios Ausubel, Novak e Hane- sian, concordarao em que concretizar essa afirmagao nao é tarefa facil nem simples. Pois bem, devemos averiguar 0 que o aluno sabe, mas... tudo o que ele sabe? uma parte? no inicio do proces- so? durante 0 processo? como fazer isso? Para comegar, parece sensato supor que, no inicio de um determinado processo educativo, nao é necessirio (nem provavel- mente possivel) conhecer tudo 0 que o aluno sabe. O que preci- samos conhecer? O que pode nos orientar para tracar a fronteira entre o que é necessirio e o que é desnecessario conhecer, para poder organizar ¢ planejar nosso ensino? O primeiro critério légico de selecao dos conhecimentos do aluno a ser explorado é 0 contet= do bisico sobre o qual se concentrara 0 processo de ensino e aprendizagem. Se, por exemplo, nos propomos a trabalhar com 3. Um ponto de partida para a aprendizagem de novos contetidos:... 67 nossos alunos o tema das mudangas nos tipos de moradia ao longo de nosso século, tera sentido explorar o que é que eles entendem por moradia, que elementos internos e externos da moradia eles sio capazes de diferenciar, que imagens ou referéncias tém das moradias de seus antepassados, que conhecimento tém dos tipos de moradia habituais atualmente, que experiéncias ¢ atitudes tém quanto 4 sua prépria moradia ete. Embora os contetidos de aprendizagem sejam um critério necessario para determinar quais sao os conhecimentos prévios que devem ser explorados nos alunos, nao pode ser considerado um critério suficiente. Um segundo critério a considerar sao os objetivos concretos que perseguimos em relagao a esses contetidos € ao tipo de aprendizagem que pretendemos que os alunos alcan- cem. O ensino de um mesmo contetdo de aprendizagem pode ser abordado com diferentes objetivos, por professores diferentes ou por um mesmo professor, em fungado das circunsténcias em que realiza o ensino. Continuando com nosso exemplo, podemos pro- por como objetivo que nossos alunos cheguem a estabelecer uma relagio entre as mudangas nos tipos de moradia e as mudangas experimentadas no nicleo familiar ao longo do século, ou limitar- nos a abordar o tema da perspectiva das mudangas externas so- fridas pelas moradias durante este perfodo. Ao levar em conside- ragio esses objetivos concretos, podemos considerar, no primeiro caso, que € preciso explorar outros aspectos adicionais relacio- nados aos conhecimentos iniciais de nossos alunos (seu conhe- cimento sobre as mudangas ocorridas no niicleo familiar) ou, no segundo caso, decidir quais de alguns dos conhecimentos iniciais relativos ao contetido sao irrelevantes para os objetivos persegui- dos (seu conhecimento sobre os elementos internos que configu- yam uma moradia). Enfim, quando levamos em conta nossos objetivos, podemos selecionar de maneira mais precisa, em cada caso concreto, quais sio os conhecimentos prévios realmente per- tinentes e necessérios para desenvolver um determinado processo de ensino e aprendizagem. A consideragao simultanea e relacionada de ambos os fa- tores, o contetido e nossos objetivos, deveria levar-nos a fazer perguntas como: 0 que pretendo que os alunos aprendam concre- 68 © CONSTRUTIVISMO NA SALA DE AULA tamente sobre este contetido? Como pretendo que o aprendam? O que precisam saber para poder entrar em contato e atribuir um sig- nificado inicial a estes aspectos do contetido que pretendo que aprendam? Que coisas j4 podem saber que tenham alguma relagao ou que possam chegar a relacionar-se com esses aspectos do con- tetido? As respostas para essas perguntas permitem-nos determi- nar os conhecimentos que, de nossa perspectiva, sfo pertinentes e necessarios para que os alunos possam aprender o contetido que pretendemos ensinar-lhes, e constituem, portanto, os aspectos basicos que devem ser explorados ¢ conhecidos quanto aquilo que nossos alunos ja sabem. E que acontece se eles nada sabem? Com relativa freqiiéncia, nés, professores, nos queixamos de que nossos alunos nao tém os conhecimentos prévios necessarios para podermos ajuda-los a aprender os novos contetidos. “Nao sei o que lhes ensinaram na primeira série”, “Eles nao tém a minima idéia”. Felizmente, na maioria dos casos, essas afirmacdes sio um tanto exageradas. A construgio do conhecimento é um processo progressivo, néo é uma questio de tudo ou nada, mas uma questo de grau (ver capitulo 4). Assim, na maioria das vezes, o que pode ocorrer é que nossos alunos saibam pouco ou muito pouco, tenham conhecimentos con- traditérios ou, como se demonstrou reiteradamente, tenham idéias prévias total ou parcialmente erréneas (Pozo et alii, 1991; Carrete- ro et alii, 1992; Escafio e Gil de la Serna, 1992). Embora essas situagdes sejam as mais habituais, pode chegar a ocorrer 0 caso em que os conhecimentos que determinamos co- mo necessarios para a aprendizagem dos novos contetidos sejam praticamente inexistentes, isto é, que nao tenham sido adquiridos em um minimo razoavel pelo aluno. Neste caso, se levarmos em conta os princfpios basicos da concep¢ao construtivista, as conse- qiiéncias de iniciar um processo de ensino de um novo contetido sem que os alunos tenham os conhecimentos prévios necessarios para poder entrar em contato com esse contetido sio facilmente previsiveis. Em primeiro lugar, supondo que os alunos tenham a tendéncia de enfocar sua aprendizagem de maneira superficial, a conseqiiéncia mais provavel é que realizem uma aprendizagem fundamentalmente de meméria, pouco significativa. Em segundo Eas 3. Um ponto de partida para a aprendizagem de novos contetidas:, 69 ame lugar, supondo que os alunos tenham a intengio de enfocar sua aprendizagem de maneira mais profunda, isto é, relacionando o novo contetido com o que j4 sabem, podemos prever que langario mio de seus esquemas e tentarao atribuir um sentido inicial ao novo contetido, partindo de conhecimentos que supdem ou in- tuem que estio relacionados. E este 0 caso, por exemplo, de Julio, que estabelece uma relag’o entre retratar e fotografar, ou da aluna que relaciona o tema da “Reforma da Igreja” com trabalhos de alvenaria, decoragdo e saneamento dos templos. Da nossa perspectiva, tanto no caso de detectar que os co- nhecimentos prévios necessdrios sao inexistentes como no caso de serem pobres, desorganizados ou erréneos, é conveniente colocar a necessidade de rever os objetivos que perseguimos, a fim de poder corrigir essa situacao na medida do possivel. Em primeiro lugar, no caso dos conhecimentos prévios serem total ou praticamente inexistentes, € preciso supri-los, antes de abordar o ensino de novos contetidos, ou adaptar e redefinir nossos objetivos e nosso planejamento prévios relacionados a esses contetidos (profundida- de, aspectos a serem tratados etc.). Em segundo lugar, no caso dos conhecimentos prévios serem excessivamente desorganizados ou erréneos, e na medida em que avaliemos que essas caracteristicas podem dificultar notavelmente os processos de ensino e aprendi- zagem dos novos contetidos, é conveniente resolver esses proble- s com atividades especificas destinadas a resolver essas ques- tdes, antes de iniciar a aprendizagem dos novos contetidos. Por outro lado, é importante considerar que, mesmo que os alunos tenham conhecimentos prévios suficientes para abordar o novo contetido, isso nao assegura que os tenham presentes em to- do momento ao longo do seu processo de aprendizagem. Nesse sentido, é tao importante que os alunos tenham conhecimentos prévios pertinentes como que os utilizem no momento adequado para estabelecer relagdes com o novo contetido, Em outras pala- vras, a atualizagao e a disponibilidade dos conhecimentos prévios dos alunos sio uma condicao necessaria para poderem realizar uma aprendizagem o mais significativa possivel, porém niio pode- mos pressupor que essa condi¢ao esteja dada, mesmo sabendo que os alunos possuem esses conhecimentos. 70 © CONSTRUTIVISMO NA SALA DE AULA Se os alunos porao em jogo os conhecimentos prévios neces- sarios, no momento adequado, pode depender de muitos fatores. As vezes, a indisponibilidade pode ser apenas um problema transi- tério, de falta de atencao. Outras vezes, o fato de os alunos nao atualizarem seus conhecimentos prévios pode dever-se 4 falta de sentido que atribuem 4 atividade ou a uma escassa motivacao para estabelecer relagées entre os conhecimentos, optando entao por um enfoque superficial e uma memorizacdo mecinica do novo contetido. Outras vezes, a organizagio geral do ensino dos alunos ou o planejamento concreto da seqiiéncia didatica na qual é abor- dada a aprendizagem dos novos contetidos podem chegar a ser um impedimento para que os alunos percebam que é preciso mobilizar seus conhecimentos prévios. Nesse sentido, a falta de relacao entre as areas, uma seqiienciacao incorreta entre ciclos ou niveis ou uma excessiva fragmentacio das atividades, especialmente nas etapas superiores da escolarizacao, podem fazer com que a tarefa de detectar quais conhecimentos prévios sio importantes para entrar em contato com os novos contetidos seja dificil ou sumamente custosa para os alunos. Nessas situagdes, nas quais observamos que os alunos nao atualizam seus conhecimentos prévios, nossa ajuda é absolu- tamente necessiria. Como? Em primeiro lugar, tendo presentes, ao longo do processo de ensino, os conhecimentos prévios dos alu- nos que consideramos necessarios para atribuir sentido e significa- do ao novo contetido. Com eles em mente, pode ser util ir fazendo alusio de maneira mais ou menos direta a esses conhecimentos, no momento em que entendemos que deveriam ser atualizados pelos alunos, bem como explicitar as relagdes que podem ser estabele- cidas entre o conhecimento prévio ¢ o novo contetido. A esse res- peito, a apresentacao e as introdugdes aos novos contetidos, os resumos, as sinteses e as recapitulagdes periddicas podem ser alguns dos momentos privilegiados para realizar essas tarefas. Os comentarios anteriores podem ter provocado alguma dtivida razoavel no leitor. Falando dos conhecimentos prévios, en- tramos totalmente no prdprio processo de ensino e aprendizagem dos novos contetidos. Onde acabam os conhecimentos prévios? Os conhecimentos sao “prévios” a qué? A resposta para essa pergunta 3. Um ponto de partida para a aprendizagem de novos conteidos:. wl nao é simples. Em primeiro lugar, terfamos que determinar em que ponto de vista nos situamos para qualificar um conhecimento como prévio, pois, nesse sentido, as perspectivas do professor e dos alunos nao tém por que coincidir necessariamente (para nfio men- cionar a perspectiva do especialista na matéria). Mas colocando- nos do ponto de vista de quem ensina, podemos falar de conhe- cimentos prévios em diferentes niveis, na medida em que as uni- dades organizativas dos processos de ensino e aprendizagem po- dem ser de magnitudes diferentes. Sem entrar em consideracées sobre etapas ou ciclos, as uni- dades organizativas dentro de um mesmo nivel podem abranger do planejamento (a nivel geral, em relagao as diferentes areas) até o planejamento de unidades didaticas concretas e das ligées espe- cificas dessas unidades. Podemos considerar que em cada um des- ses niveis tem sentido falar de conhecimentos prévios dos alunos, conhecimentos que, embora logicamente relacionados, podem ser diferentes em fungao do grau de generalidade ou especificidade com que sao contemplados os novos contetidos em cada uma des- sas unidades organizativas. Os conhecimentos prévios que pode ser interessante conhecer em relacAo aos novos contetidos gerais de um curso, habitualmente, sao diferentes dos conhecimentos pré- vios que convém explorar ao iniciar uma unidade didatica concre- ta ou uma licao especifica dessa unidade. A EXPLORACAO DOS CONHECIMENTOS PREVIOS As questdes que acabamos de comentar nos pardgrafos ante- riores e, em suma, a perspectiva na qual se situa a concepgio cons- trutivista quanto 4 problematica dos conhecimentos prévios, per- rhitem-nos esbogar uma série de indicagdes sobre o que, quando como explorar e avaliar os conhecimentos prévios de nossos alunos. Quanto A primeira interrogagaéo — o que explorar —, de- preende-se dos comentarios anteriores duas indicagGes gerais que, como veremos a seguir, devem ser concretizadas e matizadas em fungaio do nivel e do momento temporal do processo em que a exploragao for realizada. Em primeiro lugar, 0 objeto de nossa in- dagacio devem ser os conhecimentos prévios dos alunos que sio 72 © CONSTRUTIVISMO NA SALA DE AULA a pertinentes e necessdrios para poder abordar a aprendizagem dos novos contetidos. Pois bem, como comentavamos anteriormente, determinar os conhecimentos que podem ser pertinentes € neces- sdrios nao é algo que se possa fazer de maneira genérica, abstrata, fora do ambito concreto em que nossa tarefa sera desenvolvida. Embora possamos contar com 0 recurso de instrumentos ja ela- borados (listas, mapas, questiondrios etc.), aquilo que em tltima instancia acaba definindo os esquemas de conhecimento que os alunos terfo de atualizar e mobilizar perante a nova situagio de aprendizagem sao nossos objetivos, relacionados ao novo contett- do e as atividades que planejamos em fungao deles. Nesse sentido, um recurso util para decidir os conhecimentos prévios que devem ser explorados é a propria experiéncia docente. Embora ela sempre possa ser melhorada e revista, 0 certo é que a pratica docente continua em determinados niveis e areas de con- tetido nos proporciona indicagées bastante confiaveis sobre as difi- culdades mais habituais dos alunos na aprendizagem de um novo contetido, sobre as atitudes, conceitos e procedimentos que eles tém de pdr em jogo para realizar essa aprendizagem, sobre os erros sistematicos que costumam cometer ou as lacunas que detectamos, ano ap6s ano, em seus conhecimentos prévios. Essa experiéncia acumulada, sem dtivida, ¢ um referencial importante no momento de determinar o que devemos explorar. Por outro lado, a caracterizagio dos esquemas de conheci- mento dos alunos, anteriormente exposta, leva-nos a considerar que € tao importante conhecer os elementos que fazem parte dos esquemas de conhecimento de nossos alunos quanto as relagGes que esses elementos tém (ou nfo) entre si, relagdes que determi- nam o grau de organizagao desses esquemas. Portanto, é preciso levar em conta que os aspectos a serem explorados nio podem limitar-se a uma lista de fatos, conceitos, procedimentos ou atitu- des, mas devem ser ampliados necessariamente para a relacio ou relagdes estabelecidas entre esses elementos. Por outro lado, as indicagées fornecidas pela concep¢io construtivista ampliam notavelmente a resposta tradicional a questao do quando, isto é, em que momento € conveniente reali- zat a exploragio e avaliacdo dos conhecimentos prévios. Em uma | ! 3. Um ponta de partida para a aprendizagem de novos conteddos:... TS. Im ponto de partida para a ap: ig fo primeira abordagem, a resposta é dbvia e simples: sempre que consideramos isso necessario e titil para a realizagao de nosso tra- balho e para ajudar os alunos em sua aprendizagem. De qualquer forma, tem sentido fazer a avaliagéo em qualquer um dos diferen- tes nfveis organizativos de nossa docéncia. Dada a dificuldade de poder avaliar detalhadamente 0 conjunto dos conhecimentos pré- vios necessdrios, pode ser conveniente e ao mesmo tempo mais uitil fazer uma exploragio global e geral no inicio de um curso ou de uma unidade didatica ampla, adiando a avaliagio de aspectos mais especificos ou pontuais para o inicio ou durante as ligdes concretas. A estratégia de “disseminar’” a avaliacio dos conheci- mentos prévios dos alunos por diferentes niveis e momentos (que sem divida é utilizada de maneira mais ou menos organizada por muitos professores), além de permitir uma exploracdo mais ampla e detalhada, pode desempenhar um papel importante como auxi- lio para tentar assegurar, na medida do possivel, a disponibilidade dos conhecimentos prévios dos alunos no momento em que forem necessérios. A Ultima questao, a de como realizar a exploragao dos es- quemas de conhecimento dos alunos, provavelmente seja uma das que mais preocupa no tema que estamos tratando. Até certo pon- to isso é compreensivel, entre outras coisas, devido a diversidade de instrumentos com que contamos para fazer a avaliacio dos conhecimentos prévios, que vao desde testes mais ou menos pa- dronizados ¢ fechados até instrumentos de cardter mais aberto e flexivel. Com base na concepgao construtivista, embora nao seja possivel tomar partido de maneira geral e excludente de certos instrumentos concretos, essa concep¢io proporciona algumas in- dicagdes que permitem avaliar a pertinéncia dos diversos tipos de instrumentos. Nesse sentido, considerando as caracteristicas dos processos de ensino e aprendizagem, parece mais adequado utili- zat instrumentos de tipo aberto sempre que for possivel. O didlo- go entre professor e alunos (a partir de perguntas mais ou menos abertas, de problemas ou situagdes que devem ser resolvidas, exemplos etc.) permite uma exploragéo mais flexivel e, conse- qiientemente, mais rica; além disso, permite preservar a dinamica da aula e€ evita o risco de que os alunos (e os professores) vivam 74 © CONSTRUTIVISMO NA SALA DE AULA a exploracao dos conhecimentos prévios como algo mais parecido com um “exame” do que com um auxilio ou preparacao para a no- va aprendizagem. Partindo desse pressuposto, as caracteristicas concretas do contexto, os alunos ou os contetidos podem ser critérios adicio- nais para avaliar a maior ou menor pertinéncia de um determina- do instrumento. Assim, por exemplo, segundo as caracteristicas evolutivas dos alunos, parece conveniente reservar 0 uso de ins- trumentos mais fechados (questiondrios, mapas, redes etc.) para os niveis médios e superiores da escolaridade obrigatéria, utili- zando instrumentos abertos nos seus nfveis iniciais, sem que isso implique, como ja assinalamos, que esses instrumentos sé possam. ou devam ser utilizados nesses niveis iniciais. Por sua vez, 0 con- tetido de aprendizagem também ajuda a matizar e de certo modo determina a pertinéncia dos instrumentos que podem ser utiliza~ dos (Coll, Pozo, Sarabia e Valls, 1992). Nesse sentido, sem que isso suponha excluir os restantes, os questionarios, diagramas ¢ mapas podem ser um recurso util para explorar os conhecimentos prévios de tipo conceitual, enquanto a avaliagao dos conhecimen- tos prévios de tipo procedimental requer tarefas que permitam observar de maneira mais ou menos direta a seqiiéncia dos passos dos alunos em relacdo ao procedimento que decidimos explorar. Enfim, quanto aos conhecimentos prévios atitudinal e normativo, parece adequado recorrer 4 exploracio mediante instrumentos de carater mais aberto, como a observacio, o didlogo entre pro- fessor e alunos a partir de algumas questdes-mestras ou de situa- g6es nas quais os alunos devam trazer soluges ou respostas a um problema recorrendo a atitudes ou valores que tenham construido até o momento. Em todo caso, em termos gerais, é conveniente que, seja qual for o instrumento de exploracio utilizado, tentemos norted-lo da forma mais clara possivel no processo de ensino e aprendizagem com o qual esta relacionado. O valor potencial de um instrumento pode ser enormemente diminuido, tanto da perspectiva do uso que pode fazer o professor como o aluno, se for proposto como uma atividade 4 margem, “prévia” no sentido de desligada ou vagamen- te relacionada as atividades nas quais sera realizada a aprendizagem 3. Um ponto de partida para a aprendizagem de novos contetidos. 75 see dos novos contetidos. Assim, ainda que o instrumento de avaliacao que empreguemos seja confidvel, completo e rigoroso, grande parte da sua utilidade pode perder-se se nao conseguirmos articula-lo co- mo um elemento a mais, no processo de ensino ¢ aprendizagem, visto que € nesse processo que os conhecimentos prévios do aluno que pretendemos avaliar com esse instrumento tém um papel a desempenhar. Nesse sentido, as vezes, uma excessiva distancia temporal entre a exploragao dos conhecimentos prévios dos alunos ¢ seu uso efetivo no processo de aprendizagem pode reduzir de ma- neira notavel a possivel utilidade dessa exploragio. Finalmente, um critério adicional para avaliar a possivel per- tinéncia dos instrumentos para avaliar os conhecimentos prévios é considerar as possibilidades que eles oferecem como recurso ao longo do processo de ensino e aprendizagem, especialmente nos niveis educacionais superiores. Nesse caso, os instrumentos que permitem conservar as respostas iniciais dos alunos por escrito (questionarios, mapas etc.) ou por outros meios podem ser titeis para realizar uma reflexao conjunta sobre 0 processo de aprendi- zagem que esta sendo desenvolvido. Da perspectiva dos alunos, voltar a considerar, em determinados momentos, suas respostas iniciais pode ser uma ajuda para tomar consciéncia das mudangas ocorridas a respeito. De maneira similar, da perspectiva do profes- sor, essa retrospectiva pode ser titil para avaliar o caminho percor- rido pelos alunos e, por que nao, para dar-lhes animo no caminho que ainda deve ser percorrido. RESSITUAR OS CONHECIMENTOS PREVIOS Em nossa opiniao, os comentarios anteriores sao argumentos suficientes para justificar o papel central dos esquemas de conheci- mentos prévios dos alunos na concepgio construtivista dos proces~ sos de ensino e aprendizagem escolares. De ambas as perspectivas, mas especialmente da perspectiva do ensino, os conhecimentos prévios nao podem ser tratados como uma questo mais ou menos casual ou como algo a levar em consideragio apenas de modo pon- tual no inicio de um determinado processo. 76 © CONSTRUTIVISMO NA SALA DE AULA No entanto, é importante considerar que os conhecimentos prévios € os esquemas em que esto organizados nfo sao a tinica bagagem com a qual os alunos enfrentam a aprendizagem. Como indicamos nos paragrafos iniciais, a disposicao e 0 sentido atribui- dos aos novos contetidos e, em geral, a situagao de aprendizagem, assim como as capacidades e instrumentos gerais que adquiriram ao longo de seu desenvolvimento e que sao capazes de utilizar também fazem parte da radiografia de nossos alunos. A esse respeito, convém nao esquecer que os trés elementos gerais que configuram essa radiografia estao inter-relacionados, influen- ciando-se e condicionando-se mutuamente. No capitulo 2 foram expostas detalhadamente as relagdes que podem ser estabelecidas entre a disposi¢ao e o sentido que os alunos atribuem aos novos contetidos, 4 aprendizagem e aos demais elementos. No mesmo sentido, as capacidades e instrumentos gerais € os esquemas de conhecimento dos alunos nao podem ser conside- rados aspectos independentes, embora sejam de natureza diferente (Coll, 1991). Os conhecimentos de que dispomos atualmente parecem apontar para a idéia de relagdes complexas e bidirecionais entre ambos os elementos. Por um lado, o nivel de desenvolvi- mento das capacidades gerais dos alunos determina em grande me- dida as caracteristicas dos esquemas de conhecimento que podem construir (nivel de abstragao, de validade, tipos de relagées entre os elementos etc.). Por outro, os esquemas de conhecimento concretos que, finalmente, chegam a construir (construgdo que também depende de outros fatores, como a possibilidade de entrar em con- tato com determinados aspectos da realidade e, especialmente, da ajuda educativa) incidem por sua vez em suas capacidades gerais, possibilitando seu desenvolvimento. Considerando essas inter-relagdes e a complexa radiografia do aluno que elas pressupdem, parece’ necessério matizar a afirma- ga0 de Ausubel, Novak e Hanesian. Para ensinar de modo coeren- te com o estado inicial dos alunos, temos de tentar averiguar a disposigao, os recursos e capacidades gerais, assim como seus co- nhecimentos prévios. Essas siio as cartas com as quais iniciamos cada rodada da partida. Nao é a mesma coisa comegar com um par de noves que com uma trinca de ases, mas temos de comecar com 0 que existe € construir nosso jogo sobre essa base. 3. Um ponto de partida para a aprendizagem de novos contetidos: 77 BIBLIOGRAFIA AusuBEL, D. P.; Novak, J. D; HANESIAN, H. 1983. Psicologia educativa: un punto de vista cognoscitivo. México, Trillas. CARRETERO, M. et alii. 1992. Psicologia de la instruccién, razonamien- to y conocimientos especificos. Infancia y Aprendizaje, 59-60, 11-42. COLL, C. 1983. La construccién de esquemas de conocimiento en el proceso de ensefianza. In: —, org. Psicologia genética y aprendizajes escolares. Madrid, Siglo XXI. —. 1990. 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