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EUCAGAO ncn sn Pome Aare an © repenotorgnasseaniey 252201922769 ‘Ourros Temas Base Nacional Comum Curricular: tensdes que atravessam a Educagao Basicaea Educagao Especial National Common Curricular Core: tensions through Basic Education and Special Education Base Nacional Comiin Curricula’ tensiones que atravesa la Educacién Basica y la Educacién Especial ALEXANDRO BRAGA VIEIRA ®* ‘Sumika Soares DE Frertas HERNANDEZ-P1Loro ©: INES DE OLIVEIRA RAMOS®* "aici Feral do Espino Sant (UFES), Vitra ES, Bras "Secretaria Municipal do Educopao do Vitoria ES, Bra. + Resumo [Neste artigo discutem-se as tensdes produzidas a partir de uma leitura critica da Base Nacional Comum Curricular. [Na primeira parte, problematizam-se ressalvas quanto & composigao de curriculos minimos que dificltam que sistemas de ensino, escolas,professorese alunos estabelecam rede: de significapdo entre os virios conhecimentos sxistentes, empobrecendo 0 ato educativo. Alem disso, tensionam-se as influéncias das agenciasintermacionais, znacionais e das avaliaydes de larga escala que, em nome do ensino de qualidade, promover processos de exclusao ‘de miitiplos grupos socais nos curiculos escotares. Na segunda parte, relacionamos esse cenaio aos pressupostos da educagao especial, para promover linhas de anslises sobre como propostas curiculares enijecidas fortalecom a defesa da fleibiizacao curicular, do aumento de alunos com rotulos de deficigncias ¢ da ideia de que & preciso somente pensar nas especificidades de aprendizagem, apartadas do acesso & cultura alavraschave: Curiclo. BNCC. Educasto Especial Ansrract ‘Discuss tensions produced from a eritical reading of the National Curricular Common Base in Brazil. Inthe first ‘art, reservations about the composition of minimum curricula that make it difficult for education systems, schools, teachers and students to establish networks of meaning between the various existing knowledge, impoverishing the educational act. In addition, the influences of international and national agencies and of large-scale evaluations that, in the name of quality education, promote processes of exclusion of multiple social groups in school curicula are stressed, Tn the second part, we relate this scenario to the assumptions of special education, to promote lines of analysis about how rigid curricular proposals strengthen the defense of cuticular flexibility, the increase of students ‘with labels of deficiencies and the idea that it is necessary Only to think about specificities leaming, away from acoess to culate ‘Keywords: Curcuium BNCC. Special seston Resumen, Discute tensiones producidas« partir de una Tectua critica de 1a Basis Nacional Comun Curricular Primer el texto, problematiza la composicién de cusriculos minimos que difcultan los sistemas de enseanza, escuela, profesores ¥¥ alunos, una vez que se establece redes de significacion entre los vatios conoeimientos existentes, empobreciendo € acto educative, Ademas de eso, se tensions las infiuencias do las agencins internacionales, nacionales y do las evaluacioues de larga escala, que en nonbre del ensedanza de calidad promueven procesos de exclusign de multiples rupos sociales en os eurriculos escolares. En Ia segunda parte relacionamos ese escenzirio alos presupuestos de In educacién especial, para se promover lineas de anlisis Sobre como propuestas curiculares rgidas fortalecen la ‘defesa de la lexbilizacion curricular, del aumento de los alumnos con rotulaciones de discapacidad y de la ideia de ‘que es necesario pensar en las especificidades de aprendizaje, apartados del aceso a la cultura. Palabras clave: Curiculm, BNCC. Edusasi Expos 352 “Alesandro Braga Vieira, Sumika Soares de Freitas Hernandez Piloto, Ines de Oliveira Ramos CuRRICULO ESCOLAR NA CONTEMPORANEIDADE Ao dialogarmos com Gimeno Sacristan (2000), com- preendemos o quanto é complexo produzir uma definicao de curriculo. Por um lado, algumas linhas de pensamento © significam como um projeto, um plano, uma proposta que define objetivos a serem alcancados, conteiidos a serem ensinados e aprendidos, metodologias a serem em- pregadas, constituindo o que é denominado por curriculo prescrito. ‘Simultaneamente, he linhas de raciocinio que proble- ‘matizam uma concepeao de curticulo como um conjunto de experiéncias vivenciadas por professores e alunos nas praticas sociais estabelecidas com © conhecimento. Isso diz respeito ao chamado curriculo real ou curriculo vivido/praticado. Além disso, ha constituigdes tebricas que versam sobre 0s curriculos ocultos, tensionando acerca das normas sociais, principios e valores que sto transmitidos tacitamente por meio do proceso de escolarizagao. Esses saberes que compdem os custiculos ocultos ‘no aparecem explicitamente nos planos educacionais, ‘mas sio mediados sistematicamente no dia a dia das sala de aula, por meio das exposicdes dos professores e dos proprios modos de organizacio das escolas. Giroux (1986) problematiza que esses valores no sto universais, mas, imuitas vezes, expressam visdes normativas heterogéneas levadas para as escolas sem uma visto critica, Para 0 autor, “Jos valores e crencas do senso comum que guiam € estruturam a prética escolar nao sao universais a priori, ‘mas construgdes sociais baseadas em pressuposigdes ‘normtivas politicas” (GIROUX, 1986, p. 70). Mediante 0 processo histérico de constitui¢ao do curriculo e das varias concepedes existentes, Gimeno Sacristin (2000) problematiza que ele mio & neutro, Ele envolve posicionamentos didéticos, politicos, administrativos e econémicos, pois esté imerso em uma realidade amplamente complexa, possuindo interesses de natureza historica, cultural, politica e econdmica. Dessa forma, 0s curriculos trazem pressupostos que envolvem culturas, ideologias e relagdes de poder, produzindo identidades sociais e particulares, permeados por uma visio de mundo que pode reproduzir ou contestar 0 que 6 imposto ou ditado pela sociedade contemporinea. Por isso, como problematiza Arroyo (2013), 0 curriculo é um tertitorio em disputa. Como podemos ver, o cusriculo é a forma como se articula a apropriacio/problematizacao do conhecimento, nao podendo esgotar seu significado em algo estatico, mas por meio das condigdes em que se realiza e se converte em uma forma particular de entrar em contato com as culturas. Os debates no campo do curriculo se do por meio de muitos enfrentamentos, pois ha de se pensar que vivemos em uma sociedade plural constituida por varias culturas que precisam ser retratadas nos curriculos escolares. Mesmo mediante 0 avango na compreensio da pluralidade cultural brasileira e da realizacdo de estudos quedemonstram que os curriculos escolareshistoricamente deram supremacia 2 determinados aspectos da cultura = enquanto negaram muitos outros - (APPLE, 2006; MOREIRA: SILVA, 2008), desde os anos 1980 (ou antes disso), no Brasil, feita a defesa pela constituicao de uma base nacional comum curricular (MACEDO, 2014). Tal situag2o pode ser percebida na Lei de Diretrizes e Bases da Educagio Nacional, n2 9.394/96, quando é determinado que 0 curriculo ter 60% de contetidos comuns para a Educagio Basica e 0s demais 40% serio trabalhados de acordo com os aspectos culturais de cada regio do Pais. Postetiormente, outros documentos, como Parmetros Curriculares Nacionais, o Referencial Curricular Nacional para a Educacto Infantil, as Orientacdes Curriculares para ‘o Ensino Médio, vém dando continuidade & defesa de uma base curricular comum, situago que aguca os debates no campo do curticulo. Como acompanhamos nos iiltimos anos, a elabo- taco de uma base nacional comum curricular voltou a constituir foco de anilise no meio académico, politico e educacional. Esse debate se fortaleceu com a elaboracto do Plano Nacional de Educacto (2014-2024), que culminou na constituicdo da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), pelo Ministério da Educacdio, levando varios pesquisadores, professores e gestores educacionais a refletirem sobre as concepgdes © encaminhamentos trazidos pelo documento sobre os modos de se traballnar ‘conhecimento na escola. Com a aprovacto do Plano Nacional de Educacto (Lei n, 13.005/2014), intensificaram-se 0s debates sobre a elaboragto de uma Base Nacional Comum Curricular. Uma primeira tentativa foi com a constituicko do documento: “Por uma politica curricular para a educacao basica: contribuicao ao debate da Base Nacional Comum. a pattir do direito a aprendizagem e ao desenvolvimento”. Jéasegunda, a Base Nacional Comum Curricular(BNCC) que, depois de varias verses, foi aprovada em 2017. Vatios pesquisadores (ALVES, 2014; MACEDO, 2014) sinalizam preocupagdes sobre a formulacao de uma base nacional comum curricular, estando, dentre elas, a interferéncia de agéncias internacionais (como 0 Banco Mundial) ¢ de conglomerados financeiros constituidos por empresas privadas que buscam interferir nas politicas pliblicas por meio de ideologias hegeménicas que ditam concepedes de sociedade interferindo no que se define como conhecimento vilido, no modo de se subjetivar as, organizacdes familiares, nas concepedes de género, nas Educagio (Porto Alegre), v.42, 9. 2,p. 351-360, maio-ago. 2019 Base Nacional Comurs Curricular ofientagdes sexuais ¢ religiosas, dentre outras, mantendo perspectivas de maior controle sobre os curriculos escolares. Além disso, surgem reflexdes acerca da composi¢ao de um curriculo nico € minimo em detrimento a uma diversidade cultural rica que é a realidade brasileira, abdicando, assim, de um conhecimento criativo, pautado na autonomia escolar. Com isso, surgem preocupacdes sobre a constituicdo de um ensino pasteurizado, conteudista, antiplural e antidemocrético na medida em que se retira a autonomia dos sistemas de ensino, das escolas e dos profissionais da Educacao, principalmente quando negam. uma ecologia de saberes e promovem o epistemicidio de ‘muitos conhecimentos (SANTOS, 2006) quando metas/ objetivos so tracados para serem apresentados no final de um ano letivo, levando as escolas a apresentarem resultados (mesmo que de forma camufiada), sejam eles expressos em avaliacdes locais e/ou nacionais. utra preocupacto apontada na elaboracdo da Base ‘Nacional Comum Curricular se pauta na defesa de uma Educacdo a partir de um padrdo de qualidade, Diante disso, ha dividas quanto ao teor da expressio “padrio de qualidade” e para quem ela se endereca. Muitas vezes, ‘raga-se um padrio de qualidade para um padrio de aluno ea coloca como mais relevante que o estudante concreto que esti na escola. Atende-se As agéncias intemacionais por meio de contetidos e testes padronizados em nome de uum ensino de qualidade para todos. Diante disso, nio se ‘questiona: qual a trajetéria escolar dos alunos? Como eles chegaram as escolas? Quais as suas condigées concretas de vida? © que eles alcancaram? © que avancaram? Quais 0s processos? Como eles se relacionam com 0 conhecimento? Como aprendem? Meirieu (2002) acena para a necessidade de vivermos ‘momentos pedagogicos, ot seja, experiéncias exitosas de ensino-aprendizagem com alunos concretos. Para tanto, € preciso que o professor reflita: qual a trajetéria escolar ede vida dos alunos? O que eles sabem? O que eles no sabem? Como aprendem? Como significam? Que linhas de raciocinio promovem? Que apoios necessitam? Que intervengdes diferenciadas precisam? Como reorganizar ‘95 tempos escolares com os tempos de aprendizagem? ‘Como criar contextos para os alunos estabelecerem suas, relagdes com os conhecimentos? Esse cenario se aproxima dos estudos de muitos pesquisadores (CARVALHO; 2011; FERRAGO, 2011) do campo do curriculo quando defendem a importincia de as escolas se pautarem em perspectivas curriculares que estimmulem e valorizem a diversidade e a diferenca existentes em sala de aula, Para esses autores & preciso valorizar 0 pensar e as redes que 03 alunos e 0s professores estabelecem com os conhecimentos que tecem nas relagdes sociais dentro e fora das escolas. 353 Muitos desses profissionais, alimentados pelas ideias de Boaventura de Sousa Santos (2006; 2008), defendem que cabem as escolas proporcionar aos estudantes o interesse pela pesquisa para que facam a traducao dos varios conhecimentos existentes na vida social, rompendo, assim, com a transmissio enciclopédica de conteiidos O curriculo, nessa dimensfo, proporciona 0 acesso a ‘um conhecimento prudente, que leva a reflexto critica de uma vida decente (SANTOS, 2008), por isso, no pode ser subjetivado como um cardépio de contetidos, mas ‘uma conversa complicada que cada sujeito faz consigo com 0 mundo (MACEDO, 2014), ou seja, por meio do acesso a0 conhecimento, o estudante tem 0 direito de analisat criticamente 0s modos pelos quais a sociedade se organiza, opera os processos de desigualdade/exclusdo e nela se desenham os movimentos de resisténcia a esses, processos. Nesse cendrio, esse sujeito tem o direito de ‘ver como se encontra posicionado e de analisar o papel da Educacao na transformacao da sociedade e da sua vida em particular. ‘Outta preocupacao apontada na elaboragao da Base Nacional Comum Curricular & a relagio estabelecida com as avaliagdes de larga escala quando determinados, “conhecimentos legitimados” sio explorados em sala de aula, desconsiderando muitos outros e, muitas vezes, nio estabelecendo um didlogo/telacaio com a vida social do estudante. © conhecimento serve a escola e As avaliagdes escolares ¢ de larga escala, mas nio 4 formacio integral do sujeito, Além disso, esse proceso promove um. rankeamento das escolas, fazendo-as competirem entre si, pois precisam evidenciar quem tem a melhor nota, ‘mesmo que promovam processos de exclusio de muitos estudantes ou neguem a entrada daqueles considerados “impréprios” (por exemplo, 0s com deficiéncia) por receio de eles rebaixarem os indices da unidade de ensino. Mediante as preocupagdes quanto aos rumos que podem trazer uma Base Nacional Comum Curricular construida em um cenério permeado pela evocagio de pressupostos antidemocréticos e fundamentalistas, a Associacdo Nacional de Pos-Graduagdo e Pesquisa em Educacto (ANPED) apresentou a0 Ministério da Educagio um manifesto contendo 0 posicionamento de varios pesquisadores brasileiros sobre alguns principios trazidos no documento em tela, evidenciando 0 quanto 0 curticulo & permeado por ideologias, culturas e relacdes de poder (MOREIRA: SILVA, 2008). ‘Nesse sentido, e indo além, é importante assinalar que, em tempos de ruptura e questionamento des eazapos diseiplinares em todo o mundo, a construeao de uma Base Nacional Comm Curricular a partir, esomente corientada por contetdos definidos por eapecialistas em diferentes areas do conhecimento é uma proposta ‘natimorta. Tal proposta desconsidera relagdes inter Educagio (Porto Alegre), v.42, 9. 2,p. 351-360, maio-ago. 2019 354 “Alesandro Braga Vieira, Sumika Soares de Freitas Hernandez Piloto, Ines de Oliveira Ramos c entre as dreas © os conhecimentos que les seriam proprios e constitutives, além de nlo ser capaz de contemplar algumas das metas especificadas nos protocolos propostos, a de “atribuir conteido social” 1s conteidos escolares, visto serem esses respostas a salagdes e sentides que tanscendem os préprios contetidos (ASSOCIACAO NACIONAL DE POS- GRADUAGAO E PESQUISA EM EDUCAGAO, 9 denovembro de 2015), Arroyo (2000) problematiza que é tarefa do Estado elaborar orientagdes bisicas para o curriculo e para a Educacdo Nacional. No entanto, algumas premissas no podem passar despercebidas. Uma proposicao curricular no pode estar desatrelada de um projeto de sociedade que se pretende construit, portanto, nfo. podemos pensar em um tinico aspecto da cultura, mas nos varios embates politicos, econémicos e culturais presentes na sociedade contemporinea que precisam compor os curticulos escolares. Além disso, & necessério incorporar base comum as experiéncias exitosas das escolas, estabelecidas nas relacées que professores ¢ alunos constituem com 0 conhecimento. Somado ao exposto, & fundamental o exercicio da democracia na elaboracto de uma base curricular nacional, promovendo um cenério dialogico para que universidades, professores, alunos, sociedade civil, pais, movimentos sociais, gestores, entre outros, possam discutir criticamente a elaboracao de um documento que realmente retrate a Educacao como ‘umn diteito pablico e subjetivo e a diversidade/diferenca que compdem a realidade social, cultural, politica e econdmica do Brasil. CuRRicULO E EDUCAGKO ESPECIAL A Educagao inclusiva & um panorama filoséfico, politico © pedagogic que visa acolher, nas classes regulares, diferentes sujeitos, garantindo-lhes os direitos de aprender e de atingir niveis elevados de ensino (BRASIL, 2008; MENDES, 2006). Em proceso de solidificacao no Brasil, desde os finais dos anos de 1980, a ceducacdo inclusiva vem se compondo como consequéncia de lutas firmadas pelos intimeros movimentos sociais para «que sujeitos histoticamente afastados nos bancos escolares venham ter 0 direito de estudar, de pesquisar e de divulgar ‘opensamento, conforme prescreve a Constituicao Federal do Brasil de 1988. Dentre os grupos sociais que passaram a compor 08 cenrios educacionais, a partir dos pressupostos da Educagao inclusiva, temos 05 estudantes com deficiéncia, transtornos globais do desenvolvimento e altas habi- lidades/superdotacdo que repercutem um grupo social historicamente no abarcado pelas politicas educacionais, ¢ isolado do convivio social. Em virtude do afastamento do Estado acerca da escolarizacdo desses sujeitos, esse processo foi sendo negligenciando, ocorrendo por meio de intervengdes de cariterclinico-terapéutico em instituigdes especializadas, sem relagdes com os curriculos escolares.. Com 0 processo de redemocratizacio do Pais, a Educacdo Especial passa a ser assumida como moda- lidade de ensino, ou seja, como transversal e no subs- titutiva a escolarizagao dos alunos, sendo referendada como modalidade na Constituigao Federal de 1988, no Estaturo da Crianca e do Adolescente (Lei n° 8.069/90), na Lei de Diretrizes e Bases da Educagao Nacional (Lei n? 9.394/96) © no Plano Nacional de Educacao (Lei n® 13.005/2014), assim como em outras normativas nacionais e incumbéncias internacionais. Diante disso, 0 processo de escolarizacio de alunos com indicativos a Educacdo Especial se fundamenta no pressuposto da Educacio como direito piblico & subjetivo (de todos e dever do Estado) com a garantia da oferta do atendimento educacional especializado ‘como suplementar/complementar (e no substitutivo 20s cutriculos escolares) para atendimento as especificidades de aprendizagens dos estudantes. Cury (2002) afirma que no Brasil, a Constituinte de 1988 um marco quando reconhece 0 direito a Educagaio como piblico subjetivo. O diteito pablico subjetivo & um dos mais fortes da lei em termos de protecdio e garantia de uma prerrogativa fundamental, pois “[...] direito piblico subjetivo esta amparado tanto pelo principio que ele o &, assim por seu cariter de base © por sua orientacio finalistica, quanto por uma sancio explicita quando de sua negaciio para 0 individuo cidadao” (CURY, 2002, p.7). Os movimentos sociais constituides em favor da matricula de alunos com deficiéncia, transtornos glob: do desenvolvimento ¢ altas habilidades/superdotacio nas escolas comuns vém trazendo essa temiética para os debates feitos no campo do curriculo, tendo em vista a luta pela ampliacao da compreensio dos processos de inclusio perpassando pelo acesso, permanéncia e apropriagdo do conhecimento. A Politica Nacional de Educacao Especial na Perspectiva da Educacdo Inclusiva (BRASIL, 2008) afirma que houve um salto, entre 1996 a 2006, de 640% das matriculas nas escolas comuns de alunos apoiados, pela Educacio Especial, situacdo que evidencia avangos na Iuta em favor da escolarizagao desses sujeitos, mas também desafios para as priticas pedagogicas © para a formagio dos professores que se pergumtam 0 que ensinar a esses alunos, reforcando a necessidade de debates proficuos sobre a composicdo de curriculos mais, acessiveis ¢ abertos. Quando refletimos sobre a relagdo entre curriculo & Educagto Especial tensdes atravessam 0 processo. Um primeiro ponto de andlise se relaciona com aspectos apresentados na primeira parte deste texto, Temos Educagio (Porto Alegre), v.42, 9. 2,p. 351-360, maio-ago. 2019 Base Nacional Comurs Curricular alunos com especificidades, com trajetérias de vida e com processos de escolarizacao negligenciados ou nao considetados por uma Base Nacional Comum Curricular que prima por um ensino pasteurizado, conteudista, antiplural e antidemocratico. Diante de um curriculo prescrito e inacessivel, a escola se vé diante de muitos dilemas e perguntas: esse sujeito aprende? O que ele aprende? O que ensinar? O que ele aprendeu tem valor? Ele passa ou nfo passa ao final do ano letivo? Parece que 0 professor, diante desse cendrio, desenvolve certa paralisia docente (VIEIRA, 2015), pois se depara com uum aluno que nio se encaixa em um curticulo que vem pronto e que em nada cede para validar 0 que o aluno pode e aprendeu na escola. Outra tensfo é a ideia de padrio de qualidade que também € pensada a partir de um padrdo de aluno. Muitos conhecimentos selecionados sio apresentados 0s estudantes, mas que nao retratam a realidade social desses sujeitos. Alm disso, nfo respeitam suas trajetérias de vida, suas aprendizagens, seus modos de significagto, seus tempos, suas linhas de raciocinio e as relacdes que estabelecem com 0 conhecimento. Os efeitos dessas escolhas resultam na promogao da ideia de que os alunos atuais nao tém condigdes de aprender. Os professores afir- ‘mam: “Eles nfo querem aprender”. “Eles nfo aprendem"” “Ja fiz de tudo, mas ele no consegue”. J& nos anos iniciais do Ensino Fundamental, hé a naturalizagao do fracasso escolar e porque nao dizer na Educaco Infantil Com isso, crescem vertiginosamente os indices/ni- ‘meros de criangas com suspeitas de deficiéncias/sindro- ‘mes ou “criangas que precisam de laudos”, como assim sinalizam os docentes. Se, em tempos remotes existiram, ctiangas chamadas de “levadas”, “arteiras”, “bagunceitas” {no defendemos aqui rétulos), mas mesmo com esses ‘otulos” pareciam criangas, atualmente, todas elas parecem que perderam suas identidades infantis em nome das rotulagdesclinicas que as denomiinam como hiperativas, com déficit de concentraco, com autismo, com psicose e recentemente com TOD (Transtorno Opositor Desafiador) Com os olhos da clinica, emitem-se laudos subjetivos (VIEIRA, 2015) que sto diagnésticos produzidos na cotidianidade das escolas mediante curriculos inacessiveis, priticas pedagégicas que apresentam 0s conhecimentos, de maneita pouco atrativa produzindo uma imensidade de estudantes nao propensos a aprendizagens e que fazem. aumentar as filas em busca dos tio procurados “laudos ‘médicos”. Isso porgue paira a ideia que de a pessoa com deficiéncia/sindrémica nao aprende e o laudo & 0 tesmémetro que ird validar a nfo aprendizagem. Esse cenario é referendado pela ideia de que os professores jé tém dificuldades em ensinar 0s ditos nomais (para os quais nfo podem negar que “tiveram” formagio), portanto nao Ihes resta tempo e condigdes 355 de se envolverem com aqueles que possuem algum tipo de deficiéncia ou para aqueles que trazem possiveis stuspeitas para as escolas. A esses Ihes resta & convivéncia com estagiérios, que acabam por assumir a docéncia, quando deveriam aprofuundar seus saberes sobre como ser professor, situacdo a ser assumida pelos mediadores do conhecimento no espaco-tempo da sala de aula, contando com 0s apoios necessirios que essa acdo necessita, sempre que necessirio, e as devidas condigdes de trabalho © de formacao, Quando esse cenaio ¢ atravessado pelas avaliagdes de larga escala ou por cobrangas dos sistemas de ensino que determinam as metas a serem alcangadas, sem mesmo realizar diagnsticos das escolas e das turmas para compor um plano de ago para que todos os alunos tenlam condigdes de aprender e os professores possibilidades de ensinar, os desafios se tornam amplamente plurais. Por isso, cabe pensar: qual a concepcao de sujeito de direito que a Base Nacional Comum Curricular defende? Como 6s pressupostos da Educacao Especial transversalizam 0 documento? Quais os espagos para se tratar a diversidade! diferenca humana? Como aponta pistas para se articular © cutriculo comum 20 atendimento educacional especializado? Geralmente, pensa-se em um documento curricular para um padrio de aluno e compdem-se anexos/apéndices para se tratar das especificidades de determinados grupos sociais como se eles vivessem de especificidades e nfo tivessem o diteito de acessar determinados teferenciais culturais comuns e necessdrios a0 processo de humanizagto, E por meio da composicio de documentos orien- tadores feitos a partir de sujeitos padronizados que nascem conceitos como adaptacdes, flexibilizacdes adequagdes curriculares. Como 0 curriculo esta pronto, paira a ideia de que ele precisa ser adaptado para os estudantes que posstiem deficiéncia, transtomnos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotacto, ‘mesmo que a literatura produzida no campo da Educacto Especial (HASS: BAPTISTA, 2015: CORREIA. 2016), aponte preocupagdes acerca do uso tecorrente desses conceitos, acenando 0 quanto (por meio deles) se tém constituido curriculos minimos, enxutos e pobres, por sua vvez pensados para as deficiéncias dos alunos e no para sujeitos historicos e sociais ‘Quando as exigéneias eurriculares nll sto curmpridas ppor todos da mesma forma, inevitavelmente surgem as

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