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Richarp M. Guta, S.S. ETICA NO MINISTERIO PASTORAL ‘Tradugao Edite do Céu Faial Jacques ah Titulo original Ethies in Pastoral Ministry © 1996 by Richard M. Gula Publicado por Paulist Press 997 Macarthur Boulevard Mahwah, New Jersey 07430 ISBN: 0-8091-3620-1 Preparacao ‘Mauricio Balthazar Leal Diagramagao Miriam de Melo Francisco Revistio Adriana Cristina Bairrada Edigées Loyola Rua 1822 n® $47 ~ Ipiranga (04216-000 So Paulo, SP Caixa Postal 42.335 04218-970 Sao Paulo, SP & (O*+11) 6914-1922. (Or+11) 6163-4275 Home page e vendas: www.loyola.com.br Editorial: loyola@loyola.com.br ‘Vendas: vendas@loyola.com.br ‘Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra ‘pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma efou quaisquer meios (eletrOnico ou mectinico, ineluindo Fotocépia e gravagéo) ou arquivada em qualquer sistema ‘ou banco de dados sem permissdo eserita da Bditora. Sumario Introdugao I. FUNDAMENTOS TEOLOGICOS... v 3, DEVERES PROFISSIONAIS Conhecimento Especializado e Habilidades... ‘Atendimento as Necessidades Humanas Fundamentais Compromisso com 0 Bem do Outro Estruturas para a Responsabilidade ... 4, O PODER NO RELACIONAMENTO PASTORAL ... Poder (O Poder no Relacionamento Pastoral .. “Avaliagao do Uso do Poder. 5, SEXUALIDADE. Conduta Sexual.. - 13 O Bom Togue/O Toque Confuso/O Mau Toque 118 Avaliagao Etica.. : 125 Prevengao 1. A Natureza do Papel Ministerial 2. Necessidades Pessoais .. 3. O Relacionamento no Casamento.. 4. Responsabilidade. 5. A Oracio e a Disciplina Espiritual Estratégias Preventivas 6. CONFIABILIDADE Que E Confiabilidade? Os Limites da Confiabilidade Violagao das Fronteiras.. Prevencio .. 7. PROPOSTA DE UM CODIGO DE ETICA Cédigo de Responsabilidade Profissional no Ministério... INTRODUGAO ‘Ha alguns anos, um de nossos alunos veio visitar-nos apés um ano de sacerdécio, Entrar para a vida sacerdotal representou uma grande mudanga para quem tivera sucesso na carreira profissional. Quando Ihe perguntei como tinha sido 0 seu primeiro ano como sacerdote , ele manifestou surpresa e desapontamento devido a falta de “profissionalismo” no sacerdécio. “Nao ha responsabilidade lé fora”, disse abruptamente. Depois continuou: Durante toda a minha vida profissional, nunca vi‘tanta falta de interesse nas estruturas para qualquer critica significativa do de- sempenho e progresso de cada um de nés. Os ministros pastorais parecem indiferentes a padres profisionaise nada inclinados a se questionar quando ocorrem situages irregulares de comportamen- to, Parece que por termos vocacao “religiosa” estamos isentos de agit de acordo com padrées profissionais. Por quanto tempo con- ‘tinuaremos assim? ‘A ocasido em que ouvi tais palavras contribuiu para que elas surtissem um verdadeiro impacto. Conversévamos quando Lead us not into temptation’ de Jason Berry, o livro sobre padres catélicos € 0 1 Jason Berry, Lead us not into temptation. Nova York, Doubleday, 1992. 7 ETICA NO MINISTERIO PASTORAL abuso sexual de criangas, era um assunto em voga e apareciam na midia noticias sobre 0 comportamento inadequado de clérigos — proeminentes ou nao téo proeminentes — em questdes sexuais. Considerei a sua avaliacdo, e o clima na Igreja afetado pela publicidade de violagées de barreiras sexuais perpetradas por pa- dres, como desafio para nds, os envolvidos na formacdo dos minis- tros para a Igreja. Comecei a examinar o grande interesse pela ética no local de trabalho, procurando um modo de usar no ministério pastoral alguns dos métodos aplicados em ética profissional. Um dos resultados da minha pesquisa deu-me a oportunidade de oferecer um curso opcional sobre ética no ministério. O grande interesse pelo curso e os bons resultados levaram-me a escrever este livro, que pode servir de referéncia para quem quiser também oferecer um curso similar relacionado com o ministério pastoral ou simplesmente examinar a perspectiva ética no ministério. Como conseqiiéncia também promovi uma conferéncia pibli- ca sobre ética ministerial. Cito entao o trecho de uma carta (transcri- to e adaptado com a permissdo do autor) que recebi posteriormente: Prezado Rich, Primeiro, gostaria de agradecer pela sua apresentagao sobre ética ‘no ministério pastoral. Muitos de nés que o ouvimos continuamos falando sobre a maneira de aplicar seu método no ambito dos nossos servigos. ‘Ainda me preocupo com a necessidade de algum tipo de “cédigo de ética” para os ministros pastorais. Noto que a falta de tal c6digo & em parte a causa do baixo padrao moral entre muitos dos padres que conheco. A inexisténcia de uma declaracio formal a respeito de padres éticos leva a critérios nada objetivos para avaliagZo. Nao se criando avaliagbes, no ha como reconhecer formalmente um trabalho bem feito, J4 que a Igreja me mantém por toda.a vida, penso que a inexisténcia de padres corporativos de responsabili- dade leva padres e bispos a cultivar uma atitude de “pouco me importo”: Por que vamos nos preocupar em avaliar 0 comporta- ‘mento de um padre quando temos de ficar com ele até a morte? Quando trabalhei no ramo de computagdo, arites de entrar no se- inTRODUGAO minério, eu tinha de fazer um relat6rio sobre as “Metas e Objet vos” que me propunha cumprir durante o ano. Eo meu gerente fazia uma revisio antes de aprové-los. Iso era basico para a ava- liagio anual e aumento salaral, redugao de salario e até demissao. ‘Tal exercicio e padrées inspiraram minha confianca para me asso- ciar & misso da companhia e serviram-me de apoio moral. Fui tido como responsvel porque alguém acima de mim considerou ‘meu emprego importante. ‘Comego a acreditar que a auséncia de padrées mensurdveis para os padres pode ser um sinal de que seu trabalho ndo é la tao im- portante. Por que deveriamos levé-lo tio a sério? Os de postos mais elevados parece que pouco se importam com isso. ‘Agradeco-lhe novamente pelo curso. Essa carta e 0 encontro com meu antigo aluno so somente dois exemplos das bases que clamam por “profissionalismo” no nosso ministério. Surpreende-nos que os dois exemplos venham de homens reconhecidos como profissionais em suas carreiras antes de entrarem para 0 seminério. Mas, quando se tornaram ministros, de fato da Igreja, encontraram poucas pessoas interessadas em pro- mover padroes de competéncia e avaliar estilos de desempenho. Erica profissional tem a ver com o cardter moral e a soma de obri- ‘gagdes inerentes a pritica de uma profissio. Ano apés ano as faculdades ‘oferecem cursos especiais sobre ética profissional; empresas, hospitais e ‘governos do seminétios sobre as dimensdes éticas de seus trabalhos. O interesse pela ética no local de trabalho esta em todo o lugar. No entanto, a ética no ministério chegou por iiltimo ao palco da ética profissional. Em 1982, Edward LeRoy Long Jr, em A survey of recent christian ethics, avaliou a evolucao da ética profissional e mostrou que “nao se da praticamente atenao alguma aos problemas éticos que surgem na pratica do ministério™. Geralmente, os ministros, ao con- trério de outros profissionais, nao tém cédigo de ética ao qual possam recorrer como apoio e orientagiio. Num expediente de cédigos profis- 2. Edward LeRoy Long, Jr, A sure of recent christian ethics. Nova York, Oxford, University Press, 1982, p. 151. ; ETICA NO MINISTERIO PASTORAL sionais recentemente publicado nao esta incluido nenhum cédigo para 0s ministros'. Além disso, entre as denominacées religiosas, algumas apenas tém um codigo de ética‘. Em 1994, a Arquidiocese de Milwa- ukee publicou experimentalmente o Cade of ethical standards fr priests, deacons, and pastoral ministers. Em. 1995, a Conferéncia Canadense de Bispos Catélivos, em colaboragdo com a Federacao Nacional de Con- selhos de Padres, liberou o documento sobre responsabilidades minis- Em breve, a Internacional de Diretores Espirituais liberard um cédigo de ética para seus membros’. ‘Ao examinar as publicagbes sobre ética ministerial, verifica-se {que 0s catélicos pouco refletem sobre a questo. Por isso, este livro € uma modesta tentativa para, como catélico, contribuir para a dis- ‘cussaio da ética e estimular o didlogo dentro da Igreja Catolica sobre ética profissional no ministério pastoral. A eclesiologia subjacente deste livro, o seu credo, é essencial- ‘mente a do Concitio Vaticano II (1962-1965). A Igreja foi inaugurada por Jesus ao pregar sobre o Reino de Deus e as obras que Ele fez associadas & sua pregacdo. Vivificada pela presenca oculta de Deus no poder do Espirito Santo, a Igreja, como um todo —a comunida- de de todos os batizados —, faz o caminho de sua peregrinagdo atra- vés da historia proclamando, encarnando e servindo o Reino de Deus até que ele alcance a sua plenitude. A Igreja tem no seio de seus quadros hierdrquicos pessoas que podem ajudéla a cumprir sua ‘miso, a ser um sinal e instrumento da comunhdo da humanidade 3. Rena A. Gorlin, ed., Codes of profesional responsibilty, 2* ed, Washington, D.C, The Bureau of National Affairs, Inc. 1990. 4. Veja as notas incluidas in Joe E. Trull & James E. Carter, Ministerial ethics: being a good minister in a not-so-goed world. Nashville, Broadman & Holman Publishers, 1993, “Appendix II", pp. 226-241. 45. Para conseguir uma cépia, escreva para Director of Pastoral Ofice, The Archdiocese of Milwaukee, 3501 S. Lake Dr, P.O. Box 07912, Milwaukee, WI 53207-0912. 6. Entre em contato com National Federation of Councils of Priests, Office of the President, 2080 Lasalle Blvd., Sudbury, Ontario P3A SPS. 7, Entre em contato com The Executive Coordinator, Spiritual Directors International, 2300 Adeline Dr, Burlingame, CA 94010-3599 (415-340-7483; FAX InTRoDUGhO com Deus e de uns com os outros. A ordem episcopal, com a papa a frente, tem responsabilidade universal para agir em nome de Cris- tona Igreja e pela Igreja. Cada bispo serve a Igreja local e todos eles juntos em unio com o papa servem a Igreja Universal. Uma carac- teristica da eclesiologia catblica é ver a Igreja como uma comunida- de colegial de Igrejas locais comi o papa como uma fonte visivel e base da unidade dos bispos e dos fiéis. Sob a orientagdo corporativa do colégio dos bispos e trabalhando sob a autoridade do bispo local, padres, didconos e todos os ministros pastorais ajudam a Igreja a ser ela propria ea levar a bom termo a sua missio. O conceito de ministério pastoral, tal qual o usamos aqui, tem ampla aplicagio. Na Igreja Catolica anterior a0 Coneilio, raramen- te ouviamos alguém falar sobre “ministros” ou “ministérios”. Tais termos eram usados mais pelos protestantes do que pelos catélicos. Mas o Concilio recuperou a nogao de que os papéis de um sacer- dote constituem mais um servico (ministério) do que um status dentro da Igreja. Viu o ministério dentro da Igreja como uma fungao da comunhao e misso da Igreja. E mais, nos anos apés 0 Concilio, com o crescimento do envolvimento dos leigos, qualquer pessoa que prestasse algum servico relacionado a Igreja considerava-se “ministro” atuando no “ministério”. Temos, por exemplo, ministros de campo e ministros da eucaristia, ministros de leitura e acélitos, assim como existem ministérios da hospitalidade, dés doentes dos encarcerados. O uso abrangente do termo ministério na Igreja chama a atengo para a distingdo entre ordenados e ndo-ordenados ea relacdo entre ambos. Este livro no analisa essa questi, mas reconhece de fato que as pessoas que atuam no ministério hoje sio tanto ordenadas como nao-ordenadas. Este livro volta-se particularmente para as demandas morais que surgem no exercicio profissional de qualquer ministério pasto- ral. O publico que pretendemos atingir é o dos ministros pastorais que servem a Igreja dentro da sua capacidade profissional, espe- cialmente padres, diéconos, administradores pastorais', ministros 8. As dioceses adotaram uma variedade de titulos para designar este lider paroquial: “administrador pastoral”, “administrador paroquial”, “coordenador pas- ETICA NO MINISTERIO PASTORAL para a juventude, diretores espirituais, ministros de campo, direto- res de educacao religiosa e catequistas. Enquanto esses ministros pastorais tém certa responsabilidade moral em comum que justifica referirmo-nos a todos ao mesmo tempo, ha diferengas significativas entre os seus ministérios. E dificil, tanto para este livro quanto para a Igreja como um todo, respeitar as diferencas reais entre os minis- térios e 08 ministros, numa Igreja hierarquicamente estruturada, sem ignorar ou solapar a imparidade dos ordenados ou minimizar © real valor e desafios dos ministros leigos. Além disso, incluir os ordenados e ndo-ordenados na mesma categoria significa que eu nao estarei lidando com questdes importantes inerentes a cada um, tais como a ética da pregacdo para padres e didconos e a responsa- bilidade moral dos ministros leigos para equilibrar deveres de fami- lia com 0 compromisso com o ministério. No entanto, é possivel desenvolver uma estrutura ético-teolégica que todos os ministros possam seguir para avaliar, de modo responsavel, dimens6es mo- ais de seu exercicio profissional do ministério. Enquanto trabalhava neste projeto, conversei com muitas pes- soas do ministério pastoral. Cada uma tinha as suas opinides e idéias que deveriam ser incluidas no projeto. Algumas preferiam uma espécie de livro de bons modos ou etiqueta pastoral. Sugeri-lhes que lessem o livro esquisito, mas ainda um classico, Ministerial ethics and etiquette? de Nolan B. Harmon. Outros queriam que tratasse de ‘uma lista de responsabilidades pastorais, tais como administragao financeira, sermées, suprimento de supervisdo, redacao de cartas de recomendacao, etc. Sugeri-lhes que poderiam ler o livro de Gaylord Noyce, Pastoral ethics: professional responsibilities of the clergy", ou o de Walter E. Wiest e Elwyn Smith, Ethics in ministry: a guide for the professional", ou 0 de Paul Chaffee, Accountable Leadersship: resourses toral’, “coordenador da vida paroquial”, “diretor da vida paroquial”. Sobre esse ‘novo ministério da Igreja, veja Philip J. Murnion, “The Potential and Anomaly of the ‘Priestess Parish’, America I71 (janeiro 29, 1994): 12-14. 9. Nolan B. Harmon, Minstrial ethics and tiqute 2. ed. revista. Nashville, Abingdon Press, 1993. 10. Gaylord Noyce, Pastoral ethics: profesional responsibilities of the clergy. Nashville, Abingdon Press, 1988. 11. Walter E. Wiest & Elwyn A. Smith, Ethic im ministry: a guide for the professional Minneapolis, Fortress Press, 1990. 2 InTRoDUGhO. for worshipping communities, Recentemente, Joe E. Trull e James E. Carter escreveram Ministerial ethics, um trabalho bastante amplo que engloba varios aspetos da responsabilidade no ministério da perspectiva da Igreja Batista. Meu livro inspira-se no antigo, mas ainda valioso, trabalho de Karen Lebacqz, Professional ethics: power ‘and paradox". A autora € perspicaz. ao referir-se a responsabilidade dos agentes de pastoral, principalmente da perspectiva da ética e da sociologia. Todos os guias mencionados sobre ética no ministério pastoral foram escritos por protestantes ¢ refletem preocupacées inerentes {as stias comunidades, embora muito do que Ia se encontra valha para 0 ministério em qualquer Igreja. Quero que meu trabalho fale particularmente as comunidades cat6licas, mas que tenha um inte- resse ecuménico mais amplo e constitua uma nova voz num dislo- go to importante. ‘Meu principal objetivo é apresentar uma estrutura ético-teol6- sgica para que possamos refletir sobre a responsabilidade moral do ministério pastoral como profissio. O tema desenvolve'se na pri- meira parte. O capitulo I apresenta os fundamentos teolégicos da ética no ministério pastoral. Ap6s apresentar o ministério pastoral como vocagio e profissio, desenvolve alguns aspectos relevantes as dimensoes morais do ministério pastoral partindo de trés pontos da ética teol6gica: promessa divina, imagem de Deus e discipulado. Tais fundamentos de fé permeiam a estrutura ética subseqiiente. Os trés capitulos seguintes falam sobre ética no ministério pastoral & luz de trés conceitos basicos da ética: virtude, dever ¢ responsabilidade. Quero formular as contribuicdes positivas que cada uma dessas nogées presta a ética ministerial sem supervalorizar nenhuma delas. O conceito de virtude ressalta a importincia do carater, visdo e virtudes do ministro como fundamentos e impulso 12. Paul Chaffee, Accountable leadership: resources for worshipping communities. Sao Francisco, ChurchCare Publishing, 1993 13, Joe E. Trull & James E. Carter, Ministerial ethic. Nashville, Broadman & Holman Publishers, 1993. 1. Karen Lebacqg, Professional ethics: power and paradox. Nashville, Abington Press, 1985, 5 B ETICA NO MINISTERIO PASTORAL espiritual para o exercicio moral do ministério pastoral. O conceito de dever identifica certas obrigagdes morais que resultam de o ministério ser uma profissio. O coneeito de responsabilidad abre caminho para discutirmos 0 uso do poder no relacionamento pastoral. ‘A parte II utiliza essa estrutura ao tratar de duas questdes fronteiricas: sexualidade e confiabilidade. Escolhi as duas questoes, porque so as que todo agente pastoral deve enfrentar. Mas a0 escolher duas questées que falam a dimensao mais intima e interpessoal do ministério, nao nego as dimensdes mais piiblicas da lideranca pastoral. Entendo que, para melhorar a qualidade do nosso ministério pastoral, temos também de atender as demandas morais a0 fazer vir & tona os dons da comunidade, ao desenvolver e inspi- rar ministros e novos ministérios, ao sermos justos na nossa pratica de contratar e despedir pessoas, ao observar que mantemos um bom relacionamento entre os funcionarios, ao administrar as finan- a8, ao manter equilibrio entre a responsabilidade com a familia e © envolvimento com 0 ministério e ao preparar e pregar a palavra do Senhor. Estas so algumas das outras demandas morais a satis- fazer se quisermos atingir um ministério pastoral de alta qualidade. Como um ministro pastoral lembrou, “a nossa falha moral est mais em omitir 0 que deverfamos fazer do que em fazer 0 que deveria ser evitado”. Assim, pretendo que este livro possa ser uma tentativa de investigar, uma primeira palavra, um comeco modesto do que eu gostaria venha a constituir um didlogo entre catdlicos sobre ética do ministério pastoral. Acima de tudo, espero que alguém mais aprimore o que comento aqui, que o amplie pela inclusio de outras demandas morais do ministério pastoral ou até que venha refazer © meu trabalho. Na parte III tento fazer uma proposta a favor de um “Cédigo da Responsabilidade Profissional no Ministério”. Esse c6digo nao tem o endosso oficial da Igreja. E uma proposta minha baseada nos comentarios deste livro. Aparece tanto como conclusio do livro quanto como pontos para a continuagao de uma conversa sobre responsabilidades morais de um agente pastoral. Por meio do exame da ética profissional no ministério, quero que se considere o ministro pastoral como um profissional. Trato os 4 INTRODUGAG ministros pastorais como profissionais, porque o proprio exercicio do ministério requer conhecimento, habilidade e bom carter moral para atender as necessidades das pessoas. Minha intenedo é ajudar 0s ministros pastorais a reconhecer as dimensdes morais de seus ministérios e dar-lhes meios de informacao e metodologia para refletir sobre as suas responsabilidades morais. Agradeco a muitas pessoas do ministério pastoral que me aju- daram a focalizar e aperfeicoar 0 posicionamento que apresento aqui. Sou grato a meus estudantes, os primeiros a examinar comigo todas estas idéias, e aos participantes dos meus grupos de trabalho sobre ética no ministério que testaram 0 método em questo e muito me ensinaram sobre forca, fraqueza e implicagdes. Agradeco tam- bem a varios ministros pastorais a quem tive a oportunidade de entrevistar para melhor aprender sobre os desafios éticos de seus ministérios pastorais. Poderdo reconhecer suas experiéncias, que modifiquei e adaptei, como exemplos iJustrativos por todo o livro. Devo muito a comunidade sulpiciana, que me manteve duran- te 0 ano sabatico para que eu pudesse escrever este livro. Sou grato especialmente aqueles que leram 0 manuscrito ¢ fizeram sugestdes para aperfeicod-lo. Desejo mencionar particularmente meus cole- gas sulpicianos, Pe. Philip S. Keane, S.S., Pe. William J. Lee, S.S., Pe. Thomas R. Ulshafer, 8S., e Pe. Ronald D. Witherup, S. S. Tam- bém ajudaram-me muito as conversas com dois psicélogos, Pe. Raymond P. Carey e Maureen Hester, SNLM. Os padres Randolph R. Calvo e Robert W. McElroy da arquidiciocese de Séo Francisco e Pe. Richard C. Sparks, C.S.P,, da Paulist Press ofereceram-me aju- da editorial. A senhora Marilyn Neri apresentou-me uma perspec- tiva mais ampla sobre o ministério pastoral e Joan Marie O'Donnell, RS.M., que, ao desafiar-me a ficar mais perto do trabalho dos mi- nistros pastorais, contribui para que este livro estimulasse mais fa- cilmente conversas entre os ministros pastorais acerca de dimen- sdes morais do ministério. Pe. Stephen C. Rowan da arquidiocese de Seattle e da Universidade de Seattle tem uma maneira de dizer © que quero dizer muito melhor do que eu. Leu pacientemente o manuscrito e ofereceu muitas sugestes para torné-lo mais claro. Michael C. Kamplain deu-me assisténcia técnica para, que este 1s ETICA NO MINISTERIO PASTORAL ‘material ficasse mais atraente e acessivel a um ntimero maior de leitores. A lista de pessoas que me ajudaram poderia ir além. Sio mais do que as ja citadas, mas nenhuma delas é responsdvel por qualquer falta que o leitor, porventura, encontre aqui. Se o leitor nao ficar satisfeito com o resultado do meu trabalho, esteja ciente de que eu-nao teria chegado a este ponto sem a ajuda de tantas pessoas. 16 I FUNDAMENTOS TEOLOGICOS Do ponto de vista teolégico, 0’ ministério moral deve estar cstreitamente relacionado a experiéncias de Deus e convicgdes sobre Deus. Deus é 0 centro supremo de valor, o ponto fixo de referencia pelo que é moralmente certo ou errado, a fonte e a meta de toda a luta pela moral. O papa Joao Paulo II reitera freqiientemente a sua conviceao fundamental sobre vida moral no primeiro capitulo da Veritatis Splendor. Quando 0 Papa reflete sobre o significado da res- posta de Jesus a pergunta do jovem rico, “Mestre, que devo fazer de bom para ter a vida eterna?” (Mt 19,16), Joao Paulo IT afirma: Na verdade, perguntar sobre o que é bom significa voltar-se para Deus, a plenitude da bondade. Jesus mostra que a pergunta do jovem é realmente uma pergunia religiosa e que a bondade que atrai e, a0 mesmo tempo, compele o homem tem Deus como fonte e 6, na verdade, 0 proprio Deus. Somente Deus é digno de ser amado “de todo o teu coracio, com toda a tua alma e com todo 0 teu pensamento” (Mt 22,37). Ele 6a fonte da felicidade do homem. [Jesus associa de novo a pergunta sobre ages moralmente boas a undamentos religiosos ao reconhecimento de Deus, que é s6 bon- dade, plenitude de vida, a finalidade da vida humana e felicidade perfeita (n. 9). . ETICA NO MINISTERIO PASTORAL ‘As responsabilidades morais no ministério sancionam-se nao meramente pelas convenes sociais que aceitam 0 ministro como um profissional, tampouco por regras de conduta que qualquer pessoa sensata segue. Embora sejam meios legitimos, nao bastam. Do ponto de vista teol6gico, Deus legitima a moralidade. Entao, as responsabilidades morais do ministério profissional nao se referem somiente a nés ou a outras pessoas. Sao, em altima anéllse, respon- sabilidades perante Deus. Reconhecer Deus como fonte e meta da luta moral indica 0 ca- minho da vida moral. Devemos sempre agir de maneira a demonstrar a presenca de Deus em nossas vidas, pois isso nos levara a uma comu- nhao mais completa com Deus como meta em nossas vidas. Para que {sso aconteca, precisamos ser guiados por aqueles valores que estio de acordo com os valores de Deus. Mas que valores de Deus? ‘A tradicao moral catolica diz que nés sabemos quais so esses valores e requisitos pela inter-relacdo entre fé e razdo. A fé dé-nos acesso a Deus por meio da Biblia, nao somente a luz do testemu- nho de Israel, especialmente pela promessa divina, mas preemi- nentemente em Jesus. A {é também dé-nos acesso a Deus por meio de conviegdes religiosas moldadas pela tradigao da Igreja, a vida de oracao, o testemunho piblico (por exemplo, os santos) e a reflexao teolégica. A razio dé-nos acesso a Deus por meio do entendimento do que significa ser humano. Ambas as fontes, fé e razdo, contribu- em para que se desenvolva uma estrutura ético-teolégica para as responsabilidades profissionais no ministério. Embora as discusses sobre responsabilidades profissionais possam ter amplo alcance, ndo podem ignorar 0 seu centro teolé- sgico de gravidade ao serem empreendidas pelos cristios. O primei- ro capitulo esté organizado para assegurar tal centro e pé-lo ante todos nés como o horizonte onde somos capazes de ver as dimen- sbes morais do ministério. Ao apresentar 0 centro teolégico das relagdes profissionais no ministério, volto-me primeiro para o modo de entender o ministério pastoral como vocagao e profissao. De- pois, volto-me para trés pontos centrais da ética teolégica que nos dao acesso ao que Deus valoriza, a saber, promessa divina, imagem de Deus e discipulado. 18 FUNDAMENTOS TEOLOGICOS ‘Vocagao e Profissio ‘A tendéncia para tornar o ministério mais profissional tem como ‘objetivo melhorar a qualidade de sua pratica. Mas 0 conceito de mi- nistério como profissio e a maneira pela qual a ética profissional pode ajudar a entender a responsabilidade moral do ministro é, em si', uma questdo discutivel, Parece-me que temos mais a ganhar do que a per- der ao qualificar 0 ministério pastoral como uma profissio, ao esperar dos ministros pastorais que ajam profissionalmente, considerando-os responsiiveis como profissionais, No entanto, ha quem se oponha a ver no ministério pastoral uma profissio por consideré-lo vocagao religiosa. E “vocacao” — assim dizem — é um tipo tao singular de lideranca cristé que nao pode ser comparada a outras profissdes. “Profissionalizar” 0 ministério pastoral significa reduzi-lo a tarefas ignorar a sua dimensao espiritual, transcendente. Este livro enraiza-se na conviccao de que o ministério pastoral ‘como vocagao religiosa 6 compativel com o ministério pastoral como profissao, Na verdade, os dois aspectos reforcam-se. Afirmo que 0 ministério pastoral por ser uma vocacao religiosa deve in- cluir as responsabilidades inerentes a qualquer profisséo e, até mesmo, respeité-las mais. Embora 0 ministério possa nao ser absolutamente igual as outras profisses em todas as suas feigoes, € suficientemente andlogo a elas para que valha a pena aprender e copiar procedimentos e padrdes, adaptando-os onde existem di- 1. Por exemplo, o estudo sociologico de Thomas Gannon recusa qualquer tentativa de aplicar © modelo profissional ao clero. Veja o trabalho dele “Priest” ‘minister profession or non-profession?” Review of eigious research, 12 (inverno de 1971):66-79. Entretanto, Dennis Campbell em “The ordained ministry as a profession: theological reflections on identity”, Quarterly Review, 3 (verdo de 1983): 21-29, e Paul F, Camenisch em “Are pastors professionals?” The christian ministry, 16 (julho de 1985):12-13; e ‘Clergy ethies and the professional ethics model”, em James P. Wind etal, eds, leg ethics in a changing society. Louisville, Westminster/ John Knox Press, 1991, pp. 114-133, acham que ha um niimero suficiente de pon- tos em comum entre 0 clérigo 0 modelo profisional. Por isso, esse modelo & aplicével ao clérigo, também. Jackson Carroll vai mais longe ao oferecer uma proposta criativa para salvar o modelo profissional do clérigo. Veja o trabalho dele =The professional model of ministry ~ iit worth saving?” Theological Education, 21 (primavera de 1985): 7.48. 19 ETICA NO MINISTERIO PASTORAL ferencas. Temo que, se deixassemos 0 ministério totalmente livre de requisitos profissionais, seriamos facilmente tentados a dizer: “Deus deu-me uma vocacao; por isso, as regras e exigéncias refe~ rentes a outros profissionais nao se referem a mim”. Mas devemos resistir a tentacao de nos esconder atras da “vocagio religiosa” para, as vezes, deixar de cumprir obrigagdes morais exigentes. Dar aos ‘ministros isengao das exigencias morais de um profissional pelo fato de terem uma “vocacao” abre 0 caminho para uma série de apelos especiais que justifiquem desempenhos de baixo nivel ou até impropriedade moral. Dizer que 0 ministério pastoral é uma vocacao significa que € ‘uma resposta livre ao chamado de Deus dentro e por meio da comu- nidade para comprometer-se a amar e servir 0s outros. A dimensao comunitaria de uma vocacio significa que 0 chamado ao mi ouve-se dentro da Igreja, sustenta-se pela Igreja e deve servir a mis- sao da Igreja. Nao ha vocagio privada, individualista, para o minis- tério, Nao somos chamados ao ministério fundamentalmente para nosso beneficio proprio, mas por causa da missio da Igreja. A atra- do de alguém pelo ministério e habilidade para servir devem ser reconhecidas e confirmadas pela Igreja por intermédio do bispo. Isso acontece, formalmente, com padres e diiconos pela ordenacao e, menos formal, com outros ministérios por emposse, delegacao de autoridade, credenciamento ou simplesmente pela aprovagao dada pela Igreja. Qualquer que seja 0 ministério, a dimensto comunitéria da vocagio leva os ministros pastorais a dar prioridade ao servico da comunidade e pér em segundo plano seus interesses individuais. ‘A vocacao por ser voluntéria por natureza significa que deve- ‘mos nos disciplinar para subordinar o interesse proprio ao servico do bem-estar dos outros. A dimensao transcendente de uma vo- cago diz. que nés representamos “algo mais”. Qualquer pessoa que tenha feito trabalho pastoral sabe o que é responder a algo mais do que “somente eu”, a alguma coisa que representamos — a presenca de Deus ao amar a aceitagao, a cura ou a critica, Como vocagao, entéo, 0 ministério pastoral € uma resposta livre a nossa experiéncia de Deus dentro e pot meio da comunida- 20 FUNDAMENTOS TEOLOGICoS de. Pelo ministério, temos uma vida de servigo que promove a mis- silo da Igreja de levar todas as pessoas & comunhao com Deus. O fato de sermos representantes simbolicos de Deus é um forte motivo para respeitarmos os requisitos profissionais ja que a experiéncia das pes- soas em relacdo a nés esta ligada a sua experiéncia de Deus. A historia da evolugao das profissdes mostra que “ter uma vocagao” e “ser profissional” jé foram consideradas uma s6 coisa. Mas parece que perdemos tal conexao. Os ministros — ordenados ou nado — esto, sobretudo, na melhor posicdo de resgatar a cone- xilo perdida. A palavra “profissdo” significa “representar alguma coisa”. O que “professamos” ser define nosso envolvimento funda- mental na comunidade. O uso mais antigo do termo “profissao” implicava um sentido religioso. As profissdes vem dos ambientes religiosos dos monges e freiras ao fazer uma “profissAo” religiosa de {6 pelos votos de pobreza, castidade no celibato e obediéncia. Fazer uma “profiss4o” e ter uma “vocacdo” constituiam uma s6 pega. Grupos organizados de religiosos professos ligavam-se ao povo para tender as suas necessidades imediatas de educacio, direitos legais, tratamento de satide e salvacdo. E justo dizer que a Igreja na Idade Média foi a fonte do que atualmente chamamos profiss6es. Ao final da Idade Média, através de um processo de secularizagao, surgiram instituigdes nao religiosas para cumprir as fungGes que a Igreja havia tido a seu cargo anteriormente. Mesmo que o termo “profissional” nao tenha mais a conotacdo religiosa como tinica, continua impli- ‘cando uma motivago de amor ao trabalho de servir 0 mundo’. ‘A marca de um profissional, no sentido classico, pressupunha © compromisso de granjear alto conhecimento e pericia, assim como tender as necessidades humanas sem se afastar do bom comporta- mento moral. Assim, idealmente, os profissionais devem refletir um alto grau de congruéncia entre o que declaram ter como compro- misso e a maneira pela qual levam a cabo suas fungoes. Tem de aplicar seu conhecimento e pericia de acordo com padroes de 2. Para o conhecimento do termo “profissional”, veja Dennis Campbell, Doctors, lawyers, ministers: christian ethics in profesional practice. Nashville, Abingdon Press, 1982, pp. 17:20. 2 ETICA NO MINISTERIO PASTORAL exceléncia para atender, primeiro e acima de tudo, as necessidades humanas basicas e ndo procurar incrementar seus interesses pr6- prios. O ministro atende a busca do ser humano pela salvacio como um médico o faz pela satide, um advogado pela justica e um edu- cador pelo conhecimento. ‘Atualinente, o sentido classico de ser profissional perdeu-se para ‘muitos. Constatei que isso era verdade ao perceber que muitos minis- tros pastorais resistem & idéia de que o ministétio € uma profissio. A resisténcia vem de conotacdes negativas associadas a idéia de ser pro- fissional. Por exemplo, ao ouvir a palavra “profissional”, certas pessoas pensam imediatamente em alguém interessado mais em ganhar di- heiro do que em prestar servigo. Para outros, ser profissional significa ter os privilégios que uma alta posigdo social traz. Também sugere a aplicago da competéncia técnica, mas de forma insensivel, fria, im- parcial e desinteressada. Se isso € o que significa ser profissional, entao ‘do admira que alguns ministros pastorais resistam a ser identificados como “profissionais”. Todas essas caracteristicas vaio contra 0 que 0 verdadeiro ministério pastoral deve ser. Mas ser “profissional”, no sentido classico, nao significa nada disso. O sentido positivo de ser profissional denota competéncia es- pecializada, compromisso com exceléncia, integridade, abnegacao para servir a comunidade e manter a confianga do piiblico. Essas so feicdes que todos querem considerar, também, como caracteristicas do ministério pastoral. Concordo com Gaylord Noyce que conclui seu ensaio, The pastoris (also) a profesional dizendo: “Assim, se enten- dermos corretamente, a palavra ‘profissional’ nao é destrutiva. Pelo contrério. Pode consolidar 0 senso de propésito e levar-nos a enten- der como levar a bom termo o trabalho do ministério”. Entdo, ao alinhar “ter vocagao” com “ser profissional”, afirma- mos que tudo que fazemos no ministério € uma resposta 4 presenga de Deus na comunidade chamando-nos a agit em Seu nome como sinais e agentes do amor de Deus. A comunidade reconhece-nos como pessoas que, livremente, respondem ao convite de Deus em 3. Gaylord Noyce , “The pastors (also) a professional", The christian century 1085 (2 de novembro de 1988): 976. 2 FUNDAMENTOS TEOLOGICOS Cristo para participar da atividade constante de Deus na alianca de ‘amor com todas as pessoas e, por fim, levar todos a participar do Reino de Deus. O ministério pastoral é uma vocacdo e uma profis- stio que implica reorganizacio das responsabilidades morais de um ministro pastoral advindas ndo somente de convengSes sociais re- lativas a qualquer profissio, mas também convite de Deus para amar de maneira a refletir a resposta do chamado de Deus, seguin- do o caminho de discipulo de Jesus. ‘Ao entender assim o ministério pastoral, como vocagio e pro- fissdio, vou comentar trés temas de ética teolégica para poder de- senvolver a perspectiva de fé pela qual entendemos as dimensoes morais do ministério pastoral. Promessa Divina que alegamos ter de cumprir como ministros profissionais e 0 tipo de obrigagdes que devem constituir as nossas responsabilidades profissionais pressupéem um modo de nos relacionarmos com Deus todos a quem servimos. Descobri que, quando os ministros nao con- cordam entre si acerca do que devem realmente ser as obrigacdes profissionais, discordam freqiientemente sobre diferentes modelos de relacionamento profissional, mesmo que no citem, dese modo, as raizes do desentendimento*. Alguns tacitamente assumem um mode- Jo pactual e por isso tragam, claramente, linhas ao redor de quem servirdo, a que horas, por quanto tempo e a que prego. O modelo contratual ¢ parente préximo da promessa divina. ‘Ambos incluem acordos e troca entre as partes. Ambos incluem obtigagées que protegem a dignidade humana e bloqueiam a ten- déncia de um tirar vantagem do outro. Mas diferem de modo sig- nificativo, especialmente em espirito*. No mundo dos contratos, ‘4. Sobre o significado dos modelos para a ética, veja Eric Mount Je, Profesional “ethics in context, Louisville, Westminster/John Knox Press, 1990, esp. pp. 73-103. 5. Para observar as feigées contrastantes entre contrato e promessa, veja William F, May, The physician's covenant. Filadélfia, The Westminster Press, 1983, pp. 116-127, 2B ETICA NO MINISTERIO PASTORAL acredito que precisamos de mais acordos, especialmente no minis- tério. Do ponto de vista teolégico, sou a favor de acordos no lugar de contratos como modelos para o relacionamento ministerial pro- fissional, porque claramente poem Deus como valor central e dei- xam-nos ver todas as agdes como em resposta a Deus governadas pelo que conhecemos sobre Deus. Um modelo contratual nao se refere necessariamente a Ele. (Os contratos funcionam bem se os servigos devidos e os hono- rérios ficam claramente determinados logo de inicio. Mas 0 relacio- namento ministerial est4 aberto a servicos que nao sao previsiveis por isso nao podem ser determinados com antecedencia. Os ministros precisam ser flexiveis. O ministério deve permitir a es- pontaneidade. Quando agimos de acordo com um acordo, vamos além do minimo. O relacionamento nos acordos aceita o inespera do; dé lugar ao gratuito, néio somente a gratificagdes. Os parceiros de tum acordo estao dispostos a correr o iiltimo quilémetro para que as coisas funcionem. A filosofia de um acordo busca 0 maximo que pode ser feito como resposta grata aquilo que recebemos. Isso tem sentido quando concluimos que 0 contexto original da promessa divina esta num Deus da graca que ama livremente e sem limites. E verdade que o modelo de acordo no ministério cria alguns problemas que 0 modelo de contrato resolveria. Por exemplo, modelo de acordo nao toma conhecimento das limitagdes huma- nas tdo explicitamente como 0 modelo de contrato 0 faz. As pode mais facilmente incentivar um comportamento nao profissio- nal como, por exemplo, a oferta de servigo inadequado ou inexe- gliivel. O modelo de contrato reconhece as limitagdes humanas das partes contratantes, uma vez. que distingue claramente os direitos os deveres. Circunscreve o tipo e grau de servico que se oferece deve ser realizado. Deixa pouco ou nenhum espaco para a ambi- giiidade que ¢ inevitavel no modelo de acordo. Embora os acordos também estipulam fronteiras, estas so interpretadas segundo a fidelidade que o amor demanda. No Evan- gelho de Mateus, Jesus que € a Nova Promessa Divina ensina que toda a Lei de Moisés e os ensinamentos dos profetas sintetizam-se no Grande Mandamento do Amor (ef. Mt 22,37-40). Mas para sa- m _FUNDAMENTOS TEOLOGICOS ber o que o amor requer, onde tragar a linha que separa compor- tamento amoroso do nao amoroso nos relacionamentos ministe- riais, exige-se um trabalho que requer discernimento moral e a visio e sensibilidade de uma pessoa virtuosa. Os contratos interpretam- se e pdem-se em pratica com mais facilidade, porque eles dizem 0 minimo que temos a fazer em térmos muito especificos. Mas mes- mo com essa limitagdo, ainda considero 0 modelo de acordo para os relacionamentos pastorais mais apropriado do que o contrato para estabelecer 0 contexto dentro do qual se investiga a responsa- bilidade moral. testemunho biblico em relagao a promessa divina inspira esse modelo de relacionamento no ministério. Na Biblia, o contexto do acordo mostra 0 que Deus valoriza e 0 que nés devemos fazer como parceiros fiéis nos relacionamentos desse acordo. Mas jé que a pro- messa divina é uma realidade tio complexa na Biblia, com muitas feigdes e sem um tinico sentido, tenho de selecionar aquelas feigoes que considero relevantes para o relacionamento no ministério’. ‘A feicao basica da promessa divina est4 no modo como surge, isto é, a graca € o primeiro passo. Deus dé-a por amor (Ex 6,7; 19, 45). N6s nao procuramos tanto quanto nos procuram. Israel reco- nheceu que a promessa divina é uma dadiva, uma honra que lhe foi concedida (Lv 26,9-12; Jr32,38-41). A nossa imagem de Igreja como Povo de Deus esta ligada ao chamado de Deus para uim relaciona- mento dentro do acordo (2Cor 6,16; Hb 8,10; Ap 21,3). Essa forma de entender a Igreja ajuda-nos a perceber que a natureza da pro- messa divina no ministério pastoral liga o ministro nao somente a quem procura o servico pastoral mas também a Deus ea toda a comunidade. O contexto eclesidstico do ministério pastoral sempre incluira esses relacionamentos miltiplos da promessa divina Outra feicao da promessa divina diz-nos que o valor humano e a dignidade so primordialmente conseqiiéncias do amor de Deus por nés e nao advém de nossos feitos pessoais ou posicao social. 6. Para um modelo de ética, de acordo com a promessa divina, onde estas ccaracteristicas esto especificadas, veja Joseph L. Allen, Love and conflict. Nashville, Abingdon Press, 1984, pp. 15-81 25 ETICA NO MINISTERIO PASTORAL \Varias passagens biblicas imagens ajudam-nos a entender o amor divino como nossa verdadeira fonte de valor e dignidade e nossa ‘inica seguranca. No Deuteron6mio, por exemplo, sabemos que Deus escolheu Israel por fidelidade amorosa e nao pela grandeza de Israel (cf. Dt 7,78). Em Isaias sabemos do amor de Deus pelo povo da promessa divina por causa dele, nao por ser proficuo (cl. Is 41,8-16; 43,1-4). Oséias retrata 0 amor de Deus por um povo rebelde por meio da imagem tena de um pai pelo filho (cf. Os 11,1-9). No Novo Testamento, uma das imagens favoritas de Jesus para aqueles cujas vidas estdo enraizadas no amor incondicional de Deus é a crianga (cf. ‘Mt 18,1-5). O que torna a crianga uma imagem tao adequada pren- de-se ao fato de a crianga ter a sua seguranca fincada no desejo do amor em si e no em alguma coisa que a crianca realiza. Outra feigo da promessa divina 6 a liberdade, ndo somente a liberdade de Deus para nos amar, mas também a nossa liberdade para aceitar ou rejeitar esse amor. Ao contrério do Padrinho, Deus faz uma oferta que podemos recusar. O amor divino que nos sus- tenta ndo destr6i a nossa liberdade. A oferta de amor de Deus es- pera pela nossa aceitacdo. E temeroso pensar que, na nossa liberda- de, temos o poder de manter 0 Poder Absoluto a distancia. A par- ticipagao na promessa divina é voluntaria. Entretanto, desde que aceitamos a oferta do amor, comprometemo-nos a viver de acordo ‘com os requisitos da promessa divina. Os relacionamentos pastorais devem respeitar a liberdade tam- bém. A iniciativa nos relacionamentos pastorais pode ser do minis- tro ou de quem procura o servico pastoral. Depende do tipo de ministério em questio. Por exemplo, na orientagio espiritual, 0 orientando inicia o relacionamento. Mas no ministério de ajuda pastoral, o ministro pode iniciar o relacionamento com 0 paciente ou cliente. Em ambos os casos, 0 essencial é que no importa quem inicia o relacionamento, a liberdade individual nao deve ser destruida e a dignidade e valor da pessoa nao devem estar na po- sigdo social ou realizagoes pessoais, mas no relacionamento de cada um com Deus. Outra caracteristica para estabelecer um acordo é a ago de confiar e aceitar a confianca. Num acordo, colocamos nas mos do 26 FUNDAMENTOS TEOLOGICOS outro alguma coisa que tem valor para nds. No acordo de Deus conosco, por exemplo, Deus confiou-nos o amor divino, com a sua expresséio maxima na pessoa de Jesus. No casamento, fazemos um acordo com outra pessoa através da entrega de nds proprios ¢ de nossas vidas. Isso tem como simbolo a entrega do corpo para 0 outro. Num tratamento de saiide, o acordo esta na confianga de entregar 0 nosso bem-estar fisico a um profissional da sade. No ministério, entramos num acordo ao confiar ao ministro pastoral nossos segredos, nossos pecados, nossos medos, nossas esperancas, nossa necessidade de salvacdo. O ato de confiar é arriscado. Ao confiar no outro, damos-lhe poder sobre nés préprios. Acreditamos que nao seremos traidos e {que 0 outro nao abusara de tal poder. A obrigacdo de ser fiel a0 compromisso de confianca é 0 que a ética profissional chama de responsabilidade fiducidria. No ministério pastoral, a responsabilida- de fiducidria é uma obrigacio positiva de honrar a dignidade do outro ao ser merecedor de confianga em relagdo ao que nos foi confiado, Ao trair a confianga sagrada explorando a vulnerabilidade de quem nos da poder sobre eles violamos 0 nosso compromisso ante a promessa divina. Em alguns relacionamentos, tais como 0 casamento e as ami- zades, o ato de confiar e aceitar a confianga segue igualmente nas duas diregdes para que o relacionamento seja igual e reciproco. Assim, o peso da obrigacao € compartilhado. Mas 0 relacionamen- to pastoral é diferente. Segue mais uma s6 direcao. No ministério, a.ato de confiar incide mais sobre quem procura o servigo ministe- rial do que sobre nés, os ministros. Por essa razo, os relaciona- mentos profissionais ministeriais ndo sio mutuamente reciprocos. Geralmente nao fazemos confidéncias sobre assuntos pessoais aos paroquianos, estudantes, pessoas a quem orientamos ou pacientes. Por isso, somos menos vulneraveis e corremos menos risco. No entanto, a obrigagao de sermos merecedores de confianca com 0 {que nos é confiado é ainda mais importante, porque pode-se, facil- mente, abusar do outro se usarmos o que nos foi confiado. Por isso, a experiéncia biblica da promessa divina dé-nos a estrutura basica do relacionamento, que deve ter: a ETICA NO MINISTERIO PASTORAL + a liberdade como base; +0 amor como motivacio; +o respeito a dignidade da pessoa como algo vindo de Deus; + a confianca como elo. ‘A Biblia também mostra-nos, de certa forma, como a vida na comunidade que aceita a promessa divina deve ser. O vinculo da promessa divina tem conseqiiéncias praticas que se resumem na ex- presstio “imitagao de Deus”. Embora “imitagao” nao seja um chama- do a fazer o impossivel copiando Deus, nos direciona para o que Ele valoriza referindo-se ao cardter, ago e mandamentos de Deus. ‘As duas qualidades de Deus de onde flui a ago da promessa divina so santidade e amor constante. Essas caracteristicas de Deus, expressas numa variedade de maneiras, descrevem a natureza € 0 trabalho de Deus e a resposta devida a Ele’. Deus, que é bondade, é 0 modelo para a ago moral de acordo ‘com o mandamento: “Pois fui eu o Senhor que vos fiz subir da terra do Egito, a fim de que, para vés, eu seja Deus; deveis, portanto, ser santos, pois eu sou santo (Ly 11, 45). A santidade de Deus é o mo- delo pelo qual a vida na esfera da promessa divina deve ser avalia- da, Santidade diz respeito nao somente a escolha de Israel, mas também ao poder de Deus de agir em nome de Israel. Os dois lados de santidade tém significagao pratica no minis- tério profissional. A santidade de Deus torna claro que Deus e Is- rael nao so iguais. A desigualdade fundamental do status entre parceiros do acordo é uma caracteristica-chave para entendermos um princfpio moral fundamental do relacionamento pastoral, isto 6, a carga primordial de responsabilidade recai sobre quem tem mais poder. Embora quem tenha menos poder possa tentar ‘manipular o relacionamento e deva assumir a responsabilidade por tal comportamento, quem tiver mais poder deve, no entanto, acei- 7 Sobre este tema no ambito da ética teol6gica, veja James M. Gustafson, Can “thics be christian? Chicago, The University of Chicago Press, 1975, pp. 114-116. 8, Sobre estas qualidades de Deus na promessa divina e as respectivas ages, vveja Bruce C. Birch, Let justice oll down. Louisville, Westminster/ John Knox Press, 1991, pp. 146-157 28 FUNDAMENTOS TEOLOGICOS lar a responsabilidade pelos vulneréveis sem ser tdo paternalista a ponto de tirarthes toda a liberdade. No Velho Testamento, a santidade de Deus expressa-se por meio dos atos da justica de Deus. Avalia-se a justica na Biblia ao hotar o tratamento dos fracos na sociedade, tais como o érfiio, a vitiva, os pobres e 0 estrangeiro (cf. Ex 22,21-26; Dt 10,17-19; Is 1,17). Esses grupos de pessoas no tém poder, mas mesmo assim tém reivindicagées legitimas a respeitar eo direito de compartilhar ‘© bem comum. Entao, precisam de um advogado para apoié-los. Deus identifica-se de maneira inica com a causa deles (cf. S1 109,21) manda que nos preocupemos, de maneira especial, com eles. No Novo Testamento, Jesus insistiu que Deus vai-nos julgar pela ma- neira como tratamos os menos favorecidos entre nés (Mt 25). No ministério pastoral, devemos honrar, proteger e amparar aqueles {que procuram nossos servicos e tomar cuidado para que, no relaci- ‘onamento, a desigualdade nao seja motivo de abusos. i A outra qualidade de Deus € 0 amor constante (hesed). E freqiientemente ligada a fidelidade (‘emeth[cf. Ex 34,6]) para enfatizar ‘lealdade duradoura, a fidelidade ou a confiabilidade. Ea virtude moral central da promessa divina. Na alianca que Deus estabelece com Noé (cf. Gn 9,8-17), com Abraao (cf. Gn 15 e 17) e com Davi (2.817), a promessa de lealdade vai numa direcdo. Diferentemente, ha promessa divina do Sinai, a énfase esta menos na lealdade de Deus e mais na exigéncia da lealdade de Israel. A exigencia por lealdade absoluta é a substincia do primeiro mandamento. Sendo merecedores de confianca, imitamos o amor de Deus, fator fundamental para viver de acordo com a promessa divina. A confianga constante tece a textura do relacionamento na promessa divina, No contexto da Igreja como Povo de Deus, os nossos rela- cionamentos pastorais refletem o amor da promessa divina e a fide- lidade na maneira como lutamos para sermos figis representantes da Igreja e procuramos promover 0 bem comum e sermos fiés ‘Aqueles que, em confianga, entregaram-se a nés. Na verdade, uma das implicagoes de sermos Povo de Deus reside no fato de nunca agirmos fora deste contexto — da Promessa Divina e da Igreja — de sermos responsiveis ante Deus aos olhos de quem procura 0 servico pastoral e da comunidade eclesial. 9 ETICA NO MINISTERIO PASTORAL A promessa divina na Biblia também tem os seus profetas. Quando Israel se afasta de Deus e nao dé atencio aos mandamen- tos da promessa divina, Deus manda os profetas para fazé-los cum- prir as suas responsabilidades de acordo com a promessa divina. Os profetas continuam a referirse a fidelidade de Deus enquanto interpretam as exigencias da promessa divina ante 0 povo como ‘um modo de retribuir amor constante e fidelidade (cf. Os 6,6). Os profetas mostram que Deus continua a ser fiel mantendo a promes- sa divina mesmo face @ infidelidade. Em Oséias, por exemplo, Deus 6 fiel a despeito da idolatria de Israel (cf. Os 11). No Novo Testa- ‘mento, a promessa de lealdade de Deus esta em Jesus, que é descri- to como “o filho de Davi, filho de Abraao” (ef. Mt 1,1). O proprio titulo, Cristo, também nos diz que Jesus é 0 prometido de Deus, 0 Messias que cumpre todas as esperancas da promessa divina. "Ao chamar as pessoas de volta a promessa divina, os profetas nao introduzem uma moralidade nova no acordo divino, mas con- tinuam, sim, lembrando as pessoas que a lealdade & promessa divi- na inclui o trabalhar pela justica ao demonstrar interesse pelo pr ximo, especialmente os fracos, e 0 nao ceder a vantagens que p! vilégios possam trazer. Amés, por exemplo, € not6rio como 0 pro- feta que insistiu fortemente na importancia da lealdade & promessa divina e da obediéncia. Amos nao era indulgente, em hipotese algu- ‘ma, com favores advindos de privilégios. Estar em acordo significa responsabilizar se pelas suas demandas. A substancia da fé profética, ‘como resume Miquéias, est4 em “nada mais que respeitar 0 direito, ‘amar a fidelidade e aplicar-te a caminhar com teu Deus” (6,8). Mas quem faré o papel de profeta para nds, hoje em dia? Quem nos responsabilizaré pelas nossas obrigagdes ante a promessa divina? Em suma, 0 relacionamento ministerial profissional é mais um acordo do que um contrato. Como acordo, ¢ motivado pelo amor ¢ procura o bem de toda a comunidade. O ministro nunca age fora do compromisso da promessa divina para ser fiel a Deus, &s pessoas ea Igreja. O ato de confiar e aceitar a confianga torna o relaciona- ‘mento desigual e pée o ministro numa posi¢ao de poder acima dos que 0 procuram para atender as suas necessidades através do ser- vigo ministerial. A obrigacio primordial do acordo na posigéo de 30 FUNDAMENTOS TEOLOGICOS. “poder sobre” esta na responsabilidade fiduciria para respeitar a dignidade dos outros agindo, em todas as ocasides, a favor deles, mesmo que isso implique sacrificio proprio. O melhor modelo para ‘0 ministro pastoral, entao, € o que resiste a acomodar-se facilmente a padrées de individualismo, gloria pessoal ou avidez. Favorece 0 servigo, autodisciplina e generosidade. Resumindo, 0 relacionamento em acordo com a promessa divina requer que sejamos. + dignos de confianga, + responsaveis ante as exigéncias comunitarias por sermos um + povo da promessa divina, + figis ao assegurarmos os direitos dos vulnerdveis, ibertadores ao usarmos 0 nosso poder. Imagem de Deus ‘Complementar a visio moral da promessa divina é 0 tema do ser humano como imagem de Deus. Podemos imitar Deus no amor constante da Promessa Divina e na fidelidade, porque somos cria- dos a imagem de Deus e, gradualmente, chegamos mais perto des- sa imagem. Essa afirmac&o teolégica sobre ser humano ¢ central para a tradicao ética catélica. Junto a promessa divina, ha a base teologica para entendermos o fim ultimo de Deus na vida moral e no ser humano como um reflexo de Deus. Junto a iniciativa de Deus de entrar num acordo conosco, apoia a dignidade da pessoa e a natu- reza social de ser humano como critérios basicos ante os quais se medem todos os aspectos da vida moral. Agdes corretas so aque- las que apdiam e promovem o vicejar das pessoas na comunidade. ‘Ao entender uma pessoa em relagio a Deus, ressaltamos duas dimensées do ser humano: somos sagrados e sociais. Por intermédio da imagem de Deus (S1 8,5; 862,23; 1Cor 11,75, ‘Tg 3,9), a Biblia afirma o sagrado ou a dignidade de cada pessoa. Dizer que cada pessoa é sagrada é dizer que Deus tem um relacio- namento tao estavel conosco que nao conseguimos entender uma pessoa sem consideré-la como um ser em relagao com Deus. A 31 ETICA NO MINISTERIO PASTORAL teologia da promessa divina afirma isso. Entendemos uma pessoa como alguém cuja dignidade 6 mantida pelo amor divino’e a fide- lidade. A nossa dignidade 6 sagrada, porque Deus nos ama. ‘A historia da criagdo diz-nos que no topo da criagao ficam a. mulher e 0 homem, feitos a imagem de Deus (cf. Gn 1,26-27). Im- plicitamente a histéria proclama que cada pessoa possui dignidade inalienavel em virtude do amor de Deus que sela a existencia do homem e da mulher antes de qualquer realizacao humana ou atri- buicdes sociais (cf. Gn 4-11). Assim, se nos ativermos ao nosso papel profissional e, dessa forma, conhecermo-nos somente por tal papel, entio perdemos a verdadeira significagio da nossa dignida- de que emana primordialmente do nosso relacionamento com Deus. ‘Uma outra verdade biblica que nos identifica como seres feitos a de Deus obriga-nos a ser produtivos, a cuidar da terra (cf. Gn’ 2,15) e dominé-la (cf. Gn 1,28). Ser fiel administrador ao imitar Deus € usar 0 nosso poder de forma correta para influenciar os outros ¢ mundo. A administragio faz o trabalho da justica ao estabelecer rela- cionamentos corretos conosco, com Deus e com toda a criacao. Essas verdades biblicas ja sugerem as exigéncias morais vincu- adas ao fato de sermos feitos a imagem de Deus. Por exemplo, como a tradicao biblica da Promessa Divina e a tradigao catdlica de justica tém mostrado, ter dignidade como dom de Deus exige que ‘0s outros reconhecam e respeitem a pessoa, em todas as circunstan- cias e em todo 0 tipo de atividade como uma imagem de Deus € ‘nao por causa do papel que tem ou nao na sociedade. Isso significa que, ao lidar uns com os outros, devemos fazé-lo com o senso de: respeito que a presenga de alguém sagrado suscita, porque sagra- dos sdo os seres humanos como imagens de Deus. ‘Nos relacionamentos profissionais ministeriais, por exemplo, © respeito pela pessoa exige, no minimo, que nos tratemos uns aos outros como fins e ndo como meios de engrandecimento pr6- prio ou qualquer outro modo que desumaniza os outros, explo- rando-os para atender a nossos interesses. Ninguém deve ser tra- tado como um valor funcional ou instrumental para nosso pré- prio ganho. Enquanto sempre ganhamos alguma coisa ao prestar ‘um servigo, mesmo que seja um sentimento agradavel por termos 2 __FUNDAMENTos TEoLOGICos mudado alguma coisa para melhor, o ganho maior deve ser o da outra pessoa. Além disso, as estruturas institucionais da Igreja e da socieda- de devem apoiar os lagos da comunidade que sao essenciais para proteger e promover a dignidade das pessoas, como, por exemplo, colegiatura, sociedades, e estratégias subsididrias e administrativas da ‘comunidades que realcam a dignidade pessoal. Mas as praticas que incentivam elitismo, clericanismo, sexismo ou outro tipo de discri- minagao nao o fazem. Sempre que organizagGes institucionais fa" ham, no apoio das exigéncias da dignidade humana, devem ser questionadas e transformadas. ‘A outra dimensao de ser humano que a “imagem de Deus” sustém & aquela que nos vé como seres sociais. A teologia neo- escolistica dos manuais identifica o sermos feitos a imagem de Deus com 0 fato de termos inteligencia e liberdade. Ja que a racionalidade constitu a maneira de participarmos da sabedoria de Deus, pode- mos descobrir o que Deus requer por meio do uso correto da razo. Esse modo de usar “imagem de Deus” permitiu a teologia catdlica apelar & lei natural como maneira de descobrir os direitos morais fundamentais e os principios que expressam respeito pela dignida- de da pessoa. Mas a énfase na racionalidade 6 somente um aspecto de um entendimento teol6gico mais amplo da “imagem de Deus” Uma énfase mais referencial e personalistica identifica o ser feito a imagem de Deus como sendo uma pessoa-em-relacio. ‘A énfase personalistica sobre a dimensdo social de ser huma- no é delineada a partir do simbolo central de Deus na fé cristd, “Deus € amor” (IJo 4,8.16). Esse simbolo biblico de Deus esta ex- plicito na doutrina da Trindade’. Essa doutrina 0 modelo cristo normativo para entendermos quem é Deus e quem nés somos para sermos seres-em-comunhao com Deus e com os outros. Acerca de Deus, a doutrina afirma que o terreno de todos os seres é um rela- 9. Para entender a perspectiva da Trindade, agradego a Catherine Mow LaCugna, Gd fra: the tty and critian if, Sto Franco, HarperColinn 1091, ea Michael J. Himes & Kenneth R. Himes, Fiuluss of fit, especialmente 0 cept “The nity and Human Rights", Nov York, Palit Pes, 199, xp, pp. 5561 3 ETICA NO MINISTERIO PASTORAL cionamento de autodoagao miitua: Deus é eternamente 0 doador ‘ou amante (0 Pai), o receptor ou bem-amado (0 Filho) e a dadiva ou amor que os une (0 Espirito). Resumindo, Deus é a plenitude da autodoacao no relacionamento. A nosso respeito, a doutrina afirma que a existéncia humana é essencialmente social e que fomos feitos para compartilhar. Ja que Deus é a plenitude da autodoacio em ‘comunhao, entdo nao podemos nos expressar como a imagem de um Deus, a nao ser que estejamos em relacionamento e comparti- Ihemos nossos dons pelo bem de cada pessoa e toda a comunidade. Dito com simplicidade, ser humano é estar relacionado com os outros. Ninguém é uma ilha. Todos pertencemos a Deus e a todas as pessoas. O individuo e a comunidade coexistem de maneira que, quanto mais intensa é a participagdo na comunidade, mais humano € cada um de nds. Jé que a comunidade € necessiria para crescermos & imagem de Deus, a responsabilidade fundamental de sermos a * imagem de Deus e para vivermos em comunidade esta na mais total e possivel doacao de si proprio, imitando a doacao divina. Ser feito a imagem de Deus representa um chamado imperativo para viver da plenitude dos dons que recebemos, saindo de si proprio para o mundo dos nossos relacionamentos. Esconder os nossos dons ao recusar desenvolvé-los ou usé-los pode parecer que estamos zombando de Deus. A liberdade de que precisamos para viver de um modo ampla- mente humano é a liberdade de nos doarmos completamente. Isso significa que como ministros pastorais devemos desenvolver nossos dons de modo competente e resistir exaltagdio de nossos interesses proprios para servirmos a comunidade com autodisciplina e genero- sidade. Também implica que nossos relacionamentos pastorais de- vem ter como objetivo habilitar os outros a reconhecer e comparti- Ihar seus dons. Significa também dar-Ihes poder para participar mais intensamente na comunidade humana e na missio da Igreja. A exigéncia moral da dimensao social de sermos feitos a ima- ‘gem de Deus é termos de avaliar o que é propriamente ser humano pelo modo de contribuirmos para a realizagio das pessoas na co- munidade. A doutrina da Trindade chama-nos a realizagio pessoal ‘completa através de um vida moldada numa comunidade de pessoas 34 FUNDAMENTOS TEOLOGICoS que se amam e expressam esse amor publicamente em toda a cria- a0. Na pratica isso significa que, por meio de nossos relacionamen: {os pastorais, temos de trabalhar para libertar aqueles que procuram servicos ministeriais para viverem em comunidade de um modo que Ihes permita doarem-se 0 mais completamente possivel. ‘Assim, ser criado a imagem de Deus, para a ética no ministé- rio pastoral, tem duplo significado. Enfatiza a dignidade da pessoa ea natureza de ser humano como cyitérios para avaliarmos a qua- lidade moral de todo 0 comportamento profissional. Também nos diz. que ser imagem de Deus nao ¢ somente um dom, mas também ‘uma responsabilidade. Viver de acordo com a imagem de Deus nao é somente regozijar-se com o que cada um de nos recebeu como dom, mas também usar esses dons em comunhao com os outros. Para este fim, temos de nos comprometer em desenvolver ‘0s nossos dons de forma competente ¢ usé-los livremente para que a missdo de Cristo avance e a Igreja proclame, encame e trabalhe para a vinda do Reino de Deus em plenitude. Discipulado ‘A comunidade crista sente a plenitude do amor de Deus na Promessa Divina chegar até nés, de forma arrebatadoramente cla- ra, em Jesus Cristo. Jesus para nés € Deus com um rosto. Nele nés vemos quem é Deus encarnado e quem somos nés como imagem de Deus. Jesus é a suprema norma para o que significa ser uma pessoa e seguir a vida moral que responde plenamente a Deus. Em ‘Jesus, 0 meio e a mensagem coincidem. Ele era o evangelho que proclamava. Ele era isso, néo pelo que disse ou fez, mas pelo que era e ¢ —a mais plena revelagao de Deus para nés e a mais plena resposta humana a Deus. Entéo qualquer pessoa que conheca Jesus Cristo como Senhor deve olhé-lo como modelo do que devemos ser € o que devemos fazer na vida e no ministério para responder- mos fielmente a Deus como o centro maximo de valor. A fonte ¢ ‘meta de nossas vidas. Sua maneira de agir e suas palavras, seus atos seus mandamentos sao a regra moral da vida crista. Os qninistros 35 ETICA NO MINISTERIO PASTORAL pastorais compartilham a missao da Igreja para testemunhar o evan- gelh através de uma vida de discipulado Aceitar Jesus Cristo, como norma para o ministério e para a vida moral, € seguir 0 caminho do discipulado. E responder ao convite de Jesus: “Vem e segue-me” (Mt 19,21). Comumente fala- mos de seguir a Jestis como imitagéo de Cristo, mas devemos ser cuidadosos para nao confundir imitagao com mimetismo. O mimetismo é uma réplica do comportamento externo. Ouco com freqiiéncia os ministros, ao tentar modelar o seu estilo de ministério, perguntarem a si proprios: “O que Jesus faria em meu lugar?”. Mesmo sendo bem-intencionada, é a pergunta errada vin- da de alguém interessado na imitagdo auténtica. Abre 0 caminho para outra forma de fundamentalismo ao querer copiar Jesus ponto por ponto. Ignora a natureza historicamente condicionada de Jesus .€ dos textos biblicos que O revelam para nés. ‘Negar 0 condicionamento hist6rico e os elos culturais de Jesus seria negar que Ele era uma figura historica, um judeu palestino do século I. Como tal, nao era nem um produto — tampouco sujeito — da realidade e exigencias do ministério de hoje. Assim como nao diriamos que ao aceitar Jesus como norma temos de ser carpin- teiros, judeus, homens e pregadores itinerantes, também nao que- remos dizer que devemos morrer nas maos de lideres politicos ¢ religiosos tal qual Jesus, ou que no devemos lidar com dinheiro porque Jesus expulsou os cambistas do templo, ou que devemos nos relacionar com os outros sem ligar para as fronteiras apropria- das porque Jesus nao teve medo de tocar ou ser tocado (por lepro- s0s, pecadores, criancas, mulheres). Jesus nao era um ministro pro- fissional no nosso modo de entender profissionalismo. Tentar trans- por as praticas de Jesus para os nossos dias é anacronico e redutivo. ‘Submete-nos ao mimetismo e leva-nos a comportamentos impr prios e inadequados. Mimetismo 6 a morte de qualquer resposta criativa as necessidades de uma nova era. Entao o que é necessdrio para imitar e aceitar Jesus como norma? Talvez uma histéria que ouvi, certa vez, numa homilia possa responder-nos. Um jovem artista queria pintar paisagens tao noté- veis quanto as do seu professor. Mas por mais que tentasse, nao 36 FUNDAMENTOS TEOLOGICOS conseguia. “Talvez”, pensou, “se usar os pincéis do meu professor, eu possa produzir uma arte maior”. O professor, ao vé-o frustrado, disse: Nao 6 dos meus pincéis que voce precisa. E do meu espirito”. ‘A imitagao auténtica esté em viver no espirito de Jesus. Como 6 papa Joao Paulo II afirma em Veritatis Splendor, isso ndio € uma questao somente de “estar disposto a ouvir um ensinamento € obe- decer a um mandamento” (n. 19). “De maneira mais radical”, 0 Papa declara: “Envolve ligarse firmemente & propria pessoa de Jesus, participar de sua vida e de seu destino, compartilhar de sua ‘obediéncia, livre e amorosa, & vontade do Pai” (n. 19). Além disso, ele continua: “Ser seguidor de Cristo significa agir de acordo com Ele, que se tornou servo até entregar-se na Cruz (cf. F12,5-8) (n. 21). Victor Paul Furnish, analista importante de ética e teologia paulinas, pensa da mesma forma sobre o significado de “imitagio de Cristo” no discurso Paulino (ef. 17 1,6-7; 2, 14; F13,17; 1Cor 4,16; ILI)", Depois de considerar cada uma destas :passagens principais sobre “imitagao”, Furnish lembra a imprecisio notavel de Paulo ao determinar que atos devemos imitar na vida do Jesus hist6rico. O ‘modo de Paulo entender “imitacao” nao inclui qualquer tentativa de igualar Jesus através dos atos x, y ez. Preferivelmente, imitagao € um processo mais amplo de agir de acordo com Cristo. Paulo entende que imitar Cristo € “agir de acordo com o softimento,e morte de Cristo doando-nos no servigo para os outros”. De acordo com Furnish, se ha um ponto a imitar em Jesus, é a sua humildade, paci- éncia, obediéncia leal a Deus em pleno sofrimento”. Mas nao podemos imitar Cristo sozinhos. Somos capazes de fazé-lo em virtude do amor de Deus por nés através do Espirito: “A caridade de Deus esta derramada em nossos coragées pelo Espirito Santo, que nos foi dado” (Rm 5,5). Como Jesus recebe o amor de seu Pai, assim Ele nos da esse amor: “Como o Pai me amou, assim ‘eu vos amei. Permanecei no meu amor” (Jo 15,9). O Espirito instila 10. Victor Paul Furnish, Theology and ethics in Poul Nashville, Abingdon Press, 1968, pp. 218-223. Td, ibid, p. 223. 12. Id ibid. ; 37 ETICA NO MINISTERIO PASTOR em nés “o pensamento de Cristo” (1Cor 2,16), isto é, as disposicoes e valores de Jesus de modo a podermos responder com criatividade as necessidades de nossos dias em harmonia com o exemplo de vida em Jesus. O desafio do discipulado esté em adotarmos como nossa a maneira de Jesus vives, néo ponto a ponto, mas no seu espirito por meio do Espirito. Por isso, em vez. de perguntarmos, “o que Jesus faria?” devemos perguntar, “como posso ser fiel a Deus no meu ministério como Jesus foi no seu ministério?”. Essa pergunta nao significa que podemos somente inferir comportamento fiel partindo de um determinado mandamento ou ato de Jesus. Antes de usar a hist6ria de Jesus como nosso principal exemplo de fide- lidade, podemos refletir, em termos anal6gicos, ao deixar que a historia de Jesus mexa com a nossa imaginacio e as exigéncias do nosso ministério de modo que nosso carter e agées possam har: monizar-se com os dele no ambito da nova situagéo do ministério de hoje”. Uma colagem das histérias da vida de Jesus no evangelho da- nos um quadro de como é o espirito de Jesus e em que nos pode- mos tornar se 0 imitarmos". Quando vamos ao encontro de Jests nos evangelhos sindpticos, encontramos um homem que a vida inteira prendeu-se a experiencia “Aba” do amor divino. Jesus sabia que era especial aos olhos de Deus. Este 6, creio, o significado da experiéncia do Rio Jordao: “Tu és 0 meu filho bem amado, aprouve- ‘me escolher-te” (Mc 1,11; Le 3,22; Mt 3,17). O restante do evange- lho demonstra o efeito pratico de Jesus ter-se mantido fiel a essas palavras de valor, recebidas ao sair das éguas do batismo, __ Porque Jesus sabia que era especial aos olhos de Deus e vivia disso nao tinha de lutar pela grandeza, para ser o centro de atengao 1. Sobre o wo da mega paring daha de J cin de Js prety sn aru ccna, ee opr de Wa Spohn tons como Jost a vida moral Jas ted Ee", CES 49 (junho de 1994): 40.57, esp. pp. 46 e ss. i mee Sabre oreo de Jens nos evangelion, veja Donald Senior, Jet a hl tat Nov Yr, Ps Pre, 198, Shen Te alla oa, age, The Thomas More es, 07 Tht mat Ching, The Thor More Press, 1987. - aaeramaianaees 38 FUNDAMENTOS TEOLOGICOS ou forcar os outros a pensar tal qual Ele queria. Jesus visto pela comunidade de Mateus, por exemplo, instruiu os seus discipulos a evitar todas as técnicas conhecidas que poderiam assegurar-Ihes posigdes superiores na comunidade religiosa e social. Nao tinham de usar vestes religiosas (ampliar os filactérios ou alongar as borlas) para atrair atengao. Nem tinham de ocupar os lugares reservados nas assembléias religiosas que simbolizavam fung6es superiores na. comunidade. Nao tinham de usar titulos, tais como “rabi”, “padre” ou “mestre”, que exigem dos outros o reconhecimento de um status superior (cf. Mt 23,5-10). Em suma, nao estavam ali para dominar em nome de um servico. O caminho de Jesus é 0 caminho da “li- deranca do servo” — liderar sem dominar 0s outros, convidar as pessoas a mudar sem forcé-las a pensar A maneira d’Ele. Jesus nao precisava abusar do poder para influenciar qualquer mudanga. Melhor dizendo, Ele sabia que qualquer poder que tivesse vinha de Deus. Expressou o poder do amor divino através da sua vida de servigo amor aos outros. Jesus € 0 principal exemplo do que significa ser feito & imagem de Deus, porque toda a sua realidade identificou-se com a de Deus pela singular devocio de proclamar o reino do amor divino através do trabalho de libertagao das pessoas. Os seus milagres so sinais do poder libertador e as parabolas sao, freqiientemente, criticas as reversdes nos relacionamentos de poder: o primeiro torna-se 0 til- timo e 0 tiltimo 0 primeiro; os grandes séo humilhados enquanto os humildes sao exaltados. Ele era livre dentro de sie livre de si pré- prio, por isso podia ser livre para uma grande variedade de pessoas apesar das caracteristicas que as identificavam como marginais aos olhos de sua propria gente. Em Jesus aprendemos que somente a pessoa livre pode libertar os outros. Se temos de servir no espirito de Jesus e continuar, na nossa propria época, a sua missio de pro- clamar o Reino de Deus, entio devemos ser suficientemente livres no nosso intimo para aceitar a oferta do amor de Deus ¢ sermos livres para os outros para que possam livrar-se do que os impede de aceitar o amor divino também. ‘A sua vida teve, também, todas as marcas da limitagao huma- na. Nao estava isento dos mesmos impulsos e necessidades que 39 ETICA NO MINISTERIO PASTORAL conhecemos, tais como a fome e a sede, a sexualidade e o companhei- rismo. Conheceu o medo e a divida, a solidio e a incompreensao, 0 sofrimento e a morte. Mas também havia lugar para o estrangeiro ¢ marginal. A sua presenca para os outros era marcada por um senti- ‘mento especial por aqueles que esto magoados ou perdidos. Em suma, cera inclusivo em espirito e em agdes. Seu temperamento inclinava-se para a misericérdia, o perdao e as solugées nao violentas de qualquer conflito. O desafio do chamado ao discipulado para os nossos relacio- namentos no ministério pastoral € o de imitarmos 0 modo de vida de Jesus. Nao somos chamados para repetir 0 que Ele fez. No en- tanto, uma vez instruidos por suas palavras e agdes, podemos ser figis a Deus e atuantes nos nossos dias como Ele o foi na sua época. Os relacionamentos ministeriais profissionais guiados pelo espirito € visio de Jesus sio em geral inclusivos, lidam com os outros como “pessoas e nio como clientes e exercem um poder estimulante e libertador ao imitar os caminhos de Deus conosco através de Jesus. Ele manifesta na sua vida o que o nosso ministério deve ser: centrado em Deus, inclusivo de todas as pessoas e em permanente relaciona- mento com todos. Este capitulo foi planejado para defender os fundamentos teo- légicos do ministério pastoral como vocagio e profissdo, As dimen- soes teolgicas da promessa divina, imagem de Deus e discipulado gui- am a reflexao ética subseqiiente sobre a expressio profissional do ministério pastoral. ; : CARATER E VIRTUDES DO MINISTRO Perguntaram aT. S. Eliot, que dera uma conferéncia sobre um problema sério da vida americana: “O que vamos fazer para resol- ver o problema que o senhor acaba de discutir?” Ele respondeu: “Voce me fez. a pergunta errada. Deve entender que enfrentamos dois tipos de problemas na vida. Um provoca a pergunta “o que vamos fazer?” outro suscita uma pergunta mais sutil, “como nos comportamos em face de tal problema?”" Eliot queria dizer que 0 primeiro tipo de problema aponta para o que chamamos ética normativa. Lida com principios e identifica deveres que guiam 0 comportamento. Falarei sobre essa dimensio da ética nos dois capi- tulos seguintes. O segundo tipo de problema, entretanto, apresenta um desafio diferente, Nao é encontrar alguma coisa para fazer, mas encontrar alguém para ser. Assim avaliamos cardter e virtudes. Com que freqiiéncia ouvimos dizer, “Vocé fala tio alto, que nao consigo ouvir 0 que diz” ou “o meio é a mensagem”. Se hé uma. profissio em que 0 meio (o veiculo) e a mensagem esto muito interligados € a do ministério. Julgamos a eficacia dos ministros em termos da coeréncia de suas crengas, vida pessoal ¢ desempenho 1. Apud William F. May, The Parish’ Ordeal, Bloomington, Indiana University Press, 1991, p. 3. : a ETICA NO MINISTERIO PASTORAL ao dar a mensagem crista. O carter moral e as virtudes dos minis- tros revelam-se por meio das responsabilidades morais que assumem ‘eno modo de agir. O modo de exercer a profissio dos ministros pastorais depende muito do que sio. Por isso, o primeiro passo na construgao de uma estrutura ética para o ministério pastoral esté em dar atencao a cardter'e virtudes. A importancia de cardter e virtudes no ministério demonstra- se claramente pelos resultados do programa de avaliacao do clero em Perfis do Ministério. O programa comecou em 1973 com 0 pro- jeto Prontidao para o Ministerio da Associagao de Escolas de Teologia dos Estados Unidos e Canada e mostrou que, embora pessoas de varias congregac6es se interessem pela habilidade do ministro em desempenhar fungdes, também sio muito sensiveis ao cardter do ministro que desempenha tais fungdes. Os trés tracos mais apreciados num ministro eram disponibi- lidade para servir sem considerar qualquer reconhecimento puibli- co (inclui-se aqui uma série de itens que descrevem uma pessoa que aceita limitagdes e a necessidade de crescer e pode servir sem se importar com o reconhecimento public; integridade (descreve-se ‘uma pessoa que honra os compromissos, cumprindo promessas apesar de presses para fazer concessdes); e generosidade (faz-se aqui uma descrigio geral daqueles que sio exemplos de cristios que 0s outros respeitam). As trés caracteristicas mais rechagadas eram indisciplina (in- clui-se 0 comportamento auto-indulgente que choca e ofende, ou seja, ma conduta profissional no relacionamento pastoral; narcisismo (referimo-nos, por exemplo, a quem evita aproximar-se dos outros e afasta as pessoas com atitudes criticas e aviltantes ou diminui al- guém em piblico); imaturidade (geralmente referimo-nos aqueles {que tem um comportamento autoprotetor quando sio atingidos pelas press6es da profissio)”. 2. David S. Schuller, “Identifying the criteria for Ministry”, em David S. Schuller, Merton P. Strommen e Milo L. Brekke, eds., Ministry in America. Sao Francisco, Harper & Row, 1980, pp. 19-20. Para entender melhor a elaboracao dessas carateristicas, veja Daniel O. Aleshire, “Eleven major areas of Ministry’, pp. 23:53. 2 CARATER € VIRTUDES 00 MINISTRO Um estudo subsegiiente, em 1987, mostrou notiivel consenso acerca das caracteristicas pessoais que sao julgadas como negativas ¢ somente ligeiras variagdes sobre caracteristicas consideradas impor- tantes para o ministério®. Esses estudos somente reforgam a idéia de que carater e virtudes nao podem ser ignorados na ética do minis- tério pastoral. a Este capitulo esboca algumas das percepgdes atingidas ao nos voltarmos para o estudo de cardter e virtudes na ética contempor nea‘, Depois de descrever o que significa “carater” e sua formacio, mostrarei a relagao de cardter e ago ao enfocar o papel de visio e virtudes. Este capitulo termina com uma descrigao breve de uma. selecdo de virtudes inerentes ao ministro pastoral e alguns indica- dores que assinalam a pratica de cada virtude. Carater Como a teologia moral catélica tradicional diria, agere sequitur ‘esse. agimos de acordo com 0 que somos. A moral do nosso dia-a- dia 6, na verdade, a questo de viver de um modo que se ajuste a0 que somos. A maioria das vezes tomamos decisdes sem refletir. De forma geral, agimos de uma certa maneira, porque condigdes ex- ternas desafiam-nos a revelar habitos que formamos, crengas que defendemos, a imagem que temos de nés préprios, as nossas aspi- rages € a nossa percep¢ao do que acontece ao nosso redor. Em 3, Daniel O. Aleshire, “ATS profiles of ministry project”, em Richard A. Hunt, John E, Hinkle, Jr, e H. Newton Malony, eds. Clergy assessment and carer declopment. Nashville, Abingdon Press, 1990, pp. 97-103; veja p. 101. “Stanley Hauerwas contribui de modo muito significaivo ao rever as ques twes de carter e virtudes na ética. Veja, por exemplo, seu importante trabalho, Character and the Christian life a study of theological ethics. San Antonio, Trinity University Press 1975; veja, também, a colegio de ensaios, Vision and virtue, Notre Dame, Fides Publishers, Inc, 1974, Outro autor sgnificaivo que advoga 0 retorno a virtude € Alasdair Macintyre, Afler Vir. Notre Dame, University of Notre Dame Press, 1981. Mais recentemente, Jean Porter refere-se a virtude no contexto de outras formas de acesso & ética no seu livo The recovery of virtue, Louisville, ‘Westminster/John Knox Press, 190. - 4B __ETICA NO MINISTERIO PASTORAL suma, agimos de uma certa maneira mais por causa do nosso caré- ter-do que por principios que aplicariamos. Cardter refere-se ao tipo de pessoa que age de certa forma. Enfoca as realidades intimas do eu: motivos, intengao, atitudes, disposigoes. Nao vemos o caréter diretamente. Vemo-lo nos seus frutos. Quando julgamos uma pessoa, fazemo-lo pelo carater. Damos atengao a con- sisténcia das disposicoes interiores junto aos atos externos correspon- dentes. Em suma, cardter é o que da coeréncia a ages e uma diregao estavel a nossas vidas. Indicadores de carter constituem 0 contetido de cartas de recomendagio e panegiricos. Por exemplo, num funeral ouvimos: “Em vida, podiamos sempre contar com Joao, pois ele sempre cum- pria seus compromissos. Era leal como marido e pai. Nao havia nada dibio a seu respeito. Era uma pessoa auténtica”. Tais elogios Rio se atém a principios abstratos. Jodo podia ter como habito guiar suas decisdes somente de acordo com caracteristicas do seu eu i terior que se expressavam na sua maneira de viver. Ou podemos ter escrito em cartas de recomendacio alguma coisa como, “Maria uma mulher muito disciplinada. Estabelece metas para si propria € toma a iniciativa de cumpri-las até o fim. Da-se bem com seus colegas, é simpética com todos e tem senso de humor ao avaliar as coisas”. Aqui novamente fazemos um retrato da Maria pelos aspec- tos do seu eu que se manifestam no seu modo comum de agir. ‘Também dizemos que uma pessoa tem carter quando tem cora- gem de manter-se fiel a suas convicgdes ou quando esta disposta a apoiar posigdes impopulares se isso significa manter a sua integridade. Herdis, heroinas e santos ilustram o carater “bom e forte” de forma muito viva quando recusam apoiar atitudes que parecem aos outros de pouco importancia prética. Thomas More dé-nos esse exemplo na pecade Robert Bolt, A man for all seasons. Ha uma cena que ocorre na cela da prisio quando Margaret, a filha de Thomas More, tenta per- suadi-lo a prestar juramento ante o Ato de Sucessio de Henrique VIII, um Ato ao qual More fazia fortes objecdes: ‘More: Vocé quer que eu preste juramento ante o Ato de Su- cessao? CARATER E VIRTUDES DO MINISTRO Marcarer: “Deus da mais importéncia ao que pensamos em nosso coracao do que ao que dizemos”, e o senhor sempre me disse isso. Mone: Sempre ; Marcarer: Entao ao jurar diga as palavras e no seu coragao pense de outra forma. More: O que é um juramento senio as palavras que dizemos a Deus? Macarer: Isso 6 muito sofisticado. More: Vocé quer dizer que nao é verdade? “Marcarer: Nao, é verdade. Mone: Meg, entao 0 argumento é pobre quando vocé diz. que as minbas palavras sio “sofisticadas”. Quando um homem faz ‘um juramento, Meg, tudo que ele é esta nas mos dele. (Ele poe as maos em forma de concha.) E se ele abre um dos dedos, entio nao ha esperanca de encontrar-se a si préprio de novo. ‘Alguns homens nio so capazes disso, mas eu odiaria pensar que seu pai fosse um deles’. ‘Thomas More é um homem para todos os tempos por perse- verar nas conviegdes de sua consciéncia. Ele mostra que, quando no agimos de acordo com nosso cardter, podemos perder 0 nosso proprio eu, porque as escolhas morais sao fundamentalmente ques- tes de integridade. . Dizemos que uma pessoa tem um caréter “forte” quando a firmeza moral 6 tao grande que o sentido do eu tem o papel prin- cipal a0 explicar-se 0 comportamento. A pessoa tem carater “fra- co” quando a firmeza é vacilante. Tal pessoa é facilmente levada a conformar-se com convengées ou € facilmente seduzida por tenta- 5.Robert Bolt, A man for all seasons. Nova York, Random House, Inc., Vintage Books, 1962, p. 81 4s ges sem muita luta. “Bom” cardter moral mostra-se em ages que asseguram 0 bem-estar humano e promovem metas além da gloria pessoal. Bom cardter moral é aquele que produz 0 que sao Paulo chama de os frutos do Espirito: “amor, alegria, paz, paciéncia, bon- dade, benevolencia, fé, dogura, dominio de si” (GI 5,22). Obviamen- te, bom carter € um pré-requisito para o ministério. De maneira ideal, aqueles que escolheram 0 ministério construiram ao longo da vida os valores ¢ habitos que os tornam cuidadosos, generosos e seres +humanos dignos de confianca empenhados em promover o bem dos outros. O publico presume que os ministros tém bom carater. Nao admira, ent€o, que ao descobrirem um ministro em atitudes ego- céntricas, as pessoas fiquem tao profundamente desapontadas. “Mau” carter mostra-se no egoismo destrutivo. O nosso com- Promisso para seguir Jesus e té-lo como modelo de vida moral vir- ._ tuosa levanos a dizer que uma pessoa egocéntrica, voraz, entregue 0s seus interesses pessoais ¢ atraida pelos outros somente quando 8 vé como uma oportunidade para ganhos pessoais tem mau caré- ter. Embora haja santos como Thomas More que mostram um ca- Titer forte e bom, ha outras pessoas que mostram carter fraco ¢ imperfeito. Por exemplo, 0 hipécrita finge comprometer-se com metas além do seu interesse proprio. Mas, afinal, em situagGes cri- ticas, o hipécrita age unicamente de acordo com o seu interesse. O farsante constitui outro exemplo de pessoa de cardter fraco. Em vez de ter convicedes estaveis, o farsante é como um camaleao, mudan- do para se adaptar as circunstancias. A formacio do carater Entio, como formamos o caréter? O caréter é tanto apreendi- do como aprendido. As nossas inclinagdes naturais ou suscetibilidade sdo a matéria-prima para desenvolvermos o cardter. Podem ser nutri- das e direcionadas para o bem ou reprimidas e distorcidas. A dife- renga vem dos habitos que formamos bem como da influéncia dos xnossos mundos sociais. Um tema comum da ética do carter est em dizer que as agdes que perpetramos nos formarao. O caraier emer- 46 CARATER £ VIRTUDES DO MINISTRO ‘ge dos habitos estabelecidos que refletem as crencas, ideais ¢ imagens de vida que temos incorporadas como resultado da influencia das co- munidades onde vivemos, especialmente das pessoas dessas comuni- dades que cativaram a nossa imaginago. O carater forma-se cumula- tivamente e tem relaco com as nossas experiéncias passadas e pre- sentes. Nao ha época para o cardter chegar a um termo, porque um. padrao de habitos pode mudar. Entao, para influir no carter, no comecamos com a afiada, pericia intelectual para fazermos anélise abstrata. Se fossemos puro espitito, como os anjos, comecar pelo abstrato e argumentar de forma dedutiva talvez desse certo. Mas nds temos corpo. Aprende- mos pela experiéncia acima de tudo. Por isso, em nossas vidas, precisamos comecar com pessoas de bom carater como a tia Vera € 0 tio Carlos. Na formagio do carter, nada mais forte do que 0 poder do exemplo, Tornamo-nos pessoas de carater por termos estado, de inicio, na presenca de pessoas de carter. Olhamo-las dizemos: “Elas sabem realmente 0 que é a vida. Quero isso para mim. Quero ser exatamente como elas”. Por isso, precisamos agit no mesmo espirito das pessoas de bom carater. ‘Tocar 0 espirito subjacente de uma pessoa-modelo ¢ 0 segredo do relacionamento entre o mestre e o discipulo. A atengio dada ao papel dos mentores no processo do desenvolvimento do adulto aponta para essa percepcao na formacao do carater’. Se o mentor, por meio do relacionamento, apresenta ao novico os valores ¢ © estilo de um novo mundo social, ser aprendiz de um mentor é um fator importante para desenvolver o carter moral. Bom seria que 0s programas de treinamento para o ministério incluissem questoes relativas ao relacionamento entre o discfpulo e o mentor como parte do proceso. ‘A maneira pela qual o carater € moldado nas comunidades, com seus costumes e imagens do que é a vida e os modelos exem- plares de pessoas que sio irresistiveis de tdo fascinantes, tem sérias 6. Daniel J. Levinson, The seasons of man’s life. Nova York, Alfred A. Knopf, 1979. ; a1 ETICA NO MINISTERIO PASTORAL implicagdes para a escolha de candidatos para 0 ministério. Ao escolher os candidatos, fariamos bem se prestassemos atencao as pessoas que os inspiraram a entrar para o ministério. Quem sao seus modelos? O que ha neles que lhes provoca admiragao? Temos assim indicagdes do cardter do candidato, da imagem que ele tem do que é ser ministro pastoral e dos ideais que espera realizar. Ao formar candidatos, precisamos prestar atencao as comunidades que os rodeiam e as imagens que vém das hist6rias e exemplos dos outros que virdo a ser a substdncia das suas imaginagSes. Jesus € 0 mentor supremo ou o modelo exemplar com quem desenvolvemos o cardter moral cristo. Toda a tradicio cristé 0 vé como a fonte de sua visio e virtude. Essa é a razao pela qual preci- samos participar da vida da Igreja e piedosamente nos envolver nas historias de Jesus para sentir e ver como € o espirito d’Ele. Quando ficamos fascinados pela maneira pela qual o seu estilo de vida encarna ‘visio e os valores de Deus, queremos ser seus aprendizes e discipu- los. Entretanto, ha uma diferenca grande entre estar fascinado por modelos de pessoas e mentores que vém de nossas familias e outras comunidades de influéncia e estar fascinado por Jesus. Interagimos fisicamente com os outros modelos. Vemo-los e falamo-lhes. Quanto a Jesus, temos de lidar com os quatro evangelhos que nos contam “a histéria de Jesus”. Acreditamos, entretanto, que piedosamente envol- vidos nas histérias por meio do Espirito e da Igreja é possivel ter a experiéncia da presenca de Cristo hoje. Sempre que pergunto a homens e mulheres no ministério 0 que acham fascinante em Jesus, o que os faz parar, olhar e escuta- Io, eles referem-se a diferentes qualidades e repetem episddios di- ferentes do evangelho. Tal experiéncia somente confirma a convic- fo crista que todas as historias dos evangelhos podem ser uma fonte de fascinagao em qualquer tempo. ‘A imagem mais ilustrativa do cardter e virtude dos ministros pastorais, e aquela que os ministros quase sempre mencionam como mais fascinante, é o lava-pés da tltima ceia. A hist6ria, segundo Joao 13,6-10, € o evangelho da Quinta-Feira Santa junto ao texto de Paulo sobre a instituicdo da eucaristia (ef. 1Cor 11,23-26). Quando € considerada nesse contexto, e a entendemos como a narrativa da 48 CARATER E VIRTUDES DO MINISTRO ituigao da eucaristia no evangelho de Jodo, a acao de Jesus de tava 10s pés realga ainda mais o cardter eo estilo do ministro pas- toral numa comunidade eucaristica. . Nessa cena, quando Pedro vé Jesus, 0 mestre, agindo como ‘um criado, sabe que alguma coisa esta errada. Nao é a imagem que Pedro tem na sua imaginacdo da éstrutura de poder na comunida- de. Por isso Pedro resiste a ter 0s pés lavados por Jesus. Ele conclui que, se condescender, estard aceitando uma reversio radical das proprias estruturas de dominagdo sobre as quais ele mantém o seu poder na comunidade. Tal conversio, primeiro na sua imaginacao fe depois na sua vida, esta além do que ele esta disposto a submeter- se. Quando deliberadamente reverte as posigdes sociais tornando- se um criado, Jesus apresenta uma nova ordem de relacionamento humano na comunidade na qual o desejo de dominar nao tem lu- ministros’. Se Promos aqui apenas um exemplo de como encontrar Jesus nos evangelhos pode influenciar a imaginagio e dar, entdo, forma ao ca- riter de cada um de nés. Em linguagem religiosa, deixar a imaginacao amoldar-se pela experiéncia de Jesus chama-se conversio, a ponto de ros apropriarmos da visio e valores que vém de Jesus e conservar tal visio e tais valores vivos pela maneira de nos conduzirmos; ento, sendo assim, adquirimos e cultivamos um carter cristo. Visio exemplo de deixar moldar a imaginagio por uma historia e imagem de Jesus também mostra como carater ¢ visdo estdo relacio- nados. Como Stanley Hauerwas disse uma vez: “O tipo de decisio que confrontamos, a propria maneira de descrevermos uma situa~ ao, & fungao do tipo de carter que temos”*. veja Sandra 7. Para entender essa interpretacio da cerimonia do lava-pés, veja ‘Schneiders, “The foot washing (Jo 13,1-20): an experiment in hermeneutics,” Catholic Biblia! Quart, 43 (jneio de 1981): 76:92; ve exp. pp HOSE. '8. Sianley Hauerwas, “From system to story: an alternative pattern for rationality in ethics, com David B. Burrell, Tiles ond raged. Note Dame, University of Notre Dame Press, 1977, p. 20. . 49 ETICA NO MINISTERIO PASTORAL Respondemos aquilo que vemos. Parece simples, mas sempre vemos segundo determinada perspectiva, de acordo com uma cer- ta estrutura de pensamento. O romance de Alice Walker, A cor purpura’, & uma historia intensa sobre a libertagio que pode ser alcancada mediante uma nova forma de ver. Celie, uma mulher deprimida ¢ exaurida, fascina-se pelo estilo livre de viver de Shug Avery. Celie apaixona-se por Shug, que Ihe mostra uma nova ma- neira de ver a si propria. Celie liberta-se da opressio masculina somente depois de remover as cataratas do sexismo que a cega- vam. A libertagéo de Celie mostra que, se nés olhamos mais em uma diregao do que em outra, nosso comportamento mostra a di- ferenga. Nao podemos fazer o que € certo a nao ser que, primeira- ‘mente, vejamos corretamente. A moralidade comeca com a corre- ‘go da nossa visio. Uma visao distorcida somente cria um mundo distorcido que se sujeita 4 miopia do vicio. Mas ver corretamente nao ¢ facil. Ha um trecho no romance A leste do Eden de John Steinbeck que diz isso muito bem. Samuel uma pessoa que todos reconhecem ter um cardter de ouro. Lee, © criado chinés, fala uma mistura de inglés e chines porque sabe que ninguém o escutaria se assim ndo agisse. As pessoas esperam que ele fale daquela forma. Com Samuel, entretanto, Lee fala inglés perfei- tamente correto. Ele explica a Samuel: “O senhor é uma das raras pessoas que separa a sua observacio do seu preconceito. O senhor vé 0 que é onde a maioria das pessoas vé o que espera ver". Lee estd certo, Samuel é uma pessoa rara. Muitos de nés vemos 0 que ‘esperamos ver, ndo 0 que €. O preconceito das estruturas institucionais, © a miopia de iludir-se a si proprio somente distorcem 0 nosso mundo. A conseqiiéncia moral é que, se no vemos 0 que esta la, entao nao podemos responder adequadamente. desafio moral para vermos corretamente é de todos nés. Nossas ilusGes so freqiientemente mais fortes do que a verdade; freqiientemente, o egoismo toma conta de nossos coragdes. Quan- do a nossa visio fica obscurecida pelo astigmatismo do nosso 9. Alice Walker, The color purple. Nova York, Pocket Books, 1982. 10, John Steinbeck, East of Eden. Nova York, Viking Press, 1982, p. 130, 50 CARATER E VIRTUDES DO MINISTRO egocentrismo entéo interpretamos erroneamente a natureza de ‘outras pessoas e do mundo. Impomo-nos sobre o que esti lé. Uma pessoa muito egoista desiste de ver o mundo como ele é e vé ape- nas 0 gue o mundo pode fazer para satisfazer as suas necessidades. Se vemos 0 mundo através das lentes do egocentrismo, entao as nossas agdes sero direcionadas em proveito proprio. Sé agimos dentro dos limites do que vemos acontecer. Na verdade, para conectar o carter a a¢do, precisamos ver atentamente. Nao chegamos a uma situagao como o filme virgem nas nossas cmaras pronto para registrar qualquer coisa. O nosso filme ja foi exposto a estruturas de pensamento elaboradas pelas imagens que herdamos de nossos mundos sociais. Os cientistas sociais dizem-nos que, a medida que crescemos, a visio que adqui- rimos é em parte o resultado da incorporagao de crengas e valores, causas e fidelidade das comunidades que compen 0 nosso meio ambiente. Em outras palavras, a nossa visio depende muito dos nossos relacionamentos. Como resultado, a moralidade dentro da qual somos socializados nao é um conjunto de regras, mas uma colegao de imagens do que faz a vida digna de ser vivida. Por essa razio precisamos ser criticos das comunidades de influéncia que moldam a visio moral dos ministros atualmente. ‘As imagens que chegam até nds, geradas pela sociedade do espetiiculo, competem intensamente com as imagens da comunida- de crista. O livro de William F. Fore, Television and religion: the shaping offaith, values, and culture, diz que a televisao esta usurpando o papel da Igreja a0 moldar a imaginago e nosso sistema de valores. Ele diz: A televisio, e nao as igrejas, esté se tornando o lugar onde as pes- soas acham uma visio de mundo que reflete o que para clas € 0 valor supremo, que jusifca seu comportamento e modo de viver". Poucos telespectadores, incluindo os ministros, tém convicgoes tdo firmes sobre os seus compromissos de valor para ndo se deixar 1. Wiliam F. Fore, Zeision and religion: the shaping of faith, values, and culture. Minneapolis, Augsburg Publishing House, 1987, p. 24 . SI ETICA NO MINISTERIO PASTORAL tocar pela persistente promogio de valores e padrées de compor- tamento que os programas de televisio transmitem. Comédias de situagdo, novelas, histérias policiais e até desenhos animados freqiientemente retratam a violencia e coer¢4o como pontos natu- rais da sexualidade e dizem-nos que os jovens, 0s fortes e os belos sdo os sensuais e precisam de amor. Tais programas transmitem muitas imagens do que faz.a vida vantajosa, 0 que entra em conflito direto com as imagens do evangelho, e tira das historias e imagens religiosas 0 poder que toca as pessoas. O poder das imagens dos programas de televisdo, comerciais € outros mundos sociais (tais como os esportes e grupos associados) para influenciar a nossa percep¢io mostra claramente que a maior parte do que vemos nao fica a frente dos nossos olhos, mas atras deles, nas imagens através das quais vemos 0 mundo. A conversao moral é uma questo de livrar a nossa visio da ilusio. Adquirir bom carater moral diz respeito a correo da nossa visio de modo a vermos verdadeiramente as dimensGes da realidade que nao es- tavam ao nosso alcance quando nossos olhos estavam nublados nossa visao estava distorcida. ‘Acreditamos que o evangelho é o nosso modelo para compre- ender 0 mundo e tomar decisdes. No capitulo I, disse que 0 discipulado nao significa recriar certas ages de Jesus (fazer literal- mente o que Jesus fez). Devemos ser capazes de tirar das histérias de Jesus aquelas imagens que nos ajudarao a interpretar o espirito do que esté acontecendo e o que devemos fazer como resposta. Por exemplo, a parébola do bom samaritano ajuda-nos a ver cada pes- soa, até o nosso inimigo, como o nosso proximo; a historia de Zaqueu conta-nos que até o proscrito tem lugar & nossa mesa; a parabola do semeador e a semente dé-nos razéo para esperar pelos frutos da persisténcia. O desafio do ministério pastoral esta em ajudarmo-nos ‘mutuamente a ficar cada vez mais perto do ponto de vista de Deus, através do uso efetivo das historias de Jesus e sobre Jesus. ‘A moralidade cristé acredita que as imagens — da historia crist— ‘que chegam até nés dao-nos caminhos certos para ver o mundo e per- mitem-nos responder apropriadamente ao que esta realmente la. Sem diivida, as imagens competem com outras vindas de outras 2 CARATER E VIRTUDES DO MINISTRO fontes de influéncia sobre 0 nosso carter. Mesmo assim, como ministros, acreditamos nelas e ancoramo-nos nas imagens de Jesus por serem as que melhor nos informam ¢ influenciam para vermos corretamente. Usar essas imagens na nossa maneira de ver vai nos ajudar a nos engajar no mundo como povo formado na fé crista. Virtudes A atengao ao caréter e a visio pde-nos face a face com o lugar das virtudes na vida moral. Virtudes sdo habitos do coragao, isto é, sdo qualidades de carater (“do coragao”) adquiridas pela repeti¢ao de acdes que correspondem as virtudes (“*habitos”). Por exemplo, pela pratica da generosidade tornamo-nos pessoas generosas. As virtudes mostram-se na agao como habilidades praticas para alcan- ‘car o bem entre os extremos de excesso e deficiéncia. Os extremos refletem os vicios; a virtude, entretanto, é 0 caminho do meio da moderaco e equilibrio de cada pessoa. Dai dizermos in medio stat virtus (“no meio esta a virtude”). Enquanto enfatizo a virtude, ndo advogo que a moralidade normativa do dever e principios seja substituida. Temos aqui aspec- tos complementares da mesma moralidade. Concorde com William K. Frankena que argumentou, seguindo Kant, que as virtudes sem principios sto cegas e as ages motivadas somente pelo dever e principios, sem a virtude, sto nulas para desenvolvermos a nossa. vida moral. Sem a virtude, simplesmente agiriamos por meio das mogoes de realizar um dever ou ser fiel a principios, porque nos ordenaram a agir assim ou porque alguém com autoridade nos observa. Mas com a virtude realizamos 0 que a moralidade normativa prescreve agindo segundo um compromisso interno autodirecionado para os valores em perigo. Porque as virtudes (e 0 mesmo pode ser dito dos vicios) nao so ornamentos externos do “eu”, mas so as expressdes mais profundas do “eu”. 12. William K. Frankena, 2. ed. Englewood Cliffs, Prentice-Hall, 1973, p. 65. 33 ETICA NO MINISTERIO PASTORAL As virtudes possibilitam-nos alcancar o real propésito de nos- sas vidas. Unem-nos a agdo ao prover a sensibilidade e motivacao para fazer 0 que o bem-estar humano exige, seja ou ndo uma tarefa determinada por deveres ou principios e haja ou nao alguém obser- vando. “Um teste de carter e virtude”, disse certa vez William F. ‘May , “é 0 que uma pessoa faz quando ninguém mais a observa." Os ministros precisam ser virtuosos, porque muito do ministério pastoral é levado a termo em privacidade sem que alguém de au- toridade nos observe para direcionar 0 nosso comportamento ou cortigir-nos quando nos extraviamos. As virtudes dio-nos forca para fazermos 0 que é certo quando a tentacio para agir em interesse proprio é grande. Um ministro virtuoso, por exemplo, guarda um segredo, embora participar de uma “fofoca” possa Ihe trazer vanta- gens; e um ministro virtuoso diz. a verdade mesmo sabendo que a mentira iria favorecé-lo. As virtudes também envolvem emogées. O que nos leva a escolher um valor é um sentimento forte, a paixao por esse valor, um compromisso afetivo por ele. E por isso que dizemos que a pessoa virtuosa sente 0 que € correto, tem faro pelo correto ou gosto pelo correto. Se damos valor ao bem-estar dos outros, entao ages corretas que envolvem o bem-estar dos outros vém natural- mente. As virtudes tornam-nos alerta e prontos a responder a exi- géncias morais de determinadas situagées. Em vez de ter de calcu- lar a coisa certa a fazer, a deciséo correta surge automaticamente como resultado da maneira habitual de ser. O ministro lida com varias situacdes ambiguas que requerem uma visio moral apurada e sensibilidade se queremos agir correta- mente. Em ocasides assim, os ministros precisam ser virtuosos se quiserem manter o equilibrio entre servir simplesmente o seu inte- resse préprio ou 0 interesse dos outros, ou entre o agir no extremo do “sempre” e do “nunca”. Por exemplo, vejamos a questo das expressdés apropriadas de afeto e atencao. Jé ouvi varias discussdes "5, Wilam F May, fein Etis: Sting, Teen, and Teaches” em Danie Callahan Sn Bled Eh Ting hi cat, Nova Plenum Press, 1980, p. 231. — " vo CARATER E VIRTUDES DO MINISTRO sobre quando, onde e como devem as pessoas se tocar como ma- nifestagao de atenc&o pastoral. Algumas pessoas nunca querem tocar ninguém, Outros abracam a todos com muita espontaneidade, nao importa quem seja ou qual & a sua condicao. O ministro virtuoso sabera manter 0 equilibrio entre o “sempre” e o “nunca” tocar uma pessoa. Discutirei a ética do toque pastoral no capitulo 5. Comportar-se com moderacdo com uma pessoa na ocasiao certa e de maneira certa nao é facil. Ninguém esta programado para saber 0 que é melhor e como fazé-lo. A nossa disposicao para 1a bondade é prejudicada por uma tendéncia oposta poderosa cha- mada pelos tedlogos de pecado “original”. Querem dizer com isto que parece existir em todos n6s uma capacidade diminuta para trabalhar pelo genuino bem-estar. Mas o trabalho da graca ¢ da virtude pode erradicar e substituir a tendéncia ao comportamento corrupto que conhecemos como vicio. A pratica de uma vida virtuosa requer treinamento. Deve- mos praticar a virtude para que ela se torne um habito, como uma. segunda natureza, Somos dignos de confianga pelos atos de confiabilidade; tornamo-nos altruistas pelos atos de altruismo. A. maneira pela qual essas formas de comportamento vém a ser ca- racteristicas do eu pode ser comparada a maneira pela qual al- ‘guém ganha uma medalha de ouro nas Olimpiadas ou acaba por ser um virtuoso da misica. No entanto, repetimos que a pratica no deve ser confundida ‘com mera conformidade externa. Somente nos tornamos virtuosos praticando atos de virtude dentro dos parametros de um verdadei ro virtuoso. E mais: para preservarmos uma virtude devemos pratic lao maximo que somos capazes. Minimalismo e mediocridade nao tém lugar entre os virtuosos. Marcam o término da virtude. Ao nao exercitarmos uma virtude, tornamo-nos menos habeis para pratic: la. Assim, a complacéncia em relagao a virtudes ministeriais € primeiro passo para 0 caminho da deterioragao. ‘Tanto os tipos de habito que formamos antes de entrarmos para o ministério como os que adquirimos no ministério influenciam muito o tipo de ministro que somos e o estilo do nosso ministério. ‘Aristételes é instrutivo nesse ponto. Ble frisa que é muito importan- 35 ETICA NO MINISTERIO PASTORAL te saber que tipos de habito a nossa educagao inicial nos confere, porque os habitos de cada um marcam a diferenga da qualidade moral de vida de cada pessoa". Sabermos isso pode nos ajudar a ser mais realistas sobre a influéncia que as pessoas encarregadas da formagao e os respectivos programas tém no carter dos candida- tos ao ministério. - As pessoas encarregadas da formacao sao freqtientemente consideradas responsaveis pela qualidade dos candidatos ¢ seu ministério. Embora tenham certa responsabilidade, os encarrega- dos da formagao e os programas ndo so tao influentes quanto muita gente possa pensar. Na verdade, no se fazem objetos finos quando ‘@ matéria-prima é tosca. Se uma pessoa nao tem pelo menos habi tos incipientes que acreditamos ser necessarios para 0 ministério pastoral, entio essa pessoa nao deve ser recrutada para o ministé tio. Podemos dizer que se quisermos produzir um anel de ouro de doze quilates, € bom comecar o minério de ouro. Teologicamente diriamos: “A graca desenvolve-se na natureza”. Tudo isso leva-nos a sugerir que a selecdo mais do que programas de formacao é freqiientemente a primeira e a tiltima palavra sobre 0 ministério efetivo. Muito antes de 0 candidato comecar 0 periodo de forma- do, a formagao de habitos e, conseqiientemente, a formacdo de cariter ja estio bem adiantadas. O carater dos candidatos é subs- tancialmente o resultado da influéncia de modelos de pessoas, va- lores ¢ estilos de vida dos seus ambientes sociais. Essas fontes po- dem ter muito mais influéncia do que o programa de formacao. A responsabilidade das pessoas envolvidas no programa de formagao esti em refinar os habitos do candidato que possam realgar 0 mi tério da Igreja e objetar os que criam obstaculos no ministério. Nao importa 0 grau de sucesso do periodo de formacio, a comunidade de fé supde que quem assume o papel de ministro é uma pessoa virtuosa chamada a exercer a virtude na pratica do ‘ministério. Se, por um lado, esperamos encontrar nos ministros as mesmas virtudes que esperamos encontrar em qualquer pessoa boa, ha virtudes que sio tio caracteristicas de um profissional e de um M4, Aristoteles, Etica a Nicémano, 11, 56 CARATER E VIRTUDES DO MINISTRO ministro que nés, especialmente, esperamos encontré-las nos minis- tos pastorais. Da perspectiva de modelo da promessa divina para 0 ministro pastoral profissional, incluo na lista breve de virtudes tes virtudes da promessa divina: santidade, amor e confiabilidade; e duas virtudes morais: altruismo e prudéncia. A lista nao fica por ai quando nos referimos a virtudes significalivas que esperamos encontrar nos ministros. S6 quero fazer aqui uma pequena sugestio sobre a natu- reza dessas virtudes ¢ identificar alguns dos indicadores que geral- ‘mente as acompanham como evidéncia e reforco dos habitos do coracdo. Santidade Santidade é uma das virtudes da promessa divina sobre a qual temos de refletir de acordo com o mandamento: “Deveis, portanto, ser santo, pois eu sou santo” (Lv 11,45). Uma faceta da santidade de Deus deve separar-se, No ministério, isso reflete-se no fato de estar- mos parte e dedicarmo-nos a mediar a presenga de Deus no mundo. A outra faceta da santidade requer a expresso do amor da promessa divina através de trabalhos de justica. No ministério isso refere-se ao compromisso de trabalhar para estabelecer relaciona- mentos direto com Deus, com os outros e com a criagdo. ‘A santidade, que é uma virtude num ministro pastoral, no significa santimonia ou estar num pedestal acima de qualquer um. Santidade significa reconhecer a nossa dependéncia de Deus como a fonte e centro de vida e amor. A pessoa santa encontra forca, ponto de convergéncia e direcao por meio de uma relagao de amor com Deus como 0 centro da nossa vida. Santidade é viver desse centro. Encontramos pessoas assim porque so genuinas, nao ficam na defensiva, sio afaveis e autoconscientes. A santidade fica em contato com esse centro mediante nossas preces individuais e nossa participacio de celebracoes publicas, assim como mediante o exer- cicio de disciplinas que expressam uma vida de conversao continua do pensamento e da ago. A santidade reconhece que tudo vem como dadivas para serem apreciadas e compartilhadas e ndo como posses- ses para serem armazenadas ou mal usadas. A santidade responde 7

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