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Métodos e Técnicas de Pesquisa em PSICOLOGIA Luiz Fernando de Lara Campos CAPITULO 1 FORMAS DE CONHECIMENTO empirico, religioso, filoséfico e cientifico Muito se fala ou se escreve a respeito da ciéncia no Brasil e no mundo, mas pouco tempo é despendido em sua compreensio € principios. Ha muitos criticos da ciéncia, mas estes, normalmente, sio incapazes de propor uma alternativa que seja direta ¢ pertinente, revelando apenas sua incapacidade de pensar ¢ de produzir conhecimento cientifico. As conquistas da ciéncia so inegaveis, bastando que o leitor olhe 4 sua volta para perceber um mundo recheado por frutos de descobertas cientificas. Computadores, telefones, televisdes, fornos micro-ondas, remé- dios, vacinas, anestesias, entre outros, so apenas produtos tecnolégicos que surgiram por intermédio da pesquisa cientifica. A ciéncia surgiu como etapa natural da evolugdo humana, marca- da pela capacidade de produzir e de transmitir conhecimento. O homem parece nascer programado para aprender (Maturana, 1987), ou seja, nasce com a capacidade de gerar conhecimento e, provavelmente, de o transmi- tir a outros seres humanos. Isso ocorre em razio de o homem nao possuir respostas prontas para todos os problemas que enfrenta, assim, quando a regularidade na natureza é quebrada, ele procura entender e explicar os motivos desses fatos, ao contrario dos animais que parecem nascer com um grande repertério de respostas prontas ¢ suficientes para garantir as funges principais de suas espécies: reproduzir e preservar. Digitalizado com CamScanner 28 40 facilmentes exemplificdvel, bastando anay, jtag 7 . 7 Hee I sega Site cervo nascido 0 zooldgico fosse colocag, ro 4, lo a goomorer™® a wm gwen ao aparecer um predador natura) i, forest Muito PY ia, ja que Su organismo esta programado par Como ' yo fugit! uagao é diferente. Suponha-se que ce ap, onde nao exista nenhum tipo de cobra, seja colocado ng bit geumailha. 0 iJ onde a quantidade de cobras venenosas seja grand, Meio de to do homem sobre a existéncia de cobras venenos oe fa que oe Jeio, 0% Com um homem a sit gma selva host iment stdio de poucas horas! Dessa forma, & pos ous € osss rar que: sem” conl ento ndo ha respostas corretas para o Hom ua evolugao, a humanidade gerou diversas ee is ossuem diferentes caracteristicas e limite Sha conside! ‘Ao longo de st de conhecimento, as quais Pp explicagao dos fenémenos que se apresentam a0 homem no seu diaa dia Com 0 desenvo! ua transmisséo, Ivimento do conhecimento humano e da linguagen necessaria a SI surgiram duas formas de conhecimento qu dominaram @ Humanidade por mil (ou senso comum) e o conhecimento religioso. Posteriormente, surgiu o conhecimento filoséfico seguido da ciéncia, a qual ¢ uma proposta, histor Ihares de anos: 0 conhecimento empiticy camente, muito recente. Conhecimento empirico ne A aes forma de conhecimento humano surgiu a milhares dears , sendo impossi ; ae i lo impossivel precisar exatamente quando e como. Esse Sconhe- 0 = era, provavelmente, uma forma rudimentar de explicagéo deum no, re —— 0 qual havia sido vivenciado por um grupo de seres humans? o, inicialmente, ee . é . , por meio da lingua; i, 1982).Eu conhecimento vivencial, guagem oral (Ferrar!, Oconheci imento empirico é tf Droduzido pela sua pré empitico é aquele comum a todo ser human? P™ ropri: Seton nt, atte Conhecimentos a ' 7 ee existéncia. Sendo assim, todo individuo é artir it mento resultado da le sua interagdo com o mundo, sendo esse CO" / experiéncia indivi, irl ‘periéncia individual do sujeito, € dependent’ Digitalizado com CamScanner Métodos e Técnicas de Pesquisa em Psicologia 29 mente da cultura, da sociedade, do momento histérico ¢ do meio ambiente fisico no qual vive. Nenhum ser humano consegue viver sem o conheci- mento empirico ou vivencial, Por ser fruto da experiéncia individual, 0 conhecimento empirico nao serve genericamente, ou seja, nflo pode ser uma lei. Para compreender melhor, pode-se considerar a situagiio na qual duas adolescentes Possuem experiéncias diferentes com seus namorados, gerando, assim, conhecimentos empiricos sobre 0 namoro divergentes. Mesmo que ambas namorassem 0 mesmo rapaz em momentos diferentes da vida, nao hé como garantir que 0 conhecimento empirico de ambas seria o mesmo. Isso ocorre pelo fato de o conhecimento empirico ser fruto do acaso e no refletir algum principio constante. Por outro lado, dois agricultores sem nenhuma escolaridade podem plantar feijo do mesmo modo e ter 0 mesmo resultado. Isso ocorre quan- do algumas experiéncias individuais, mesmo que restritas pelo seu cardter empirico, refletem uma lei cientifica. Ambos os agricultores podem nao entender por que funciona, mas sabem que funciona, A ciéncia nao se contrapée, necessariamente, ao conhecimento empi- Tico. Muito pelo contrario, muitas vezes se aproveita desse conhecimento como ponto de partida para pesquisas que resultado em leis e principios cientificos. Entretanto, no se pode negar que a ciéncia gera uma nova forma de compreender o mundo e que isso determinou a revisao da validade da explicago do conhecimento empirico. Em uma situagdo pratica na rea da Psicologia, podem-se analisar as implicagées que o conhecimento empirico possui. Suponha-se que uma psicoterapeuta esta atendendo um caso de uma mulher em crise com o mari- do, por culpa de problemas financeiros. Utilizando uma técnica denomi- nada autorrevelago, comum aos modelos cognitivos-comportamentais, a terapeuta pode utilizar o exemplo de um problema semelhante ao de sua cliente para tentar auxilid-la. O risco existente nessa técnica consiste em avaliar até que ponto a sua experiéncia pessoal pode ajudar outra pessoa a encontrar formas de resolver seus problemas. —__ 3. Existem critérios muito claros para a aplicagdo dessa estratégia psicoteripica, sempre Considerando que o impacto nao pode ser previsto de forma intu Digitalizado com CamScanner 30 Forms ec Cnty ny ye, portanto, desconsiderar a experiéneia j sim, compreendé-la como fruto da vivéncia do su irrestrita, cuja validade é sempre ampla e inquestionave} (Fey O conhecimento empirico possui trés caracteristica, Nao se dev Tari, 1939 bey is fundamen, que 0 qualificam: . 1. Ametédicos nfo & produzido intencionalmente, pois gy acaso: Pende gy Assistematico: nao representa, necessariamente, uma re principio de algo que ocorre € que évilido de modo gengig, 3. Dependen fortemente influenciado pela cultura, Pela so, ’ ¢ pelos ambientes fisico € geografico. edade Essas trés caracteristicas so muito importantes na limitacao 40 sabe empirico. Por se tratar io obra do acaso, esse conhecimento toma-se amet. dico ¢ assistematico. E uma experiéncia muito individual, além de fon, mente influenciado pelas condigdes do meio ambiente. Conhecimento religioso Muito provavelmente, 0 conhecimento religioso surgiu parale- lamente ao conhecimento empirico, como uma forma de explicar fenéme- nos que a experiéncia individual nao conseguia esclarecer suficientemente, Imagine a situagdo: algumas dezenas (talvez centenas) de milharesét anos atrés, um grupo de seres humanos deixou sua caverna para capar com pedagos de rocha semelhantes a um bastdo nas méos, vagaram pela sea até encontrar uma vaca, pegaram seu pedago de rocha, acertaram & cabest do animal e acharam que conseguiriam jantar para sua tribo por alguns dis Entio, munidos de muito esforgo, carregaram o animal até uma mo" proxima da caverna, de onde era possivel vigiar. Engueram seus pes de rocha e gritaram chamando seus companheiros a fim de obterem 2) no transporte do animal. No momento em que a tribo percebia os A al do grupo de cagadores,iniciava-se uma tempestade ¢, além 4 ae Digitalizado com BM an Luiz Fernando de Lara Campos 34 dos bastdes dos homens pré-histéricos eram feitos de rocha metélica. Os homens, gritando por seus companheiros, recebem a descarga elétrica de um raio e morrem. Como seus companheiros, por meio do conhecimento empirico, podem explicar o ocorrido? Na realidade nao podem, mas, de forma religiosa, isso é possivel, A explicag’o que, eventualmente, pode ter surgido no grupo € simples: foram castigados por que mataram, a Vaca, que, por conseguinte, seria um animal divino, que nao se mata ou nao se come. Essa situagao. hipotética pode ser, por exemplo, a origem da crenga existente na india de que a vaca é um animal sagrado. Mas como essa explicagdio se diferencia do conhecimento empirico ou vivencial? Para explicar 0 fato ocorrido nio ¢ suficiente 0 vivenciado, o empi- Tico. Necessita-se de uma explicagio baseada na existéncia de uma forga superior ou de um ser supremo (ou mais de um), no caso, Deus, que seria a razo da ocorréncia dos fatos nao redutiveis a experiéncia em si, ou seja, compreensiveis pela légica do conhecimento empirico. O conhecimento religioso, portanto, precisa utilizar um conceito- -chave nas suas explicagdes, sendo ele de carater dogmatico, ou seja, aceito como verdade sem ser discutido. Nao se pode restringir esse tipo de conhecimento as religides. Obviamente, estas sdo parte do conhecimento, mas esse é um conceito mais amplo. Qualquer conhecimento baseado em conceitos que niio possam ser discutidos, testados ou questionados pode ser religioso (Popper, 1975; Peluso, 1995). Pode-se exemplificar facilmente esse tipo de conhecimento pelas religides. No Cristianismo, a Santissima Trindade constitui um dos dogmas e, no Espiritismo, ha a reencarnago, Mas por que eles so tio importantes? A resposta é simples: 0 dogma se constitui de um conceito ou de uma ideia central sobre a qual toda a estrutura posterior do conhecimento religioso é construida. Se analisada a estrutura de construgdo das duas religides citadas anteriormente, percebe-se, claramente, que os dogmas sto uma espécie de ‘pedra fundamental’ que Ihes dao sustento. Se o dogma for discutido e/ou refutado, no ha como o conhecimento se sustentar. Para os leitores que Digitalizado com CamScanner Formas 32 a fmagem, pense em uma pirimige invertigy em um : ieen retirada, faz tudo desabar! ‘0 dogma. S aracteristica do conhecimento Teligiosg éa ac : hide especiais, escolhidos Por Deus oy Po win © tomam 0 elo de comunicagio ciais, que s igioso. a mene ee do ‘profeta’ ou do ‘pai? s4 pres ihecimento religioso, posto que, no conheg; oe ou cultural e, na ciéncia, como Se ver soa . tees $6 pela forga ou pela autoridade a uma (1975) sugere claramente que ha, entre elas, algumas tat a ndigdo de obter 0 adjetivo “cientifico”, sag 2 chamadae possuem cot ; iéncias (Eysenck, 1993), ou seja, modelo ci y 8 tedticos que Patecem Citnian, irem um método exclusivo, mas esse Método © todo g g possuire Pode ser y, * Be Xper rd Melhor Adiante, Nao, a de sey Proponent, E aa ele gerado so Telacionados a uma hipétese Porele ge Central assumida com, deira, sem questionamento ou testagem, toman 10 Verdg, \do-se, assim, € inico, Para que bastaria que seus camente por ela, Solugio, + cigncit, i j jiderados cien®™ a psicanilise e 9 marxismo sejam consi era Pressupostos e seus Conhecimentos fos: _——ae i nm Entretanto, amaioria dos seguidores se pee atica. °° ue Tevela uma atitude anticientifica e ie das informer ; : ni it Assim como o conhecimento empirico, mu 140, Alco i ‘to: nto OU Oo ontidas em textos Teligiosos, Como 0 Velho Testame! nner Digitalizado com CamSca Métodos e Técnicas de Pesquisa em Psicologia 33 reveladoras de informagdes cientificas, embora tenham sido originadas pela vivéncia religiosa. Nao se pode, portanto, desprezar essa forma de conhe- cimento, mas assumi-la como verdadeira é muito arriscado, principalmente para 0 psicdlogo, pois 0 ato de fé que a caracteriza nem sempre é suficiente para a explicago dos fendmenos psicoldgicos, O conhecimento religioso embora possua um campo de explicagao e de validade muito bem delimitado, muitas vezes se sobrepde ao conhe- cimento empirico ¢ a ciéncia, Assim, 0 conhecimento religioso possui trés caracteristicas fundamentais: 1, Dogmatismo: baseia-se em uma ideia, conceito ou condigao que nao so passiveis de serem contestados e/ou testados, sempre apresentando motivos no racionais; 2. Nao aceita ser testado ou comprovado: é construido com base em um ponto-chave de carater hipotético. O conhecimento religioso nao aceita ser testado exceto por seus Proprios principios ou méto- dos, 0 que pode ser considerado tendencioso. Todo conhecimento religioso tem légica interna (coeréncia entre seus conceitos, compo- nentes), mas isso ndo garante que seja verdadeiro ou cientifico; 3. Dependéncia da crenga/da fé: como nio dispée de qualquer evidén- cia que nao seja atribuida a um profeta, a um mestre ou, mesmo, diretamente a Deus, o conhecimento religioso nasce com um ato de fé do individuo. Esse ato pode ser espontineo, quando ocorre cons- cientemente, ou induzido, quando determinado por fatores externos a0 sujeito (por exemplo, pressOes familiares, grupais, culturais etc.). E importante salientar a forte relado entre 0 dogma e a fé, uma vez que, para algumas pessoas, a crenga é suficiente para dar o status de verda- de a explicagao. Embora o ser humano tenha a capacidade racional, ele no € um ser légico no sentido mais puro da palavra e crer nao é suficiente. Um leitor que tenha vivéncia e/ou formago religiosa pode estar se perguntando: “Mas eu vejo Deus! Eu sei que ele existe”. Para essas pessoas, basta lembrar que s6 vé Deus quem acredita nele, uma vez que as pessoas veem o que creem e creem no que veem. Digitalizado com CamScanner 34 Formas de Con ‘ Hg Entretanto, nao ¢ essa a discussio que se pretende om nito se fazadefesa de uma forma de conhecimento em detr, n "™ Cada forma de conhecimento possui uma caracteristica, ¢ tante que o futuro psicdlogo (ou qualquer outro prof seus valores pessoais do seu conhecimento cientifico O que aconteceria se uma pessoa, em uma pe Imento de, on © € muito ime sional sipg 4 © Profissionay quena cidad, rior do sertio nordestino, procurasse 0 inico médico da cidade dores no peito ¢ este, por acreditar em uma religiio em que ‘a do in, COM foy dor putifg He cardiaggy War profi. 80s? Veja a situagdo que pode ocorrer dentro da Psicologia: su um psicélogo clinico receba um cliente cujos sintomas e caracteri a alma’, nao examinasse 0 paciente que esta tendo um ataq profissional que atua baseado na ciéncia tem o direito de a nalmente considerando os valores pessoais e/ou os religio: Ponha qu sticas ing. quem um quadro de psicose maniaco-depressiva, uma sindrome psig, ca bem conhecida ¢ que, desde 1949 (DSM-IV, 1995), conta com medica mentos altamente eficazes para 0 seu tratamento, mais eficazes, inclusive, que a propria psicoterapia. O psicélogo, por atuar em um modelo no qualse acredita que todos os problemas orgénicos tém origem no campo psicolig. co, tem 0 direito de nao encaminhar o cliente a um psiquiatra? Tem o direito de tratar seu cliente como se seus problemas fossem exclusivamente sico- légicos e nao orgiinicos, desconsiderando 0 avango da Psiquiatria? Qual Tesponsabilidade do psicélogo se seu cliente, em uma fase depressiva, sem a presenga do medicamento adequado, suicidar-se? Antes de misturar crengas com ciéncia, o psicélogo precisa avalar muito bem os riscos dessa atitude, jé que, na maioria das vezes, é sempre Populacao que mais precisa do auxilio dessa comunidade profissional. Conhecimento filoséfico i oe af © conhecimento filoséfico antecedeu, historicamente, . a i i€nci: is . Emt cimento da ciéncia, surgindo algumas centenas de anos antes desta ee a diferenca historica nao seja significativa, existem dois aspectos Digitalizado com Cotanner Luiz Fernando de Lara Campos 38 ser considerados. O primeiro & que, ao contririo da ciéncia, essa forma de conhecimento, rapidamente, alastrou-se sobre a sociedade, sendo logo reconhecida e valorizada (Chaui, 1995), O segundo aspecto diz respeito 4 sua importincia para o surgimento da cigncia, pois foi em seu seio que esta comegou a ser pensada, discutida e debatida, Assim, apesar de a ncia ter se originado de discussées filos6ficas, essa forma de conhecimento niio deve ser confundida com a filos6fica, pois esta continuou ¢ continua existindo mesmo apés o advento da ciéncia. Ferrari (1982) informa que a filosofia é uma forma racional de conhecimento, n&o admitindo a intuigo ou a fé como origem. E uma modalidade de conhecimento que tem a condigdo de colocar suas hipéteses antecipadamente, mesmo que nunca possam ser testadas. O conhecimento filoséfico recorre experiéncia pessoal e subjetiva, evitando a experimen- ta¢4io, o que a tornaria ciéncia. Na construgo da verdade no conhecimento filoséfico, 0 cerne se encontra na /égica interna entre os conceitos, ou seja, na coeréncia ldgica entre as relacées e os seus diversos componentes tedricos. Entretanto, nao se deve esquecer de que, entre o conhecimento filosé- fico eo cientifico, existe uma diferenga fundamental, que é a possibilidade ea obrigacao real que se tem de testar hipéteses no segundo caso. Embora a légica e a coeréncia sejam de fundamental importéncia, também, para 0 conhecimento cientifico, nao so suficientes para garantir © seu reconhecimento, uma vez que nao ha como decidir entre os diversos modelos e propostas filoséficas. Conhecimento cientifico O conhecimento cientifico deve ser compreendido como 0 estagio mais recente na evolugio do conhecimento humano. Embora sua postu- lago tenha ocorrido na Grécia antiga ha mais de dois mil anos, seu surgi- mento efetivo e desvinculado da Filosofia ocorreu com o questionamento do antropocentrismo por Copérnico. Foram necessarios quase dois mil anos Digitalizado com CamScanner 36 Forms ey ey Produzida nstante a Me quando o cose, alavancaram o desenvolvimento cientifico. coy para que a cigncia pudesse ser realmente compreendida ¢ momento até 0 presente, o que se pode observar & uma ¢o, sobretudo no século XX, quando os recursos Metodologi Apalavea‘Cigncia’ origina-se no Latim, vem da palavea go se originou de Scire, que significa aprender, conhecer (Abba Sciemig, i Embora no tenha prometido o paraiso 4 humanidade 197) muita vezes é citicada por nfo ter conseguido acabar com 4 ome miséria, com as doengas, com a guerra e, principalmente, por notes gies de oferecer & humanidade a imortalidade. : Na raiz dessas criticas, encontra-se uma comy er missio da ciéncia e uma visio ndo histérica da enna a avin i, . lent humano, Perguntas do tipo “De onde viemos?”, “Para onde vamos? py que criangas morrem de cncer e criminosos vivem?”, entre outs, ip io interesse ou objeto da ciéncia e, portanto, provavelmente indo fica sen resposta, uma vez que a ciéncia busca a vida e nfo explicagdes de fy muitas vezes irredutiveis ao racional. No caso especifico de criangas com céncer, a ciéncia se interessa pela cura, assim como se esforga para entender e descobrir meios eficazes para evitar a criminalidade e recuperar os ind- viduos criminosos, mas a ciéncia nao se preocupa em estabelecer relasdes entre fendmenos tdo opostos. Ao longo das paginas até aqui escritas, muitas vezes foi mencionads a palavra ‘método’ ou um de seus derivativos, sem que sua importincia © seu significado fossem enfocados. A ciéncia diferencia-se das demais formas de conhecimento just mente por possuir um método, ou seja, um conjunto de principios a norteiam a conduta do cientista ao longo da produgdo do conhecimento (Rudio, 1985). O método é a parte mais importante da pesquisa. . A palavra ‘método’ originou-se na Grécia antiga ¢ significt i s mé percorrer ao longo de um caminho”. E importante esclarecer que © conduta 4 nao é 0 caminho em si, mas as regras que irdo nortear . do conhecimet? esse caminho, pois é 0 aspecto que ird garantir a validade produzido pela investigagdo (Ferrari, 1982). Digitalizado comCamScanner ‘Métodos e Técnicas de Pesquisa em Psicologia 37 Para que um conceito ou uma ideia obtenham o reconhecimento da ciéncia, so necessarios trés aspectos: 1. Método: necessita ser produzido com base na aplicagdo de um conjunto de principios que tenham o status de cientifico; Sistematizagio: deve buscar produzir e retratar regras, principios ou leis que expliquem a natureza do fenémeno pesquisado; 3, Objetivo: 0 conhecimento cientifico deve ser relatado da forma mais simples e direta possivel para garantir que suas explicagdes sejam compreensiveis para todos os individuos. Nao deve neces- sitar de dons ou experiéncias especiais para ser compreendido assimilado. 2 Um bom exemplo de conhecimento cientifico em Psicologi respeito A primeira lei da aprendizagem comportamental: condicionamento classico. Essa lei foi formulada pelo fisiologista russo Ivan P. Pavlov com fundamento em uma experiéncia com cdes. Pavlov, que ganhou o Prémio Nobel de Medicina pelos seus trabalhos sobre 0 aparelho digestivo, perce- beu um dia, acidentalmente, que seus cdes salivavam quando as pessoas que os alimentavam entravam sem comida em seu canil. Intrigado com essa reacio dos cies, Pavlov questionou se era possivel um estimulo neutro (as pessoas) eliciar (provocar) um reflexo (salivagio), j4 que esse fato nfo ocorre em situagdes naturais. Assim, os cies famintos foram colocados em uma sala especialmente preparada, com suas cabegas em direcdo a uma portinhola. Seguidamente, essa portinhola foi aberta revelando um pedago de carne. Ao mesmo tempo em que a portinhola era aberta, uma campainha era acionada, Apés varias repetigSes desse procedimento, a campainha foi acionada, mas a porta nao foi aberta. Para constatagao de Pavloy, seu sujeito experimental (cdo) sali- vava diante do som da campainha. Apés varias experiéncias com outros animais, Pavlov desenvolveu a lei do condicionamento classico, em que um estimulo neutro (som) pareado (apresentado junto) a um estimulo incondi- cionado (came) por varias oportunidades, gerava uma associagao entre 0 estimulo neutro € 0 reflexo, fazendo com que o reflexo fosse eliciado pelo Digitalizado com CamScanner Formas de Coy 38 ng, 7 tro, mas agora (apds a aprend} eo parts toado una eng my nado ae cientifico precisa ser compreendidg Pa "hy, tes musi de qualquer conhecimento. ag co traduz toda a a lini, a ultima palavra nem pretende ser. A oléncia busca apenas dap ws Ny mais confidveis & humanidade, respostas que independam da ene individual e que nto expliquem a vida humana em fungao de domes ia Talvez esse seja um bom momento para retomar algum, 7 mages sobre ciéncia que ainda nao foram totalmente explicitadas; o tes do conhecimento cientifico. ‘A ciéncia possui algumas caracteristicas que, num primeirg Tome. to, podem parecer incompreensiveis para o leitor iniciante. Uma des ¢ a questo da verdade em ciéncia, j4 que, aqui, esse conceito nao tem 4 mesmo significado que 0 do conhecimento religioso e/ou empiric em gg averdade é definitiva e, muitas vezes, imutavel. Em ciéncia, algo é verda. deiro até que se prove o contrario, ou seja, nunca algo é (ou sera) totalmen- inf. ln te verdadeiro, j4 que o desenvolvimento do conhecimento cientifico deve gerar modelos de compreensio cada vez mais precisos, fazendo com qu. explicagdes cada vez mais completas substituam explicagGes superadas. Ser cientista, portanto, é trabalhar com a ditvida, conviver com a incert za, pois tudo o que se sabe hoje pode ser substituido por um novo modo explicativo amanha (Popper, 1975). Essa condigo do conhecimento cientifico faz com que um boa modelo em ciéncia no seja aquele modelo eterno, o qual quase mio * modifica por ser extremamente completo. Ao contrario, um modelo ce tificamente adequado é aquele que serve de base para um conjunto & i — met Pesquisas que possibilitem o aumento da compreensiio do conhecimet! um 9010 Sobre algo, gerando conceitos mais precisos e, consequentement®, ons 1915: modelo tedrico, que substitui, integralmente, o anterior (Poppe: Peluso, 1995), E ii ie E interessante notar que a motivagéio para a produgdo do sabe tifico ‘oi al F pode S¢ originar em varias esferas, como as quebras da orde™™ ‘cs los fené; omenos, problemas conceituais, necessidades de nature Digitalizado com CamScanner 39 curiosidade, além de verificar a veracidade de suposigdes de origem empi- rica ou religiosa, Entretanto, a ciéncia nfio é uma atividade intuitiva ou destinada a poucos eleitos, Na realidade, ela é um conjunto de atividades racionais, sisteméticas ¢ metédicas que visam solucionar problemas de forma que se estude um objeto limitado, passivel de verificago, na busca de conhe- cimentos sisteméticos, verdadeiros e coesos (Ferrari, 1982). O objeto de estudo da ciéncia pode ser compreendido pela nogio de fato e fenémeno (Rudio, 1985). Fato ¢ algo que existe independentemente de qualquer inter- pretacao, julgamento ou enfoque prévio. J4 0 fendmeno € 0 fato percebido no Angulo de interesse de um determinado campo do saber cientifico. Um bom exemplo para explicar esses dois conceitos é o da toreida de futebol. A torcida existe e é um fato, mas quando se tenta verificar sua legi- timidade legal, estar se enfocando a torcida do ponto de vista do Direito, o que a transforma em um fendmeno juridico. Se estudada do ponto de vista de uma manifestagdo social, Sociologia ou a Psicologia Social poderdo se interessar sobre a questo, transformando o fato ‘torcida de futebol’ em um fendmeno sociolégico ou psicolégico. fenémeno, portanto, & 0 objeto de estudo da ciéncia, j4 que, atual- mente, nao existem recursos metodoldgicos e conceituais que possibilitem 0 estudo do fato em sua totalidade. Esse limite ¢ metodolégico e impede 0 estudo integral do fato. Segundo Ferrari (1982), pode-se dividir a ciéncia em dois campos: formal e factual. As ciéncias formais so aquelas que tratam de objetos nao empiricos, abstratos, cuja veracidade é comprovada por dedugdo ou por légica, sem a necessidade/possibilidade de experimentagio. Essa forma de conhecimento cientifico ¢ bem exemplificada pela Matematica, O segun- do campo do saber cientifico ¢ aquele no qual a Psicologia se encontra e € denominado factual, por tratar de objetos materiais ou empiricos, com métodos de comprovagiio baseados na observagao e na experimentagao. Para que um conhecimento tenha o status de cientifico, ele deve Possuir quatro condigdes, a saber (Selltiz, Wrightsman & Cook, 1987; Popper, 1975): Digitalizado com CamScanner a 40 ing, ‘ eplicabitidades éa possibilidade de se realizar ova ' no mesmo padrdo ¢ conduta metodoliy. he ingirem resultados estatisticamente semen lhany Mey, "8 ung pesquisa cor dos ¢ se a demonstrando queo conhecimento reflete uma regra ¢ excegao: . Fidedignidade: é determinada com base na replicabiig a. Uma vez que 0s resultados foram confrmadgy. de do estudo, uma pesquisa seré mais fidedigng Jes puderem ser generalizados para eae ™ uisa especifica, com riscos cientif; i pesquisi replicabilida medida em que € além de uma pesq| aceitaveis, ou Se}, Icamente dentro da margem de erro que tod a ce cimento possui, uma vez que a descoberta reflete, de fat a realidade; 7 Generabilidade: cagiio e SA0 fidedignos, eles podem ser utilizados na explicaséy do fendmeno em condigdes naturais, ou seja, além dos limites quisa. E determinada pela confiabilidade no método de pesqi- pest sa empregado, sendo uma condigao determinada pelo tamanhoe se os resultados foram confirmados pela rep. forma com os quais a amostra foi escolhida; Falseabilidade: 0 conhecimento s6 sera cientifico se for possivel de ser falsedvel, ou seja, demonstrar-se que sua validade nioé total, que existe erro em sua concepgao e que, portanto, no é definitivo nem tinico, sendo apenas mais um degrau na const = do saber cientifico. Embora os conceitos apresentados sejam inter-relacionados, ¢imP* tante salientar que é sua condigdo que determina a validade do contest mento para que ele obtenha o reconhecimento cientifico, de modo a io auséncia o limita e/ou invalida, Uma das melhores definigdes de ciéncia € a formulada I sé . i (1982): 6 todo um conjunto de atitudes e de atividades racionas ser suo! por Fer arg? sistema: ‘ ae conhecimento com © objetivo limitado, capaz de verificacio (p. 2), Digitalizado com CamScanner étodos € Técnicas de Pesquisa em Psicologia a” Uma boa compreensao das diferengas entre essas formas de conhe- cimento estd exemplificada no quadro abaixo, © qual sumariza algumas das ideias de Ferrari (1982), Quadro 1.1, Caracteristicas das formas de conhecimento, Vineulagdo comarealidade | Valorativo | Valoratwo Origem Reflexivo _ | inspiracional Contingente (Ocorréncia Assistematico Sistematico [Sstematico | Sierstico ‘ Nao) Nao mg lidad if ii Comprobabilidade Verificével | verincavel | venfeavet | Verficivel Efciéncia Falivel Infalivel_ | tnfalivel Falivel ; ‘Aproximadamente 50 Inexat Baa es Precis exato to Exato | a Pode-se verificar, no Quadro 1.1, que a ciéncia difere das outras formas de conhecimento em diversos aspectos, embora tenha alguns pontos em comum também. Por isso, é importante que todas essas condigdes este- jam presentes para que 0 conhecimento seja cientifico. A limitagdo ou a auséncia de uma delas ira comprometer sua confiabilidade, podendo chegar a determinar a sua nao aceitacao. Implicagées para a psicologia Em um primeiro momento, o leitor pode se questionar a respeito do que fazer agora, pois, provavelmente, possui uma religidio e desenvolveu um conhecimento empirico bastante eficaz até o momento, Deve abandonar tudo o que pensa, sente ou acredita? Deve esquecer tudo 0 que viveu para assumir uma ‘vida cientifica’? A resposta é nio, niio deve! Basta separar 0 que é pessoal e o que é cientifico-profissional, o que, certamente, niio éuma tarefa facil. O psicélogo, como qualquer outro profissional, é um ser humano que Possui qualidades e defeitos, crengas ¢ comportamentos, € que nao deve Digitalizado com CamScanner a2 ro oe , “~ abandonar sua propria identidade pela Profissio © ciéncig We deg: dar, Ao contrario, deve incorporar a ciéncia ao sey mundo, ret, ajustando-o novamente em face de uma nova tealidade, Mg Psicologia é ciéncia, sim! E embora alguns digam que ersten ciéncias’, desde a obra de Popper (1975), essa postura Patece ter sig Vig, donada, A maior tarefa que fica consiste em estabelecer limites a a ciéncia psicoldgica afirma ¢ 0 que 0 psicdlogo acredita Como pes 7 te a mistura ¢ demasiadamente perigosa ¢ iria determinar que toda aa desse profissional refletisse seus valores pessoais, o QUE Seria indeys perigoso para os diversos tipos de consumidores da Psicologia, Para os que ainda acreditam que Psicologia ndo éciéncig © No deyy 2 QUE Vogg Wanda de. ue have “Jonas ~ Dentsta Prt “Fulano de Tal ~ Cinugiy Dentsta”.Em qual porta vooé bateria? Que tipo de profissional vocé ag. ra quando precisa de ajuda? Por que quando se busca ajuda se pee mais modemo, o mais atualizado, o mais confidvel e quando se execu Psicologia pode-se adotar o que ¢ velho, ultrapassado, intuitive? Atualmente, no hd mais dividas sobre a natureza cientfca & seguir 0s pressupostos cientificos, existe uma questio: suponh; esteja com uma insuportavel dor de dente ha mais de 24 horas q de procurar ajuda. Ao chegar no enderego onde Ihe disseram ajuda, hé trés portas, cada uma com uma placa “Curandeiro Ama — Todas as Doengas” e Psicologia, mas o estudante na area percebé-la como ciéncia é algo distante em pafses do terceiro mundo, como ja foi indicado, A Psicologia ainda é, Srroneamente, vista como uma ‘quase’ magia, algo préximo ao esotrism as vidas passadas, a religiao etc, Assim, gostaria de finalizar ess print 7 momento, analisando o final de minha conversa com a aluna, relat anteriormente. Logo apés minhas explanagdes sobre o porgueé da discipline, 22h me desafiou com outta frase polémica: “Esté bem. Acho que seré interessante, mas continuo achando av hegécio de ciéncia nfo é para mim, afinal de contas, nunca a espeito, munca vi nada de cientifico, Para mim é coisa de mal" Svental branco, cabelos espantados, pensando como dominar 0™ Digitalizado com CamScanner Luiz Femando de Lara Campos a Mais uma vez, a questio estava colocada e a aluna, como boa parte dos estudantes, nunca ay mas, a0 contrario do que ela afirmava na por formagio cientifica, pois, qui estd a resposta: a iprendeu a produzir ciéncia, rtunidade, ela tinha uma boa afinal, 0 que é ensinado no sistema educacional? Grande parte ¢ justamente 0 conhecimento cientifico. Utilizando um velho jargtio comercial de uma conhecida marca de chinelos: “Nao aceite imitagao, Exija ciéncia”, Este livro propée-se a ensinar o que deveria ser Primeiramente ensi- nado: como compreender ¢ fazer ciéncia, mas com énfase ao campo da Psicologia que, como todas as demais sireas de conhecimento cientifico, possui alguns aspectos particulares. 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