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Faculdade de Letras da UFMG - Fundamentos de Linguistica Comparada - Apostila ALEXIA TELES DUCHOWNY ET AL. APOSTILA: FUNDAMENTOS DE LINGUISTICA COMPARADA PRESENCIAL Texto 1: © que lnguistica comparada?p.2 Guin de leitura p. 11 Texto 2: Arqueologiasp. 12 Guia de letra p21 Texto 3: © método histérico-compartiv p. 22 Guia de leitura p.39 Texto 4 A reconstrugio do indoeuropeu p.40 - Guia de eitura p65 Texto 5:0 que ¢ uma lingua p. 66 Guia de leiturap.92 Texto 6 As linguas do mundo p. 93 Guia de leiturap.113 e Texto7; Sistemas de eseriap. 115 Guin de leitura p. 124 Texto 8 As linguas indo-europeiasp. 125 Guia de eiturap.140 Texto % As linguas da Africa p. 42 Guia de leitura p.163 Texto 10: As inguas indigenas brasileira p. 164 Guin de leitua p.182 Bbliografia p. 183 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Faculdade de Letras Belo Horizonte ~ janeiro/2015 Faculdade de Letras da UFMG-- Fundamentos de Linguistica Comparada - Apostila TEXTO1 O QUE E LINGUISTICA COMPARADA? Jacyntho Lins Brando Houve uma vez que os estudantes de Letras da UFMG mandaram confeccionar camisas com os dizeres: THE BOOK IS ON THE TABLE LE LIVRE EST SUR LA TABLE EL LIBRO ESTA SOBRE LA MESA DAS BUCH IST AUF DEM TISCH TO BIBAION EETIN EI THI TPATEZHI IL LIBRO E SULLA TAVOLA LIBER SUPER MENSAM EST OLIVRO ESTA SOBRE A MESA ‘Como vocé vé, uma brincadeira divertida com uma das frases que mais costumava aparecer em livros tradicionais para ensino de linguas estrangeiras, sobretudo o inglés. As ito Iinguas faziam parte do rol das habilitagdes ofertadas na Faculdade de Letras, envolvendo, além das modernas, duas antigas (0 latim e o grego classico) e dois alfabetos diferentes (0 grego eo latino). No caso do grego, a translitera¢ao para 0 alfabeto latino é: TO BIBLION ESTIN EPI TEI TRAPEZEL* Mas mesmo com essa diversidade, nao era dificil entender que as frases correspondiam ‘umas as outras praticamente palavra por palavra. Antes de tudo, porque todas sio linguas de uma mesma familia, a indo-europeia, representada na relagio por trés de suas dez ramificagBes: 0 italico (com o latim e as quatro Iinguas dele procedentes: francés, espanhol, A duragio das vogais, quando for importante marcé-la, serd indicada assim: (a) vogais longas: 8/&/i/6/a (0 trago horizontal sobre elas se chama macro); (b) vogais breve: &/@//6/i (o simbolo sobre elas se chama braquia). Faculdade de Lewras da UFMG - Fundamentos de Linguistica Comparada - Apostiia italiano e portugués, chamadas de linguas romanicas); 0 germanico (com o inglés e o alemao); eo grego. Na simples comparagio, considerando a ordem das palavras e sua semelhanca, nao serd dificil que vocé descubra a correspondéncia entre as mesmas. Experimente: QUADRO1 Ollivro esta sobre a mesa Portugués] 0 Toro est sobre a mesa Inglés Francés Espanhol Alemao Grego Haliano Latim Vocé deve ter encontrado dois problemas: 1. Com relacdo ao italiano, sulla constitui uma contragio da preposicao su e do artigo la (do mesmo modo que, em portugués, temos da B. A orem da procedéncia segue sempre a direcio indicada pela seta. Faculdade de Letras da UPMG - Fundamentos de Linguistica Comparada - Apastila escreva os termos latinos na ordem dos demais, deixando em branco os espacos em que as outras linguas apresentam artigos. Agora observe na segunda coluna as palavras que designam ‘livro’. Nao seré dificil constatar que elas se distribuem em trés conjuntos, considerando-se sua semelhanca: 0 primeiro, com cinco termos; 0 segundo, com dois; ¢ o terceiro, com apenas um. Organize-os: QUADRO2 Palavras para ‘livro! lioro Repare que essa distribuigao corresponde exatamente as familias linguisticas referidas antes: 1. latim e as linguas romanicas; 2. linguas germanicas; 3. grego. As semelhangas, portanto, nao sao fortuitas, mas decorrem do fato de que: {@) O portugués, o francés, 0 espanhol e 0 italiano originaram-se do latim; (b) O inglés e 0 alemao tém uma origem comum; (©) O grego constitui um grupo isolado dentre as‘demais linguas indo-europeias. Mesmo que nos trés grupos as palavras para designar ‘livro’ sejam diferentes, tém elas em comum o fato de que, na origem, nomeavam o material sobre o qual se escrevia: 1. O termo grego biblion deriva de byblos, ‘papiro', a planta natural do Egito com a qual se produzia a folha (em grego Kiirta) em que se escrevia e com as quais se produziam os livros. O plural biblia passou para as linguas modernas como nome do conjunto de livros sagrados de judeus e cristaos, a Biblia. 2. Para book e Buch? reconstitui-se, no germénico, a palavra *boks‘, relacionada com “baka, 'faia’, porque os povos germanicos usavam cascas dessa Arvore para escrever. De *baks provém os termos do inglés antigo bac (donde, por sua vez, procede book), alemao Buch, holandés bock, sueco bok etc, todos significando ‘livro’. 3. A palavra latina liber significa originalmente ‘casca’, a ‘entrecasca’ em que se escrevia antes da adocéo do papiro, pasando a nomear, em seguida, o proprio livro. Os termos das linguas romanicas procedem do acusativo de liber, ou seja, Em alemio, todos os substantivos se escrevem com inicial maitiscula: Buch, Tisch ete. + As palavras marcadas com um asterisco ndo si0 documentadas, mas reconstituidas, pelo método comparative, Isso se faz.sistematicamente nos estudos de linguistica hist6rico-comparativa, Faculdade de Letras da UFMG - Fundamentos de Linguistica Comparada - Apostila librum, 0 qual da origem a libro, em italiano e espanhol, lioro, em portugués, e livre, em francés? Examine agora a tiltima coluna do nosso quadro, agrupando os termos de acordo com sua semelhanga. Vocé encontrar quatro tipos, numa distribuicao diferente da anterior: QUADROS Palavras para ‘mesa’ mensam table Tisch trapeze Fiea claro que as palavras do espanhol e do portugués, mesa, provém do latim mensa. Entretanto, também as palavras da segunda coluna tém uma origem latina: tabilla significa ‘tabua’, ‘tabuleiro’, estando na origem do italiano favola e do francés table (0 Portugués tem, da mesma origem, 0 termo fébua, assim como o espanhol, tabla; recorde-se ainda que févola, com o significado de ‘mesa’, existe também em portugués, embora seja um arcaismo, fossilizado, por exemplo, na referéncia ao Rei Artur e “os cavaleiros da tévola redonda”). O ingles table procede do francés, por empréstimo, como acontece com grande parte do vocabulario daquela lingua, em consequéncia do dominio normando, iniciado em 1066, sobre as Tihas Britanicas © caso do alemao também se deve a um longo proceso de empréstimos: (a) 0 termo original é 0 grego diskos, ‘disco, objeto circular’, ‘disco de arremesso’ (como continua a ser usado nos jogos olimpicos); (b) © latim discus, ‘prato’, ‘travessa redonda’, constitui um empréstimo da palavra grega citada; (c) 0 germanico tomou emprestado o termo latino, “diskuldiskuz, significando ‘prato’, ‘travessa’, ‘tébua de comida’, ‘bandeja’, ‘mesa’, donde provém a palavra do antigo-alto-alemao tisk/tisc, ‘mesa’, ‘prato’, ‘travessa’, ‘tripode’, “bandeja’, origem do termo do médio-alto-alemao tisch, ‘mesa’, ‘mesa onde se come’ e do alemao Tisch, ‘mesa’. E curioso que em alemo existe também uma outra palavra para ‘mesa’, “tdbua’: Tafel, que procede do médio-alto-alemao tavele/tabele, por sua vez proveniente do antigo-alto-alemao tavala/tabale, empréstimo do latim tabitla. Veja como esses fatos linguisticos sugerem que os germanos nao possuiam uma palavra para ‘mesa’ e parecem ter tomado dos romanos tanto 0 objeto, quanto sua denominacao. ® Acusativo é a forma que a palavra assume quando se encontra na funcio de objeto ou regida por certas preposicdes. A forma da palavra quando esté na fungio de sujeito se chama nominativo: liber (nominativoyiibrum (acusativo); mensa (nominativo}/mensam (acusativo). Faculdade de Letras da UFMG - Fundamentos de Linguistica Comparada - Apostila Enfim, 0 grego irdpeza é uma abreviacdo de tetrapéza, isto 6 ‘de quatro pés’, 0 que remete para a forma da mesa. Nao continuaremos a explorar a origem dos demais termos de nossas oito frases, aos quais teremos oportunidade de voltar nas ligdes seguintes. Uma vez. que lidamos apenas com Iinguas indo-europeias, tudo que fizemos até aqui teve uma perspectiva histérica. Esse sera um dos vetores de nosso curso, o qual abordaremos na primeira metade, ao tratarmos dos primérdios da linguistica comparada — que se deu com o estudo da familia indo-europeia ~e das diferentes familias linguisticas do mundo. Outro método de comparagéo das linguas, que gera uma classificagio diferente da genética, ¢ o da linguistica tipolégica ou tipologia linguistica. Este serd o assunto da segunda metade do nosso curso, quando ndo mais nos interessardo as relagdes entre Iinguas de uma mesma familia, mas os tracos gramaticais que sejam comuns a certas linguas. Para adiantar essa forma de tratamento, continuando a utilizar a nossa frase padrao, nas suas oito versdes, observaremos agora trés aspectos: (a) 0 uso de artigos; (b) a flexdo nominal; (c) 0 uso de preposigées. Vocé jé observou que o latim nao possui artigo definido, tanto que deixou em branco os espacos do quadro 1 ocupados pelos artigos das demais linguas. Agora observe que esses artigos, nas linguas que os possuem, tém uma ou mais formas, como se mostra no quadro seguinte: QUADRO4 Linguas sem artigo/linguas com artigo definido Lingua sem artigo Linguas que possuem artigo definido definido Forma tinica 2 formas 3 formas (masculino/feminino) | (mase,/fem_/neutro) Latim Inglés: the Portugués: ofa | Aledo: der/dieldas Espanhol: el/la Grego: ho/heits Italiano: il/la Francés: le/la Ora, 0 artigo definido ¢ um termo gramatical, ou seja, que nao tem significado lexical (como tém livro e mesa), mas a fungao de indicar que aquilo de que se fala é conhecido (0 que Faculdade de Letras da UFMG - Fundamentos de Linguistica Comparada - Aposiila se representa como “[+] determinado”)‘, © fato de o inglés ter apenas uma forma para 0 artigo definido nao interfere nessa fungdo. A tnica diferenca com o portugués, o espanhol, 0 italiano, o francés, 0 alemao e o grego é que, nestas linguas, o artigo concorda em género com a palavra que determina, Agora preste atengio: o latim esté bem acompanhado, jé que uma grande parte das linguas do mundo nao apresenta artigos - ¢ mesmo uma boa parte das linguas indo- europeias, como as eslavas e indo-iranianas. Assim, ‘o livro esta sobre a mesa’ se diz, em russo: KHMTA HA CTOAE. Veja como encontramos mais um alfabeto, o cirilico, usado pelo russo e por outras linguas eslavas. A frase acima, transliterada para 0 alfabeto latino, Ié-se assim: KNIGA NA STOLIE livro sobre mesa O livro esta sobre a mesa. Para tomarmos mais um exemplo, de uma lingua ndo indo-europeia, vejamos como a mesma frase se diz em turco, da familia uralo-altaica (o turco utiliza o alfabeto latin KITAP) MASA UZERINDE livro mesa sobre O livro esta sobre a mesa. De fato, a determinacao efetivada pelo artigo definido caracteriza um tipo de linguas bastante restrito e de diferentes familias, como o basco (lingua isolada), o hebraico (lingua semitica), 0 hningaro (lingua uralo-altaica) etc. Por outro lado, nem todas as linguas de uma mesma familia possuem artigo definido, como no caso do latim. Agora observe como, no tiltimo exemplo, néo se usa uma preposicio, mas uma posposico — iizerinde, ‘sobre, em cima de’. Mas nem sempre preposigées ou posposigdes so necessérias, pois hé linguas em que a palavra recebe uma terminagdo que jé expressa diferentes categorias gramaticais, como sujeito, objeto, adjuntos e complementos adverbiais e adnominais ~ e assim por diante. Isso é o que se chama de sistema de casos. No hingaro, por exemplo, uma palavra pode receber até dezoito terminagées para expressar que est na «Nos exemplos, a presenca de artigo determinado, independentemente de sua forma, seré indicada pela sigla DET. Faculdade de Letras da UFMG - Fundamentos de Linguistica Comparada - Apostila fangio de sujeito (caso nominativo), objeto direto (acusativo), beneficiério da aco (dativo), adjunto ou complemento circunstancial indicando ‘lugar onde’ (inessivo), ‘lugar para onde’ {alativo), ‘lugar de onde’ (ablativo) etc. Na nossa frase padrao, como se trata de dizer que “o livro esté sobre a mesa”, a palavra que, em hiingaro, significa ‘mesa’, asztal, receberd a terminacdo do caso supressivo (que indica ‘lugar sobre’), assumindo entio a forma asztal-on, ‘sobre a mesa’: A KONYV AZ = ASZTALON VAN DET livro DET mesaSUP’ —estd. CO livro esta sobre a mesa. Como asztalon ja si ca ‘sobre mesa’, estando determinado pelo artigo az — 0 que faz com que az asztalon signifique ‘sobre a mesa’ - nfo ha necessidade de acrescentar uma preposicao para indicar ‘sobre’, como nos demais exemplos que vimos até agora. Agora preste atencSo: nas linguas indo-europeias que vimos, as romanicas portugués, espanhol, francés e italiano ~ nao conhecem flexao de caso e o inglés marca apenas © genitivo, que expressa 0 possuidor,; jé o grego, o latim, 0 aleméo e 0 russo, sim, como se pode constatar abaixo: Latim Liber super mensa est. livroNOM sobre — mesa-AC__—estd. Russo Kniga na stolie. livroNOM sobre mesa-PREP Grego To biblion epi ti trapézéi esti. DET-NOM livro-NOM sobre DET-DAT mesa-DAT esta. 7 Aos poutos voct se acostumaré com as siglas que utilizaremos: SUP = supressvo. *O artigo determinado do hiingaro apresenta apenas uma forma (como acontece em inglés): 4; se, contudo, ele ‘corre antes de palavras comecadas com vogal, aparece como az. Repare no nosso exemple: keno, ‘0 liv; az scl, ‘a mesa’ Faculdade de Letras da UFMG - Fundamentos de Linguistica Comparada - Apostila Alemao Das Buch ist auf dem Tisch, DET-NOM livros est._— sobre. = DET-DAT_ mesa. Observe: (@) O latim e 0 russo declinam cada um dos substantivos: ‘livro’, por ser sujeito das oragies, encontra-se no nominativo (que indicamos com a sigla NOM); ‘mesa’, como complemento circunstancial de lugar, construido com as preposicées que significam ‘sobre’, apresenta-se, em latim, no acusativo (AC), que nesta lingua inclui o sentido de locativo (‘lugar onde’), e, em russo, no prepositivo (PREP), que tem também a fungao de expressar 0 locativo. (b) O grego dectina tanto os artigos quanto os substantivos, sendo que o locativo se inclui no caso dativo (DAT). (© © alemao declina apenas os. artigos, permanecendo os substantivos sem modificagao — também nesta lingua 0 dativo (DAT) expressa 0 locativo. © mais importante, contudo, é perceber como existe, nas quatro linguas, uma sobrecarga de marcas. Ainda que haja declinagao dos nomes e/ou dos artigos, usam-se também preposi¢des. Uma azo para isso é que, nelas, os casos nao sao to especificos quanto no hiingaro, em que a terminacdo -on indica apenas ‘lugar sobre onde’, havendo outros casos para o ‘lugar onde’, ‘lugar para onde’ etc. De fato, em grego e alemao, o dativo serve tanto para indicar ‘lugar onde’, quanto 0 objeto indireto, dentre outras fungSes, 0 mesmo actimulo de fungdes variadas acontecendo com 0 acusativo latino e com o prepositivo do russo. E por isso que as Preposigdes se tornam indispensaveis e séo elas que terminam por reger o caso dos nomes com 08 quais constituem sintagmas. De um certo modo, essa sobrecarga (preposi¢ao + declinacao) tende a fazer com que a declinagao de artigos e nomes termine por desaparecer em muitas linguas, como ocorreu com as roménicas, que procedem do latim, e também com o inglés, que conservou, do germanico, apenas um caso, 0 genitivo, para indicar o possuidor (Rose's book, ‘livro da Rose’) Ultima observacao: vocé deve ter reparado quantas vezes o imperativo “observe” foi repetido no que vocé acabou de ler. E que comparar exige isso: treinar a capacidade de observar, para perceber as semelhangas e diferengas. Como nosso tema é a comparacéo Faculdade de Letras da UPMG - Fundamenios de Linguistica Comparada - Apostila linguistica, entao nosso principal objetivo é desenvolver em vocé essa capacidade de observar © que acontece nas linguas. Uma atitude muito importante para que se torne capaz de observar também 0 que acontece na nossa prépria lingua, o portugués. os textos seguintes, vocé tomar contato com muitas informagdes novas e aprenderd mas tantas categorias linguisticas. E evidente que nao se espera que vocé aprenda as tantas linguas a que se fard referéncia, mas sim - 0 que é o mais importante - que tome as linguas e a linguistica como objeto de conhecimento e de reflexdo. Afinal, o homem é um animal que fala, logo, as linguas sio um dos tragos mais preciosos da condi¢go humana Ponto para voot que escolheu estudar Letras! 10 Faculdade de Lerras da UPMG - Fundamenios de Linguistica Comparada - Apostla Guia de Leitura Texto 1: O que é Linguistica Comparada? (1) Por que é possivel identificar tantas semelhancas entre as frases escritas nos sete idiomas? Q) Identifique os trés grupos linguisticos em que o quadro pode ser dividido. (3) Qual a origem do termo grego biblion? (4) Qual a origem dos termos book e Buch? (5) E da palavra latina liber? (© Explique, resumidamente, a série de empréstimos que culminou no termo alemao referente 4 mesa. (7) Além do método histérico-comparativo, qual 0 outro critério utilizado para classificar as linguas em grupos de semelhanca? (8) Em quais linguas, elencadas no quadro, 0 artigo concorda em género com a palavra que determina? (9) Cite quatro linguas indo-europeias em que se observa a marcacio de caso. (10) Por que existe uma sobrecarga de marcas nestas Iinguas? Explique. W Faculdade de Letras da UFMG - Fundamentos de Linguistica Comparada - Apostila TEXTO 2 ARQUEOLOGIAS Jacyntho Lins Brando Tanto a diferenca quanto a semelhanca entre as linguas intrigou desde eras muito antigas a humanidade. E bastante conhecido o episédio da Torre de Babel, através do qual 0 narrador da Torah’, que escreve por volta do século VI a.C,, busca dar uma explicacdo para a diversidade linguistica, nestes termos: Todo mundo se servia de uma mesma lingua e das mesmas palavras. Como os homens cemigrassem para o oriente, encontraram um vale na terra de Senaar e af se estabeloceram. Disseram um 0 outro: Vamos! Facamos tijolos e cozamo-los ao fogo! O tijolo thes serviu de pedza e o betume de argamassa. Disseram: Vamos! Construamos uma cdade ¢ uma torre cujo dpice penetre nos oéus. Fagamo-nos um nome e nao sejamos dispersois sobre a terra! ra, Iahweh desceu para ver a cidade e a torre que os homens tinham constriido. E Tahweh disse: Fis que todos constituem um 6 povo e falam uma s6 lingua. Isso é 0 comego de suas iniciativas! Agora, nenhum designio serd irrealizével para eles. Vantos! Desgamos ¢ confundamos (nablai) a sua linguagem para que nao mais se entendam uns aos outros. lahweh os dispersou dali por toda a face da terra, e eles cessaram de construir a cidade. Deu-se-lhe por isso 0 nome de Babel, pois foi lé que Tahweh confundi (bald) a linguagem de todos os habitantes da terra e foi ld que ele os dispersou sobre toda a face da terra. (Génesis, 11, 1-9. Tradugio da Biblia de Jerusalém, com modificagées) ‘Além da maneira curiosa como a origem da diversidade é apresentada, nada mais que punicéo pela insoléncia dos homens, e ainda que a existéncia de linguas diferentes seja explicada por esse modo, supde-se que a diversificacdo aconteceu de chofre, transformando uma situacio primitiva quando toda a humanidade falava uma tinica lingua, ou, nas palavras do Rabi Shlomé Yitzkhaki (Rashi, 1040-1105), quando possuia “o bem de ser um s6 povo com uma sé lingua”, Nao se esclarece, contudo, qual seria essa lingua original nem ha qualquer trago de que pudesse ser a origem das demais. O que se deseja enfatizar & como a providéncia tomada por Yahweh, confundindo a linguagem humana, teve o efeito esperado de imediato, ou seja, cessar a construgio da torre. Conforme comenta Rashi, na confusio que se instala de * Torah & 0 nome original que se dé aos cinco primeiros livros da Biblia judaic, chamados, em grego, Pentateweo. O livro da Torah que, também a partir do grego, conhecemos como Génesis, se chama, em hebraico, Bereshit, ou seja, No principio, No Oriente Médio, a partir da prética corrente na Mesopotamia desde o segundo milénio a.C., era costume que as obras recebessem como titulo as palavras com que comecavam. No caso do Génesis: “No principio criou Deus 0 céue a terra.” 12 Faculdade de Letras da UFMG - Fundamentos de Linguistica Comparada - Apostila imediato, “um pede um tijolo ¢ outro Ihe traz.argila; o primeiro entao se enfurece e quebra a cabeca do outro” (YITZJAK, El Pentateuco, p. 43-44). Quase um século apés o relato da Torah, encontramos em Herddoto (sé. V a.C.) a descrigao da pesquisa levada a cabo por Psamético, farad do Egito entre 664 € 610 a.C,, 0 qual desejava descobrir que lingua e, em consequéncia, que povo seriam os mais antigos do mundo: Os egipcios, antes que Psamético os govemasse,julgavam que eram anteriores (prétoi) a todos os povos. Uma vez que Psamético, quando comecou a reinar, quis saber quem seriam 0s primeiros, Aisseram-the que se pensava que 0s frigios eram anteriores a eles, egipcios, e eles priprios aos demais povos. Psamético, como nao conhecia nenhum meio de descobrir quais seriam os primeiros homens, elaborou este: deu duas criangas recém-nascidas de pessoas de baixa condigéo a um pastor, para que as alimentasse entre 0s rebanhos, com o alimento ali usado, ordenando que ninguém, diante delas, emitisse qualquer som (phonén); ele devia deixé-las numa cabana solitéria e, nos momentos apropriados, levar cabras até elas, dando-thes leite - ¢ observar 0 que aconteceria, Psamético fez € levou ao cabo isso por querer ouvir das criangas, quando abandonassem os inarticulados gritos sem significado (asémon), qual a Primeira palavra (ponén préten) que se poriam a falar. Completados dois anos, ao pastor que cumpria sua tarefa, quando abria a porta e entrava, ambas as criancas, arrastando-se em sua direcio, diziam (phéneon) “bek6s", estendendo as maos. De inicio, ouvindo isso, ele ficou quieto, mas, como muitas vezes, quando entrava e prestava atencao, essa era a palavra (é70s), contou-o ao rei. Por ordem deste, conduziu as criangas & sua presenca. Tendo-o ouvido 0 proprio Psamético, informou-se sobre quais dentre homens chamavam algo de “bekés". Pesquisando, descobriu (hetriske) que os frigios assim chamavam 0 pio. Desse modo, os egipcios aquiesceram, concluindo dessa experiéncia que os frigios eram mais velhos (prestytérous) que eles. Henddoto, Historias 2, 2. Traduglo de Brito Broca, com modificagoes) Ressalte-se que esse interesse em saber qual seria a lingua primitiva da humanidade nao é inocente. Nesse tipo de pensamento, que podemos chamar de arqueolégico, ha trés perspectivas culturais entrelacadas. Num sentido amplo e etimolégico, arqueologia, palavra composta com os termos gregos arklié e Idgos, constitui um discurso (légos) sobre 0 principio (arkhé). Ora, arkhé cobre trés esferas de significado: (a) a origem no tempo, um comeco (como ‘em arqueolitico); (b) 0 ponto de partida de onde outras coisas procedem (como em arquétipo); (©) 0 poder (como em arconte, monarquia, oligarquia etc.). Perguntar, portanto, sobre a origem das linguas envolve os trés campos: (a) qual a lingua mais antiga? (b) qual a lingua donde as demais procedem? (c) qual a lingua, que por ser o principio das demais, exerce sobre elas seu poder e confere poder a quem a conhece? Assim, escolher uma lingua qualquer como a original implica atribuir-the primazia, em termos de precedéncia, procedéncia e poder, supondo-se que aqueles que a falam sejam 0 povo mais antigo ou descendam diretamente dele, bem como so os detentores da linguagem natural, portanto mais perieita, de que todas as demais nao séo mais que devedoras. Que o assunto manteve seu interesse comprova o fato de que, mais de dois milénios depois, Frederico Il, rei do Reino das duas Sicilias e imperador do Sacro Império Romano- Germanico, repetiu, mais de uma vez, a experiéncia de Psamético, com desfechos fatais: B

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