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Marcus Lira Brandao Frederico Guilherme Graeff HW een ely ei EWE Ronee EL A-Ciboci @ a Arta do Ler Artigos Ciontiicat - Braulio Luna Filhe AMedicina da Pastas §* ed. - Perestralla A.Nacureza.do Amor - Bonatella A Neurologa que Toda Médico Dave Saber 2! ed. ~ Nitrini Adoocer: At Interasées do Dounte-com sua Deenga 2! ed. ~ Quayle Adolesciincia... Quancas Dibvidas! ~ Fisberg © Medeiros Ac Lombrangas quo nao se Japagam — Wilson Lutz Sanvico. Autizme Infanti: Novas Tendéncias ¢ Perspectivas ~ Assumpeao Junior Chaves/Resumo dar Obras Completas (Organizacio Edieorial: National ‘Clearinghoure for Mental Health Information) ~ Jung Colecio Psicologia do Esparte e do Exercicia ~ Maria Regina Ferreira Brandio ¢ Alonso Antonio Machado Mol, | Teoria Priticn Wal. 2 - Aspectas Paicolégicos do Rendimente Esportiva ol. 3 Futebol, Pricolog'a e Praducio do Conhecimenta Vol. 4 © Trainador @ a Paicologiato Exports Vol. § ~O Valeibol o a Psicologia do Esporve Coluna; Ponte 0 Viegula # ed, — Goldenberg Crisne Files Viroriozas - Quando @ come Promover a Raiténcia ~ Grunspun Cuidadas Palativos — Diretrizes, Humanizagie © Alivio de Sintornas — Franklia Santana, Cuidados Palatives - Discutinde a Vida, a Marte ¢ o Morrer ~ Franklin ‘Saneana Santor Cuidando de Criancas e Adolescentes sob o Glhar da Etica e da Bioética = Constantino: Delirium — Franktin Santana Doméncias: Abordagem Muligiscipfinar ~Leenarde Caiiceta jependitncia de Drogas 2 ed. - Sergio Dario Seibel Depresac-© Cogniqia - Che! Tung Teng. Depressio em Medicina Interna © em Qutras Candicées Médicas ~ Depressoes Securctiris ~ Figueird @ Bertuol Diciondria Pidica llustrade Inglés Portugués — Alves Dilemas Modernos - Drogas ~ Fernanda Moreira Dinimica de Grupo - Domingues Distirblos Neuréticos da Crianga 5° ed. ~Grunspun Doenca da Alzheimer ~ Forlenza Dor — Manual para 6 Ciinice — Jacobsen Toixaira, Dor Crénica~ Diagnéstice, Pezquisa ¢ Tratamento — Ivan Lemos Dior e Saicie Meneal ~ Figueiré: Epidemictosia 2! ed. - Medrenho Esquizolrena— Bressan Ginecologia Paicossomitica ~"Tedtesco 0 Falsal Guia de Contultéria - Atendiments « Administragie —Carvathe Argola Guia para Famila- Culdando daPessoa cam Prablemas - Andreoli e Taub Hipnove- Aspector Anais ~ Moraes Passos Hipnose na Prética Clinica 23. Ed. ~ Marius Hipnoterapia no Alcalismo, Obesidade e Tabagismo — Marless Vinicius ‘Costa Ferroira Introdugsa 4 Psicastomstiea — Maria Rosa Spinelli Outros Livros de Interesse Incrodugio & Psiquiauta - Teste Especiaimento Escrito para 6 Estudante ‘das Ciincias da Sade —Spoeer Manual: Rotieas de Humanizagio em Medicina Intensiva 2* ed = AMIB . Raquel Pusch ce Souza Medicina wm Olhar para ¢ Future ~ Pretésio dia bie Norn 36 de Ciincia se Faz a Cura Zed, ~ Protisio da Lux © Coragio Senve, 0 Corpo Bei - Como Reconhecer, Tratar ¢ Prevenie 3 Firomiaiga ~ Evelin Goldenberg © Cuidado do Emocional em Satide Sed. = fina Cristina de 53 © Desafio da Esquizotrenia 2 ed, — Itire Shirakawa, Ana Cristina Chaves ‘ie J Ma © Livro de Estimulo A Amamentagto ~ Uma iso Biolégica Faioldgien¢ Pricolégea-comporeamencal da Amamentsgse ~ Biesthe Lana © Micico, Seu Paciente-e a Doenga ~ Balint © que Woes Presisa Saber sobre o Sistema Unico de Saikle — APM-SUS. Panorama Atual de Drogas © Dependincias-~ Silveira More’ Politica Pibiieas de Sade Imeragio dos Atores Socinis - Lopes Puicefarmacalaga ~ Chet Tung Teng Psicologia do Desenvolvimento = Bo Lactente © da Crionga Pequena - ‘Bases Neuropsicalégiens e Comporeamentais - Gesell Amatruds Psicologia # Cardiaiogia - Ura Gesafio Que Bou Gerto - SOGESP — Ana Lucia Alves Fibelro Puicologi e Humantza¢io: Aesisténcia 208 Pacientes Graves ~ Knobel Psiquiatria Perinatal = Chei Tun Terat Psicologia na Fisioterapia ~ Fiorelli Poicopatclegea Geral 2 ed, (2 vols) — Jaspers Psicotsamétiea. Paicologia Médica, Palcandlise ~ Perestrella Psiquiatria e Sadde Mental - Conceitas Clinicos Terapéuticos Fundamentais ~ Portella Nunes: Psiquiatria Geupacional Dus Antero dle Camarge ¢ Dorgival Cactane Satie Mencat da Muther ~ Cordés Segredos de Muller - Cikiogas Entra umn Ginecalogista © um Psicaalisa Alexandre Falsal Cury Série da Pesquisa’ Prisica Cliniea- Volume Neurociénela Aplicada 3 Pritis ‘Clinica ~ Alberto Duarte Goose Bussato Série Fisiopatologia Clinica ~ Busateo ol. 4 - Fesiopatotogia dos Transtornos Paiquistricos Série Usanda a Cabega — Alvarez. © Tauls Wol. f= Meméria Senuaiads Humana - 750 Perguntas Respondidas por S00 Espocialstas — Lief Suagbes Paicosocinit— Assumpsio Svieidio: Uma Morte Evieival - Corréa (Perez Carréa) “Fanstonas Alimentares = Matacel Cunha ‘Tanszome Bipolar do Humor = José Alberto Del Porto “Fatade de Paiquiatra da Infines © da Adolescéneia — Assumpsio “Fatamento: Caodiuvante pela Hipnose — Marks (Um Giza paras Leitor de Amigos Cienificas na Area da Sato — Mareopico ‘Santos Neurobiologia dos Transtornos Mentais Organizadores Marcus Lira Brandao Professor Titular da Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciéncias e Letras de Ribeirao Preto, Universidade de Sao Paulo - FFCLAP, USP. Frederico Guilherme Graeff Professor Titular Aposentado da Universidade de Sao Paulo — USP EDITORA ATHENEU Sdo Pata — Rua Jesuino Pascoal, 30 Tel: (11) 2858-8750 Fax: (HH) 2858-8766 E-mail: athenew@atheneu.combr Rio de Janeire — Rue Bambine, 74 Feks (21)3094-1295 ‘ax: (21) 3094-1284 E-mail: athenew@athenen.combr Belo Horizonte — — Reut Domingos Vieira, 319 —conj. 1.104 CAPA: Paulo Verano PRODUCAO EDITORIAL: Resane Guedes EQUIPE TECNICA: Design grifico: Artur Fernandes Créditos das figuras de abertura dos capitulos: Maria Luiza Dat Cot Dados Internacionais de Catalogagao na Publicagio (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasi Neurobiologia dos transtornos mentais / organizadores Marcus Lira Brand Frederico Guilherme Graeff. -- Sto Paulo : Editora Athencu, 2014. Varios colaboradores Bibliografia ISBN 978-85-388-0482-6 1. Doem s do sistema nervoso 2. Doengas mentais 3. Neurobiologia I, Brandao, Marcus Lira, II, Graeff, Frederico Guilherme, CDD-616.89 1400535 NLM-WL 300 Indices para catalogo sistematic 1. Doengas mentais : Medicina 616.89 BRANDAO, M. L.; GRAEI G. Neurobialogia dos Transtornos Mentats © EDITORA ATHENEU Sao Paulo, Rio de Janeire, Belo Horizonte, 2014 ALCION SPONHOLZ-JUNIOR Mestre em Medicina (Saude Mental) pela Universidade de S80 Paulo~ USP ANGELA MARIA RIBEIRO Professora Associada do Departamento de Bioquimica-Imunologia da Universidade Federal de Minas Gerais ‘CLAUDIO DA CUNHA Professor Associado do Departamento da Farmacologia da Universidade Federal do Parana — UFPR CRISTINA MARTA DEL-BEN Professora Associada do Departamento de Neurolagia, Psiquiatria e Psicologia Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirdo Preto, Universidade de S40 Paulo - USP FERNANDO MACHADO VILHENA DIAS Professor Adjunto da Area de Psiquiatria da Universidade Federal de Ouro Preto, MG FRANCISCO SILVEIRA GUIMARAES Professor Titular do Departamento de Farmacologia da Faculdade de Meaicina de Ribeirdo Preto, Universidade de Sdo Paula — FMRP, USP JESUS LANDEIRA-FERNANDEZ Professor Titular do Departamento de Psicologia da Pontificia Universidade Catdlica do Rio de Janeiro - PUC-RU MANOEL JORGE NOBRE Pesquisador do Instituto de Neurociéncias e Comportamento - INeC MARIO FRANCISCO P. JURUENA Professor Assistente Doutor do Departamento de Neurociéncias ¢ Ciéncias do Comportamento da Faculdade de Medicina de Ribeirdo Preto, Universidade de So Paulo - FMAP, USP SAMIA REGIANE LOURENCO JOCA Professora Assistente Doutora do Departamento de Fisica e Quimica da Faculdade de Ciéneias Farmacéuticas de Ribeirao Preto, Universidade de Sao Paulo - FCFRP, USP SUELEN LUCIO BOSCHEN Pesquisadora do Departamento de Farmacologia da Universidade Federal do Parana — UFPR Oconhecimento cientifice iniciou-se pelo que ha. de mais distante dos seres humanos, os corpos celestes. Em sequida, valtou-se para os objetos inanimados de nosso planeta ©, em seguida, para os corpas dos seres vives, inclusive o humano. 86 recentemen- te passou a abordar a mente, antes dominio exclusivo da Teologia e da Filosofia. Por que isso ocorreu dessa forma? Seria por causa do temor de enfrentar os dagmas da fe estabelecida? Por causa da profunda resisténcia ao autoconhecimento, salientada pela Psicandlise? Ou devido ao fato de a porgéio evolucionariamente mais recente do nosso cérebro, 0 neocdrtex, responsavel pelas fungdes cognitivas, estar voltada para o mundo exterior, coma sugere o neurofisiologista Paul MacLean? Talvez, ainda, porque a expe- riéncia subjetiva nos d4 um conhecimento imediato da realidade interior, que ¢ satisfatorio para as exigéncias praticas do dia a dia, ao passo que os acontecimentos do mundo exterior pareciam, 20 homem primitive, misteriosos e intrigantes. Ndo sabemos ao certo De qualquer mado, vivemos atualmente uma fase impar da evolugio do conhecimen- to, na qual os dominios da mente e de seu drgao, o cérebro, estaa sendo intensamente investigacos pelo método cientifico. Uma conjugacao de diversos fatores tem contribuido para esse desenvolvimento, Lembramos, entre outros, os recentes avangos da Psicologia Cognitiva, das Ciéncias da Computacao e das Neurociéneias, levando ao surgimento de campos novos do conhecimento, como o das redes neurais, que tendem a abalar os alicerces do dualismo cartesiano, aproximando fendmenos mentais e cerebrais. Uma das grandes esperangas, alimentadas por esse avango do conhecimento, 6 a de que se amplie nossa compreensao a respeito das disfunodes psicolégicas €, conse- quentemente, surjam métodos mais cficazes para o tratamento dos doentes mentais. Ha muito tempo, a chamada “loucura" representa um grande desafio para a humanidade, mostranda, claramente, as limilagdes do conhecimento do senso comum sobre as fun- G0es psicoldgicas, Atualmente, a integracao dos conhecimentos recém-adquiridos pelas neurociéncias jA nos permite formular hipéteses estimulantes sobre © substrato neural da esquizofrenia, dos transtomos afetivos e da ansiedade, da dor crénica e dos déficits cognitives. Por outra lado, a preponderancia da tendéncia biolégica em psiquiatria, caracteristi- ca da era atual, desperta temores de que a especialidade possa tornar-se muito técnica € impessoal, perdendo suas caracteristicas humanisticas. De acordo com o filésofo & psiquiatra alemao Karl Jaspers, grande parte dessa controvérsia pode ser decorrente da confusao entre duas formas de conhecimento, expressas com precisdo pelos verbos erklaeren e verstehen, que podemos traduzir, respectivamente, por "explicar’ e "com- preender”. A compreenséo é imediata ¢ intuitiva, baseada na empatia que podemos sentir por outro ser humana, e até mesmo por certos animais. Permite a uma pessoa colocar-se no lugar de outra e entender 0 que aquela possa estar sentindo. Por isso esse conhecimento ¢ lamiém denominade compassivo. Sua natureza é estritamente pessoal, dependendo de qualidacies inatas, bem como da experiéncia de vida de cada um, sendo Vill PREFACIO ilicil de ser codificado em palavras, a nao ser sob a forma de metaforas ou pardbolas, relatadas num estilo denominado conotativo. Ja a explicagao tem como ponto de partida, a observagao desapaixonada do mundo exterior, complementada pela interpretagao racional e pela experimentacao. Culmina com 0 conhecimento objetivo alcangado pelas cigncias naturais. E, portanta, um conhecimento de natureza publica, podendo ser trans- mitido satisfatoriamente pela palavra escrita, em estilo denotativo, No atendimento de seus pacientes o psiquiatra precisa tanto de compreenséo quan- to de conhecimento objetivo. Sou sucesso como psicoterapeuta parece depender em maior grau da capacidade de comjreender o paciente como pessoa do que da técnica empregada. Ao mesme tempo, ele langa mao de conhecimentos acumulados por gera- gées de clinicos e pesquisadores que permitem fazer 0 diagndstico correto, presorever o tratamento adequado e prever, com razodvel seguranga, 0 prognéstico. ‘Os problemas surgem, no campo da teoria, quando se confunde uma forma de conhecimento com outra, ou se tenta eliminar uma delas, considerada dispensavel. Por exemplo, 0 conhecimento psicanalltico parece se referir mais & compresnsao que 4 explicagao. Os concsitos formulados pela Psicandlise originaram-se de experiéncias: interpessoais Unicas, e dificilmente podem converter-se em hipoteses verificaveis pelo método cientifico convencicnal. Assim, ao longo de sua historia, multiplicaram-se as. escolas psicanaliticas, cada qual apoiada no ponte de vista da figura dominante que a originou, sem que se vislumbre a possibilidade de um paradigma teérico unificador. O predominio da visao psicodinamica na Psiquiatria norte-americana, verificado apés 3 Segunda Guerra Mundial, levou-a a distanciar-se das outras especialidades médicas, ignorando as implicagées clinicas dos avangos que se verificavam nas Neurociéncias Por outro lado, o conhecimento psicanalitico aumentou nossa capacidade de compreen- der estados emacionais e de desvendar motivagdes obscuras da conduta humana, bem como destacou a imporlancia da interag&o paciente-terapeuta; sem mencionar que, fora do campo resiritamente psiquidtrico, a Psicandlise exerceu influéncia cultural maior do que qualquer outra orientagao em Psicologia. A contrapartida veritica-se, atualmente, com a Psiquiatria Biolégica. Alias, tal deno- Mminagao ¢ redundante, pois sence ‘iatria’, portanto disciplina médica, a Psiquiatria nao pode deixar de se basear na Biolagia. Porém, esse novo rétulo serve para diferengar essa corrente da Neuropsiquiatria tradicional, que também procura estabelecer as bases neu- rais das doengas meniais. Porém, enquanto esta ultima se fundamenta principalmente na Neuroanatomia € na Neurofisiologia, a Psiquiatria Biologica nasceu como consequéncia do acentuada desenvolvimento da farmacoterapia, ocorrido principalmente nos anos. 1950 & 1960, Em decorréncia, basela-se, sobretucio na Neuroquimica, buscando nos mecanismos da neurotransmissao as raizes de transtornos funcionais nao identificadas: pela Patologia classica. Assim, procura fugir as criticas formuladas pelos psiquiatras de orientagao dinamica 4 chamada Psiquiatria Organicista, que floresceu na primeira metade do século XX. Nas tllimas décadas desse século, e continuando no século XXI, verificou-se 0 impacto da Genetica Molecular, de um lado, e da Neuroimagem, de outro, que estao delimitando a fronteira da Psiquiatria Biolégica Coma predominancia da orientagao biolégica, a Psiquiatria voltou a ocupar um lugar definico entre as disciplinas médicas, bem como ganhou respeitabilidace cientifica. Nao. iremos discorrer sobre a importancia desse desenvolvimento, razda de ser deste livro. Mas ndo devemos ignorar os riscos que 0 exagero dessa tendéncia pode acarretar. O maior deles 6 0 de reduzir fungGes psicolégicas a meros mecanismos neuroquimicas, despidos de significado intimo para a pessoa que as vivencia. Seria a substitui¢do da Psiquiatria “descerebrada" pela Psiquiatria “desalmada™. E necessario, pois, buscar o Peco I ecuilrio, A flosola chinesa radcionlafimea que a polaidad¢ um atbuto inttngeco daredlidads, Ou seria uma necassidadle co espito bumanoao tentarcompreender essa reeidade, como afimouofldsofo Georg Hegel? De todo modo, ensira que a soluedo da ceriadiydo est na harmon -no Tao qu caminho do meio - endo naeirinagdo de um laco pelo cutto, Fodernos elcangar a harmonia pela sebedoria,fulo da compreensdo, mas que pela sapiénca, Eepera-se, porlanio, ue a Psiquaa do futuro oossa aumenta nossa capacidade de explicar as dosnicas menials, sem prejudica a comipreensdo pessoa doente (objetivo deste no ¢ roporcionar cenecimento sobre a Neuobialogia das doen: aS mertais 20 leor brasleto, com um lest escrio em Inquagem acesshel a0 ndo esgeciasa. Quadros com textos complementares esto Inserids em associaggo com 0s Ldpicos mets relevantes de cada capulo, Os autores das derenes cagtiuos vém contbuindo para o avango dos respectvos temas, po melo de pesquisas orginal pus blcadas em revises centicas de ciroulegéo intemaclonal, odendo assim rani uma vvenca, ce primeira mao, sobre 0s assunios abordados, aS = FG. Greet ML, Brandlio 10 Transtornos dos Nicleos da Base, 1 Claudio da Cunha Suelen Lucio Boschen Esquizofrenia, 31 Marcus Lira Brandao Transtorno do Déficit de Atencao e Hiperatividade, 73 Marcus Lira Brandéo Transtornos do Humor, 97 Francisco Silveira Guimaraes ‘S4mia Regiane Lourengo Joca Mario Francisco P. Juruena Transtornos de Ansiedade, 131 Frederico Guilherme Graeff Dores Crénicas, 165 Marcus Lira Brandao Abuso de Drogas, Manoel Jorge Nobre Marcus Lira Brandao Disfungées Mneménicas, 211 Jesus Landeira-Fernandez Marcus Lira Brando Transtorno de Personalidade Antissocial, 233 Cristina Marta Del-Ben Alcion Sponholz-Junior Deméncias, 251 Angela Maria Ribeiro Fernando Machaoo Vilhena Dias indice, 271 TRANSTORNOS DOS NUCLEOS DA BASE CaO en ys @ _NEUROBIOLOGIA DOS TRANSTORNOS MENTAIS Introdugao Para sobreviver os seres vives alteram continuamente seu meio interno de forma a se adaptar As constantes mudangas do meio extemo, um processo conhecide como ho- meostase. Para tanto, os organismos unicelulares organizaram sofisticadas vias bioqui- micas que respandem rapidamente as mudancas fisicas e quimicas de seu meio. Outra estratégia de sobrevivéncia consiste em mudar 0 meio externo a seu favor alterando, por exemplo, sua composigéo quimica. O desenvolvimento de proteinas contrdtels permitiu também que eles se deslocassem para ambientes mais favoraveis, aproximando-se de oportunidades de alimentagao, reprodugéo e fugindo ou se esquivanda de situacées de perigo. Nos animais pluricetulares a evolugaio sequiu dois caminhos: 1) a clelimitagéio de um ambiente interno com condigées mais favoraveis para a sobrevivéncia das células do arganismo: € 2) 0 desenvolvimento de musculos que permitam a mobilidade do animal ou a manipulagao de objelos no ambiente externa. ‘C aumento da complexidade dos vertebrados demandou o surgimento de sistemas para orquestrar 0 funcionamento dos diversos tecidos e orgaos. O sislema neuroenddcri- no se especializou no cantrole do meio interna, ao passo que 0 sistema neurovegetativo, nas respostas viscerais que levam a alteragGes adaptativas do meio interno em resposta a variagdes no meio externa. Ja os sistemas sensoriais e motores, nas respostas de aproximagao, fuga, esquiva ¢ manipulagao de objets do mundo externo. A integragao entre os sistemas sensoriais e motores surgiu nos animais primitivos com os circuitos de arcorreflexo integrados por intemeurénios e, no curso da evolugao dos vertebradas, resultou nos complexos sistemas de processamento que permite res- postas matoras e neurovegetativas a eventos atuais, levando em conta as consequéncias destas resposias no passado. Tal facanha depende do armazenamento de informagées. sobre eventos passados e da escola da ago apropriada para demandas especificas. Nos primatas, a evolugao do sistema nervoso, em especial do cértex pré-frontal, culminou no surgimento da consciéncia, a faculdade mental que nos permite criar uma. representagéo neural da nossa relagao com o mundo extemo presente, passado e futu- ro. Esse grau de complexidade nos permite considerar as consequéncias de diferentes estratégias de intervengao no mundo extemo antes de colocd-las em acao. Porém, a natureza de nossa erganizagao corporal impde uma limitagao a implementagao dessas estratégias: sé podemos executar uma agdo de cada vez. Nosso sistema nerves pode: encontrar diferentes agaes como a solugao de um mesmo problema, mas apenas uma pode ser executada por vez. Sto os niicleos da base que fazem esta escolha. Organizagao anatémica e funcional dos nacleos da base: inibindo, iniciando e concluindo agées Podemas compreender 0 mecanismo pelo qual os nucleos da base escolhem quan- do iniciar e quando concluir uma agao especifica comparando-o ao globo usado para sortear os numeros em um jogo de bingo. As bolas com os numeros sdo as diferentes agoes que precisam ser escolhidas; uma de cada vez, Elas nao caem o tempo todo porque 0 funil de saica do globo permanece fechada por uma porta. Quande a porta se abre, uma bola cai. Nessa analogia, uma agdo 6 escolhida ¢ iniciada. Ha também um dispositivo que fecha automaticamente a porta depois de a bola ter caida. Outra bola sé cai quando a porla for navamente aberta. CAPATULO 7 + TRANSTORNOS DOS NUCLEOSOABASE — O Qutra analogia que pade nos ajudar a compreender como uma ago ¢ iniciada e interrompicia é a de um barco a motor clotado de um acelerador e cde um freio. Em nosso. cérebro, o pilote (aquele que estabelece um objetivo ou destino para a navegagao), ¢ 0 cértex pré-frontal, O acelerador ¢ 0 freio sao formados pelos nucleos da base. Porém, ‘somo no Mecanismo do globe do jogo de bingo, as nucleos da base sdo também a porta que escolhe sobre qual ago 0 aceleradior e 0 freio irdo atuar As agdes motoras do nosso repertérlo eslao programadas nas 4reas do cértex pré- motor & suplementar motor, Cada agao pode ser ativada de forma seletiva por neurénios do niiclea ventrolateral do télamo (ver a Fig. 1.1}. Estes ndo sao ativados o tempo toda porque esta area do tdlamo est sob inibigao tdnica de neurdnios do globo palide interna (GPi) e da parte reticulada da substancia negra (SNr), Essas estruturas formam a porta de saida dos ndcleos da base. Na analogia acima, o GPUSNr é a porta da glabo de bingo que impede as bolas de cair. Para iniciar uma ago, os neurGnios do corpo estriado inibem os neurénias do GPi/SNr, aquelas estruturas que inibem tonicamente os neurénios do talamo. Esse mecanismo resulta na “desinibigao" especifica dos neurbnios tdlamo-conticals que ativam uma agaio ‘Medal espinal FIGURA 7.1 Neurcanatomia ¢ conexdes dos nUcleos da base, Sua organizagao tridimensional e um cone coronal eviddenciando seus Componentes s&0 apresentactos no Quadrante superior esquerdo Os figura. As conexdes de uma alca do circuito cértico-basal (cértex-estriado-palido-talamo-cériex) esto esquematizadas no diagrama inferior @ no desenho a direita, indicando as vias direta, indireta e hiperdireta, de acordo com os modelas dé Delong, Albin é Cols. GPE, globo palido externo: GPi, Globo palide intemo: NST, nacles sublaia- mico; SNe, substéncia negra pars compacta; SNr, Substancia negra pars reticulata. Fante: Modelos proposios por Alexander, DeLong, Strick. Annu Neurosci,1986; 9-357 ¢ Albin, Young, Penney. TINS, 1988 12:366-475. 4 _NEUROBIOLOGIA DOS TRANSTORNOS MENTAIS especifica, Por inibir os neurdnios do GPi/SNr de forma direta (menossinaptica), esta via que liga 0 estriado ao GPV/SNr é chamada de "via aireta’ (ver Figs. 1.1 @ 1.2). No exemplo do barce a motor, a via direla correspande ao “acelerador” que da inicio & ago escolhida. Uma vez que @ agao ¢ executada, ela precisa ser concluida pelos neurdnios da “via indireta’, assim chamada porque ativa o GP#/SNr de forma indireta: os neurdnios estria- tais inibem os neurénios da parte externa do glabo palide (GPe) que inibem os neurénios. dio GPiISNr de forma ténica. Desta forma, o resultado final da ativagao da via indireta 6 a reativagdo dos neurtnios do GPi/SNr, os quais inibem a ago especifica que foi iniciada. pela via direta. Portanto, no exemplo do barco a motor, a via indireta correspond ao “ireio" que conclui a agéo escolhida. Tal como ilusirado na Figura 1.2, 0 eneadeamento dos neurdnios das vias aireta indirela funcionam como em uma operagado matematica, em qué o produto de um numero negativo por um ntimero negative é positivo © 0 praduto de um numero negativa por um positive é negativa, Portanta, 20 atuar sobre os mesmos neurénios do GPi/SNr, os neurénios que formam as vias direta é indireta podem, respectivamente, iniciar e concluir uma ago. Tal com foi ite, essas vias séio coma o acelerador ¢-a freio do barca Caminhar até a mesa, pegar uma maga que esta sobre esta e leva-la A boca sdo exemplos de agdes controladas pelas vias direta e inaireta, Os neurénios talamicos que pA) ree ran Ts tok tk a x ne @ (+) — Iniciagao de uma agao especifica (GQ) —Finalizagaoiinibigdo de uma agao especifica FIGURA 1.2 0 esquema mostra como a via direfae a via indivata resullam, respecivamenie, na inislagSio ena. conclusdo de uma agdo. Detalhes no texto. CAPITULO 7 + TRANSTORNOS DOS NUCLEOSOABASE 5 desencadeiam essas agées ficam inibidos pele globo palido interno (GFi) ¢ pela parte compacta da substancia negra (SNc) na maior parte do tempo, sendo ativados apenas quando forem 2 solugao eneantrada pelos nicleos da base para um objetivo estipula- do pelo cértex pré-frontal. Neste caso, o objetiva é comer uma maga. Ao ativar alguns neurénios da via direta, a agdo de andar até a mesa ¢ liberada da inibigdo tinica do GPI/SNr; a0 chegar & mesa, essa agao é interrompida pela via indireta. Messe momenta ‘outros neurdnios da via alreta liberam a agdo de pegar a mag com a méo; essa ago & concluida pela via indireta. O mesmo mecanismo é usado pelos niicleos da base para iniciar e concluir a agdo de levar a maga a beca. Noté que durante essa sequéncia de acbes, varias outras poderiam ter sido inicia~ das. AgOes como: virar-se para o lado para ver de onde vem um cochicho; cagar as costas; amarrar 08 sapatos; if até a pia para lavar as maos; dizer um palavrao. Porém, nenhuma dessas agdes resultaria no objetivo tragado pelo cartex pré-frontal - 0 de co- mer @ maga. Essas ag6es inapropriadas néo foram iniciadas devide a outra via dos nucleos da base, chamada via hiperdireta. Os neurénios que formam essa via partem do cortex pré-frontal e ativam 0 niicleo subtalamico (NST), autra estagao dos nucleos da base (Fig. 1.1). Os meurénios do NST ativam o GPi/SNr de forma inespecifica, fazendo que estes causem a inibigéo de uma grande populagde de neurénios talamo-corticais. Dessa forma, a via hiperdireia inibe todas as agdes do reperlaria do individuo. Assim, apenas a agéio apropriada para o objetivo estabelecido pelo cortex pré-frontal pode ser liberada pela via direta. O modelo de organizagaa do circuito cértico-basal na forma de algas onde varias regides do cortex projetam para o estriado que, através das vias direta e indireta li- beram ou terminam uma aco cadificada por regiées motoras do cértex, foi propos- to na década de 1980 por Mahlon DeLong e cols., da Faculdade de Medicina da Universidade de Emory nos Estados Unidos. Atualmente, esta é a teoria mais influente sobre o funcionamento das nucleos da base, e usada para explicar quadros de hi- percinesia, hipocinesia e rigidez muscular de muitas doengas neurolégicas, tal como veremos a seguir. A via hiperdireta foi propasta, alguns anos depois, por Roger Albin e cols., da Universidade de Michigan nos Estados Unidos. Esta também recebeu grande aceitagao pela comunidade cientifica que a tem adatade para explicar sintomas com- Portamentais de diversas doengas psiquiatricas e neurologicas relacionadas a falhas de inibig¢dio comportamental. As teorias das vias direla, indireta e hiperdireta também 1ém sido empregadas como um mapa para nortear as intervengdes cirurgicas feitas no lratamento da deenga de Parkinson. Na publicagao mais citada da literatura dos nucleos da base, DeLonge cols. propéem que as algas que ligam o cortex ¢ os nucleos da base pelas vias direia e indireta naa se restringem ao controle de agées organizadas em areas motoras do cértex. Eles propuse- ram a existéncia de autras 4 algas cortico-estriatais que recabem (via estriado) projegdes de miultiplas areas corticais e projetam de volta para uma das seguintes 4reas coricais: 1) areas do centro oculomater do cartex frontal; 2) cortex pré-frontal dorsolateral; 3) cor- tex orbitofrontal lateral: & 4) cértex cingulado anterior. Estudos mais recentes propéem a existéncia de outras duas algas, uma terminanda no cortex orbitofrontal medial e outra no cértex inferotemporal e parietal posterior, regiées para onde convergem as vias visuais que processam a identidade de objetos e sua localizagao espacial. Acredita-se que, através das algas que terminam no cdrtex pré-trontal medial, os nucleos da base possam atuar na escolha e na organizagao de agdes mentais e, através das alas que terminam nos cértices orbitofrontal e cingulado anterior, promovam a selecdo das emogdes a se- rem expressas em resposta a um objetivo. 6 _NEUROBIOLOGIA DOS TRANSTORNOS MENTAIS QUADRO 1.1 A doenga de Huntington: sem o “freio” da via indireta A.doenga de Huntington recebbeu esse nome em homenagem ao médica note-america- no George Huntington que, no fim do século XIX, descreveu sua caracteristica hereditaria, é uma doenga neurodegenerativa que se manifesta em qualquer idade © os pacientes tipica- mente vém a ébito em tome de 20 anos depois do diagnéstico. A doenga afela cerca de 5 pessoas em cada 100.000, nas populagdes caucasianas, Entre as africanos, a prevaléncia é menor ¢ entre 08 japoneses € de apenas 0,5 em cada 100.000. Clinicamente, caracteriza-se por movimentos involuntérios inequlares espasmédicos nos membros ou nos musculos da face, chamados coreia (danga do corel), incoordenaceo motora, déficit cognitive e outras disfungdes motoras hipercinéticas (distonia, mioclonia, tiques) & hipocinéticas (bradicinesia ¢ rigidez muscular). Também se manifesta por um declinio cognitive progressive, além de varios sintomas comportamentals. Os sinais moto- res tipicos so precedidos por uma fase em que o paciente apresenta mudancas bruscas na personalidade, na cagnicéo e no controle motor. Os déficits cognitives néo afetam a meméria declarativa de longo prazo, e sim a meméria operacional, a aprendizagem de novas habilidacies motoras e fungdes executives, como a capacidade de arganizacao, de planejamento e a adaptagao a situagdes novas. A fala se deteriora mais rapidamente que & compreensdo da linguagem. Todos esses sintomas picram com o tempo. Sintomas psiquia- tricos (maniacos @ psicéticas) so frecuentes, mas, a0 contraria dos sintomas cognitives, nBo progridem com o tempo. A depressio também é frequente, cevendo ser tralada de imedialo devido ao alto indice de suicidio entre os pacientes com esta doenca. Embora a maioria dos pacientes desenvolva coreia, esta pode n&o ocorrer em alguns: deles ou ocorrer apenas de forma transitdria e progredir para um quadro de distonia e rigi- ez muscular. Dai a denominagao “doenga de Huntington" ter substituida a denominag3o “ootela de Huntington’, usada no passado. A auséncia de coreia pode levar os médicos a diagnosticarem erroneamente a doenga como catatonia, esquizofrenia ou Parkinson. A doenga de Huntington é causada por uma muta¢ao em um gene localizade no cromossomo IV, qué codifica 4 proteina huntingtina. Esta mulacao resulta na adicao de sequéncias repetidas dos nucleotideos CAG, conferindo & proteina uma cauda de poliglu- tamina que pravavelmente Ihe canfere um efeito neuroidxico, Esses agregadas aletam fun- ges celulares importantes, come a transcrigao génica, a apoptose e a fungao mitocondial. Essas disfungdes podem provocar morte neuronial ¢ afetar a sobrevivéncia dos neurénios, wizinhos. Na. doenga dé Huntington ocorre uma perda neuranial seleliva que & mais proeminente nos neurénios estriatais da via indireta, responsavel por inibir agdes motoras quando estas ‘so inapropriadas. Isso explica os movimentos involuntarios caracteristicos da deenca @ lambém os sintomas cognilives e comportamentais, uma vez que a via indireta tam- bém participa nos processos de aprendizagem e inibigao comportamental. Imagens de ressondncia magnética nuclear, tamografia computadorizada e neuroimagens funcionais por tomografia de emissAo de pdsitrons mostram perda de volume estriatal e aumento dos cornos frontais dos ventriculos laterais que ocorrem de 11 @ 9 meses antes do inicio dos sintomas. Porém, essas imagens nAo s4o suficientes para 0 diagnéstico definitive da doenga. Alguns sintomas também podem ter como causa a morte de neurdnios na substancia negra, camadas 3, 5 e 6 do cértex cerebral, regiao CAI do hipocampo, giro angular do lobo parietal, células de Purkinge do cerebelo, nuciea tuberal lateral do hipotdlamo @ complexo ceniromedial paralascicular do télamo, A degeneragac parcial de todas essas regides pode ccontribuir para os sintomas cagnitives, psiquiatricos e comportamentais da doenga. CAPITULO 7 « TRANSTOANOS DOS NUCLEOSDABASE Como os nticleos da base escolhem qual agao iniciar: o papel da dopamina Agora que sabemos como uma agao pode ser iniciada € concluida pelas wiss aireta 8 indireta, @ as consequéncias devastadoras de uma falha na via indireta, cabe pergun- tar como o8 nicleos da base aluam para escolher uma agdo especifica na momento certo, em detrimento das ouiras agdes do nosso repertério. Lembramos que, uma agéo motora voluntéria é escolhida por levar a um objetivo tragacio pelo cértex pré-frontal. Na arquitetura das algas corticogsiriatais, como delineada na Figura 1.1, isso significa que @ ativagao de determinados neurénios corticais deve estimular mais fortemente alguns neurénios especifices da via direia. Ou seja, ao receber estimules dos diversos neurénios corticais, 08 neurénios estriatais das vias direta e indieta devem cesempenhar o papel de filiro de sinal/ruida: realgar a ativago des neurénios que codificam a ago que atinja © objetivo tragado pelo cértex ¢ eliminar 0 ruida representado pela ativagao dos demais neurénios estriatais que codificam oulras agdes. E come sintonizar uma estagao de radio. Se 0 chiado (ruido} é muito alto, nda conseguimos entender o sentido da mensagem que esta sendo transmitida. Nao adianta so aumentar 0 volume do radio para entender melhor amensagem se, a0 fazer isso, 0 chiado também aumenta. Ao sintonizar melhor aquela fai- xa, 0 circuilo eletrénice do radio faz o papel de um filtro, aumentando 9 sinal ¢ diminuindo oruido. Assim a mensagem transmitida pelo radialista pode ser entendida de forma clara. Os neurénios estriatais que formam as vias direta @ indireta recebem projegdes de um grande niimera de neurénios localizados em diferentes regides do cértex. 1550 inclui fegides do cortex sensorial, motor e do cortex pré-frontal. Em primatas, um Unico neurénio estriatal pode receber projegdes de cerca de 100 neurénios carticais. Como vimos acima, sua ativag2o resulta na iniciagao ou na conclusdo de uma agdo, Portanto, para traduzir © objetivo tragadlo pelo cértex na agéo apropriada para atingi-lo, 08 neurénios estriatais competem entre si - 0 mais despolarizada (ativado) pela estimulagao cortical ganha a competigao, © que significa vencer a barreira da forte inibigdio a que estda tonicamente submelidos ¢ disparar potenciais de agao. Pense em uma peneira como um filro: 0 que ela faz é selecioner as particulas que passam mais facilmente por seus pores. O filtro, formado pelos neurénios estriatais, tem a mesma fungéo — deixa passar apenas as informagGes do cortex mais relevantes para a escolha da agao apropriada. Qu seja, filtra o ruido causado pela alivagdo de areas corticais que nao contrisuem para a tomada de decisao sobre a agao apropriada e se despolariza apenas em fungao das areas corlicais que estéo mais fortemente ativadas ~ aquelas que codificam informagGes mais relevantes para esta tomacia de decisao. Tendo em visla que os neurénios estriatais recebem informages convergentes dos neurénios corticais, veja na Figura 1.3 como esse processo ocorre: No exemplo da Figura 1.3, 0 estado de ativagao das 4 neurénios corticais esta repre- sentado pelo ntimero de barras paralelas em seus axénios (frequéncia de disparos de potenciais de agaa). Os 2 neurdnios esiriatais (A ¢ B) recebem projecdes convergentes e varios, mas ndio de todos, os neurdnios corticais. Para simplificar, representamos ape- has os neurénios da vida Gireia, pois sua ativagao resulla na escolha de uma agao (A ou B). Na fungaa de filtro, og neurdnios esiriatais devem responder mais aos neur6nios corti- cais mais alivos (no Caso 1 @ 2) e ndo responder aos menos ativos (3 ¢ 4), Qual neurénio estriatal vai ser ativacdo em um dado momenta depende da integragéio da estimulagéa recebida de cada neurénio cortical. No exemplo acima, o neurénio A se ativou porque amplificou os sinais que recebeu dos neurénios 1 @ 2, se despolarizando a panto de pro- duzir potenciais de acao. Jé o neurénio B neutralizou o ruido que recebeu dos neurénios 8 _NEUROBIOLOGIA DOS TRANSTORNOS MENTAIS FIGURA 7.3 © esquema representa coma os nourdnios esviatals da via alreta (A, By integram e fitram 9s sinais 08 neur6nios canicais (1, 2, 3, 4) de forma a escolner a “agso A” em detrimento da “agao 8°, Be 4e permaneceu silencioso. Como resultado, a ago A foi escolhida em detrimento da agao B. Ou seja, em uma situagaa especifica em que as neurénias 1 @ 2 estao mais ativos. que os neurénios 3 e 4, os neurénios estriatais escolhem iniciar a ago 1. Esta decisio foi tomada por um mecanismo que filtrou os: sinais de uma populagao de neurénios corticais: Além da convergéncia das projegdes corticnestriatais, o estriado conta com outros. mecanismos poderosos que ajudam a filtrar ou a otimizar a relagao sinal/ruido. Os neu- rénios estriatais das vias direta e indireta sao chamados neurénios espinhosos médios, Gevico 20 tamanho de seus corpos celulares e & presenga de espinhos em seus dendri- tos, Quando nao sao fortemente estimulacios pelos neurdnios corticais, ficam silenciosos. porque estdo sob forte inibigdo ténica de intemeurénios do proprio corpo estriado, A maioria deles libera o neurotransmissor inibitério GABA (acide gama-aminabutirico) Contribuem também para inibigao tGnica desses neurdnios e seu papel de filtro dos si- nais recebidos do cértex, interneurénios colinérgices @ a produgaa local de adenosina & endocanabincides. Além da participagao de neurotransmissores liberados por neurOnios locais, outro neurotransmissor, chamado dopamina, éxerce um papel preponderante na fun¢ao de iltto" dos neurdnios estriatais. A dopamina é liberada pelos neurénios da parte com- pacta da substancia negra (SNc) que se projetam para o estriado, Ela alua sobre duas familias de receptores ligadas as proteina G, @ G,, chamados receptores do tipo-D, e do tipe-D,, respectivamente. A alivagdo dos receptores do tipo. D, resulla no aumento da concentragao de AMP e a ativagao dos receptores do tipo B,, em sua diminuigao. Dos: 5 tipos de receptores que compdem essas familias, apenas os receptores OD, D, e D, foram encantrados no estriado, sendo © primeiro da familia do tipo-D, © os dais ultimos da familia do tipo-D,. No estriado, os receptores D, sé expressam principalmente nos: neurénios da vie direta; os receptores ., nos neurdnios da via inaireta; © os receptores Dy, hos terminais sinapticos dos neurdnios corticais. © potencial de membrana dos neurénios espinhosos médios cicla entre dois esta dos de polarizagao, chamados pelas palavras inglesas up e down. No esiado up sua CAPHTULO 7 + TRANSTORNOS DOS NUCLEOSOABASE 9 membrana esta préxima do limiar de despolarizagao ¢ no estado down esta hiperpola- Tizada, Este estado reflete a atividade dos neur6nios corticais que se projetam para 0 neurénio espinhose média, No exemple da Figura 1.3, mesmo antes de se despolarizar 20 ponto de produrir potenciais de aco, o neurénio A estaria no estado up ¢ o neur6nio B, no estada down. O efeito da doparnina sobre os receptores D, da via direta tem um papel critico em sua {ungao de filtra. Quando estéo ne estado up, a ativagdo dos receptores D, aumenta a probabilidade de que eles disparem poténcias de agao, desencadeando uma agaa especifica, Quando esléo no eslado down, eles séo inibidos pelos receptores D,. Ja a scupagao des receptores D, sempre causa uma inibigaio nos neurénios da via indireta A doenca de Parkinson: quando falta a dopamina A doenga de Parkinson foi Gescrita pela primeira vez como “uma paralisia agitante” por James Parkinson, em 1817, em sua obra An Essay on the Shaking Palsy que, ape- sar de incompleta, chama atengao pela acuracia e clareza de expresso marcantes, faz&o pela qual a doenga lava seu nome. Em meades do século XIX, depois de estudar pacientes portadores da doenga, 0 fisiologista francés Jean Martin Charcot corrigiu @ ‘complementau a descrigdo de J. Parkinson quanto as manifestagdes clinicas da doenga. Trata-se de uma doenca neurodegenerativa, cronica @ progressiva, tendo sido a primeira cuja causa foi atribuida a uma falha nos nucleos da base, mais especificamente a lesGes na SNc, 0 que leva a uma deficiéncia na transmissdo dopaminérgica no corpo estriado. O grau de diminuigéo dos niveis de dopamina esté relacionada a gravidade da doenga. Este quadro neurodegenerativo é a causa principal dos deficits motores, cognitivos e comportamentais da doenga, que sero comentadios abaixo. Epidemiologia O risco de desenvolver a doenca de Parkinson apresenta distribuicao universal @ atinge todos os grupas étnicos e classes socioecontmicas, sendo a segunda doenga neurodegenerativa mais comum. Usualmente acomete individuos com mais de 50 anos, sendo mais comum entre pessoas do sexo masculino, Estima-se uma prevaléncia de 100 a 200 casos por 100.000 habitantes, e incidéncia de 20 casos novos a cada 100.000 habitantes por ano, A maior incidéncia esta por valta dos 60 anos, mas pode surgir em qualquer momento, das 35 aos 8 anos. Como a doenga de Parkinson é progressiva e, mesmo entre os pacientes medicadas, acarreta incapacidade severa apés 10 a 15 anos de seu inicio, seu impacto social e financeiro ¢ elevado, particularmente na populacae mais idosa. Estima-se que 0 custo anual mundial com medicamentos antiparkinsonianos esteja em torno de 11 bilhdes de dolares, sendo 3.a 4 vezes mais caro para os pacientes na fase avangada da doenga, No Brasil, a maioria desses medicamentos é distribuida gratuitamente pelo Sistema Unico de ‘Saude (SUS), com um custo consideravel para o governo, Aspectos clinicos Adoenga de Parkinson & um distirbio neurolégico crinico e progressivo. Apresenta 4 manifestagdes motoras cardinais: tremor de repouso, rigidez, bradicinesia (dificuldade em iniciar movimentos) e instabilidade postural. Se um movimento, como o de estender um brage, for feito A forea por um examinador, o paciente resiste em liberd-lo, o que &

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