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owe OPERAMUNDI Opiniao O neocolonialismo francés em Africa: crise e perspectivas Os processos de independéncia em Africa nao foram totalmente completos: embora novos Estados soberanos tenham nascido, restou intacto um poder externo colonial Bernardo Kocher Opera Mundi Rio de Janeiro (RJ) 12 de abril de 2024, as 15:47 Desde o advento do processo de libertacao nacional do mundo Asio-Africano (também conhecido como “descolonizacao”), ocorrido entre os anos 40 € 70 do século passado, o sistema internacional passou por uma radical transformagao. Ohistoriador René Remond assim definiu tal situacao: “Se quiséssemos reduzir a histéria politica do mundo nos dois tiltimos séculos a alguns elementos constitutivos, teriamos de assinalar a Revolugdo de 1789, a revolugdo russa de 1917 e a emancipacdo dos continentes sujeitos, hd varios séculos, ao dominio da Europa e do homem branco. Foi a sucessdo desses trés grandes fatos que modelou a fisionomia do mundo contempordneo: nosso universo resulta essencialmente dessas trés forcas sucessivas.”[1] Aindependéncia nacional nao foi, no entanto, auto-definidora, ou seja, ela nao foi totalmente completa. Apesar de, numa perspectiva realista, terem sido consituidos mais de cem novos Estados Nacionais soberanos, restou intacto um poder externo intervencionista inequivocamente possuidor de um viés colonial, agora sem a posse de territérios coloniais. Colénias libertadas passaram a se relacionar com as antigas metrépoles, e com todo 0 contexto internacional tensionado pela Guerra Fria, de forma precaria (dada a auséncia/fragilidade de politicas piiblicas e limitagdes a inser¢ao na economia internacional), tornando-se nao raramente vitimas de renovadas formas de interferéncia dos antigos dominadores. Um dado novo a ser considerado: agora o intervencionismo contava com ampla participacao dos Estados Unidos da América. Este fator foi amplamente denunciado por governantes dos paises recém libertados, percebendo que a dominagao total foi substituida por uma dominacao basicamente (mas nao exclusivamente) econémica. Era 0 Neocolonialismo. Apés o primeiro grande ciclo de independéncias ocorridas na Asia (india, Filipinas, Indonésia, Coreia, e até a Revolucao Chinesa, tida como uma revolucdo nacional e anti-imperialista) a Africa adentra neste processo nos anos 50 (com o inicio da Guerra da Argélia) e, principalmente, nos 60.0 continente africano — que vivenciou concomitantemente o fim do processo colonial “classico” e 0 inicio do seu sucedaneo (neolocolonialismo) —, ensejou um debate mais aprofundado sobre a natureza desta novissima manifestacao do poder desigualmente distribuido entre Estados Nacionais juridicamente iguais. game, e o presidente francés Emmanuel Macron Paris Woda 25 Ny 2085 © presidente de Ruanda, Paul K durante coletiva de imprensa no Palacio de Elysée. (Foto: Paul Kagame / Flickr) Em Gana, o primeiro pais africano livre da dominacao colonial, em 1957, sob a lideranga do presidente Kwame Nkrumah, foi implementado um proceso de industrializacao soberano pautado na obtencio de divisas alcancadas com a venda de produtos agricolas locais: 0 algodao e o amendoim. Ali ocorreu um dos primeiros experimentos de derrubada de governantes pelas antigas forcas coloniais mais um novo tipo de imperialismo desenvolvido pelos EUA. Este pais forneceu o modelo acabado da nova relagao Neocolonial, que foi definido lapidarmente por Raymond Aaron{2] — se bem que com uma outra perspectiva, a apologia da politica externa norte-americana se comparada com a soviética —, como sendo uma “repiiblica imperial”. Nesta ficam armazenados os elementos que asseguram a soberania dos novos paises funcionando dentro de um enquadramento e submissio tipico de instituigdes estatais do tipo dos impérios. Em 1957 0 presidente ganés foi derrubado em meio a uma crise no mercado de commodities artificialmente produzida nas bolsas de mercadorias dos paises desenvolvidos. Internamente, forgas politicas afins a este projeto transformaram a crise numa nova/antiga forma de governanga; agora 0 alinhamento com os antigos colonizadores gerando, em nome da Guerra Fria, politicas piiblicas de favorecimento exclusivo do mercado mundial capitalista, mas nao do mercado interno. Destacamos aqui, acrescentando ao quadro de intervencionismo do novo imperialismo pés-descolonizacao as deposigées do poder dos primeiros-ministros Mohammed Mossadegh, do Ira (em 1952) € Patrice Lumumba, do Congo (em 1961). Estes, e outros, tinham como perspectiva criar uma economia nacional forte, industrializada a partir de vastos recursos naturais existentes em seu territério; tal viés foi denominado neste perfodo como sendo “desenvolvimento”, que foi capaz de ensejar uma complexa reflexao teérica e acao politica de governos tidos como “nacionalistas”. Agora a guia orientadora era se contrapor ao “sub- desenvolvimento”. No mundo asio-africano, junto com a América Latina (esta independente ha mais um século, mas que adentrou neste universo com os paises dos demais continentes), formou-se uma férmula pétrea de conduta da relacao soberania nacional (das antigas colénias) + limitagdes deste status, viabilizado por varios caminhos: a) a permanéncia da dominagao direta dos antigos colonos sobre politicas piiblicas cruciais ou regiées possuidoras de riquezas minerais dos novos paises; b) controle indireto do mercado de negociacao dos produtos (agricolas ou de extracao) exportados pelos novos governos; c) tomada do poder via golpes de Estado e/ou corrupcao do proceso eleitoral favorecendo aliados dos paises desenvolvidos; e, d) invasées militares de tropas das antigas metrépoles por tempo curto ou indeterminado quando alguma crise mais grave sobrevinha nas areas tornadas independentes. S&o intimeros os casos no “triplo A” (Asia, América, Africa) de intervencao norte-americana ou europeia em momentos cruciais da vida politica dos Estados Nacionais submetidos ao que, por exemplo, a Teoria da Dependéncia chamou de “periferia”. S40 tantos os exemplos, todos dramaticos para a vida dos afetados pela interferéncia estrangeira, que um meme circula nas redes sociais indicando que nao existe um ano sequer desde o inicio da descolonizacao sem que tenha havido uma invasao ou agressao militar dos EUA (principalmente) ou de algum pais europeu. Sendo assim, a Histéria politica do que dos anos 50 aos 70 foi chamado de “Terceiro Mundo” é marcada por uma luta heréica dos povos libertados da dominacao espoliativa do capitalismo por uma espécie de confirmaco sem fim do que ja havia sido determinado com a saida formal dos colonizadores europeus. Este problema foi claramente detectado por Kwame Nkruma em seu trabalho referencial[3], cujo titulo é uma parafrase do classico trabalho de Lénin (“Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo”), escrito apés a sua derrubada do poder por um golpe patrocinado pelo novo bloco de interesses neo- colonialista. Neste trabalho o autor teoriza e descreve varios aspectos da dominacao neo -colonial. “A esséncia do neocolonialismo é que o Estado que estd sujeito a ele é, em teoria, independente e tem todas as armadilhas externas da soberania internacional. Na realidade, o seu sistema econémico e, portanto, a sua politica politica sao diretos do exterior.”[4] Para uma anilise do papel da Franca na Africa sob a clave do Neocolonialismo (que trataremos no artigo posterior) procuraremos identificar: a) as causas da manutengao do poder colonial francés apés a independéncia formal e, b) acrise atual deste poder e quais as possiveis implicagées para o sistema internacional. (*) Bernardo Kocher é Professor de Histéria Contempordnea da Universidade Federal Fluminense Notas: [1] REMOND, Rene. 0 Século XX. De 1914 a nossos dias. Sao Paulo, Cultrix, 1974, p. 165. [2] AARON, Raymond. A Repiiblica Imperial. Rio de Janeiro, Zahar, 1975. [3] NKRUMAH, Kwame. Neo-Colonislism. ‘The Last Stage of Imperialism. New York, International Publisher, 1965. Hé tradugao para o portugués. (4] NRUMAH, K,, op. cit., p. ix. Creme eC ey ely ott ter een tnt Pee a

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