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O MUNDO DE ATENAS PETER V. JONES, organizador Existe uma necessidade muito grande de uma séria introducio a historia e cultura de Atenas do século V, que nao seja nem muito superficial para um estudante avan¢ado nem envolvida em controvérsias académicas, 0 que nao teria utilidade para o principiante. O Mundo de Atenas pretende ser uma resposta a esta necessidade. Descrigées claras e atualizadas acompanhadas por intimeras ilustragGes criteriosamente selecionadas abrangem todos os aspectos da historia, da cultura, dos valores e das realizagdes da Atenas classica, fornecendo uma base completa para todo aquele que se interesse pela lingua, literatura e filosofia gregas ou para quem estiver inteligentemente interessado na Grécia antiga. E um livro particularmente aconselhavel para o estudante que necessita uma descri¢ao confiavel, de leitura facil e agradavel, do século V em Atenas. ca Harum Terk Coe re Ape tn occa do Pens), ‘Fidias ¢ accler O mundo de Atenas Joint Association of Classical Teachers’ Greek Course Peter V Jones, organizador O mundo de Atenas UMA INTRODUCAOA CULTURA CLASSICA ATENIENSE Esta obra foi publicada originalmente em inglés com o titulo ‘THE WORLD OF ATHENS, por Press Syndicate ‘of The University of Cambridge, em 1984 Copyright © Cambridge University Press, 1984 Copyright © Livraria Martins Fontes Ediiora Lida., Sio Paulo, 1997. para a presente edicdo 1 edicio, junhode1997 , ‘Traducio ANA LIA DE ALMEIDA PRADO 05 textos citados joram traduzidos, sempre que possivel,, do grego por Ana Lia de Almeida Prado Preparacio do original Vadini Valentinovitch Nikitin Revisio grafica Teresa Cecilia de Oliveira Ramos Célia Regina Camargo Producio grifica Geraldo Alves Paginasio Moacir Katsumi Matsusaki Fotolitos Suudio 3 Desenvolvimento Editorial Capa Katia HarumiTerasaka (car) adorInmacbais deCataloasi na Publinie ‘© Manda de Atenas = wma introdacio & cultura clisica atenicnse / Peter V. Jones (oranizadon) ; (radu ‘Ana Lia de Almeida Prado]. Sto Paalo : Martins Fontes, 1997. |. Atcnns(Grécia) = Crilizagio 2 std 146 aC. 1. oint Assoxition of Prefiicio VIL Observasbes sobre a traducao brasileira 1X Observagdes sobre a edigdo inglesa XI Leituras complementares XII Mapas XV Introducao histérica: Linhas gerais da historia de Atenas até a morte de Alexandre, 0 Grande 1 1 Oambiente fisico 61 2 O ambiente metafisico 89 3 Obrigages, valores e preocupagdes humanas 133 4 A sociedade ateniense 155 5 A democracia e 0 imperialismo atenienses 201 6 Atenas em guerra 251 7 O mundo intelectual 283 Posfacio: Outros mundos 361 PREFACIO O mundo de Atenas apresenta a historia, a cultura, os valores € os feitos da Atenas Clissica 0 leitor adulto. Nao requer conhecimento de grego an- tigo. Comeca com uma Introducio Historica que esboca a histéria de Ate- nas desde os primeiros tempos até a destrui¢do da democracia ateniense em 322 aC. Seguem-se excertos da famosa Oragao Finebre de Péricles, uma das declaragdes classicas da época sobre o que tornou “grande” a cidade de Atenas, Em seguida ha sete capitulos sobre diferentes aspectos do mundo ateniense € o livro termina com um Posficio sobre outros mundos que con viveram com 0 ateniense e nele provocaram reagoes. Finalmente, ha um al fabeto grego e sua transliteragdo para o portugués e um guia de um Glossirio dos termos usados, mapas e um Indice Remissivo. Os le dados em sua forma grega, bem como na sua forma portuguesa. Os | interessados poderiio usar © guia do alfabeto grezo a lingua grega e perceber ; as semelhancas diferencas entre a VIL O mundo de Atenas Como 0 livro foi obra de tantas maos ¢ todo ele foi submetido & discus So e A revisio editorial do Conselho, concordamos em nfo atribuir res- ponsabilidade exclusiva por qualquer dos capitulos a nenhum individuo, Como editor, porém, gostaria de reconhecer aqui a ajuda do Conselho, com agradecimentos mais profundos que qualquer um deles pode imagi- nar: ao Sr. J. J. Paterson (University of Newcastle upon Tyne), pelo traba- Tho na Introdusao Histérica; ao Dr. B. A. Sparkes (University of Sou- thampton), pelo trabalho no capitulo 1 e por todas as ilustragdes, com ‘exceciio de 7.64-82; ao Professor J. P. Gould (University of Bristol), pelo trabalho nos capitulos 2, 3 e 7; ao Dr. B.A. Cartledge (Clare College, Cam= bridge), pelo trabalho nos capitulos 4 e 5; ao Sr. G. L. Cawkwell (Univer- sity College, Oxford), pelo trabalho no capitulo 6; Dr. V. E. S. Webb (Uni- versity of Newcastle upon Tyne), pelo trabalho sobre a arte grega no capi- tulo 7; c a Sir Desmond Lee, pelas tradugGes, exceto as de Homero. A John Wilkins, nossos melhores agradecimentos pelo estabelecimento dos séli- dos alicerces sobre os quais este livro péde ser erguido. E um agradeci- mento final a Elizabeth Thurlow por cuidar do indice de modo tao comple- to e meticuloso. E importante sublinhar que toda a responsabilidade pelo equilibrio, abrangéncia, apresentagio, uso de fontes, glossario e translite- racao pertence inteiramente ao Projeto. Department of Classics University of Newcastle upon Tyne Janeiro de 1984 Peter V, Jones Diretor, Projeto Grego da LA.CT: Trechos da Iliada e da Odisséia foram extraidos das traducoes e mond Lattimore (copyright 1951 ¢ 1965 University of Chicago). Ai cimentos so devidos ao falecido Richmond Lattimore ¢ & University of Chicago Press pelo uso desse material. OBSERVAGOES SOBRE A TRADUGAO BRASILEIRA 1. Ao passar para o portugués as palavras gregas que nao tem em nossa lin- gua uma forma tradicional, usamos das normas correntes em nosso pais. Na edicao brasileira, porém, a translitera¢ao dos termos gregos mmclus: a) a indicagao da quantidade das vogais longas (eta © omega) para possi- bilitar a reconstituicdo fiel da grafia original da palavra citada; b) os acentos tdnicos (agudo e circunflexo) para propiciar a prontincia correta. 2, Para a pronuncia das consoantes & (zeta), 0 (theta), @ (Phi) € 7 (ki), in- dicamos a proniincia tradicional, usada em nossas escolas, enquanto, nesses casos, a edicdo original adota a prontincia restaurada. 3. Caracteristica essencial deste livro € 0 recurso freqiente ao testemunho dos textos de poetas, historiadores, filésofos e oradores gregos como garantia da veracidade dos dados fornecidos e das idéias nele expostas. Encarregada da revisdo técnica, julguei indispensavel que, distorgdes e mal-entendidos, a tradugdo desses excertos fosse ! tamente do original grego. Incumbi-me dessa tarefa e por ela s ponsavel. OBSERVAGOES SOBRE A EDIGAO INGLESA 1. Ao transpormos as palavras gregas para o inglés, adotamos 0 conhecido compromisso de optar as vezes pela forma tradicional, outras pela trans- literacZo estrita. Na p. 365 apresentamos uma versao simples do alfabe- to grego, com prontincia e regras de transliteragao e, no Glossario sub- seqiiente, apresentamos o original grego de todos os nomes proprios € de alguns dos termos técnicos (com transliteragdes). Os interessados po- derdo assim descobrir por si mesmos como as formas gregas originais ram escritas e pronunciadas. 2, Sé marcamos a vogal longa ( ou 6) quando nos pareceu importante. Por exemplo, Athéne. 3. Todas as datas so a.C., a menos que se assinale 0 contrario. 4. O Glossirio fornece os dados biogrificos essenciais de todos os autores citados. Na ae de i i Basted, 1977 (Vol. 1) Archaie Times to the End of the Peloponn: Cambridge, 1983 IG?= Inscriptiones Graecae (2! ed.) MeL =Meiggs e Lewis, ‘Selection XI O mundo de Atenas thecidos. Para os toponimicos, consultar os mapas no inicio do li (op. XV-XXID. 4 oP 6. Numeros entre parénteses no texto indicam capitulos e pardgrafos deste livro (p. e: .23)); LH. = Introdugio Histérica (pp. 1-61) ¢ P. = Posfi- cio (pp. 3: . 7. Os colchetes ([ ]) envolvendo o nome de um autor indicam que no passa- do a obra em questio Ihe foi atribuida, mas hoje essa autoria é discutida, LEITURAS COMPLEMENTARES Quanto a leituras complementares, 0 melhor a fazer € ou aprender grego antigo © comecara ler os textos no original ou comprar traducoes (€ boa a selegio que encontramos na colecio Penguin Classics). Deve-se co- megar por Homero. Os seguintes livros so recomendados: Geral S, Hornblower, The Greek World 479-323 BC, Methuen, 1983 J.K. Davies, Democracy and Classical Greece, Fontana, 1978 \ K. J. Dover (ed, e outros, Ancient Greek Literature, Oxford University Press, 1980 ‘= K. J. Dover, The Greeks, BBC Publications, 1980 A. M, Snodgrass, Archaic Greece, Dent, 1980 Valores e Sociedade K. J. Dover, Greek Popular Morality in the Time of Plato Blackwell, 1974 M. XIV O mundo de Atenas O. P. Taplin, Greek Tragedy in Action, Methuen, 1978 B. Vickers, Towards Greek Tragedy, Longman, 1973 K_ J. Dover, Aristophanic Comedy, University of California Press, 1972 Pensamento W. K. C. Guthrie, Socrates, Cambridge University Press, 1971 W. K. C. Guthrie, The Sophists, Cambridge University Press, 1971 G_E.R Lloyd, Magic, Reason and Experience, Cambridge University Press, 1979 Arte e Sociedade J, Boardman, Athenian Black Figure Vases, Thames and Hudson, 1974, J, Boardman, Athenian Red Figure Vases, Thames and Hudson, 1975 R. E. Wycherley, The Stones of Athens, Princeton University Press, 1978 J.J. Pollitt, Art and Experience in Classical Greece, Cambridge Univer- sity Press, 1972 Religiio W. Burkert, Homo Necans (tradugao de Peter Bing), University of Ca- lifornia Press, 1983 q UCGRANIA TURQUIA EG Alexandria <7 elrrdneo Heloros MALTA Camariniae i ( FRANGA ? Vertina @ wracetal TESSALIA Cano Lago Botbo Metin g C2 Se ant Egospotaog RN SAMOTRACIA Sess TESSALI PERSIA Introdugao historica: Linhas gerais da historia de Atenas até a morte de Alexandre, 0 Grande Historia grega primitiya: os mindicos, micénios, Homero ¢ a Idade Escura (2200-900) (sempre um momento fa- (dadaos estava distratda por im festival religioso vorito para a subversZo). O plano fracassou e, embora Cilon tenha escapado, seus seguidores foram mortos, a despeito da promessa de salyo-conduto. ‘A memoria histérica confiavel de outras cidades gregas pode estender-se até uma ou duas geragdes passadas, mas nao muito mais. Os longos ¢ comple- Xos processos de desenvolvimento nas cidades eram muitas vezes atribui- dos & obra de um legislador ou estadista mitico (Teseu em Atenas, Licurgo em Esparta), Os poemas épicos de Homero, a Iliada ¢ a Odisséia, que as- sumiram a forma em que os conhecemos por volta do século VIII. tinham por base um mundo bem anterior onde havia reis locais ¢ ricos palacios. O historiador Herédoto, no século V, achava que a Guerra de Troia, tema dos poemas, havia ocorrido cerca de oitocentos anos antes de sua ‘propria Epoca. Tempos depois 0 estudioso Eratéstenes (c. 274-194) caleulow as datas da guerra como sendo 1193-1183. Se ele quase acertou, foi mais por puro acaso que por perspicicia. 2 Omundo de Atenas Introdugao historica: Linkas gerais da historia de Atenas 3 11:2 Placa de argila com texto escrito com o Lincar B, procedente de Pilos. C: 1200. IH:1 A sala do trono de um paliicio micénico, Pilos. 1300-1200. 1.H.5 qAoisafremidayidadesEseura, no século VIII, as comunidades gre- gas tinham apenas asformasmaissimolesdecoreaniaczospoliigaseo°> res aristocraticos locais (basileis) mantinham com ardor sua in lependéncia, reconhecendo apenas com relutancia qualquer forma de controle central. A o legendatiotreiteretense)9 Os habitantes desses lugares ndo eram gregos, Jealdade para com a familia, 0 cla ¢ os seguidores vinha em primeiro lugar. mas sua cultura teve uma influéncia significativa sobre as povoagdes do Hesiodo, agricultor de Ascra, na Bedcia, que viveu na segunda metade do continente. Por volta de 2000 houve grandes mudangas culturais na Gre- século VIII, em seu poema Os trabalhos e os dias fez uma viva descricao cia. Possivelmente, novos povos estabeleceram-se em muitas areas. Acaba- das atividades dos “devoradores de presentes”, os nobres de sua propria co- ram desenvolvendo sua propria cultura palaciana que durou de ¢. 1600 munidade que arbitravam as pequenas disputas do povo da regizo. 1200 em lugares como Micenas, Tirinto e Pilos (a civilizacio ‘micénica). Aos poucos ¢ certamente com dificuldades, Sabemos agora que pelo menos alguns desses povos falavam Brego, pols centenas de placas de argila com inscrigGes feitas em uma escrita conheci- Parente: da como Linear B foram encontradas em Pilos, e, em 1952, Michael Ven- Diu : 0 Sn ‘a tradigao, 1 1a Atica'e i tris demonstrou que a lingua dessas inscrigdes era uma forma de grego- nobres da regido podiam reunir-se. Essa historia assinala uma das caracte- ILH.3 Os pakicios micenicos foram destuidos por volta de, 1200. risticas mais notaveis de Atenas: 0 territ6rio da Atica em tomo a cidade era tos sitios foram inteiramente abandonados. excepcionalmente grande para um Estado grego. COMEAED bilidadeya Teaco Eseural(1100900), dessa dren ne feeble! umniinieo homemzmas umilong0/prOcessOxg%> umalépocaide:nomadismo emigragoes. “Se estendeu até¥oSéculo: A rivalidade entre’as familias:locais;ContInBOw) Colonizacio, governo aristocratico primitiyo, Teseu overna ar am Atenas como reis. ea unificacio da Atica; Esparta (900-640) (basiletis) ja no exercia grande 1.H.4 Em um certo sentido, essa austncia de estabilidade subsistit n® f Grécia por muitos séculos. Jé no século IX, talvez, os gregos — entre 0S quais aN Atenas, segundo as lendas, teve um papel significativo — estabeleciam-s¢ N& ‘J6nia, na costa da Asia Menor. \ ). Sico, quando os opositores do sistema democrie: 1.H.6 No periodo c coemAt uscavam um modelo para uma sociedade alternativa, Votia osc ara Esparta, que evoluira de maneira idiossineratica, Egpar a do amalgama de quatro aldei a talver no século X, as margens 1 do Peloponeso. Talyez a unificagao dessas comunie r instituigaio da realeza dupla, Havia, em Es. is, os Agiadas'e os Euripntidas;e ambas forneciam n assessorados por um Conselho de Aneifios, eseo- de mais de sessenta anos de idade (gerousia). Em dia, passou a haver também cinco funcionarios mados éphoroi. Aqueles que gozavam de direitos a (espartiatas) reuniam-se com regularidade para apro- tar propostas que lhes eram apresentadas. Contudo, aatribuigao trita. Os espartiatas ¢ m apenas aqueles que, desde a 1 sido submetidos a uma rigida formagao civica (agoge) te anos, tinham sido eleitos para um dos sussifia, gru- de refeigdes em comum. Esse treinamento era con- ‘a lealdade e a obediéncia e, com certeza, garantia fosse uma forca militar mais disciplinada e eff cidades gregas. cito esparti nte que a maioria das milicias de cidadaos das demais Desde o inicio do século VIII, Esparia comegou a expandir-se, domi nando primeiro as comunidades vizinhas do vale do Eurotas. A algumas dessas povoacoes foi concedida a categoria de perfoikoi (‘moradores em , que tinham uma certa autonomia local, mas estayam sujeitas a0 torno” IH:3 Armadura de bronze descoberta no tGmulo de um guerreiro, em Argos. Final do séc, Vill. Introdugdo histérica: Linkas ger ‘ 4 igeto para 0 06 em meados do século VII, os mi dura, dui uma gui poemias como ex¢ guerra, a Messénia foi a por quase trezentos anc de “hilotas”, Suas terr espartano. 0 hilota messénio foi tade de sua produgao ao A anexagiio de Messénia foi a re levaram outros gregos a fundar colénia estabelecido apenas uma tinica colénia ¢ lia. Além disso, a concessao de um Kléros aos ci¢ um se devotasse 4 sua vida na comunidade es] dependéncia econdmica basica. Os spartanos pd de hdmoioi “iguais”), ¢ isso permitin que Es; tensbes econdmicas e sociais que afligiram outras cor século VII. Da aristocraci: Solon e Pisistrato (640- LLH7 De uma ou outra forma, o governo da maioria d estava nas mios da aristocracia. De fato, a concentragio que houve mais tarde em Atenas c o sistema pec parta obscurecem 0 fato de que, na maioria das con todo 0 periodo clissico ¢ posterior, a forma pesadas levava os homens @ unirem-se para treinamento € ‘um sentimento de camaradagem ¢, com isso, uma crescent consciéncia do mpanhas. Isso Ao longo do século seguinte ou mais, em muitas comunidades ¢URginaboMens: = << CS tiamnde samen co ‘poderiomnilitandosteidados para conquistar poder pessoal (muito ESposs, bservou que 0S tiranos combinavam-os pape sess) démagogos). Esses usurpadores eram conhecidos come 6 Omundo de Atenas IH:4 Uma falange hoplitica. C. 640. tirannos (“tirano”) — palayra de origem ndio-grega que nfo tinha necessa- riamente conotagao de crueldade ou opressiio. O fracassado golpe de estado de Cilon em Atenas, com que iniciamos este capitulo, foi uma dessas tentativas de tomada do poder como tirano. Gilon foi apoiado pelo sogro, Tedgenes, tirano da vizinha Mégara, Os tira- nos tendiam a formar um clube de ajuda e prote¢io miitua, @ilonstraeas- de Platéias, A aurora encontron as unidades gregas em confustio € Mi (6nio foi tentado a atacar. Os espartanos e as tropas de Tegea agiientat Introdugdo histbrica: Linhas gerais da historia de Atenas 17 oataque e, com uma disci ina impressionante, fizeram os Nos combates, Mardénio foi morto ¢ os persas fizeram me’ ram. Estava terminada a ameaga persa ao continente grego. crsas recuat. lta e fugi- Micale 1.H.20 No mar, a frota grega em 479, muito menor que a reunida no ano anterior, era comandada pelo rei espartano Leotiquidas. Tentados pela perspectiva de que as cidades gregas astaticas fossem incitadas a revoltar- se contra a Pérsia, os gregos rumaram para Samos. Os persas nao estavam dispostos a enfrentar novamente os gregos no mar, pois a lembranga de Sa- lamina ainda era recente demais. Assim, ancoraram seus barcos em Mica- Je, um promontorio do continente em frente a Samos, juntaram-se as for- Gas persas que jf estavam estacionadas 14. Leotiquidas desembarcou suas proprias tropas ¢ assaltou a posigdo persa. A resistencia persa desmoronou. Em um momento vital da batalha, muitos dos contingentes jénios das for- as persas desertaram e ajudaram os gregos. A aco deles foi significativa. ‘embora Herddoto estivesse exagerando ao descrevé-la como uma segunda revolta joni Os gregos contra os cartaginenses na Sicilia: Himera, 480 1,H.21 Por aquele tipo de coincidéncia que faz as delicias dos historia- dores, tanto antigos como modernos, no exato momento em que os gregos do continente estavam lutando “para garantir que nenhuma parte da cia visse 0 dia da escravidio”, como diz um de seus monumentos 4 vi TH:11 Restos da coluna em forma de serpente proveniente de Delfos, ergidaem479 pare ‘comemorar es que haviam lutado conta 0s persis. 18 O mundo de Atenas (MeL, 26), seus patricios gregos nas col6nias ocidentais enfrey grande ameaga a sua independéncia. A poténcia dominant Cartago, cidade da Africa do Norte. As col6nias gregas, em especial se tinham estabelecido na Sicilia desde 0 final do século VIN. Mia’ eram um obstdculo iritante ao poderio de Cartago nailla, Nessa époga a cidades cram controladas por um grupo de tiranos dados a disputas, a tre 05 quais o mais destacado era Gélon de Siracusa, Como resullade de uma disputa entre dois dos tiranos, Cartago recebeu um convite para inter vir e aceitou-o avidamente. Em 480, os cartaginenses sitiaram a cidade si ciliana de Himera. Gélon acudiu em socorro com uma grande forga sira- cusana que destruiu as forgas cartaginenses em uma dura batalha nas cer canias da cidade. Os cartaginenses foram forcados a pedir imediatamente a paz. O paralelo com o que estaya acontecendo na Grécia é tao notavel que surgiu a historia de que as batalhas de Himera e Salamina haviam acontecido no mesmo dia. tava g te 0 Oeste ex As seqiielas das Guerras Persas: Pausinias, a Liga de Delos (478) e as muralhas de Atenas 1,H.22 Seria um erro supor que a guerra contra a Pérsia tenha termina- do com as vitérias de 480-79. A guerra continuaria ainda por décadas, ‘Apés Micale, os gregos realizaram um debate em Samos sobre o que de- veria ser feito. Os espartanos, ansiosos por nZio se comprometerem cont uma defesa que podia durar muito, dos gregos da Asia, sugeriram até que 05 jénios fossem transportados de volta para a Grécia continental e Ié reinstalados. Contudo, os atenienses opuseram-se a uma acao tio radical: Naquele inverno de 479, a frota grega deslocou-se para o norte, até 0 He lesponto. La, os atenienses permaneceram para sitiar Sestos, embora @ maioria do resto das forgas gregas houyesse voltado para casa. Em 478, Pausinias, o vencedor de Platéias, assumiu 0 controle da frots grega ¢ rumou para Chipre. Ap6s conquistar a maior parte da ilha, condu- Ziu a frota para o Helesponto, de onde conseguiu expulsar de Bizincio guarni¢ao persa. Foi entio que seu comportamento extravagante © arrogan te ofendeu seus compatriotas gregos. Acabou sendo chamado a Espartt para responder as acusagdes. Conseguiu escapar & condenagiio ¢ voltotl Ns qualidade de cidadao particular, ao cendrio de suas recentes aventuras: Restabeleceu-se em Bizincio e acabou sendo expulso de 14 pelos atenien= ses liderados por Cimon, Regressando a Esparta alguns anos depois, © peito de terse envolvido em atividades subyersivas. As autoridades espar tanas perderam a paciéncia e fizeram-no morrer de fome, quando | refugiado em um templo. Final desconcertante de uma carreira eni; Introdugao historica: Linhas gerals da historia de Atenas 19 1.H.23 £ bem possivel que as atividades de Pausanias em Bizancio te- nham sido apenas a tiltima gota para os aliados gregos, que passaram a ver que Atenas, com sua frota ¢ seus interesses na rota de suprimento de graos do mar Negro, seria melhor defensora dos interesses deles que Esparta. Em 478, 0s aliados gregos rejeitaram o sucessor de Pausanias, quando ele che- gou de Esparta, ¢ recorreram aos atenienses. No inverno de 478-7, em uma reunitio na ilha de Delos, Atenas ¢ os outros aliados do Egeu funda- ram uma liga voluntaria, que tinha, entre outros, 0 objetivo confesso de “compensar suas perdas saqueando 0 territério do rei da Pérsia” (Tucidi- des, A Guerra do Peloponeso, 1.96), Para tal fim, esperava-se que cada membro contribuisse todos os anos com navios ou com um pagamento em dinheiro (tributo — phdros), que scria supervisionado por funciondrios ate- nienses chamados “tesoureiros dos gregos” (hellendtamiai). O autor desse esquema foi o lider ateniense Aristides. Coube a ele a tarefa de fazer uma ayaliagdo das contribuigdes a serem dadas por cada cidade e decidir quais contribuiriam com navios e quais com tributos em dinheiro (5.78 ss.). 1.H.24 Temistocles parece ter tido pouca coisa a ver com a Liga de Delos, seja na sua criagao, scja depois. Naquela Epoca, porém, foi o res ponsdvel por uma medida da maior importincia para Atenas. Convenceu ‘os atenienses a dedicarem suas energias 4 reconstrugdo dos muros em tomo da cidade e das defesas do Pireu. Esparta protestou, chegando até a propor que todas as fortificagdes das cidades na Grécia fossem demolidas como um gesto de boa vontade entre as cidades gregas. A propria Esparta nunca fora fortificada. Temistocles usou de varias taticas protelatorias para distrair os espartanos até que os trabalhos estivessem bem avancados. Apresentou-lhes ento um fato consumado e declarou desafiadoramente que os atenienses eram bem capazes de tomar suas proprias decisoes acer- ca de seus interesses e os do poyo em geral. Desse modo, avisou que os atenienses jé nao aceitavam a lideranga de Esparia. Vinte anos depois a obra foi acabada ¢ acrescida pelos Grandes Muros, que foram construidos para unir a cidade de Atenas ao Pireu. A reconstrucao das defesas de Ate- nas foi a ultima grande realizacao de Temistocles pela cidade. Num certo momento da década de 470, condenado ao ostracismo, foi yiver em Argos, no Peloponeso, onde pode ter sido um foco de intrigas. Foi acusado pelos espartanos de estar envolvido com Pausinias. Quando os atenienses envia- ram homens para prendé-lo, Temistocles fugiu e, por estranha ironia, aca- bou seus dias na corte pers, Morreu em Magnésia, as margens do rio Meandro (Maiandros). Seus contemporineos ficaram impressionados com ‘a curiosa sina de ambos, Temistocles e Pausdnias, lideres da defesa grega contra a Pérsia. * TIS | 20 O mundo de Atenas Cimon ea Liga de Delos contra a Pérsia (476-449) __LH.25 As forgas da Liga de Delos logo entraram em agao, 0 Ii inspiragdo da guerra da Liga contra a Pérsia foi Cimon, filho de Milas © herdi ateniense de Maratona, “Ninguém humilhou o Grande Rei a: que Cimon. Nao o deixou descansar enquanto nfo o expulsou da Grea correu ao encalco do barbaro antes que ele pudesse recobrar o floss © tomar posigdes” (Plutarco, Vida de Cimon, 12), Por volta de 476, Cines capturou Eion, perto da foz do rio Estrimao, a ultima posicao de dee persa a oeste do Helesponto. Por volta de 475, capturou a ilha de Ciros, ao) norte do Egeu. Pode ser que os aliados tenham ficado satisfeitos coma su. pressio de uma base de piratas, mas alguns deles talvez nao tenham deixa: do de notar que essa acaio nao fora dirigida dirctamente contra persas eque. Atenas fora a principal beneficiaria, Na ilha foi descoberto um enorme es queleto que, segundo se alegou, era do herdi ateniense Teseu. Logo apés, atenienses se instalaram na ilha. No final da década de 470, dividas seme Ihantes devem ter sido suscitadas pela acao destinada a forcar a cidade de Caristo, na ilha de Eubéia, a unir-se 4 ilhi Num certo momento depois de 469, Cimon levou a luta contra os per sas a Asia Menor. Expulsou-os das regides costeiras de Caria e Licia , de- pois, no rio Eurimedonte, que corre através da Panfilia na diregaio da costa sul da Asia Menor, derrotou decisivamente as forgas persas em terra e mat” Duzentos navios fenicios que constituiam a parte mais importante da frota persa no Mediterraneo foram destruidos (6.37). Eles representayam aul ma tentativa real de Xerxes no sentido de restaurar sua boa sorte. Em 459, 0 Egito revoltou-se contra o dominio persa. Uma forga de 200 navios da Liga de Delos rumou para o delta do Nilo, onde desde o inicio IH:12 Atena d& boas-vindas a Teseu em seu regresso.a Atenas. Introdugao histérica: Linhas gerais da histéria de Atenas 21 TH:13 Atena 16a lista dos Tortos gregos. C. 460. teve éxito significative. Durante seis estagdes manteve suas posigdes no delta; em 454, porém, os persas destruiram a forga toda, um grande desas- tre para os atenienses. Desde 462-61, Cimon estivera no ostracismo. Em 451-50, assumiu no- vamente 0 comando, mas morreu combatendo em Chipre em 449. Depois disso, as hostilidades cessaram. Algumas fonies alegam que houve um acordo formal entre Atenas ¢ a Pérsia, a chamada “Paz de Célias”. Da Liga de Delos ao Império Ateniense: a ascensiio de Péricles (470-440) (cf. 5.78 ss.) 1.H.26 Por volta de 470, a ilha de Naxos, que niio mais estava disposta a suportar o encargo continuo de fornecer forcas para a Liga, rompeu Seu juramento de fidelidade e tentou retirar-se num momento em que a amea- Ga persa ainda estava viva. Foi forgada a voltar a Liga. Perdeu sua frota © suas muralhas e recebeu ordens de contribuir com dinheiro que servis para construir mais barcos para a frota ateniense. Atenas pode argumentar que Naxos nio tinha o direito de sair enquanto a guerra contra a Pérsia prosseguia. A ilha-estado de Tasos, no norte do Egeu, pode ter tido mais: motivos de queixa quando, em 465-63, Atenas e a Liga « 22 O mundo de Atenas 1H:14 Um fragmento da Lista de Tributos ateniense correspondente 20 ano de 440-30. A inserigio registra a lista da quota de tributo anual pago pelos aliados de Atenas que era oferecida a Atena, Mesmo assim, apés um longo sitio, Tasos capitulou. Perden suas muralhas defensivas, sua armada foi entregue aos atenienses e teve de pagar indeni- ZaGao ¢ tributo. De tudo isso, Atenas foi a principal beneficiaria. Provavelmente em 454, tesouro da Liga foi transferido para a Acro pole de Atenas. A partir de entdo, uma quota de 1/60 do tributo em dinkei ro da cidade foi dedicada & deusa Atena. As listas das quantias eram ins- critas em pedras chegaram até nds muitas delas. Sdo um testemunho da extensao da Liga, que incluia entZo a maioria das ilhas do Egeu e das ¢i- dades da costa norte do Egeu e da Asia Menor. 1.H.27 E impossivel fixar uma data para o momento em que a Liga de Delos se transformou no império (arkhé) de Atenas. O processo foi demo- rado e gradual. A caracteristica mais significativa desse processo talvyez tenha sido o surgimento, na mente dos cidadios atenienses comuns, da crenga de que nao apenas tinham dircito de gozar da prosperidade que vinha com os frutos do império, mas também de que o sucesso do sistema democratico radical e autoconfiante surgido em Atenas em meados dose culo estava intimamente ligado & posse do império. Essa crenga, justifica- da ou no, dominou o pensamento ateniense por mais de um século. homem que teve um papel chave na criagdo desse imperialismo cheio 4: confianga foi Péricles, filho de Xantipo, pelo lado materno membro da aristocritica familia dos Alemednidas, No inicio de sua carreira, em 462-61, Péricles colaborou com 0 lider politico Efialtes no ataque deste contra os privilégios e poderes do antl Conselho do Areépago. O que exatamente foi feito esti longe de est claro; mas 0 ataque aos poderes dessa antiga instituigdo é um sinal d: ———— Introducdo historia: Linhas gerais da histérla de Atenas 23 déne’ uma democracia radical que de modo algum desejava ver suas de- cis6es influenciadas ou recusadas por um corpo ndo representative e nlo responstivel, por mais venerdvel que fosse. Efialtes teve Exito, mas susci- tou uma violenta animosidade, Em 461, morreu em circunstancias miste- riosas. Quase na mesma época, Péricles instituiu o pagamento de uma pe- quena quantia para os que serviam nos jaris. O pagamento pelos cargos, pelo servico no jliri e até pela assisténcia 4 ekk/ésia viria a tornar-se um dos tragos mais caracteristicos da democracia radical. Em 458-57, o arcontado foi aberto a homens pertencentes 4 terceira classe de riqueza estabelecida por Sélon (ver 5.26). £ provavel que Péricles tenka sido o inspirador do grandioso programa de construgdes que, a partir de 450, cnriqueceu Ate nas com 0 Partenon e outros templos e edificios na AcrOpole, além de tea- tros ¢ ginasios em outras partes da cidade. Artistas e arquitetos tais como Fidias, Ietino e Mnésicles trabalharam nos projetos. Essas edificacbes re- presentaram a culminagio do renascimento de Atenas apés sua destrui¢io pelos persas. A meia de Péricles era claramente fazer de Atenas uma cida- de adequada a lideranca de um império e ficava feliz em ter o tributo que vinha desse império para financiar 0 projeto. 1,H.28 Atenas, na segunda metade do século V, inspirou e atraiu poetas artistas numa escala sem paralelo no resto da Grécia. O poeta trigico S6- focles (c. 496-406), cidadao ateniense, desempenhaya todas suas fungdes na vida piiblica de sua cidade como general e perito financeiro, além de seus feitos como poeta. Seu contempordneo ateniense mais jovem, Euripides (485-406), produziu obras que refletiam os ensinamentos dos intelectuais (Gofistas) que eram atrafdos a Atenas. Péricles teye como mentor um dos primeiros filsofos que se fixaram em Atenas, Anaxdgoras de Klaz6menas. A partir de 443, Péricles foi o lider popular dominante em Atenas. Sua popularidade, seu incentivo as artes, os projetos de construgies, tudo isso evocava lembrangas de Pisistrato. Mas niio ha motives para supor-se que seu poder se apoiava em qualquer cargo excepcional. Sua influéneia de- pendia, em iiltima instancia, de sua capacidade de atrair a sia maioria da ekklesia ateniense (cf. 5.33). O rompimento com Esparta ea Primeira Guerra do Peloponeso (464-445) 1.H.29 0 crescimento agressivo € auto-afirmativo do poderio atenien- se desde as Guerras Persas devia ser uma questiio preocupante para as de- mais cidades gregas, principalmente para Esparta. As mudancas sibitas de atitude e de politica tanto de Esparta como de Atenas nos cingienta anos que se seguiram as Guerras Persas explicam-se melhor pela possibilidade 24 O mundo de Atenas 215A Acropole de Atenas vista a partir do o¢sie. de debates no interior de cada cidade a respeito da reaco mais adequada 4s acSes do outro. Em Atenas, Cimon patrocinava abertamente os interes ses de Esparta, a ponto de provocativamente dar o nome de Lacedemonio aum de seus filhos. O ponto de vista de Cimon era que 0 inimigo cont nuaya sendo a Pérsia e que era essencial manter entre Atenas © Esparta a ‘cooperacao que tanto contribuira para a derrota dos persas. ‘Achava ques nao havia nenhuma razio para que a Grécia nao pudesse ter Iideres asso- ciados cujas esferas de influéncia nfo fossem conflitantes. Outros an muito mais dispostos a explorar qualquer fraqueza de Esparta naque cs ‘anos. Muitos espartanos nao teriam lamentado 0 abandono da guerra nay ‘ contra a Pérsia ap6s 478. Por outro lado, os sucessos de Atenas com a Ei de Delos podiam ser vistos como um desafio a teia de aliangas da prope Esparta com os estados vizinhos (a chamada “Liga do Peloponeso”), com> truida ao longo de muitos anos. A questdo era que a Liga do Pelopones era uma alianga muito menos centralizada que a de Delos endo estava apta a oferecer uma reagio coordenada a ascensiio de Atenas. - a 1,H.30 Nao € que Esparta pudesse fazer muita coisa a respeito de Ate ‘nas, pois durante os quinze anos que se seguiram as Guerras Persas, 0S ——— Introducdo historica: Linhas gerais da historia de Atenas 25 partanos tiveram de enfrentar desafios ao seu dominio no Peloponeso. Scus infortinios culminaram, em 464, com um imenso terremoto que de- vastou a cidade € causou a perda de muitas vidas. Os hilotas, populacao servil grega da Laconia e de Messénia, escolheram esse momento para re- yoltar-se. Embora houvessem conseguido encurralar os hilotas no monte Itome, na Messénia, os espartanos solicitaram a seus aliados, inclusive a ‘Atenas, que enviassem ajuda para por um fim 4 revolta (cf. 6.29). A des- peito de alguma oposigdo, Cimon conseguiu convencer os atenienses a en- viar um contingente para auxiliar no assédio aos hilotas em Itome. Infeliz- mente, o comportamento dos democraticos soldados atenienses, que pode- riam vir a solidarizar-se com 0s messénios, preocupava os espartanos, que os dispensaram sumariamente com a declaragao de que nao eram mais ne- cessirios. A irritagdo ateniense foi considerdvel e a humilhacao sofrida por Cimon nas mios dos espartanos foi uma das acusagoes que ajudaram a fazer com que ele fosse condenado ao ostracismo em 461. Sua politica de cooperacao com os espartanos foi abandonada e os atenienses ficaram muito mais dispostos a tomar dificil a vida deles no Peloponeso. Essa mu- danga foi sinalizada por uma alianga entre Atenas Argos, celebrada por volta de 460. E certo que Argos era inimiga dos espartanos e, na época, deve até ter estado em guerra com eles. Esse evento pode ser considerado a abertura da Primeira Guerra do Peloponeso que, até 446, foi conduzida de maneira um tanto inconstante, Mais ou menos na mesma época, 460-59, Mégara, apés uma disputa de fronteiras com Corinto, retirou-se da Liga do Peloponeso, a que pertencia, e fez alianga com Atenas. Isso garantia a Ate~ nas 0 controle do extremo norte do istmo e tornava muito dificeis as ope- rages de Esparta na Grécia central. ‘Nos primeiros anos da guerra, 459-57, os aliados de Esparta no norte do Peloponeso, Corinto em particular, suportaram 0 grosso dos combates. © ganho mais significativo desses anos foi a tomada da ilha de Egina por Atenas em 457. 1LH.31 A primeira contribuigdo importante de Esparta para 0 conflito aconteceu em 457, quando uma forga de tamanho consideravel atrayessou © golfo de Corinto para intervir, na Grécia central, na disputa entre a D6- rida ea Fécida, LA chegando, uniram-se aos tebanos e deslocaram-se para a fronteira com a Atica, Os atenienses foram ao encontro deles em Tana- gra. A vitéria de Esparta em uma dura batalha confirmou 0 mito da inven- cibilidade da falange espartana, mas ndo foi prentincio de um éxito no longo prazo para os espartanos. Sessenta dias depois os atenienses, coman- dados por seu general, Mirdnides, derrotaram as forcas beécias em En6fi- ta. Atenas passou entdo a sera potencia dominante na Grécia, controlando a Beécia ea Fécida. Aqueles dias foram grandes para os atenienses. Sua 26 O mundo de Atenas confianga é bem ilustrada por uma expedico do general ateniense Top des com uma frota que navegou em torno ao Peloponeso. A frota ineendiny © porto espartano de Giteion e fez ataques a muitos outros pontos. 4. ia se seguiram ataques de Péricles ao golfo de Corinto e seus arredores, a 1.H.32 A guerra chegou a um impasse, Apos dez anos, o impériy te: restre de Atenas desmoronou. Em 447, 0s beécios derrotaram 05 atenien. ses na batalha de Coronéia. A ilha de Eubéia revoltou-se em 446 e, quan- do Péricles foi para 14 com um destacamento, Mégara aproveitou a pon tunidade para massacrar as guarnigGes atenienses, Ao mesmo tempo, 6 rl espartano Pleistéanax conduziu um exército espartano para o interior da Atica. Em resposta, Péricles voltou as pressas de Eubéia. E provavel quea intencio basica da expedicao de Pleist6anax tenha sido evitar que Atenas interviesse na revolta de Mégara. Uma vez alcancado isso, Pleistéanax re- cuou sem ter chegado perto de Atenas. Essa retirada permitiu que Péricles: voltasse a Eubéia para sufocar a rebeliao. Em Esparta, houve quem achas- se que Pleistéanax perdera uma oportunidade ao desistir de levar adianteo ataque. Talyez 0 rei espartano jé tivesse iniciado com Péricles as negocia- ges que, no inyerno de 446, levariam A assinatura de uma paz de trinta anos entre Esparta e Atenas. A base para a paz era que ambas as partes aceitariam o status quo. Atenas renunciaria 4s suas pretenses a um impé- rio terrestre na Grécia central e deixaria de intervir diretamente no Pelopo- neso. Apesar disso, conservou Egina e uma base naval no golfo de Corin- to, em Naupacto. ‘A Segunda Guerra do Peloponeso, 431: preliminares 1.H.33 E claro que, dos dois lados, havia quem estivesse decidido @ fazer com que a paz funcionasse, ja que os termos incluiam uma clausula que previa a arbitragem para as disputas que certamente surgiriam. Na ver dade, a paz nada resolveu e em Esparta, particularmente, muitos nao con: seguiam deixar de ressentir-se com o fato de que Atenas, desde as Guerras Persas, os mantivera em segundo plano, Logo comegou uma reagao. Em 445, o rei Pleistéanax foi processado e exilado por suas agGes 0 ano ans terior durante a invasio da Atica. Correu 0 boato de que s6 um subomo: pago por Péricles explicaria por que deixara de usufruir da vantagem COM seguida. Uma observagao casual em Tucidides (1.40) revela precisamente 0 tom de beligerancia que ainda reinava em Esparta. Em 440, Samos revoltou-s®: contra © império ateniense ¢ Atenas foi forgada a enviar uma importante expedicao, comandada por todos 0s dez sirategof (generais), entre os qU Péricles. Fica claro que, nesse momento, os préprios espartanos votaram ! Introducdo historica: Linhas gerals da historia de Atenas 27 fayor de uma guerra contra Atenas, mas nio foram capazes de conquistar a maioria dos membros da Liga do Peloponeso. Nessa atmosfera, 0 reini= cio das hostilidades era apenas uma questo de tempo. 1,H.34A explosao aconteceu no final da década de 430, quando se con- siderou, mais uma vez, que Atenas estava imiscuindo-se em assuntos que nio cram da sua conta, desta vez para particular irritagdo de Corinto, A ilha de Corcira, ao noroeste da Grécia, embora coldnia de Corinto, envolveu-se em uma disputa com sua metropole, que se acirrou até torar-se guerra aberta em 435. Dois anos depois, Corcira buscou uma alianga defensiva com Atenas e, para a firia de Corinto, os atenienses a aceitaram. No inver- no de 433-32, Atenas e Corinto entraram em choque por uma questao de jurisdigao relativa a Potidéia, cidade da Calcidiea, no norte da Grécia, que era ao mesmo tempo colénia de Corinto ¢ membro tributdrio da Liga de Delos. Corinto instou os demais membros da Liga do Peloponeso a uni- rem-se a ela em um protesto contra Atenas diante dos espartanos. Egina € Mégara acrescentaram suas proprias queixas as de Corinto. Para que ser- via a Liga do Peloponeso, se Esparta nao estava disposta a defender os interesses de seus membros? Corinto acrescentou: “Nao nos forceis, em desespero, a juntarmo-nos a outra alianca”. A ameaga a continua¢ao da existéncia da Liga do Peloponeso era provavelmente desnecessaria. Os “faleoes” espartanos, liderados pelo éforo Estenclaidas, tinham uma maio- ria tdo clara a favor da guerra que puderam ignorar os conselhos de cautela do rei Arquidamo. Com Esparta pronta para a guerra, seus aliados ficaram ansiosos por unirem-se a ela, O inyerno de 432-31 passou-se em negocia- Ges estéreis enquanto Esparta buscava, desesperada e inutilmente, justifi- cativas legais e morais para romper a paz. Tucidides, o historiador atenien- se desta Scgunda Guerra do Peloponeso, reconheceu sem rodeios que, mais que os incidentes e disputas que levaram ao confronto, o que inspi- rou Esparta & aco foi o problema nao resolvido nos cingiienta anos desde as Guerras Persas, 0 medo € 0 citime que os espartanos sentiam em rela- Go ao crescimento ao poder de Atenas. E uma curiosa ironia o rei que reconhecera que esta guerra seria dificil de vencer ter dado o seu nome aos primeiros dez anos de combate, muitas vezes chamados de Guerra de Arquidamo. A Segunda Guerra do Peloponeso: Platéias, a peste em Atenas, a morte de Péricles (431-429) 1.H.35 Foi Tebas quem tomou a iniciativa. A cidade de Platéias, antiga aliada de Atenas, recusara-se terminantemente a incorporar-se @ confede- ragdo beécia, Certa noite, no inicio da primavera de 431, uma forga de te~ 28 O mundo de Atenas banos foi acolhida por simpatizantes no interior de Platéias, © ataque surpresa fracassou e os plateenses capturaram e depois aa 9 tebanos. Em resposta a urgentes apelos, os atenienses enviaram gant para auxiliar Platéias. Nos quatro anos que se seguiram, os ites, a 2 Tam suas agdes contra a cidade e, a partir de 429, passaram a siti} a ajuda de Esparta (6.29). A despeito das engenhosas contramedidas coo pelos plateenses na defesa de sua cidade, a capitulacio foi-lhes im ae 427, Curiosamente, Atenas fizera pouco para ajudé-los, Por instseaui Tebas, os defensores sofreram uma vinganga, A cada prisioneiro perpunta . se: “Que fizeste para ajudar os espartanos e aliados na presente guem= Quando, inevitavelmente, ficava-se sem resposta, 0 prisioneiro era Tevadoa execugdo. A cidade foi arrasada. A sina de Platéias ilustra um dos aspectos” mais desagradaveis dessa guerra. A cidade esta no alto de uma longa lista de pequenas comunidades, como Gione e Mclos, que foram envolvidas nis lutas € sofreram atrozmente nas maos dos protagonistas. 1.H.36 O rei espartano Arquidamo inicialmente foi contrario a guerrae a causa dessa oposigao deve ter sido a experiéncia da Primeira Guerra do. Peloponeso que deixara dividas de como uma guerra como aquela seria yencida, Como nem se podia pensar em sitiar Atenas, os espartanos deci- diram-se por invasdes regulares do territério ateniense no inicio do verao para colher 0 trigo maduro ¢ devastar o campo. E provavel que a mais longa dessas invasdes, em 430, ndo tenha demorado mais que quarenta dias, mas, “no inicio da guerra, alguns achavam que Atenas poderia sobre= viver por um ano; outros calculavam dois anos; ninguém contava com mais: que isso” (Tucidides, A Guerra do Peloponeso, 7.28). De certo modo, # tentativa quase teve éxito. Os agricultores atenienses sentiam-se deprimi- dos por precisarem ficar amontoados sob a protegao da cidade no momen= to da invasdio ¢ depois assistirem, do alto das muralhas, a0 incéndio de suas: plantagdes. Na altura da segunda invasdo, em 430, uma virulenta peste, aparentemente trazida por navio do oriente, irrompeu em Atenas e espa Thou-se Tapidamente por toda a populagio. O historiador Tucidides foi con tagiado, mas sobreviveu para fazer um vivido relato dos sofrimentos. O de Sastre quase acabou com o dnimo ateniense. Houve uma reagdo conta Péricles, que foi julgado e multado, Houve até uma tentativa de abrir ne Bociagdes de paz com Esparta, mas isso deu em nada. } 1H.37 Em 429 Péricles morreu, vitima da peste, O desapareeimento 40 homem que dominara a politica demoeriitica por varias décadas deyia afe- tar Atenas profundamente, Depois de Péricles as coisas nunca mais pode riam ser as mesmas, mas $6 piorar, hhistoriador Tucidides, os lideres 6 eram demagogos me: a julgar pelas fontes da época. Para 0 0s lideres que emergiram da sombra de Péricl Squinhos € interesseiros, Essa opinido foi confirma Ha TU Oa Introducdo histrica: Linhas gerais da historia de Atenas 29 pelo comedidgrafo Aristéfanes que, a partirde 427, produziu pecas que sa- tirizavam e ridicularizavam os lideres do povo durante a Guerra do Pelo- poneso. Foi também Aristofanes quem nos proporcionou a chave da fonte desse preconceito — 0 esnobismo. O demagogo Cléon € apelidado de “Cur- tidor”, enquanto Hipérbolo, outro lider, é o “Lanterneiro”. O motivo desse escdmnio é que, enquanto até Péricles a maioria dos lideres do povo provi- nha de bergo aristocritico, apés sua morte a nova estirpe de politicos ndo podia apresentar grande arvore genealdgica com muitas geragdes de no- breza. Na verdade, os novos homiens cram ricos, mas sua renda nao vinha da lavoura, ocupacdo caracteristica de um nobre ateniense, mas também da exploragiio de escravos em pequenas fabricas, Eram também bem-educa- dos (particularmente na sofisticada arte retorica) e especialistas em areas especificas, tais como financas e navegacao, Quanto a maneira de dirigir a guerra, no periodo imediatamente posterior morte de Péricles, nao surgiu nenhuma estratégia radicalmente nova. ‘A revolta de Mitilene; Férmion em Naupacto; movimentos no noroeste da Grécia (428-426) 1.H.38 Para Péricles, a chaye da sobrevivéncia de Atenas estava em evi- tar em terra um confronto direto com Esparta e cuidar da frota usando-a para conservar abertas as rotas maritimas, para espicacar o inimigo e para manter nas mios de Atenas 0 seu império. Em 428, Mitilene liderou a ilha de Lesbos (com excegiio da cidade de Metimne, que tinha um governo de- mocratico) em uma revolta contra 0 império de Atenas. Os atenienses blo- quearam a ilha e, a despeito de Esparta prometer o envio de uma frota para ajuda-la, Mitilene foi forcada a render-se em 427. A reagdo inicial da ekklesia foi severa: votou a execugd0 de todos os homens adultos ¢ a venda das mulheres e criangas como escravas. No entanto, da noite para 0 dia as opinides mudaram e, no dia seguinte, 0 debate foi retomado. Cléon foi in~ transigente; o terror, argumentava ele, era uma arma necessiria para 0 poder imperial. Por outro lado, o politico Diédoto estava convencido de que uma politica mais moderada seria mais benéfica. A ekklesia, por es treita minoria, mudou de idéia e decidiu limitar o castigo mais severo a uma minoria, os mitilénios que houvessem comprovadamente fomentado a revolta. As noticias dessa mudanga de opiniio, levadas para 0 outro lado do Egeu numa trirreme, chegaram a Mitilene justamente em tempo de 1m- pedir que o massacre geral fosse levado a cabo. O incidente foi usado para ilustrar a volubilidade da assembléia democritica ateniense. Por ouiTo” lado, foram poucos os governos que, em épocas posteriores, Hyeram magnanimidade e a coragem de admitir um erro.

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