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Colegio ANTROPOLOGIA SOCIAL diretor: Gilberto Velho +ORSO Eo RSI "CULTURA RAzKO PRATICA ‘Verena abert unas OF HISTOR + ANTROFOLOGIA CULTURAL See es ran Boas "+05 MaNoMRINs MuACROSOS +0 Eseiro Muutan laabeh Tras Os MuITARES EA REDiBUcA 0 + ANTROFOLOGIA URBANA (Co Castro *Desv0 € OvERCeNCIA yen, *INoMOUAUSIO E CULTURA See + Projeto € MeraMoarose + SupgTMDADE € SOcEDADE + Gazonas oe Proctawa Maia Duke Gapar ‘Uroha Uieans| ‘ie Now wz som *Pesqusts Umanas i earaee Gite Woe ari Kaci ior Gee so MuND0 Fuse Cates +0 Conouno oa Pouca sO MasrEv0 D0 Sim Karna Kuscnie ‘= CuTUR UM Conceo ezetna 04 Suva: ANTROPOLGCICO PaoDUTO 80 MoRRO Rogue de Baros aria Lescia Vianna + AuTONDADE & AveTO +0 MUNDO DA ASTROLOEAA Myriam Lins de Barros ae Rodfo Wihens *Guthea o€ ond Yronne Maggie Celso Castro O EsPiRITO MILITAR Um antropélogo na caserna 2 edigao revista Jorge Zahar Editor Rio de Janeiro Copyright ©1990, Ceo Ct Copyright dt ego © 2004 erge Zar Ed La su Medic SI sabe 2051-44 Rd ac RI tel (2 2240 azz) 2025125 ‘ma as@abarcor be ‘ste sonar Todt tien rer, vous no strads dst pub, td ‘ovem parte const volo de des ators (9.61088) io anterior 1980 ope Serio Campane iP Bras, Ctlogaco mote Sindkato Nicol dosEdtoes de Lio RL at Ca, 198 cise 0 espito ita um anvopsog my ese ek Cast,= ed evita Ri enc orge Zaha Ed, 2004 (antvopsiopa soi Inch ogra ISN #57110 1209 1, Academia Mar das Aguas Nes. 2 Soilog sie Bea 3 Soca prfsinsl~ Ba 4 Rl {Seven vers = Ba, al — Pres Ame {as —Viu nae Tit Sere (cB 30620781 ovat bu sI63343355281408 Sumdrio Introdugao 13 1. Militares Paisanos 19 2..Os Espiritos das Armas 55 3, Digressdo: Uma Histéria da Academia Militar 10s 4. Os Cadetes eo Mundo de Fora 143 ‘5. Um Antropélogo na Caserna 159 Notas 169 Referencias Bibliograficas 178 Agradecimentos 182 Mas 6 bom lembnar que sempre existe o reverto demedahae que que podemoscapar dentroda iprestredade de nao conbecimenta, sempre é sums aparéncia on, pelo menos, wn lado, wma ero de um todo muito mss complex, jos iswris 1 ucedem iinteruptament,d med de que temoriuséo dete os dewendado. Guaeero VELHO Preficio a 2* edigdo A ego dest to, 4 anos ap se langamentos me ta grande ‘nisi. © eprio milo tornow-se referencia para ba pated produgao academia sbre os militares no Bas, pois 0 prime Pesquisa de campo antopoligiareiza nna nti ilta— {Academia Miitar ds Agulhas Negras (Aman). Acedto ques ei Cipis tees do vo continsam vidas para compreenso da forms Gio doy fis do Exrcito ainda hot, poi efeemse a proces Sociis de longa duragie Alem de seu poner, O epritomiar ermanece send um dos poucos estos do nero sobre a Forgas ‘rmadas rasa creverO csi mtr mito important paraminha rie sia academic, Desde ento, eno publcand outs tabalhosr- Incionados a tem, Em Or mare Repain 1995)apresente a ‘dana Academia Mitra inal do Império eo envlviment deo ‘es nda formados no movimento qu von ao glperepublieno de 1S de novembro de 188, Mas tarde, excrei A enn do ret Irae (202), bre o proceso de invengto de tad insti co. Acombinagio de snropeogic hintria sempre auton mika Srajtriaacadmie gerando lives volados pars compreenso do pelo Exérito eda ForasArmadas no cen police nacional. uu fia reperessio de O exo militar unt a0 its? Mexmoapéstodos esses anos continua sem ma spot rei pa ssa perunta, Envi dsertago, od seguite a a dees 20 c- ‘mando da Aman, Depos cots paso lngament o vo (do {eal doi dois exemplars para biblioteca da institut) Noentanto, Munca obtive um retorno oil espe do trabalho Imaginava que ° pudesse ser convidadoaconversar sobre ovr pelo comandlo da Acs butos"carzespondentesa ess aspecto, que so: entusiasmo profisso nal, lealdade, dscrgao,disciplna, apresentagio e camarada «ada um delescorresponde,finalmente, uma serie de “indicios’, com as mengBes cortespondentes. Dentro do “ateibute: camaradagem”, por exemplo, temos, entre outros, os dois indiciosseguintes: “desta ‘cous pela aceitagio por parte de seus companheitos, om os quais ‘ooperou em todasasstuagSes", que correspondea mencao “muito ‘bom"se“foi poucoaceto por seus companhelros sé cooperandocom ‘0s mesmos em determinadasstuacbes”,a que corresponde a menglo “insuficente ‘Ao final, cada cadete €avaiado por seus colegas mais proximos e ‘or seus superiors imediatos em ses aspectos que compreendem 36 stributos, aos quas esto relacionadas centenas de inicio, A tabula ‘0 detodasas notas que cada cadet ecebeu resulta no "conceit" ni ‘mérico, © cadet tem aceso apenas 20 conceto final que Ihe cabe eas patciais dos aspects, no sabendo nunca quem atribui individual ‘mente que nota, Como o oficiisimediatamente superiores tem aces- 50 a0s conceitos de todos os cadetes, pode acontecer — 0 que nio € ‘muito rato — que els venhama descobrir que cadetesa quem tinham, ‘malta estima si considerados, por exemplo, "deseais” ou indiscre 10s" por seus companbeiros.O conceto horizontal oficial, portan- 10,0 controle do grupo sobre cada um de seus elementos. Existeuma vist “ideal” tespeito da competicao. Vejamososse- auintestrechos de entrevistas: Vocé lita por wack, mas nao pra prejudicaro out, voce entendeu? Voce renta dar 9 méxima de voct. mas com o objetivo deconsepu para voce, no com oabjevo decir do outro. Agente tem que con eui fazer s0:ser amigo amigo seu que estua unto, mas 20 mes mo cempo vocébatalhando.. PS, voce tem uma duvida, eu vou I, {iro ava divda, ev explico, do tem problema. Mesmo que voces tejaconcorrendo comigo. A gente not preocupade com iso, nO ‘ligando pra ito. A preocupagio nossa ¢ fazer 9 mimo posse: fu consige até aqui, meu limite & ese; olan consegue até mais um Pouca sicrano jf consegue menos. Eos rds Sto unidos, sem proble Ina nenhum.. Cada qual teneando esperar, nfo superar out, ‘oct tentandoaumenar ose horaonte, sem querer que 010 lm teodele, devando ocaminko dele rangle. Agora, seo outro conse _girte pasar meus parabens! Claro que voc prefer estar na ete, ‘mas aqu no tem ese esr de compacta acirada. (an) sauTaResEpnanos * ‘Aqui dentro a colocaczo&imporzanee, mas at um minuto antes ds prov nds estamos etadando juntos... [A compeici] 6 exe rnahora que ved sent. Ene sevoct ra um grau 7 eo companheiro ‘ira um grav 10, voce bate palmas pra ele, oct chega eda "fulano & um cara incligence”.. Métodele, enendeu?. € quand eu asa ‘uldade I fora era cada um por s, Deus por todos. (4 ar) Euyou render que cenho que rendermesmo endovou iar preoc pado come outro, O que eu estudarea sir Ecada mai seclasi- ara medida de suas capacidades, ocaravaficarnacolocagio dele normal. (ano) ‘A competi que hi nfo tem aquele carierpesoal, de vigara pes: so porque na minha frente Tem muito mais auocrtica. Quando alguén na minha frente, por um mecivo ou por auto, ev lho mu oma para mim do que pro euro cara. NGO sinto'acompesg8o ‘qu pudeste geraruma desunao.Jéme falaram que acontece ase ‘fo posso te caer de epergnia propria. (1 ene) ‘Aimagem de uma “competigao sada” é muito fortena Aman, Ela pressupbe a igualdade de condiges para toda as pessoas num mome Co nici A partir da, seréformada uma escala de méritosindividuas, provados através de exames. A educagio militar, portato, transmite valores metitocriticose no desenfatiza a competi: mas ela tende a ser muito rigoroa quanto ao fo de que a competi tem de ‘ocorrer de acordo com conjntos de eprasespecfias elas. Isto 0 Prevaecenecesaramente em ors proses E importante enftiza ue os militares 4, possvelmenteo grupo gue mais intenssmente re {2a competiio inte, contanto ut conde formalmenteiguasse jm dadas todos no ponto de partida” a compet sad” surge uma dsposigio entre as pesoasba- seada na precedénca “natural” dos mais qualifiados, conforma te digio do individuaismo modern. Mas esa lve competgto nio seta contraitria com o que fi vis antrirment sobre 0 sent mento da preeminénca da coltvdade sobre osindvduos? rei que se poderiatentar responder a esa questo em pelo menos dois ent dos, que gostara de brevement indica ‘A primeira posildade seria pensar na ideologa militar como um exemplo de “individualism toate, uma expresso utlzads «m outro context por Dumont.” El intouis na anteopologaso- ‘il atravesdeseuetudo sobteosistema tradicional decastar ma india (1970), a andlise da oposigto entre as ideologias “holsta”e“indivi- colégica” do homem segundo a qual a tinicarealidade psioldgica moral €a conta no individuo, embora caraterstica das sociedades rmodernas, pode dar lugar, ness mesmas sociedades,& percepylo “sociogica" do homem, em determinadas experiéncias de coetv dade — como ado Exércio, por exemplo.” ‘A segunda possbiidade implicarareconhecercom Schur," que estilo de vida de cada grupo socal compreende diferentes dominios de rlevincia, e que 0s critéros vidos para cada um desses domi nos no podem ser aplicados a outros. Nese sentido, teriamos ct térios que valem para o momento de integracio ¢ outros que valem pata o momento da competicio. Note-se apenas que esses dominios, de elevancia nao tém uma ordem fsa eimutivel esto em fuxo con- tinuo podem ser dfinidos de virios modos; cumpre pois distinguir sempteente situagbes particulars. (Qualqucr que sj a respostatedrica que se dé para a questo integ ‘50 X competi, o certo € que, na realidade cotidiana da Aman, a ‘ompetici pela clasificario escolar pode aetar a integracao do gr po e abrir uma brecha perigost na estrutura de reaidade da visto ideal” ou "sadia" da competica. Tendo por referencia a competgae, diversas questes sto atualizadas segundo uma nova perspctiva, me nos “ideal. Por exemplo, «cola: se antes aparecia como simbolo de sdesonestidade, caractristca diferencial entre militares ¢ paisanos, agoraa énfase é deslocada para suacaracterizaio como meilcto de ‘conseguir vantagem num meio ondea igualdade de condigbes deve serum dado, Por isso colaéumassunto tabu; como diz um cadete do $¥ano, cola €algo que “marca profundamente’: “Quando um cara é pego colando aqui na Academia, tchau! Voce pode até esquecer dos amigos que tinha, porque no tem mais.” Nao apenasa cola,mastam- bbém estudar escondido ou dissimular 0 extudo € malvsto: 0 verbo ‘rairar”, corruptela de trai’, éutilizado para designaroato de, por exemplo, uma pessoa estudar de madrugada enquanto os colegas dor- ‘mem ou fingir que nio passou o licenciamento todo estudando, en- «quanto 0s colegas descobrem que sua mala pesi como chumbo, pel ‘quantidade de “papiros” (material de estudo) que provavelmente car- rega.O "trata" aguele que nao acitaalimitacao de tempo igual para ‘ estudo de todos, a igualdade absoluta de condigbes, e quer estudar mais tempo que 05 outros. CComparem-se as transcrigbesseguintes com aquelas que caracte- rizaram a “competicio sadia: Agora, a unito fundamental de todos aparece posta em questo; o “holism” do mundo militar adquice um tom de artificilidade ainda nao vshumbrado: Sempre peas asin [segundo a visio “sadia” da competiio), ate agora nfo made, Mas. je uns certorchoques com es. Eu eh do desorganizado, cl certos trabalhos, crtas apostias que voce ro tem tempo de fazer, ouvai para asa Final desemana endo faz Al chega spresado evi pedir emprestado, 4 aconteceu de cra flor: “Rio, eu perdi meu final de semana estudando, nto ou te empres- ar” A depois va vera clasicago, o cara uma ou dts 98 tt Feng. Alem voce nem 8 roar com 0 um ponto mea er covoct analsar esse negécio de clssiacte... (oro) ‘Ano passado tinha um cara, a gente descobris, a agenda anotads com ae notas dos dos mate srios concorrentes dele» Em determi ‘nados momentos a gente se ence como uma fafa, 8 pra sen Mas na maora das wezes tu vente que ssinho, que € cada um por si, pela propria compeici que em, No final das coneas, a gente ‘ads um ¢imeressado nos seus problemas, cada um se preocupa consig. (2a) Temuma era qu eu ago Academia... esse modelo de casi cagso # de conceuagso Iso nha que dar um eto de muda. Eu acho queisocria um clima compeitive dentro da escola, oqueé pre judi esse aspecto de unit, de amizade. Tem muito cara njento ‘qu fea comparando as nots, olhando...ntio ev-acho que cia um ‘ima ndosideal. (4 oro) [No Curso Bisico da Aman o novato passa pelos rituals que levam & passagem da condi de bicho ade cadete, que coincide coma passa ‘gem da condigio de pisano ide militar A distingao entre militares Paisanos ¢ o passo primordial instaurador, do esprit militar. Mas, Ino €0tinico, como veremos a seguir. Ao terminar 0 Curso Bisco, 0 ‘cadets no € mais considerado paso, mas € um militar ainda “em testado bruto’ que tem de ser “Tapidado” pela Arma, Os EspiriTos DAs ARMAS Noi seguintea vot das ia, ates de inicaem a aus, ca dees que concluram ano sto reundos no audio ds Aman. Al, sum lima de grande tens, eles so chamadosindvidualment, pela cde declsifias escolar obtida no ano anterior, par escolherem suas Armas: Infntara,Cavalari,Artharis, Engenharia, Intendencia, omvunicages ow Materia elco,’ © leque de opges dminuia med da gue ommero devas previsto para cada Arma vai sendo comple tudo; assim, os limos nao escolhem: 520 “compusados eta a ‘pet, cada cadete dirge-s paraaala de sua Arma,onde éreepciona- «lo com agra pelos cadets mas antigos e ofcas, conhece seus no- rs alojamentosereebe, para ust na goa do uniform, odistintiva ‘qe pass a indicar seu pertencimentoaquela Arma ‘Acerimnia pode er modifiada deanoparaano,masmo que ‘cscofha da Atma representa. Em primero gar o cadet dena deer bicho: "Realmente,¢ um negcio vibrant, a entrada na Arma. O pes soa senea deren nto mais bicho."P,gragasa Deus. agora ct) a Arma E uma atcensio violent” Com iso encera-s¢ 0 priodo dos totes, que i via dim nuindo desde a enreg dos espadine.Ocadete pass ser “igual 208 outros comegaa seguro seu proprio camino" dea de pertencer a “Yala comm’ tem Arma. O tratamiento dispensado ao cadet pelos oficiis aos quae esta dietamente subordinado também sealers em bora continue pautado pelos mesmos precios ierirquicose displ ‘aes de antesO que parce ocorter, ese caso, €o fm do "exces dio “a mais" de cobrang epressocaracteristico do Cars sic. bo * tsmrosmran porque ocadete passa apertencer, desde agora, mesma Arma deses ficiis. ‘Na maior parte do tempo durante os proximos anos, cadete es tard em companhia exclusiva de “irmios" de Arma, No cotidiano da Academia exist wana nitidaseparacio entre as Armas,¢ or ese mot ‘vo alguns cadeteschegam a dizer que "aqui nao € uma Academia io sete Academias, uma para cada Arma. FE totalmente diferente” As tr ‘mas de aul, tntoas do ensino fundamental quanto as do ensino pris sional ou de educasio fsa, si separadas por Armas. Os alojamentos (alas) so separados por Armas, e quando acontece de — por sobras, no efetiva — parte de uma Arma sr alojada na ala de outa, ela “nao participa da ala, so dorme li” As refeigaes so fetasem mess separa das por Armas. Finalmente, os execicios-de-campo slo feitos por Armas, muitas vezes coma paticipasao de cadete de mais de um ano dda mesma Arma. Logo interagao vertical dentro das Armas é muito ‘mais intensa do que a horizontal entre os anos. Dentro da Arma com ‘vem 02,3 e4* anos: embora as aulas sejam separadas, eles se encon= tram nas alas, nas estas da Arma enos locas deinstrucdo (parques).O {ano pasa a ser uma referéncia meramente cronologica. Um cadete€ ‘de infantaria,Cavalaria ou outra Arma antes de ser do ou ano. "Mas falta ainda dizer a cosa mais importante que o dia da escolha| de Arma representa: uma opgao defnitiva, para toda acareira do mi- lita. Maitos fam desse momento como “urn casamento’ porque “& ra vida toda, se escoher mal nao vai da certo, enquanto para outros cle é "pior que um casamento’, porque “ndo pode muda’: Depo da ‘scolha feta na Academia, nto ha menor possiblidade de muda {de Arma: quem fcarinsatisfito com a Arma na qual ingressou, 04 ‘continua insatisfita ow abandons a cari.” Os faturosoficiais 56 perderio a Arma se vierem a atngir generaato visto como aconsa- sgragio da carreira: os generais esti “acim das Armas Plo que j foi dito fa fic eompreender por que uma das preo- ‘cupagies centris dos cadets durante o Ian €a abtenso de infor- _magdes sobre as Armas, informagdes que provém das mais variadas, fonts, Ees assstem a pastas proferidas por oficiis além de rem as exposigbes que sto montadas na Academia comemorando “semana”

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