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DE ESCRAVOS A INDIGENAS OMT em Tele ssrenels esea dupe MaKe Ce (oe tiated (séculos XV - XX) ‘riTULo De escravos a indigenas. . O longo proceso de inscrumentalizaio dos afticanos (séeulos XV-XX) AUTORA Isabel Castro Henriques IMAGEM DA CAPA, Fotografia de José Christiano Jinior, MHINRJ, Coleco Particular, 1865, DESIGN PAGINAGAO Mara Timéteo ISBN 978-989.658.617-1 DEPOSITO LEGAL, 463475/19 DATA DEEDIGAO 2019 EDIGAO CaTei] CALEIDOSCOPIO - EDICAO E ARTES GRAFICAS, SA Id 0 sc| Rua Cidade de Nova Lisboa, Quinta Fonte do Anjo, 1-A. 1800-108 List pio} (eer, (¢950) 21 981 79 60 Fax: (+351) 21 981 79.55 £0P/0@caleidoscopio pt | www caleidoscopio pt oa, PORTUGAL clei Do esclavagismo ao racismo' Entrevista a Isabel Castro Henriques, conduzida por José Miguel Sarica puna nam nmero temic da Revit Hit dedcado aos problemss daeseravatura, Jonmas de exclusio dos homens. do comércio negreiro, do abolicionismo e da perseveranga das omecemos com uma questio ideoldgica geral: nio acha que o estudo pistirico da questo da escravatura est ainda muito preso a moralismos, sus- populagoes mogam bicanas e angolanas (como os Mucubais) jd nos anos 40? Ou seja, a historia da ¢olonizagio portuguesa nao sera também uma histéria de guerras? Nem de resto podia ser de outra forma, na medida em que © pensamento .dutora da Africa e dos africa- Portugués manteve sempre a mesma leitura re de deportados, de 15, Nio foi a “Costa de Africa” um lugar de degredados homens socialmente desqualificados? S6 num curto periodo que 4a década de 40 até 1961, Portugal conseguiu repenset 2 ‘Africa como uma vai dos finais 287 possivel futura produtora de drvores das patacas. Mas estas secaram: 0s ventog ceram os da independéncia ....€ as guerras recomegaram face a miopia, ag 4, caismo e a rigidez do pensamento e dos projectos portugue: Os custos historicos da escravatura e do trifico negreiro: hi uma velha maxima que diz que os escravos “fizeram” a América, impedindo que se “fizesse” a Africa. Qual a responsabilidade que deve ser endossada 4 es. cravatura e ao trifico negreiro na actual situagao africana, € em geral nos desequilibrios demogrificos ou econémicos do mundo de hoje? Parece-me uma boa maneira de dizer as coisas, embora se corra o risco de menosprezar a contribuigao dos europeus. Creio que € de reter uma formu la de Roger Bastide, que me parece a mais inventiva: ter -ia registado uma mudanga na cor do continente americano: a América vermelha (a dos indios) tornou-se a América negra (a dos africanos). Em Africa, este fendmeno, cujas consequéncias sio ainda hoje mal conhecidas, imps “de fora para dentro” alteragdes irreversiveis nos processos histéricos africanos: o continente afi cano nao s6 perdeu milhdes de homens, mas viu modificadas as suas proprias estruturas sociais. Nao dispomos de um inventario dessa hemorragia humana, de maneira a podermos identificar os territérios mais atingidos. Mas alguns gedgrafos associados aos demégrafos pensam que certas situagoes de deser tificagio do continente, de fome e de miséria, si0 © resultado do despovoa- mento provocado pelo trifico negreiro. Trata-se de um campo de investigacio ue espero se reforce nos anos a vir, bem como as pesquisas conducentes 2 explicar a relagdo entre o fenémeno da escravatura as culturas da violéncia que se multiplicam na Africa de hoje. Estudo histérico e activismo civico: a nivel da cooperagio internacio- nal, quais os mecanismos, organizagoes e actividades, que poderao ajudar a denunciar e combater esse estado de coisas? © conhecimento historiogréfico, como meio de sensibilizacao e de lutane mundo actual, constitui uma das preocupagdes da UNESCO. “Desenvolv a8 DE ESCRAVOS A INDIGENAS nento, direitos do homem, pluralismo cultural: estes trés grandes desafios do mundo actual esto marcados por um ‘buraco negro! na histéria da Humani- ade: 0 comércio negreiro, Simbolo de todas as violéncias foi durante muito tempo silenciado ou tratado de forma furtiva nos programas de histéria como am episédio entre tantos outros que marcaram as relagdes entre a Europa e a [Arica. Foi precisamente para um comércio negreiro visivel que a Conferéncia Geral da UNESCO (1992) decidiu langar um projecto internacional sobre ‘A Rota do Escravo.” Estas foram as palavras do Director-geral da UNESCO, Federico Mayor, que criaram este projecto. A conferéncia de langamento teve lugar em 1994, no Benim, bem como a constituicdo de um Comité Cientifico Internacional’: o objectivo central deste projecto e do seu Comité foi criar 0 quadro de uma reflexio internacional pluridisciplinar destinada a estudar as causas profundas, as modalidades e as consequéncias da escravatura e do tréfi- conegreiro, O estudo deste fenémeno tinico na histéria da Humanidade, pela sua duracao, pela sua amplitude, pela especificidade das suas vitimas e pela im- portincia que desempenhou na formagio da ideologia do racismo anti-negro, Endo 6 indispensavel para o conhecimento da construgio e da evolugio de um mundo moderno pluricultural, constituindo também um elemento funda- mental para a consolidacao de uma cultura da paz. Foi nessa légica que se realizou, em Lisboa, em Dezembro de 1998, um Seminario Internacional, intitulado «Os fundamentos ideolégicos e juridi- 0s da escravatura e do tréfico negreiro»? Sim. A 10 de Dezembro de 1988 comemorava-se 0 cinquentenirio da De- slaraco Universal dos Direitos do Homem, cujo documento fundador nao sé afirma que “as guerras nascem no espirito dos homens, é no espirito dos ho- Mens que devem ser criadas as defesas da paz’, como condena explicitamente ‘odas as formas de escravatura. A ignorancia, a ocultagao cientifica, © silen- Ciamento das verdades histéricas constituem poderosos obstaculos & paz ¢ 20 ——. * [PES Henges fo membro deste Comité Cetin Internacional ete 1996 "Be projet UNESCO), dds nn rg em 1996 fu extn 004 President do Comte Forage 259 didlogo intercultural. A coincidéncia das datas foi evidentemente Voluntaria, este seminirio, que constitu’ a primeira manifestacio cientifica intermaciona consagrada & escravatura realizada em Portugal, quis reunir investigadores gs. pecializados na histéria da escravatura e do comércio negreito com o object. yode dinamizar um debate e um confronto de ideias sobre os argumentos flo. séticos, religiosos e juridicos que legitimavam a escravatura, sobre as aliancas que se estabeleceram, as resis de percorter 0 “itinerério espiritual” que, primeiro nas mentalidades e fa mente depois no direito, determinou 0 tragado da Rota do Escravo, ncias que se organizaram, com a preocupacio Tal como este semindrio, muitas outras acOes de natureza diversa - cien. tifica, pedagégica, cultural -, tem vindo a multiplicar-se em Africa, na Europa e nas Américas, desde a criagao do Projecto A Rota do Escrave. Visando pi- blicos diferentes, adaptados aos diversos contextos nacionais ou regionais, as actividades organizam-se com o objective central de rep6r a verdade histérica e desconstruir as varias formas de exclusio e de racismo que o fenémeno do comércio negreiro gerou e alimentou. Que tipo de apoios institucionais, ou oficiais, tém lo essas accdes? Acha que a ordem politica e cultural europeia actual ja esta sensibilizada para isso, ou ainda haverd um longo caminho de educagio das mentalids- des a percorrer? Creio que nos cinco anos que mediaram entre 1994 e 1999 se conseguit sensibilizar a opiniao piblica dos 30 paises que tém representantes no Co- mité Cientifico Internacional, através sobretudo das intervengdes de naturez? cultural e pedagégica. Nao posso deixar de referir que paralelamente a este Projecto, a UNESCO através do seu Sistema das Escolas Associadas, apoi? Projectos que privilegiam estas temiticas: o Projecto educative sobre a Rota Triangular do Tréfico Negreiro transatlintico e o Projecto Briser le Silence. Des de a tltima reuniao (a IV) do Comité Cientifico Internacional, que teve lage* em Lisboa em Dezembro de 1998, 9 Comité estabeleceu formas de articul™ SHO entre os varios projectos. As modalidades dessa articulagio sio definides 260 pelos Comités nacionais, E nesse sentido que o Comité Portugués da Rota io Excravo € 2 Seccao portuguesa do Sistema das Escolas Associadas esti ja 4 trabalbar: trata-se de introduzir, nos manuais de histéria, uma perspectiva nas rigorosa do problema da escravatura e do trifico negreiro, procurando nfo silenciar mas sobretudo dar a conhecer a verdade histérica. Saliente-se a adesio de algmas instituicées escolares portuguesas no sentido de participar nesta revisao dos programas. (© Comité Portugués esté a ultimar o seu programa de acgio para os proxi- nos dois anos, apesar de nao dispér de quaisquer meios financeiros para a sua concretizagio. Neste momento, 0 Comité dé apoio cientifico a realizagao de das produgdes cinematogréficas da responsabilidade da RTP2, no ambito de um protocolo que permitird certamente desenvolver este tipo de actividade lidico-cultural. Para terminar, creio que neste fim de século, a humanidade comega a enca- tara dureza dos problemas histéricos. £ evidente que as enormes assimetrias econémicas ¢ as diferencas hist6rico-culturais pesam nas opgdes e nas acgoes aprivilegiar por cada Comité nacional, no quadro das tematicas e dos object- vos do Projecto A Rota do Escravo, Portugal deu j4 um passo em frente, integra (e mesmo co-dirie alguns) 0s projectos internacionais, as idelas e as forgas paraas por em pritica existem, ha vontade de acelerar 0 ritmo, faltam os meios materiais e os apoios institucionais... até quando? Lisboa, 1999. 264

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