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* / x Mostrar o que a colonizacio portuguesa foi de facto, para 0 Africano, procurar as verdadeiras origens da guerra e caro que a luta os seus participantes ¢.o que es- tava emergindo dela em termos de novas estruturas socials que po- diam contribuir para soldar a Afri- ea do futuro, foi a intencéo de Eduardo Mondlane a0 escrever, em 1968, o seu livro intitwlado «Lutar por Mocambique», uma traducio da versio original em inglés «The Struggle for Mozambique». Este livro que se pode considerar como reflectindo 0 pensamento politico de Eduardo Chivambo Mondlane comporta duas partes. 'N3O nos seria fécil, nem mes- mo € necessério fazer um restmo do que o livro na sua globabilidade trata, Porém, achamos imprescin- divel reter algumas ideias sobre o nacionalismo “mogambicano, que, de uma ou de outra maneira, con- ibuiu para que em 1962 se con- que jé achavam durar demasiado tempo a dominacéo colonial, em torno de um s6 Movimento: a FRELIMO, Neste espaco também julgamos pertinente abordar a io que Mond'ane tinha sobre o futuro de Mocambique, expressa no iiltimo capitulo do tivro, pois segundo ele «a libertacio nio sig- nifica para nés simplesmente a ex- Pulsio dos portugueses: signi Teorganizar a vida do pais e lancé- la na via do sélido desenvolvi- mento nacionaly. 10 LUTAR POR MOCAMBIQUE 0 pensamento de um lider nacionalista Eduardo Mondlane em «Lutar por Mogambique> considera que 0 nacionalismo mocambicano, como todo 0 nacionalismo africano, nas- eeu da existéncia do colonialismo europeu, e explica: — A’ fonte de unidade nacional € 0 sofrimento em comum durante os iiltimos cinquenta anos passa- dos debaixo do dominio efectivo portugués. A afirmacio naciona- lista ndo nasceu duma comunidade estavel, historicamente significan- do unidade cultural, econémica, territorial ¢ linguistiea. Em Mo- ¢ambique, foi a dominacao colo- nial que produziu a comunidade territorial e criou a bage para uma coesao psicolégica, fundamentada na experiéneia da discriminacao, exploracdo, trabalho forcado e ou: tros aspectos do sistema colonial. Porém, foi limitada a comunica- do entre as comunidades sujeitas as mesmas experiéncias. Todas as formas de comunicacio vinham de cima, por meio da administracio colonial. Este facto naturalmente dificultou 0 desenvolvimento du- ma consciencializacdo tinica em toda a rea territorial, Em Mo- gambique, a situacio foi agravada pela politica do «Portugal Maior», pela qual a colénia & designada. Durante © | Congresso da FRELIMO TEMPO — 05/02/89 como uma «provincias de Portu- gal, 0 povo chamado pelds autoridades. Na radio, nos jornais, nas escolas, hé- muita con- versa sobre «Portugal» e muito pouco sobre «Mocambique». Entre 05 camponeses essa propaganda conseguiu dificultar 0 desenvolv: mento dum coneeito de «Mogambi- ques; e, como Portugal é uma ideia’ muito distante para const tuir um factor de unificacao, o tri bialismo acentuou-se por falta de estimulo para olhar além da uni- dade social imediata. ‘Em muitas reas onde a popu- Jacdo é diminuta e pouco densa, 0 contacto entre 0 poder colonial e © povo era tio superficial que exis- tia pouca experiéncia pessoal da dominacao. Havia no Niassa Oci- dental alguns grupos que nunca tinham visto os Portugueses antes da deflagraco da actual guerra ‘Nessas Greas, a populaggo tinha pouca nocdo de pertencer fosse a uma nac&o ou a uma colénia, e a0 prinefpio foi-lhe dificil compreen- der a luta. Todavia, a chegada do TEMPO — 05/02/09 exéreito portugués mudou rapida- mente esta situagao>. Perante este quadro é de facto previsivel que nao era ainda tem- po de se falar de nacionalismo em todo o territério nacional, Apesar de existirem jé nas cidades certos individuos que conseguiam com- Preender que «a forca do coloniza- dor era construfda sobre a nossa fraqueza e que os seus progressos dependiam da mio-de-obra do africanos. ‘A acco destes grupos, como se 16 no «Lutar por Mocambiques, foi encorajada pelo liberalismo da nova repiblica em Portugal (1910- -1926). Nesse entao, estes grupos formaram sociedades e criaram jornafs nos quais conduziram cam- ankas contra o colonialismo, ex gindo direitos iguais, até que pou- @ pouco comecaram a denun- todo o sistema colonial. O io Africano> (1920) mais tarde so al- guns dos exemplos das sociedades criadas nesse periodo, Verdade se dige que a ideia da criagéo de um movimento liberta- dor ainda vinhe longe. Mas como escreve Mondlane , de 27 de Fe- vereiro de 19329: «Estamos fartos, Tivemos que vos aturar, que sofrer as terriveis consequéncias das vossas loucuras, das vossas exigéncias (...) niio po- demos aguentar mais 05 efeitos perniciosos das vossas decisses politicas e administrativas. De agora em diante recusamo-nos a fazer maiores ¢ initeis sacrifi- cios. (...) J& chega. (...) Insisti- mos que leveis a cabo 05 vossos deveres fundamentais, nlio com leis ¢ decretos, mas ‘com actos. (... Queremos’ ser tratados da mesma maneira que vés. Nao as- piramos ao conforto de que vos Todeais, gracas & vossa forca. Nao aspiramos A vossa educacio ré- " Eduardo Mondlane com alguns lideres a - Amilear Cabral, Soere quintada (...) ainda menos aspi- ramos a uma vida toda dominaga pela iela de roubar 0 voaso irmao- ..) Aspiramos ao nosso cita, entre ou- tros poemas o «Grito Negro», de ‘José Craveirinha, Eu sou carviio ¥ ta arrancas-me brutalmente [do chao ¢ fazes-me tus mina patric. Eu sou carvéo tu acendes-me, patréo para te servir eternamente [como forga motriz mas eternamente nio, patrao En sou carvai e tenho que arder, sim queimar tudo om 8 forga da minhe com- [bustio. Eu sou carvéo tenho que arder na explora- (cao arder vivo como aleatréio, meu [irmao a{é nfo ser mais a tua mina, [patrao Eu sou carvio tenho que arder queimar tudo com o fogo da (minha combustio, sim! Eu serei o teu carvao, patrao! © movimento nacionalista _ga- nhou mais fmpeto em 1949 com a fundacdo, por Eduardo Mondlane, do Niicleo dos Estudantes Secun- TEMPO — 08/02/89 darios Africanos de Mocambique (NESAM) ligado 20 Centro Asso- ciativo dos Negros de Mocambi- que e que igualmente, a coberto de actividades sociais'e culturais movia entre a juventude uma cam- panha politica para espalhar a ideia da independéneia nacional incitar resisténcia contra a su- jeico imposta pelos portugueses. Apesar da limitante do nimero dos seus membros a NESAM, es- ereve Mondlane, néo é tio importante como parece. Acontega 0 que acontecer, quer tenhamos que continuar por dez ou vinte anos a combater pal- mo a palmo no nosso caminho até Lourenco Marques, quer os portu- gueses desistam e se retirem nos Proximos anos, os nossos proble- mas no terminarao com a inde- pendéneia. Contudo, se a guerra for longa, estes poderdo ser me- nos agudos. A independéncia, por si s6, nfo muda as atitudes do po- vo dum dia para 0 outro, e 0 colo- nialismo desencoraja todas aque- as qualidades necessérias & boa construcdo da democracia. Entre os ignorantes, a regra autoritéria reprime a iniciativa, 0 sentido da responsabilidade pessoal, e cria, em lugar deles, uma atitude de no cooperacio com 0 governo; entre 8 poucos instruidos, estimula um elitismo imitado da complicada hierarquia do governo colonial, ‘Nas zonas libertadas, sio estas as tendéncias que tivemos de comba- ter, a0 mesmo tempo que faziamos eampanha contra problemas tra- dicionais como tribalismo, a su- persticéo e 0 baixo nivel geral de ‘compreensio politica e econémica. A urgéncia proveniente das condi- ‘es da guerra forcou-nos a reco- nhecer logo estes problemas e mos- trow-nos a importéneia da educa- Gao politica. Uma vez que a finalidade da guerra & construir um Mocambi- que novo, ¢ nao apenas destruir 0 regime colonial, todos temos que ter ideias acerea do modo de or- ganizar a futura nagio; mas isso esta muito longe para’ podermos Giscuti-lo formaimente nesta fase. A nossa politica quanto as ques- ties imediatas pode apenas dar al- guns tépicos para o futuro. A es- trutura da FRELIMO pode tam- bém ser olhada como percursora dum corpo politico nacional. Faz parte da esséncia desta estrutura, Um fraternal abraco entre Mondlane e Neto porém que as idelas venham do Povo; que os membros des Comi- és xecutivos e Central sejam li- vremente eleitos e possam portan- to mudar. O eleitorado vai cres- cendo & medida que novas areas vao sendo libertadas e que noves chefes vio surgindo a todos os ni- veis, Dagui por dez anos todo executive pode ter mudado. As- sim, a0 discutir 0 futuro posso apenas evocar as minhas préprias conviegGes; mao posso predizer a -que sera decidido por um Comité Central que ainda nao existe (© governo de qualquer pais em vias de desenvolvimento tem co- mo finalidade oficial o progresso econémico e social assente em lar- gas bases. Creio que uma das con- Gigges necessirias para o conse- guir é eliminar as forcas econé: mico-sociais que favorecem as mi- norias, Por isso nio entendo ape- nas minorias raciais: estas perde- ro automatieamente os seus pri- vilégios especiais quando se fun- dar um Estado africano, Em mui- tos aspectos existe grande perigo na formiacio de grupos africans 1“ privilegiados; instruidos dum lado, |. Bnorantes do outro; operdrios fa- bbris dum lado, do outro campone- ses, Paradoxalmente, para evitar a concentragio de riquezas ¢ se vigos em pequenas dreas do pais e nas mdos de poucos, € necessi- rio um forte planeamento central. Isto tornaria possivel distribuir professores e médicos por todo o Pais, bastando simplesmente nio dar ‘muitas oportunidades de em- prego numa determinada area. Do mesmo modo, o planeamento i dustrial teria'em conta a mio-de- -obra e no somente as convenién- cias de transporte; novas indiis- trias seriam espalhadas polo pais, onde houvesse populagdes que ne- las trabalhassem, e nao situadas nas cidades existentes, cujo de- senvolvimento tem muitos anos de avango sobre o das zonas rurais. Qs precos e salirios podiam ser regulados por todo o pais. Estas medidas poderiam por si proprias equilibrar a distribuicio do rendi- mento. Mas, além disto, seria ne- cessério manter um limite baixo de salérios, Isto & especialmente importante no caso do pessoal do governo. Porque, uma vez que as Pessoas no Poler gozem de sittia- cao econdmica privilegiada, del- xata de partilhar dos problemas por cuja Solugio so responsaveis. Para 2 realizacio de quaisquer planos sociais, seri necessirio r- pido desenvolvimento econémico. Havera que desenvolver a agricul. tura e criar numerosas pequenas indiistrias transformadoras de mo- satisfazer as nos- do a podermas sas_necessidades duzir as importa Creio que na instrugao tera de haver dois programas. paralelos. Por um lado, uma campanha vas- ta, dedieada 2 adultos assim como A erianca para dor i populagko um grau iinimo de eduencao. Higiene piiblica, politizacio, economia ¢ leituras bisicas formariam o prin: cipal conteiido deste programa Por outro lado, vera essencial pro- porcionar cursos de especializacdo ‘técniea para alguns, a fim de tre nar pessoal necessirio & execueao dos varios projectos de desenvol- vimento, & importante vonsiderar, neste aspecto, que os cursos sejam intimamente lizados 4s necessida- des de Mocambique; ¢ em segun- do lugar, que 93 poucos alunos se- leceionados nao tenham privilégios do puro privilégio superior. Ngo seri facil realizar o tipo de progresso desvrito; apontei estas fdeias apenas coro um esboco do plano que pessoalmente vejo na continuacio de nossa Iuta depois da vitéria Ora, neste momento, @ maior parte das nossas energias tém que ser orientades para ganhar esta guerra, Sé uma coisa é carta: é que 0 rel6gio nao pode andar para tris. Ax transformacdes efectua das no Norte slo irreversiveis: ¢ mesmo no Sul, onde ainda nfo hé luta fisica, 0 mito da forge por- tuguesa desapareceu. O préprio facto de que em mais de um quinto do territério foi climinado 0 Es- tado colonial mudou j radical- mente as perspectivas para todo 0 Mocambique e mesmo, a longe pra- zo, para toda a Africa Austral», a TEMPO — 05/02/80

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