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JOSE ANTONIO FERREIRA DE ALMEIDA HISTORIA DA ARTE LISBOA JOSE ANTONIO FERREIRA DE ALMEIDA HISTORIA DA ARTE SOLONDE OST LE: 3 CipLioreca ee genkeina O'ALNEI, LIVRARIA BERTRAND tispon rece FERRETA® OE ALAEXER pr FLUP-BIBLIOTECA O nae iene Sted A ARTE PRE-HISTORICA 1—0 PALEOLITICO A ORIGEM DA ARTE Os primeiros homens que viveram sobre a ‘Terra ndo deisaram sinais de actividade criadora, Calcula-se que tivessem surgido Ini eerea de wit anlho de anos, mas por centenas ¢ centenas de séculos arrastariam uma existencia pouco superior & dos outros animais. $b muito mais tarde, talves a partir de quinhentos mil anos antes de Cristo, principiaram a revelar nitidamente as capacidades inventivas pelas quais se tomnariam os Faturos semhores do globo, Pedras rudemente talhadas, que o tempo ‘poupoy, sio o fico testemunho de ttabatho inteligente, embora de infcio fosse tio grosiciro que por vezes nilo sabemos se foi’ homem ou caso 0 verdadeiro criador de tais formas. Estes vestigios pertencem & Era Quaternéria, a titima das fases da Histéria da Terra. E a 6ltima e a menor, pois duraria apenas um escasso nilhdo de anos (1). Em contraste, a Era Terciévia, por sua parte, abran- ‘gon um perfodo de setenta e cinco milhGes de anbs! Estes nitmeros espatt~ tosos zevelam-nos que, em relagto A idade da ‘Terra, o hoinem € wm ser ‘recentissimor... um dos mais novos, é verde, mas possuidor do oére- ‘bro melhor dotado de toda a Criagio, privilégio tinico e incomparivel, ‘50a forga ¢ sua grandeza [No fazemos ideia exacta das condigSes de vida desses selvagens pri- smitivos que, muito antes de descobrirem a maneira de fazer instrumentos Ge pedra, apenas saberiam utilizar os calhaus ¢ seixos em brito, ow galhos ce ramos de irvore, para se defenderem e para cagarem os animais de que se alimentavam. ‘A fisionomia da superficie terrestee, depois de ter sofrido infimeras transformagies, j& era entlo aproximadamente 0 que & hoje, Os continen- tes, as montanhas e os grandes rios apresentavam, mais ow menos, a cot- figurasio actual, ¢ estavam distribaides do modo semelhante ao do nosso ‘tempo, embora de inicio a Franca se encontrasse ligada & Inglaterra e Espanba A Africa, ete, Profundas alteragdes de clime vieram modificar as condigbes de vida em grande parte do mundo. Regides quentes © temperadas transfor- maram-se em zonas frfgidas, eobertas de gelos permanentes: florestas de grandes arvores subtropicais foram substitufdas pela vegetast0 herbfces semelhante & da atundray e da estepe siberiana. Os elefantes, leses © rinocerontes de pélo curto desapareceram da Europa e sucederam-lles outros animais melhor defendides contra o frio: 0 mamute, 0 uso, a rena, ete ‘Numa sequéncia irregular, a tais perfodos de arrefecimento sucede- ram outros, quentes ou temperados. Nas fases glacisrins (quatro, na Eu- ropa), toda a parte norte e central da Europa, América do Norte ¢ Asia, ficou recoberta por espessas camadas de gelo (a calote glacfiria). Nas rregides poupadas pela catistrofe, houve um forte abaixamento de tem peratura; chuvas diluvianas cafrem noutras partes, em cousequéncia desta perturbapio universal. Quando o frio abrandava, os gelos desapa- reciain parcialmente dos continentes ¢ oceanos; abria-se entio, por alguns séculos, uma fase interglacitria, de elima moderado, ‘Tio intensas e duradouras variagdes térmicas deixaram abundantes vestigios no Ieito dos rios, no sole de montanhas ¢ planicies, nas costas aritimas. Como 0 nivel do mar subia ou descia, acompanhando a fusio € a formagio dos gelos, as praias onde os homens primitives buscavam alimento encontram-se na actualidade a grande altura, por vezes a deze- nas ou centenas de metros. Sabemos com relativa seguranga a eronologia das glaciagées e dos fenémenos provocados por elas ¢ assim caleulamos @ data dos objectos fabricados pelo home coutemporfineo desses aconteci- snentos © que se encontrem ainda nos loeais onde foram deixados. Felizmente, a transigie entre estes perfodos, de milhares de anos cada um, fez-se a pouco € ponco, levou séculos. Se tal mio acontecesse, raros seres vivos teriam eseapado 3 morte, pela alteraeio brusca das condipdes da existéncia animal e vegetal em vastas extensces do mundo. Animiais e plantas que no puderam adaptar-se, extinguiram-se ou emi graram para regices onde o ambiente se mantivesse favorivel aos seus organismos, como o elefante, o tigre, ¢ a hiena, ete., que se refugiaram definitivamente nas zonas quentes da Afriea e da Asia © homem foi capaz de adaptar-se & dura sucesso de climas opostos. "A inteligencia deucthe meios eficazes de defesa:: s6 ele saube cobrie-se de 8H vvestufrios de peles ou produsir © conservar o fogo, armas decisivas con- ‘ra o enregelamento mortal. E em tais condigées dificlimas, nas terras poupsdas pelo imenso lengol de gelo, alongendo-se da Espanha até a Riissia meridional, alguns dos habitantes mais antigos da Europa eria- ram as primeiras obras de arte de que hi meméria! Em que quadro se desenvolveram as indvistrias primitivas, as indis- ‘unas que deram ao homem ensejo de escapar 3 selvajaria e langar as bases das civilizagies passadas ¢ presentes, num imenso esforgo de centenas de milhar de anos? ‘Teremos uma idein adequada da duragdo dos tempos pré-histéricas + se pensarmos que do unscimento de Cristo nos afastam apenas sessenta « cinco geragdes, enquanto os primeiros instrumentos humanos bem defi- ‘nidos e 0 avito de jacto ou a homba atémien esto separados por vinte mil seragSes humanas, pelo menes... Chama-se Pré-iistévia ao periodo da vide da Humanidade eajo inf- cio € mareado pelo momento em que aparcceram as primeiras ragas € se alonga (de ztodo aproximado) até & invengio da eserita, a partir da ‘qual principiam os tempos histéricos. ‘A. Préshist6ria esté dividida em idades, correspondentes as grandes fases culturais, as grandes invengdes ¢ as transformagées da vida social: Paledlitico, Neolitico, Idade dos Metais (Cobre, Brouze, Ferro). 0 Paleolitico (de pateo=antigo e lithos=pedra), ow idade da pedra lascada, € a primeira fase; mais longa que todas as restantes juntas, urou cerea de quinhentos mil anos! Caracteriza-se pela indtistria de pedra, pertide ou lascada. Os instrumentos eram fabricados por per cussio directa ¢ indirecta e variaram conforme se iam sucedendo no tem; (forma, seabamento, dimensies, etc.). Nesta idade distinguem-se dois _grupos de culturas: 0 das bifaces ¢ o das lascas. Biface € qualquer ins- ‘rumento obtido pelo desbaste de um cathau ow seixo (nicleo). Contra couira pedra ou com um pereutor de madeira, e por pancadas sucessivas ‘ordenadas, 2 um ¢ outro lado, arrancam-se pedagos a0 mice até se The dar a forma desejada. O mais comum dos bifaces € 0 pico de mio (eomp-de- ‘poing), utenstlio universel, de forma triangular, ov6ide, lanceslada ou amigdaléide, terminando em ponta numa das extremidades e arredondado nna outra, de faces convexas bardos inferiores cortantes. Servia para iiltiplos fins (0 Dontor Leite de Vasconcelos eamou-the por isso efaz- tudo»); era a0 mesmo tempo cutelo, pico, sacho (para escavar armadi- Thas e arrancar raizes e tubéreulos ou desenterrar vermes e outros animais| comestiveis), arma de guerra e de caga, ete., ete. Adaptava-se bem & mio, a snag também o ligaram a cabos de madeira, transformando-o num axtén- ‘ico machado on martelo. ‘As Tascas e ¥iminas sfo fragmentos de pedra, obtidos por varios pro- cessos, € utilizados tal como saltaram ou depois de retocados de um s6 Jado. Nas indistrias deste tipo, as armas ¢ os utensflios correntes fabri- caramae daguilo que pars os artifiree das hifness nao passava, quase sempre, de desperdicio sem valor. © retogue (por pressio ou pereussio) apropriava as laminas a virios usos: raspagem das peles, fabrico de ins- trumentos de madeira, chifre ¢ oss0, ete. Varias rochas serviram de ‘matéria-prima, conforme a constituigda geologica dos terrenos; em regra eram escolhidas as mais duras om aqueles cujos pedacos fossem mais cortantes: calefrias, rochas silitiosas (silex, jaspe, quartzo, quartzite, grts, ete), eruptivas © inetaniérficas (diorite, basalto, jadelte, ete.) (A preferida era o silex, Duro e ffcil de Iascar, permite o fabrico de poses Jongas © nas, com excelentes gumes € pontas agudissimas, qualidades que Ihe deram a primazia entre as matérias-primas ulilizadas até a Idade dos Metais. Também a madeira, ossos e chifres foram aproveitados, mas 5 instrumentos mais antigos fabricados desses materiais tomarait-se raros porque resistem pouco aos agentes destruidores quémicos, Sisicos ¢ Diol6gicos, © Paleolitico foi subdividido em duas épocas desiguais. A inicial € a amais duradoura (cerca de quatrocentos ¢ cinguenta mil anos) © abrange as trés primeiras glacingdes (Paleotitico Inferior). A segunda (Paleoli- ico Superior) corresponde A quarta glaciagio e durou aproximadamente ‘uma andécima paste da primeiza (quarenta mil anos), Entre uma ¢ outra 1hé um periodo quente, interglactfxio. Hm resumo, © segundo o esquema do Prof, Pericot Garcia, 0 Pateolitico Inferior estaria compreendido, fentre 300.000 © 50.000 anos a, C. (antes do nassimento de Cristo) © a Paleolitica Superior entre 50.000 € 10.000 anos a. C. Estas épocas apresentam diferentes aspectos culturais (revelados sobretudo pela forma dos instrumentos e pelos processos usados em fabri clos}, designados por um nome derivado do local onde os vestigios da ‘sua indtria foram encontrades pela primeira vez on onde apareceram pesas mais caracteristicas (estapses epénimas). As fases importantes do Paloolitico Inferior sio a Chebense (de Chelles, Seine et Marne, Franca} 8 Acheulense (de Saint-Acheul, Amiens, Franga), culluras de bifaces, € 8 Clactononse (de Clacton-on-Sea, Inglaterra) e a Taiacense (de Tayac, Les Eysies, Franga), calturas de lascas. Estas culturas oferscem grande semelhanga em afastados pontos do ‘globo, sucederam-se sempre na mesma orem ¢ cruzaram-se entie si, dando origem a culturas mistas. [As formas dos instrumentos modificaram-se com tal lentid®6 que por ‘muitos milbares de anos os progressos foram pouco acentuados © as faculdades inventivas humanas pareciam adormecidas. E niio esquesamos que no Paloolitico Inferior 34 2 padea ora talhada com perfeigio notivel: antes deve ter havido um perfodo em que o homem nem sequer sabia dar forma aos pedregulhos utilizados ou os partia tTo grosseiramente qiie 30 os distinguimos das pedras fragmentadas por causas naturais: alteresio bbrusca de temperatura, pressio dos terrenos, ete. Se realmente foram sujeitas a trabalho intencional, ainda estamos para sabé-lo, porque no apresentam formas tipieas (eélites). Nesse longufssime perfodo, pouea ow nenbuma manifestagio espiritual se conhece. Os povos mais atrasados os tempos modernios (indigenas australinnos, pigmieus, bosquimanos) Go-nos uma pilida ideia da mentalidade das ragas, hf muito extintas, daquelas épocas. $6 um crAnio encontrado em Swascombe (Inglaterra) presenta alguns caracteres semelhantes 2os do homem actual (Homo Sapiens). Nao ha sinais de vida religiosa; no 4 sepulturas, nem qual- ‘quer outro testemunke de preocupagies mais elevadas que as dos selva- ‘gens acima indicados. 'A despeito de possafrem wma inteligéucia radimentar © um baixo nivel mental, em relagfo a outras ragas posteriores, tais sees, mal safdos da enimalidade, triunfaram sobre incontiveis forcas hostis ¢ langaram os alicerces do futuro domfuio do homem sobre a Natureza, porque souberam transmitir parte de experiéneia adquirida (ideias, hibitos e téenicns) aperfeigot-l. ‘Mal protagidos de ascenga, eriaram armas com que zemediassem & insuficiéneia fisica perante animais de maior forga, velocidade e resistén- cia. Nem os dentes, nem as thes, nem a pele, eram comparéveis, em poder ofensivo e defensive, aos das feras de que estavam rodeados, Cox tra os animais ferozes, contra o clima, contra as grandes perturbagies ageoléygicas até, organizaram defesas sucessivamente melhoradas, a custa de esforgos durfssimos e de uma incontével perda de vidas. Nio se Timi- taram @ permanccer ¢ a resistir passivamente, esses homens mesquinbos constantemente ameagados por mil perigos, ‘Tinkam um excepesoual ins trumento de acglo sobre « matéria; as suas préprias mos, as maravilho- sas nilos humanas sem as quais cérebro apenas exerceria uma influén- cia reduzida sobre as coisas exteriores. No fluxo e reflaxo das glaciagées, através de mudangas fotais de ambiente natural, enquanto outras espécies de animais desapareciam ou se sefugiavain em Iugares menos perturbados, ‘© homem ficava por toda a parte «dono senhor do solo e dia apés dia da sua vide de cagador in substituindo pela destrera e pela astécia © que ‘The faltava em forga...» (Obermaier) Criaram alguns tipos especializados de instrumentos de pedra (coup- dedpoing, raspadores, Taegndviras, pontse, ete.) que seriam usador, com smodificagtes superficiais, por poves mumerosissimos até 2 actualidade (ns ‘ransformngées da cultura certas sociedades ficaram atrasadas, nfo acom- panbaram 08 aperfeigormentos de outras, © isso explica que na nossa Epoca, altamente civilizada, ainda haja alguns grupos prititivos e aeivae gens vivendo em condigdes equivalentes &s da pré-histéria) Dispersos em pequenos grupos errantes, sempre em base da capa «que Thes fornecin a parte principal da alimentagio, deslocavamese a0 longo dios curses de Agua, permanecendo em cada sitio enquauto af encontras- sem sustento: caga, vere, raines © frntos slvestes, ete Deles s6 conhecemos bem o progresso notével da sua habilidade no fabrio de instramentos de pedra. ‘Tém exeepcional importincia as pobres fndfistrias primitivas, porque melhoraram as condigies da existéncia © tommacam possfvel © desenvolvimento de culturas mais completes. Pela variagio das formas dos ojectos fabricados ¢ pela maucita como tais formas se combinam (tipologia) conhecemos as relagdes e a influéncia dos dvssos grapes de cultura, eso ea tasformagies dow crate Had 200° & Arte, ue interete nos meres Hons do Po tio 6 compreenderemes a8 manifestagtes artisticas através do mefo om aque clas nascem e se desenvolvem. Sem o esboro sueinto dn épocn Paleo- Utica no seria posstvel explicar o apareeimento da sua arte, a primelra arte que o mundo conhecen, Nas indstrias de Taseas © bifaces jf se revela alguma coisa a que podemos chamar sentido estético das forimas e proporstes. Na verdade, nao se trata ainda de arte: esta apareceria muito mais tarde, em pleno Paletitico Superior. Contudo as formas convencicnsis dos coup-de-poing chelenses © achew- lenses manifesism won sentimento artistic « despontar. Apenas um sentido consticnte das formas se pode atribuir otallte eo retoque de poss como as que reproduzimes, de contortos bem definidos ¢ regulates, ¢ em sve & vive) a Intonedo de dar-lies elegncia ¢ simetia Comparenae 08 primeira tios, grosseitos foscos, om os sens deri- vados: do micleo irregular nasceram numerosos instrumentos ¢ cada um ganharia maior perfeigio no aspects, revelaria uma preocipapio pelo aca- bamento agraddvel & vista, que 80 se explica tnicamente por motivos utilitirios om priticos. A finura e 0 gracioso recorte de certos objectos om nada melhoraram a sua utilidade; uma lamina de sflex no fiea com ‘melhor gume por ter prapargiies mais elegantes, Se houve a intencto de tornar o instrumento simétrico, de Ihe dar formas equilibvadas 6 vegula- 5, & cusla do um trabalho dificimo, nfo € isto prova evidente de um gosto de criar por puro prazer? A pega estava pronta a servir sem tantos retoques, priticamente desnecessérios. Para que haveria de gastar 0 arti- «fice mais tempo ¢ energias? Segundo Max Verworn, este asentido das formasy teria nascido de um entretenimento com a téenica de retoque do silex, de um gosto de brineat, de disteairse, sem ter nenhum fim pritico em vista, apenas elo agrado de fazer alguma coisa com as préprias mos. Ao talhar wiua pedra © a0 retocé-la 0 homem nfo conheceu epenas a apticagio atil da sua forga, Também sentiu o prazer de agir com éxito ao medificar as formas para ajeitar os instramentos aos fins que desejava atingir: caga, tzabalhos diversos, ete. E o prazer da crianga quando consegue fazer umn desenho, reeortar uma figura, modslar um boneco de barro, criar ou mi0di- ficar qualquer coisa, por insignificante que seja. Ba tendéncia natural 6 2 de repetir a acgio que foi realizada com Exito, por gosto de afirmar forge ¢ a capacidade pessoais, de sentir a magia das mios ao dominar a matéria, gosto de exccutar movimentos por distracgie, movimentos crindores ¢ que obedecem as intengdes de um espirito, embora rude ¢ de Jimitada inteligéncia e sensibilidade. E ficil demonstrar que foi o gosto pelo trabalho e nfo o desejo de aperfeigoar a forma til, © motive que levou A elaboragio de algumas bielas formas de instrumentes paleoliticas : os miais «artisticass sio mui tas vezes os de manejo mais incSmodo ¢ diffe... ¢ grande ntimero deles sem sequer foram utilizados... ‘Um seiso zolado pelas Aguas, que seja desbastado ¢ recortado apenas smuma das extremidades, conservando-se em grande parte a superficie sedonda, € mais pritico ¢ adapta-se melhor & palma da mio que mui Assimos coup-de-poing de formas apericigeadas. Tera as quatidades de tum bom percutor, de win machado de mio, de um pico para cavar, de tudo quanto se pode exigir seb o aspecto funcional; os retogues comple~ rmentares melhoraram-the 0 aspecto ¢ sada mais. Que vemos? Formas que se fixam ¢ se regularizam, formas abando- _— nadas, formas novas. Quando os instrumentos sio copiados wns dos outros sentenie preoewpagio de op acabar bem, de obter bales Peras. ‘A principio © homem Hiitowse 2 aproveiter, melhor of por, as for nas que 0 sflex tomava ao ser lascado; of instrumentes variavam de sspecto, conforme of casos da fractura ivegular des pedras. A. partir de certa altura j4 nio se sujeita a essa irregularidade, aprende a talhar de um moo constante e a dar sempre im fetio idéwtico ¢ cada grupo de ‘nstrumentos especializades: pico de mao, furador, raspadeiza, ete, sqeri ficando até a-wildade & forma preferida Pla primeira ver se manifesta, na longa transformagio espirital da Hlumanidade ea intervengio plenamiente conseiente de vn sentido de for- snas bom acentuados, Este sentido nunca mais se perdeu e impos-se mic tas vezes até 2 fualidade pritica, auténtca rnda A qval as formas dts ficaram relativamente subordinades. A proocupasto formal impde-s¢ © 30 pensamento dos homes primitives nasce wa verdadero ieal deforma, de perfeigao consciente, ideal que ele procura exprimir objectivamente por meios inéditos. & a arte que surge? Se nfo é ainda a arte auténtica € algo de muito préximo, algo que foi chio raiz da arte... Ou o sentido das for- suas € j@ verdodeiramente wa expressio de um sentimento attistico, de sma ideia atistican? Na fitima fase do Paloolitico Inferior encontramo-nes perante una notivel cultura de lascas: a snusteriense (Le Moustier, Dordozne, Fran- sa), que marca a txansigio para 0 Paleolitico Superior. Por isso alguns préhistoriadores preferem chamar-Ihe Paleoliiico Médiv. A sua indés- tria apresenta produtos tipicos de pedra: raspagores, pontas (triangula- ses, lanccoladas, de pedinculo), discos ¢ outros instramentos dos perfo- dios anteriores. O asso é utilizado em grande eseala, O clina resiria outra vee © 0 homem procura, mois acentuadamente que até entio, os abri- {gos naturais, at grutas ou cavernas, A medida que a dtima fase inter- iglaciésia temperada ia terminando € a quarta glaciagia se apreximava. Entfo veio para a Europa central e meridional a rena, Referituo-nos espe- ‘eialmente a este animal wtilisimo porque desempeniaria um papel tio acentuado na existéncia das homens do Paleolitico Superior que esta fase também foi designada por Idade de Rena (0 Mustevionse tzouxe uma grande revelasio: pela primeira vex, of -cadéveres umanos foram enterrades euidadosamente, juntamente com oS nutensflios, armas e comida. 1 j4 a preoeupasio pelo «além da vida»; as toseas sepulturas so o simbolo material de erescente chumanizagtion des- tas gentes selvagens, prelidio de transformesdes decisivas da. cultura © homo sapiens féssil, 0 nosso dicecto antepassado, aparece no dwri= hacense; pela inteligéneia © desenvolvimento mental esti incomparivel- mente acima das tapas antecedentes, E bem wna ova humanidade que surge. ‘Diowse grandes inovagtes industriais: aumento © especializaglo dos jnstrumentos, empsego do o8s0 como matéria-prima essencial (até ent%o fora utilieado sem qualquer técnice adequada), desaparceimento dos bifa- ces, ete. © Paleotitico Superior ests subdividido em tr2s grupos de culturas : a aurinkacense (de Aurignec, Haute-Goronne, Franga) ; a solutrenso (de Solutré, Saine-et-Loire, Franca) ea madalononse (de La Madeleine, Dor- aogne, Franca). ‘A. especializagZo industrial ¢ as variedades culturais, mais umero- ‘as € ricas que em todos os perfodos anteriores, cruzam-se ¢ evoluent separ radamente. Novas ragas ligum-se ts do Musteriense ¢ da sua reefproca jnfluéacia vBo irromper formas originais de cultura. A fauna era variada c diferente, conforme o grau de resfriamento de cada regio. Abundavam, além dos animais préprios das zonas frigidas, 0 bisio, o boi almiscarado, © urg0, 0 lobo, 0 veado, 0 javali, a raposa, ete, jumto de espécies hoje Aesaparecidas, A reua era 0 preferido: além da carne saborosa, aprovel- tavam-lhe a-pele, tendées, ossos e chifres, para o fabrico de clevado infimero de artefactos. ‘Também foram utilizedos como matérias-primas o marfim das defe- ‘sas.do maumute ¢ os chifres da rena, do veado, ete., dos quais se fabrica- ‘vam pontas de aragaia, punhais, faradores, alfinetes, espitulas, agulhas, propulsores, basties de comando, © mareas de cag, etc. Os propulsores bastées de comando valem pelo aspecto artftico € sio dignos de men- fio especial © apropulsors, espécie de haste ou vaveta, terminada por mia ponts de axpéo (semelhante & das agulbas de croché), para o langamento de ‘azagaias, reeebia, em geral, ornatos em relevo ¢ incisdes sem qualquer uti- Iidade, Puramente decocatives. Os ebastoes de comandor, feitos de ehifre de rena, cortado junto da ramificagio das hastes, apresentam perfuragdes, ¢ slo ormamentados de virios modos. Deram-ihes este nome porque s¢ ‘supts due fossem insignias de autoridade; & de crer que os utilizassem para outros fins: paus de tenda, cabos de instrumentos, sparelhos de endi- ae reitar setas, ele. As marcas de caga» sio pedagos de osso com incistes peralelas, As téenicas do sflex aleangam superior perfeigio. Extraem-se ltminas regulares de grandes dimensdes; por retoques ewidedesos, de minuciosa regularidade, eriam-se on melhoram-se numerosos instementos : a gom- plexidade dos objectos fabricados traduz 0 avangn ealectiva. Ox wtensflios ‘io uiuito diferentes dos que tinham side usades no Paleolitico Inferior alguns s6 aparccem em determinadas regives, mes a maioria difeudiu-se largamente por toda a parte ¢ constituin um funde industrial que chege via até 2 Tdade dos Metais, Ente os mnais tipicos contam-se as goivas, raspadores, raspadeiras, furadores, Miminas denticuladas ou serras, pontas, punhais, buris (des. tinados a abrir renhuras nos ossos, ¢ a gravar ou eseulpir a pedra). Con- forme as culturas, assim estas pecns apresentam caracteres.especiais, (buris: de angulo, prismiticos, de Noailles, ete.). No Solutrense 0 reto- que do silex € inexcedivel: as liminas so as mais perfeitas ¢ belas de todo. © Paleolitico. As pontas de langa, finfssimas ¢ de contorno perfzitamente regular, retocadas de um ou dos dois Iados, imitam as folhas de diversas, favores: platexo, olmo, flamo, castanheiro, ete., ou so talliadas em losan- 0, em arco quebrado, ete. As mais conhecidas sio as «folhas de loureiro» A provar a hebilidade ¢ pericia dos artifices esto as folhas de silex e de quartzo transparente: chegam a atingir 35 centimetros de eomprimento, por § de largura ¢ 6 a 9 milfmetzos de espessura! Por isso mesmo pide Cheyaier afirmar que o trabalho do sflex fora para o homem musteriense jum fim para 0 aurinhacense um meio e para o solutrense wa atte. No Madalenense o traballio do sflex & menos perfeite, mas 0 do 0ss0 € melhor. Os azpdes de chifre de rena, para eaga © pesca (com ficiras de darbelas simples ou duplas, grossas ou finas) de 4 a x8 om, de com- primento, sio instrumentos originais e de formas mais artisticas, ao lado dos tridentes, pontas de azagaia, anzbis ¢ varetas oradas, ontras pegas Gssens do perfodo. Os utensflios de silex (buril de bico de papagaio, ras- padores, furadores, ete.) de reduzidas dimensbes (3 a 4 em. em geral) receberam por isso 0 nome de micrélilos (do grego milerds=pequena & lithos= peara), ‘Pudy iste wy teria mutta importincia para nos se, a acompanhar estas indfstrias, nio se tivesse revelado uma das aquisigdes mais valiosas para o patriménio da Humanidade; a da Arte propriamente dit © homo sapiens vinha dotado de uma eapacidade artistica muito supe- Flor dos sens antecessores, os quais apenas a revelazam fromxamente na ~ 6 conformagdo de alguns instramentos. Contudo esta admirdvel arte ficow ignorada até hi pouco tempo, pois ainda era totalmente desconhecida hi ‘um século,.. Tio inesperado foi, pela beleza © perfeigtio, 0 conjunte das obras descobertas a poueo © pote, que muitos arquedlogos supuseram que se tratasse de uma falsificagio, que as gravuras ¢ pinturas fossem obra de artistas modernos, amigos de brincar ow de iludir o préximo. Felizmente eram auténticas ¢ tais sio as provas dessa autenticidade que jinguém a poe em davida nos nossos dias. A Idade da Rena on Paleolitico Superior foi o capitulo de abertura du historia da arte universal. Capitulo rico, mais notfivel que muitos capftulos seguintes, deixou-nos obras valiosas © as técnicas art{sticas fun- damentais das artes plésticas. Deseuho, pintura, gravura, escultura, tudo isto surgiu nessa época da pré-hist6ria... sem qualquer precedente, sem qualquer tradigio, sem nada, B, contra o que é de supor da parte de povos selvagens, as suas cria~ es nio foram mesquinhas, pois entre elas contam-se verdadciras obras- -primas, legadas por ignorados artistas, pioneiros da arte, que merecem & hora de enfileirar junto dos verdadeiros mestres de qualquer perfodo de. histéria. Sem qusisquer guias nos diffceis caminhos da expressio artis- tica, eles epartiram de zero» e sdzinhios descobriram os meios de trans- formar artisticamente a matéria, de torné-la intérprete do espirito hu- mano, de eriar formas. As artes decorativas ¢ figurativas nasceram entio © as téenicas inventadas por esses precursores ainda hoje sio correntes... Ficamos aténitos com a qualidade e mestria de tais manifestagées artisticas, compariveis as de quaisqner outros tempos antigos ¢ modernos, Poucos serio enpazes de desenhar ou gravar figuras equivalentes a algu- ‘mas da Arte quaternéria, mesmo depois de terem aprendide desenho © intra... pint eidente que nem todos os homens do Aurithaconse ou do Madale- ‘nense possufram tio notivel capacidade, Os génios iguorados de hi tantos milhares de anos eram poueo numerosos, tal como s3o raros na actuali- Gade os artistas snperiores. O que nos espanta é o aparecimento de alguns desenbadores geniais num meio de si tio primitive, ainda sem os ins- trumentos elementares da técnien ertistien nem qualquer preparagao estética, como se brotassem espontineamente aqui ¢ acolé, Grupos de hébeis gravadores ¢ pintores decoraram paredes de caverna, pedras, ossos, marfim, vivendo 2 existtacia precéria dos pobres cagedores de renas, bisdes e mamutes. Conhecemos muitas centenas de obras ¢ todos os anos s¢ a1 descobrem mais; sto a fufima parte que eseapon as destruigdes do tempo dos homens. Mesmo assim chega para nos maravilhar o poueo que sobre vivew do muito que teria sido feito. A arte paleolitice desenvolven-se sobretudo no ocidente da Europa ‘© em especial na Franca e na Espartha. Noutras regides, sio menos dignos de apreso os trabalhos aparecides. ‘No estado actual dos nossos conhecimentos, tudo nos leva a erer que foi a terra francesa o bergo da arte © um dos seus centros mais fecundos « origina, No ilusteriense, hd sinais evidentes de que o homem procurava cer- tas tetras coloridas (ocres, peréxido de manganésio, ete,), usadas, com toda a probabilidade, para pintar o corpo. Vaidade ou sentimento estético? Hm qualquer caso era gosto de omar e decorar, intengio de embeleza- mento fisico, pressupondo um ideal de forma. As tatuagens ¢ pinturas dda epiderme foram ditedas por um desejo de modificar as formas ¢ aspec- tos naturais do corpo; de transforméclos conforme uma sensiblidade, sgrosseira ainda, as cores © As Iinhas. Por esse Jado a ornamentagio cor- poral & j uma arte, embora secundéria ¢ effmera. A pele humana foi a primeira tela dos mais antigos pintores do mundo, O Auriniacense 6, sem déwida, 0 momento inieial da verdadeize arte plistica, Arte? Artes, diremos melhor, porque surgiram vérias: a escul- tura, a gravara, a pintura, a modelagio. © aparecimento brasco de manifestagdes superiores da actividade humana € dificil de explicar, A nova raga (os homens do Auvinhacense pertencem a uma raga gigentesea, a de Cro-Magnon, de misteriosa ori- gem ¢ diferente das que vaguesram até entio pela Europa) possufa ‘qualidades intelectuais superiores as dos homens sais antigos. ‘Trans- formagio mental, progresso psicol6gico? Ou chegada de povos ja conbie- cedores das técnicas artisticas elementares? Nesse caso, donde viriam eles, onde teriam crindo as ratzes do sentimento artistico? Se no hi resposta satisfatéria para tais perguntas, pelo menos jé existe teorias aceitiveis pare explicar a géuese da arte figurativa, das artes plisticas ‘Os primeiros sinais de actividade artistica so as dedadas eoloridas fe us viscous Uagedos com os dedos ou yeavados cm patedcs de eavennas. Foi a partir de crigens tio modestas que se chegow aos bisdes de Alta- amira, & grande pintura franco-cantibrica, as primeiras estatuetas de vulto redondo, aos baixos-relevos ¢ gravuras de animais, magistralmente exe- cutados. A arte decorativa manifestara-se nas formas de instrumentos 6H do Paleolitico Inferior, nas pinturas corporais e nos ossos, com riscos paralelos, do Musteriense. A arte pléstica viria muito depois A. ginese da arte pré-histérica, o proceso que couduzitt 2 sua apa- 0, s6 podem ser conjecturados. G.-H. Luquet é de opiniao, ¢ os seus argumentos-siio aceitiveis, de que a mais antiga arte figurada nasceu ce mosma manieira que nasce « arte infantil. Tara havet aute figured, ‘sto &, eprodusio intencional de simulacros de objectos reaisn, & necessé. rio existir o desejo dessa produgio e a consciéncia de que & possivel rea- izle. Como podia o bomem saber que era capex de exeeutar obtas de arte figurativa se numca as fizera antes? E, por outro lado, como desco- briu que as suas mos tinham @ possibilidade de representar 0 que os seus -olhos viam? O acaso é eriador, e foi o acaso 0 mestre do homem que pri- miciro desenbou seres on objectos visiveis, gue de uiia semelhanga for- ‘tite pessou 2 um realisme inteneional. A atte decorative e, anteriormente, © sentido das formas, tinham surgido havia muitos milhares de anos antes da arte figurativa, Nao parece que os desenhos figurados tenham derivado das Tinhas orvamen- ais, A sua origem deve buscar-se em linhas tragadas sem qualquer inten- so, feitas pelo gosto de riscar;inicialmente nem eram parn decorer, nem ara representar qualquer coisa Logo no comeso do periodo Aurinkacense, sio nuimerosos esses ris- os ditados pelo prazer infantil de gostar a actividade exuberante, de afirmac-se, de brinear. Na argila que forra as paredes de virias grutas coitio habitadas, aparecem riseadelas feitas com os dedes, ora coufusas, ‘ora cruzadas, em linhas paralelas herizontais ou verticais, Outras vezes formam meandros, ctrvas. (paralelas, serpentinas, em espiral, enteela- -gadas), feitas geralinente com trés devdos on com instrumento semelhante a um garfo, fabricado de algum ramo de drvore, ‘So linhas sem qualquer siguifieaglo figurada, como no a tém os primeizos rabiscos das eriangas, Mas os siscos voluntérios toruam-se eada vez mais complicados © numerosos: os seus autores achavam graga & bbrincadeira, divertirem-se multiplicando-os, até que... Eitio a arte figu- sativa nascen. A comparasio de rabiscos tragndos por erianeas actuais com 0s mais, santigos desenhos» do Aurinhacense permitiy estabeleccr a hipétese indi- cada, pois nuns ¢ noutros hf aspectos semelhantes que nfo podem ser ‘explicados de maneira mais satisfatéria Uma fase em que foram produzidas imagens, or acaso, sem inten- $40, precedeu a execugio voluntévia de imagens de objectos. mH Para se executar intencionalmente uma obra figureda (deseuho, gra- ‘vara, pintura) & necessirio scutir 0 desejo de execnti-la (porque se bém alguma vautagem ow algum prazex) —c ter fein da maueira como fasflo, Desde que o individuo realizou o primeiro trabalho pléstioo « gos- wu de fart-lo, tcadert a xecomegar para repetic © prasor. Kets prazer sf se manifesta durante ou depois da execugto, nunea Ihe € anterior. «0 indi- duo que silo produzin ainda qualquer obra figurada nio pode suspeitar 6 prazer que Ihe causaré esta produslo e portanto nfo pode ter a intengio de faxtln, Dagui resulta que a primeira representaglo figurada nto pode ter sido uma criagdo intencional; ¢ @ primeira exeeusio de una obra figurada prdpriamente dita ou intencional nfo pode ter sido senfo a repe- tigio voluntéria de ums aetividade que, se produzin de facto wma imagen, a produzi por acaro e nio de propésito. © sbmente em seguida a esta produsfo fortuita, se ela se revelon vantajose on agradavel, que pode rascer 0 desejo da eriagio intencionaly (Laquet). Mesmo que mio tomemos em consideragio os elementos afectivos (agrado, prazer, ete.) da produsio figurada e encaremos agenas os ele- aentos intelectisis (iden de poder criar imagens), cheyamos & mesma conclusio. A exeeusio de qualquer obra figurada & um trabalho que, por moti- ficar a forma de deteriainada matéria, se deve considerar uma actividade industrial ctiadora de imagens, «ebjectos ficticios cujo aspecto se asse- rnelne aquele que apresentam naturalmente certos seres ow objectos reais, rio seu conjunto ow por tal das seus tragos earactersticose, As idelas de indistria ¢ de semelhanga combinam-se uo esptrito do artista, que tem tentie a consciéncia do seu poder criador de imagens; € porque tem esta conseidncia que far a execusio voluntéria earacteristica da arte. Citendo ovamente Luguet; 8 intengio de fazer um deseuho fignrado suze figuma coisa mais que a ideia desta indistria determinada que coasiste fem tragar linbas ¢ a ideia de semelhanga. O individuo que quer desenbar, Aleve além disso saber-se ow julgar-se capaz de tragar riscos que fagm roma imager, ter a consciéncia, legitima ou iluséria, de possuir o que chamarei a faculdade geéfics "As eriangas s6 adquizei esta conscitncia depois de terem feito zabis- cos a0 acaso, nos quais descobrem mais tarde seiethangas com cbjectes familiares inicalmente uo tinham « intengio de tragar imagens. ‘A eriauga mese em tudo e um dos seus prazeres € 0 de passat os dedos sujos pelas superticies onde pode deixar vestfgios vishveis oe abisoos desta espécie os mais antigos deseuhios do Aurinhacense; os seus ‘autores 10 08 fizeram com 0 fito de representar fosse o que fosse. As Finhas alongam-se, eonplicam-se e tomam 0 caracteristico aspecto sinnoso ‘que Ihes faz dar a desiguasio de «macaronin. Algumas, por uma seme- Thanga fortuita, fazem Iembrar caberas ou corpos de animais. Tal seme- Thanga de acaso teria despertada a ideia de completi-la intencionalmente © até a de crid-la por completo, Ao descobrir que timha representado unt ‘objecta conhecide, sem dar por isso, o involuntério «artistas julgou-se zapaz de representar outzos ¢ fer 08 primelros desenhos premeditados, ‘grosseinfscimos, mas de formas jé recouhecfveis (grutas de Clotilde de Sania Isabel, de Quintanal, de Hornos, de Gargas, etc.), tragados com ‘um 36 dedo sobre 0 barro mole (© homem couhecera a sua capacidade de represeatar grificamente ‘outro ser; revelava-se a sua vocagio artistica. Os tragades digitsis sto andlogos As incisées (linhas ¢ pontos) riscadas sobre os utensilios com fins decorativos e a téenien do busil foi transplantada da arte ornamental para a arte figurada, Nascera a gravara. Em La Creze (Gontran) estio representadas estas fases: desenhos digitais, —incisOes paralelas (gra- vedas a buril) repetindo os desenhos digitais, ¢ silhuetas de varios ani- mais (de um s6 trago inciso) que parecem eépias das figuras tragadas a dedo. |A passagem dos tragados digitais para verdadeiros desenos revela-se claramente nas figuras pintadas a amarelo sobre a roca, em La Pilela (Mélega), Sio Tinhas parslelas, de comprimento variivel, rectilineas ou ceneutvadas, com ondulagées serpentiformes, TTragos isolados desenbant figuras de serpentes; riseos paralelos juntam-se, quer numa quer nontra das extremidades, em ponta afilada, Noutros casos uma das extremidades cengrossa, divide-se em dois lobos, como se fosse uma cabeca de cobra de boca aberta, por vezes com um risco a meio, correspondendo a lingua, Em Gergas (Altos Pirenéus) estes tragos combinam-se uns com 0s ‘outros, justapsem-se e formam um emaranhado que chega, aqui ali, a tomar o aspeato de vérios animais, Por esta transicZo, 2 tGenica dos ris- cos paralelos levou a execugio de figuras intencionalmente representadas, ‘ora cabesas, ora corpos inteizos, Os tragos paralelos unen-se ualguns pon- tos, foriando uma s6 Hinks, até que us ereacaroni» desaparecem © 0 con toro das figuras (cavalos, bois, corsas) & dado por um 86 trago. A arte principia por uma auto-imitacdo, pela repetigzo voluntiria dos movimentos dda mo que tinkam desenhado imagens por acaso. ‘Se 08 desenhos figurados nasceram dos tragados digitais, como expli- car estes filtimas? Como soube 9 homem que podia fazt-Jos? De mancira involuntivia: bastes vezes reparava nos suleos deixados pelos dedos a0 artancar o induto argiloso das cavernas ¢ ao agarrar-se A parede quando cescorregava, Ou alguma vez limpara A rocha os dedos sujos de barro, & vvira surgir uma imagem impressa das préprias mos. Esses sulcos ¢ dedadas fortuitos causariam prazer quase infantil, amas prazer de uma criacZo que o seu autor involuntério gostou de repetir (como fazem as eriangas a0 rabiscar infindivelmente sobre as paredes, a areia, paptis, barro, ete., com os primeiras objectos que encontrem © com os quais possam desenlar, pintar ot riscar). Sto satestados» de personalidade, afirmagées da vontade, equivalen- ‘es As assinaturas, palavras © desenhos com que certos individuos mer cam a sua passagem pelas paredes dos locais visitados. ‘Nilo esquegamos, por outro lado, que os poves paleoliticas eram caga- Gores, habituados decerto a distinguir e a seguir as pistas de diversos ani- ‘mais; 0 proprio homem ao andar on a0 rastejar nas passagens apertadas das grutas deixava pegadas ¢ outros vestigios de tragado eaprichoso, As imagens impressas sobre o solo mole, pelas patas de animais e pelas mios © pés humanos, despertaram 0 desejo de multiplici-les, Em varios locais foram descobertas marcas de mifos espalmadas, da época aurinhacense, deliberadamente impressas sobre a superficie rochosa. Usaram dois processes para as estampar: ora as aplicavam molhadas num Uquido colorido, ou sujas de terra hrémida, obtendo um decalque a cheia, ‘ora as colocavam sobre a pedra, projectando a cor em pb em torno dela (Gorgas, Altos Pirenéus) ow pintando a superficie cireundante (Cueve Aol Castillo). Foi este © processo mais vitlgar. O decalque (negetivo) ficava da cor uatral da terra ou da pedra que servia de fundo ¢ era limi- tado pela zona pintada, Na Cueva del Castillo hé cinguenta mis, orla- das de vermelho. A reprodugio destas mareas manuais € talvex a primeira forma, ¢ a ‘mais ficil, de desenho intcueional, puramente mesfinico, Assim 0 omem tomo vaga consciéncia da sua faculdade criadera de imagens, pelo menos da imagem da sua mio, tal como acontece entre as eriangas e poves pri- mitivos actuais. Depois 0 processo usou-se para a reprodugio de outras pastes dy op. Estes cuminhos, © outros que descouhecemos, foram provavelmente percarridos pelos artistas do Aurinhacense até 20 momento em que algus eles tiveram eapacidade para criar ontras imagens. «Toda a arte fign- ada estava af em embrido e este embrifo s6 esperava a oportunidade un | | | de desenvolver-se, Bastava que o individu, tendo verificado 0 seu poder de criar imagens de certos objectos, procurasse estender esse poder & produgio de imagens diferentes» (Luquet). ‘Do desenho de decalque se passou para o desenbo propriamente dito a mio estampada completa-se ¢ prolonga-se por um brago, pintado; os ‘ontornor retocamse 4 pincel, Him brove at mor asian copiadas do natural © esquematizeda Certamente a arte plistica nio foi logo de inicio caracterizada pels execugio de figuras inteiras sobre superficies nas. E ffeil © simples completar qualquer imagem fortuita, das muitas que naturalmente apa- roeem nas anfractuosidades rochosas ou em qualquer outra parte. Nas cobras da arte quaterniria bd mumeresos casos de aproveitamento de fiu- ras criadas caprichosamente pela nalureza, 3s quais se juntavam porme- nnores on se faziam correegées. Se os altos e baixos de uma rocha lembra- vam, por exemplo, dorsos ¢ lombos de animais conhecidos, 0 homem juntavalhes as pains ¢ a cabot, # a ntilizagto figurada de superficies {que tenbam parcsengs com as formas de quaisquer seres. Uma fenda on 1m fingulo sugerem silhuetas; bossas e manchas sugerem caberas € foci- hos: basta completé-los com algumas linhas suplementares A acentuagio voluntiria de imagens naturais, quando clas se asse- melham a objectos familiares a0 homem, evidencia-se também no Auri- tuhocense. Aproveitarau-se relevos, linhas, fracturas e manchas da pedra © até estalagmites; outras veves foram as pegadas, ou quaisquer marcas deixadas jnvoluntiriamente pelo homem (ao rastejar ou rogar pelas pare des, nas passagens estreitas, ete.) que serviram de base para o desenhio, Assim, por transigio, se chegou ao desenlio de figuras completas, infbeis e grosseizas a princfpio, mas premeditadas, sobre matérias des- ‘itwfdas de qualquer semelhanca superficial com o objecto representado, cou sobve superficies nuas nas quais nenkuma forma on linha se esbogava, antes do trabalho. ‘Tal acontece com 0 desenhador aprendiz que se exer cita a completar figuras j6 esbegadas mum exderno, para vir depois a dese- nh-las inteiramente sobre © papel em branco. ‘Tragados digitais em paredes de caverna; gravuras e esgrafitos em seixas, ossos ¢ chifre de rena; estatuetas; pinturas © baixos-relevos, cons fituem o patrimbnio artistico do Aurinhacense ‘Des riseos sobre o barro das mos estampadas em grande némero nas paredes de grutns francesas e espankiolas devem ter derivado as pri- amciras © ainda imprecisas silhuetas de animais (pintadas de amarelo, em 1La Pileia, Malaga) e depois as pinturas auténticas (rinoceroute de Fon!- 3H \e-Gawme, Franca). 0 melhor conjunto de pintura aurinbacense foi des- coberto em 1940, na gruta de Lascoux (Montignes, Dordogne, Franca) Embora alguns pré-historiadores julguem que as representagées no sejam. desta €poea, o abade Breuil, autoridade indiseutivel no campo do Paleo- Iitico, entende que se trata em grande parte de wm trabslho aurinhacense, executado durante um longo periodo (lembremoz que at diversas fasen do Paleoltico Superior duraram muitos séeulos) ¢ cujo estilo varion por- tanto através dos. tempos. Foram pintadas virias espécies de mamiferos: eabrasmonteses, cavalo, touros, veados, etc., a trago simples, para marcar os contoros, ot ss cheio (a uma s6 cor). As mais autigas figuras estio parcialmente reco- bertas por outras a ocre vermelho. Os animais encontramse isolados ou em grupos. Esta representagio de witias figuras combinadas mama cena de conjunto, marca o mascimento das mais antigas composicdes. No dade estética importante, porque nos mostra nto s6 a eapacidade de repre- sentar formas mas também a de combiné-las mum verdadeiro quadro, cembora simples e rudimentar. ‘A pintura aurinhacense de Lascaue €, sob muitos aspectos, superior is gravaras do mesmo periodo, Dai naseen a suposigio de que se tra fasse de ume obra mais recente. Hé pormenores (cascos, uarinas, pile pebras, ete.) que nfo aparecem nos animais gravados; estes, além disso, #€m um aspecto rfgido em contraste com © movimento dos que foram pintados na gruta. O artista abandonoa a pouco ¢ pouco alguns dos caracteres primitivos da representacio figurada: quadrtipedes 36 com daas patas (correspondentes 20 lado visto pelo observador), cabesas de frente em corpos de perfil, etc., ¢ deixou-nos belos desenhos em que as proporgées © a posigo dos membros ¢ da cabeca esto bem reproduzi- das. AS cores usedas foram 0 vermelho € © negro (mangenésio € cere) ‘Da gravura aurinhaccnse fiearam poucos vestigios. Na grutn de Pair-non-Pair (Gironde, Franga) bit animais gravalos sobre 2s rochasy 86 com os contornos marcados, mas reproduzidos com exactidtio; como cima dizemos notam-se virios anacronismos na representasio das patas € da cabegs. Noutros pontos (cavernas da Espanha meridional e de Baume de Latrone, Gard, em Franga, ete.) apareceram sithnetas isoladas ou entrecruzadas, sendo por veres dificil distinguir na confusio das Jinhas enoveladas wm contorno bem definido. Além desta arte rupestre cu parietal (assim chamada por desorar as paredes das grutas) bi gra- ‘yuras em pequenas pedras, 0550 ¢ marfim. A arte mobiliéris (aguels exjos produtos sio ficilmente transportiveis ou de redwridas dimensies), além ue | de alguns seixos e placas de wisto gravados, legownos bastdes de mar- fim, com decoragio geométrica, aderegos (colares, pingentes, cte., de natfim, osso, chifre, dentes, conchas « at€ vértebras de pelxes) que serviviam de edorno corporal, 20 lado da pinture epidérmica a ocr e mar ganésio. Mas o grupo de maior importineia na arte mobiliéia aurinha- ccnse 2 dar ortatnetas om valle redondo, Jé ac descobrisumn cxrca de sessenta, em varios pontos da Busopa muito dstanciados entre i, © sio fe materiais diversos: marfim de mamute, calirio, oseo, esteatite, ser pentina. Em Brassempouy (Londes, Eranga), Willondorf (Baise Aus- tria), Laussel (Dordogne, Franca), Grimaldi (Mentone, Itdlia}, Les- pague (Hante-Grronne, Prange), Linsenbere (Mogiincis, Alemanba), Kostionki (Réssia meional) e até em Malia (Irkutsk, Sibéria) apa. receram notiveis representagdes plsticas bumanas, de caricter rea- lista; ca arte eurinhacense’ fai sobretudo uma arte de eccultoress Cantir) AAs estatuetas, quase todas femininas, apresentamse mas om com ligeias indicagées' de aderesos; o8 membros e 3 figdes sto esbosados ssumiriamente, sem a preocupagte de indicar os tragos individunis. Os corpes de’ mulher aprescutam sinais de gravider on um acentmads exagero dos caracterestipieamente sesiais. Por este motivo tnis escuta ras foram tides por fdolos, imagens de wnia «deusa-mien, feitigo da fecundidade. Obesas, de volumosos scios ¢ exttaondinirio.deseavole- mento adiposo das nédegas (esteatopigia), parecem mulheres de raga bosauimane-hotentote. Por assim as considerarem, alguns antropologis- tas viram nelas miais uma prova da presenge de popmlagdes nogras: na Europa do Paleoitico Nesse caso o5 escultores no exagerarat os caracteres anatimicos, nem 0s estilizaram A sua manera, para representar 0 feitigo favorivel propagagio da espéie: limitaram-se a*eopiae os modelos que tinham A vatiedade dos corpos reprodusidos e as diferengas ontre as virias representagées do Aurinhacense seriam wna prova da fideidade obser vada peles artistas ao esculpirem e gravarem as formas e volumes pré- prios dos seus irmios de vaca. Assim as chamadas «Vénus hotentotes» desta época seriam seépias» fis de compos femmininos (Pittara) (© abade Breuil ¢ a maioria dos présistoriadores so doutra opinio, suptem que tas figuras no correspondem a tipos reais, sio sidealiza- dase: ter-seia cviado uma tradigio artistca Higada «a pensomentes rel tivos ao culto da feeundidaden, c as estatuetas esteatopigias, de resto em nitmero reduzido, seriam «deformagies» de caricter religioso primitivo, 5 imagens simbilicas da maternidede fecunda, nao representavam caructe- Tistiens racinis. Os aurinhaceases, como alguns primitivos actuals, ari bbuiriam um sentido especial as formas opulentas tpicamente femi- ‘Nao se limitaram 2 egenttura em sateriais duros. Tambésn modela- rain figuras de berro. Em Wisternitz (Morvia) foi descents jr Abso- fon mais de wma centena de pequenas figurinhas de homens © & aniamas. Para fabricar a massa de modelar reduziram a pb ossos queimados e mis- travamno com loess» (terra fina amarcloacastanhada, geralmente dlepositada pelo vento). Amassavam tudo até obterem uma pasta de con- sisténcia suficiente para a modslagio; as estatuetas cram depois endure: cides 20 lume, Sio muito grosseiras, mas distinguem-se perfeitamente as espécies auimais representadas: cavalos, manmtes, rinocerontes, wr 0s, ete, No Paleolitico, fora do Aurikacense, slo rarissimas as cscul- turas em vullo redondo e nunca mais se manifeston o mesmo interesse ela reprodugio, em relevo, das formas humanas. Os beixos-relevos, de pedza e de barro, constituem outra manifesta- io de actividade artistica inédita, Em Loussel (Dordogne) encostcaran- “Se relevos de pedra de gue os mais cflebres 0 os da Fennme d la corns @-0 do Tireur d’Are. Estavam pintados, inialmente, a ocre vermelho. © primeiro, de q6 cm. de altura, representa uma amuther mua de ancas larguissimas, de frente e de pé, com um chifre de bisio na mio direite. (0 segundo, de 47 em. de altura, caja parte superior desapareceu, € o de tum Homem de perfil, parecendo langar um dardo; as formas sto bem proporeionadas, sem moassas adiposas. "As pesas gravadas abundam na iiltima fase do Aurinhacense: places de sisto com gravaras de animais (bisdes, corsas, cavelos, rivocerontes, © até um urso atscando um homem, enquanto outro acode a socorr®- slo, ete.) encontraram-se em Gargas, Brise (Corrése, Frausa); Sergeac (Dordogne, Bransa), Porpallé (Volncia, Espanba) © noutros locis Foi assombrosa a perfeigio atingida por estes artistas € por outros de todo 0 Paleoitico Superior, pela simplicidade dos meios de que dis- phan para trabalhar os diversos materiais utilizados. ‘Tanto para fazer fe eetatuetas em vnlto redondo, coma para exesutar os baixos-relevos € a8 decoragies geométzieas, em pedra, marfim, asso, chifre, ee., dispanham Simplesiente de Itminas e buris de slex, com os quais eseulpiam, potiam fe gravavam. As dificuldades opostas pelas matérins duras foram veuci- ‘das com o snfaimo instrumental artistico que € possfvel imaginar. Da caltura Solutvense, euja fren € reduzide, sto pouco numerosas ee as obras de arte. As suas estagdes encontram-se dispersas desde a Hun- gria até 8 Espenha, ¢ julga.se que vieram do oriente da Europa 03 povos que com «prodigiosa habilidades fizeram os melhores trabalhos de silex: as too 0 Paleolttico. Jé nos referimos as célebres folhas de loureiron ¢ outras Iéminas, que pela espessura extrema e finura de contornos so verdadeitas obras de arte abtidne por wma téenioa paciente ¢ difiefima. Quanto as artes plisticss, a sua contribuieto & inferior & de aurinhacen= ses c madalenenses, Blocos,esculpidos, em alto ¢ baixo-releve, gravuras patietais ¢ em cso © chifse, 80 até je an abraspliticas onhesdas he Solon, Em Solutré (Branca), Roc (Charente, Franga), Fourneau du Diable (Dordogne, Franca), foram encontrados altos-relevos © gravuras: cer~ videos, cavalos, bisdes, um homem perseguido por um boi almiscerado, touros. Na gruta de a Gréze (Dordogne) hf gravures parietais cujo estilo parece aurinhacense; em Lacave, Lespuigue © Laugerie-Haute (Pranga) aparcceram pegas de arte mobiliéria: gravuras em 0390, chi- fre ¢ pedra (caboga de antilope, peixe, ete.). Estes artistas sentiram-se atrafdos pelos relevos (no se interessaram pela pintura) e os tipos ani- ‘mais apresentam boas qualidades de movimento e de forea, esto bem observades. 0 animal que dai em diate ccupari o primeiro lugar na atengio dos gravadores ¢ pintores. A obra-prima da arte plistica solu- trense, compardvel 4s boas obras madalexenses, foi descuberta no sai ‘twirio-oficina de Le Roc, enjo fundo em hemicielo tinha um friso de bovi- cos, cabras monteses © outros mamiferos isolados, combatendo, corrende ‘ou pastando (cabega de bisio e pequeno cavalo) A terceira das grandes culturas do Paleolttico Superior foi, sob mui- tos aspectos, a mais notivel pela actividade artistica. Sem divida & do ‘Madalenense, 0 melhor, o mais caracterfstieo © o mais variado da arte quaterniria; embora aparegam trabalhos medioeres, abundam os de cate- goria superior © que merecem sem restrigées o nome de obras-primas, Raramente se encontrot tal certera e precisio a0 graver contornos, tal seguranga de mio em artistas plisticos, sobretudo nas primeiras fases deste petiodo, no qual demoustraram igual mestria tanto 11a arte mobi- lifria como na arte rupestre. Na gravura continueram ¢ excederam 0 4que fora criado anteriormente. Os eavalos ¢ cisues do bastio de Teyfat (Derdoge) sind apes eta sge,tenperda pele inten de marear os tragos significativos do animal, mas os veados atravessando um rincho onde nadam salmées, da placa de Lorthet (Allos Pirenéus, Franga) tm a flexibilidade e a elegincia préprins da sua espScie, Em a ‘qvupo ott isolados, parados on em movimento, estes animais foram repro diazides com preciso quase fotogritfica, Conforme a sua natureza técnica on artistica, as obras da arte mobi- Iiéria podent classifiear-se nos seguintes grupos (Breuil): a) esculturas Iumanas, em valto edondo; b) esculturas animais: em vulto redondos de couluruuy secortados; em alto-relevo; em baino-relewo; ¢) grawmras a ‘irago: em pedra, em osses nfo trabalhados; em objectos mamufacturados; 4) gravuras decorativas derivadas, no todo ou em parte, de figuras; ‘¢) esculturas ou gravuras decorativas de origem t€enica, directa ou indi- recta. “sta classificagio aplica-se em especial ao Madalenense porque foi ‘a €poca sta qual as manifestagses artisticas ofereceram maior variedade. ‘A escultura de vulto redondo 6 rara e os melhores trabalhos sio os relevos de algons punkais e propulsores, cabecas de cavalo ¢ de cavalo telinchando de Mas-d’Acil (Aritge, Franga); vitora de Lortet © cavalo de Les Espélugues, ete., pegas que E, Pittard considera realizadas ape- nias por finalidade artfstica, para criar belera ¢ conservar «a atitude de tum momentos, paras manifestagies estéticas, como tantas outras do Madalenense. Diferengas nitidas sepsram esta arte das precedentes: a3 ‘representagdes humanas ¢ sexuais do Aurinlacense sio substitufdas por cenas migicas decorando 05 abjectos ¢ os locais do culto. ‘Transformagies fqne correspondem a mudangas profundas na statureza © nos costumes das populagies quaternfrias, Entre as esculturas do Madafenense encon- teanvse estatuetas femininas simplificadas (Alemanha Ocidental) cabe- ges bumanas, interpretagdes fGlieas, etc. A estatwéria animal deixou-nos fuitissimas obras de maefim, pedra, 0590, chilre, Ambar. As renas de Bruniguel (macho perseguindo a {6mea), esculpidas na ponte de wina defesa de mamute, 0 bisio voltando a cabeca, de le Madeleine, sto pesas notiveis. (Os baixos-rcleves esto bem representados. O friso dos cavalos de Cap Blanc (Les Eysies) € um trabalho monumental (alguns animais em mais de dois metres) realizado sobre uma falésia caleéria; os corps foram escuipidos euidadosamente, as proporgtes © volumes sito exactos. Na gruta de Tuc @’Audoubert (Aridge, Pranga), a 700 metros da ‘entrada, numa eimara quase completamente fechada por stalactites, foram encontrados dois bisses, macho e femea, em relevo, de 63 centi- ‘metros, modelades em barro e apoiados a una laje. O pescogo do bisto femea & muito saliente, os chifres e a cauda, perfeitamente destacados do fundo. Junto estava a estatueta (1x3 em.) de outro bisto. Em Montes- aos paw (Saint-Geudens, Hente-Garonne) descobriram-se cinco esculturas de animais, também modeladas em argila. Um felino (2%,60%0%,70) encos- tado a parede; um cavalo selvagem, um urso (1%,r0%0",60), ete. O atime tinka uma cabega auténtica, mumifieada decerto, © 0 corpo era coberto por uma pele desse animal, para dar maior veracidade 2 representacto. “Fodos mostram aumerosoe orificios os corpos, parecendo que foram crivedos de azaguias. Provivelmente as escultures destinavam-se a ceri- auénias de matansa simolada, de caricter mégico © simbélico. Outros relevos zoomérficos aparecem em lajes de peda, em roches soltas, ete AAs figuras de homens sto zaras e de qualidade artistica inferior. A escul- tra de contornos recortados (Bisio de Isturits) & afinal gravura, mais que escultura achatada, Bisées, cabesas de cavalo, peixes, talhavam-se ageralmente em fragmentos de omoplatas ¢ de ossas da bacia, «mostrando sro mfnimo de espessura um méximo de beleza» (Lantier). Os baixos- -relevos so pouco acentuades: depois da imagem gravada por completo, raspava-se a periferia. As obras monumentais, como o friso de cavalos de Cap Blanc, sio relativamente raras no Madatenense: a maioria dos baixos- -relevos ¢ imagens & de pequenas dimensées. ‘A gravura em osco apresenta-se mais ficil e mais diffell que a gra- vora em pedra. Mais ffeil porque o material € menos duro; mais dificil; argue hi poncos assos planos e quase todos oferecem estreitas superfi- cies cilindricas ou semicilindricas onde o desenko se toma impreciso ¢ confuso, exigindo esforeos prolongados ¢ uma adaptagio difieil do tragaéo. ‘ara as gravuras em 03308 nfo trabalhados usaram-se em regra ossas ela tos ¢ lisos de grandes mamiferos : omoplatas, oss0s ilfacos, frontais, cos- telas e até hastes de rena e defesas de mamute (esenhos de cavalos, renas, ceabegas de corgas, mamutes, ete.) A colecgho mais interessante de ossos gravados encontron-se em Mas-d’Azil, onde num pequeno espago apare- ceram auumeroses omoplatas gravadas que, segundo 0 ebade Breuil, for- mariam um depésito seunido voluntiriamente, espésie de abiblioteca de artes, de escola de artista ou de pequeno saatuirio portitil Abundam mais as grayuras em objectos manufacturados (armas, vensios, aderegas). A maioria deles apresenta superficies estreitus slongadas, cilindricas ou rectangulares:: bastdes, propulsores, pontas de dardo, cinztis, aleapremas, etc. Os objectos espalmados, de superficie relativamente larga, sio reduzidos: espitulas, alisadores, botées, ete. Para se adapiar a esses espagos apertades e de contornos variados, o desenho ou se tornou mindsculo ow sofren grandes deformagées; as figu- ras chegam a ser fragmentadas para caberem nesses limites (grava-ce 9 apenas a cabega, as patas om wma parte da silltueta dos animais, etc.). ‘A reprodugdo naturalista degenerou pela acgio de dois factores: « esque ratizagio ¢ a estiligago (R. Lantier). A esquematizagio & provecada por ssrcunstincias acidentais: execugio apressada ¢ falta de jeito, 2 junta- remse As dificuldades oferecidas pelas superficies a decorar. As linhas du modelo figuredo foram simplificadas ¢ deformadas. A. estilizasdo obe- dece a intengées estéticas: gosto pela simetria e pelo ritmo, ou por efeitos considerados mais agradéveis & vista ‘A alteragio ou degeneresctncia das formas naturais reproduzidas cada vez maior e mais répida & medida que se perde de vista 0 motivo original. Bste pode ser completamente esquecido ¢ os decoradores, sem conhecerem a signifieagio das formas modificedas, copiam-nas por roti- nna, e alteram-nas por sua conta, Deste modo se explica que um veado fique redusido a uma meia clipse (os chifres) ligade a um traco hori- zontal (0 tronco) sobre quatro riscos verticais (as pernas)... Vérias eabe- gas de animais, Indo a lado, acabaram por formar wm motivo ondulante. Os clementos da arte realista despersonalizam-se (Breuil) na arte oria- rental ¢ torsam-se motivas que se acomodam is formas do cbjecto (cabe- sas de cervideos chegaram, em instrumentos afilados, a estirar-se ¢ sim- lificar-se até parecerem cenouras ou beterrabas) se combinane extze si Tiveemente, Partes do corpo de animais (olhos, tufos de péles, manchas -da pele, orelhas, chifres, patas, etc.) deram temas independentes enjos desenos, degenerados e interpretados de todas as maneiras, vém a for- nar pues conjontos geométriens, Os derivados oraamentais e estilizados da arte realista (Breuil) dominario a arte do Madalenense final. ‘A.arte decorativa, muito rica, é de origem figurada ¢ de origem tée- nica, Até agora referimosnos a arte naturalista, em que os seres se repre seatam segundo certas convenes de um realismo visual, para fiearem de aparéncia semelhante & que possuem a nossos olhos. Os animais eram pin- tados e gravados para daremt a ilusio de auténticos e vives. O homem ‘ido se limita porém a este tipo de representagdes. No Paleolitico Supe- rior, e sobretudo no Madalenense, surgem outros elementos gréficos, Figurados conforme uma representagao abstracta, de realismo Anllectual. ©) artista no representa os ebjectos tais como eles aparecem & sua vista ras como 05 conhece no seu espitite: simplifica-os ¢ redu-los a poucos ‘ragos adescvitivoss, segundo um «modelo interno», a representagio espi- ritual. Bsses tragos tomam depois earfcter ornamental © agrupastse ‘em decoragées ricas e complexas de aparéneia geométriea (Breuil). As figuras csquemétiens sio irreconheciveis quase sempre: apetias 0 autor a | poderia dizer 0 que elas representam, $6 recouhecemes os originais quando descobrimos as echavess das formas enigmsticas, isto & as formas a meio caminho entre o realismo e o esquematismo absolute, Por ‘ex.: Mf dbjectos com trés cabegas de touro: uma bem reproduzida, outra simplificada ¢ outra reduzida a alguns riscos. Se a filtima nto estivesse Junto das primeiras nio a compreeuderiamos. Os simbolos erificos so impenetriveis sem o conhecimento de desenhos menos abstracts que per- ‘mitam interpreti-los. So sfmbolas ideogréficos de véxia sigaificagto: ‘um fuso com riscos longitudinais ou ponteado, tanto pode ser um olho, como um peixe, como o simbolo de uma ferida, ete. © abade Breuil chamou a ateneio para uma forma de arte decorativa -de origem técnica e na qual esto compreendidas duas eategorias de objec- tos: agueles enja decorayio derivou directamente da prépria técnica do trabalho do marfim © do oss0, ¢ outros cujos motivos figuram objectos ‘manufacturados ou sio inspirados pela imitagio gréfiea de técnicas dife rentes: cordoaria, cestaria, tecelagem, ete. Para fabricar utensflios de osso, erion-se uma técnica enjos processos cessenciais foram resumidos por Breuil: corte transversal; corte longi- tudinal; sbertura de orificios; modifieagtes das extremidades (pontas, arbelas, ete.); formacio de saliéncias Iaterais; escultura a buril (bar. belas dos arpaes). Cada operagdo de fabrico deixava vestigios de aspecto diferente ua superficie da matéria fssen (riseos Jongitndinais, efreulos, linhas que- bradas, obliquas, em ziguezague, etc., ete.). O artifice aproveiton e modi- ficou tais linhas © incisdes, para fins decoratives, tornando-as regula ves, combinado-as € introduzindo nos tragos acidentais uma ordem © um sitmo. E assim do movimento regular dos instrumentos de trabalho toda, uma série de efeitos artistices viria a nascer sentimento artfstieo despertado durante o trabalho de execusio de utensilios € idéntico ao que levara os homens do Paleolftico Inferior talhar 0s coup-de-poing © Itminas de formas harmoniosas e contorsios simétricos. «Hi sempre um elemento de arte que desperta em todo 0 tra- ‘balho t€enico feito com gosto por um hom artifices. (Breuil) Os objectos utilitarios ganharam carcter artistico © os jogos e com- Dinagdes de links passaram para os aderegos: pingentes, colares, pul- seiras, ete. Foi uma arte geométriea de longa @uragdo: iria man- terse par muitos séenlos depois do Paleolitico, em virias regites da Europa. Ontras formas decorativas derivaram, on da imitagto grifiea de —3r— séenicas alheias a0 trabalho das matéri manufacturados. No Paleolitico Superior, com toda a probabilidade, fabricavam-se correias, cordas, sacos, cestos ¢ até reds, de cabelos e fibras vegetais ou ontras, Em muitos instrumentos do Awrinhacense e do Madalenense estio, gravadas, em eleva ou em vazado, riscos «fingindos os eordéis e linhas que deviam enrolar-se & sua volta, Dal, ¢ da imitagio de costuras, de mathas de redes e sobretudo de virios tipos de atecidov da cestaria, deri- varam decoragdes geométricas que se desenvolveram livremente © por largo tempo. Entre a3 decoragies provenientes da oGpia de objectos manufactu- rados so mais vulgares as de flechas (geralmente esquematizadas por wm V deitado ou por um V com um trago inediano), de dardos, de ar ppées, de arcos (para disparar as flechas), de cabanas, de aderegos, ete. ‘Mas estes motives ndo tiveram a importincia decorativa dos anteriores. A arte mobiliria esquemftica do Paleotitico esteve de inicio dominada pelos esquemas primitivos de um realismo intelectual, criador de imagens simplificadas, reduzidas a poucos tragos, ¢ cujos elementos dispersos se confundiriam na decoragio geométrica. Nas ‘iltimas fases do Madale- sense predomina a arte. decorativa oriunda da lenta degenereseéncia de ‘motives naturalistas; esquemas de antigas representagdes realistas defor- madas no decorrer dos tempos até se tornarem irreconhectveis. Os dois ‘ipos de esquematisme tiveram origens diversas e desenvolveram-se em Epocas diferentes; mais tarde cruzaram-se € combinaram-se até ao ponto de ser 10 couhecer a origem provivel da decoraeo de mmmerosas esas. Os desenhos tornam-se rotinciros, as figuras realistas transfor- imam-se ein simples ornamentos incompreensfveis, sem nenbum eontetdo, ou funda ideogrifico (Obermaier) ‘A otuamentagio nio era aplicada indiferentemente a quaisquer objectos. Todos os que se perdessem com facilidade (pontas de seta, ele.) fon se deteriorassem em pouco tempo (instrumentos para traballios vio- Jentos) ficaram exclufdos, a nfo ser que estivessem destinados a fins ndgicos. ‘Nos objector de maior valor estimativo (amuletos, pegas de cardcter Aecorative, aderegos, etc.) ow usados para trabalhos ligeiros, se exerceu de preferBncia a gctividade dos decoradores mmadalenenses. A beleza © a virtude magica interessaram de igual modo ao homem, neste momento da arte pré-histérica. Causa estranhoza 0 facto de se encontrar emt pedagos a maior parte Gsseas, ou da cbpia de objectos re as obras da arte mobiliéria, tanto as gravuras como as esculturas. ‘A destruigio foi volantézia eos fragmentos encontram-se dispersos. Admi- te-se que tenbam sido destruigdes situais, ligadas a crengas primitivas, efeetuadas logo a seguir 2 morte do proprieticio, ‘A rea de reparticio da arte pr&histérica corresponde ao Sudoeste da Europa. As obras da arte mobiligria aparecem desde a Bélgica & Suiga; s arte rupestre eat Jocalizada no Sudoeste da Franga e na Espanka ‘A arte rupestre ou parictal do Paleolitico Superior foi durante muito tempo negada pelos maiores pré-historiadares. Quando se descobriram as primeiras cavernas decorates, a beleza invulgar de algumas pinturas ‘provecout unt movimento de descrenga. Poucos admitiam que j@ existissem pintores tio excepcionais, algumas dezenas de milhar de anos antes de Cristo. Como poderiam homens selvagens e primitivos desenhar tio bem? Eira decerto uma falsficagio! Porém as provas de autenticidade acum Jaranise: surgiam mais ¢ mais paredes com figuras, cobertas por depé- silos geolégicos quaternérios ou debaixo de estrates intactos da époea paleolitica, ete. Em 1875, Marcelino de Santuola comepara algumas esca- vagées na gruta de ditamira; quatro anos mais tarde, quando brincava dentro da caverna, @ sua filha Maria, ainda pequenita, ao olbar para a abobada, descobria as grandes pinturas da «Capela Sistina da arte qua- ‘ernirian, como Ihes chamou Décheletts. Mas s6 em 1901 05 sibios reco- nheceram untnimemente a antiguidade destas manifestagdes artisticas as atribusram a0 Poleoitico. Foi a descoberta das grutas de Combacelles ¢ de Font-de-Gaume (Les Eysies) que decidin a questio. Os achados amultiplicam-se: até 1951 J s¢ coulteciam 73 grutas e abrigas ornados de inturas, no contanda 06 sitios abertos. Sao todas gratas caleirias {excepto uma) ¢ encontram-se, ua maioria, no Norte da Espanha ¢ Sudoeste da Franga. Basta dizer que, enquanto nos Pirenéus Centébricos ha a4, na Dordogne, 18 e na regido do Arige, 7, nouteas regiées nunca ‘se encontram mais de 4, 2 om 1. Estes sio os locais explorados; outros se vio descobrindo, além de restos e vestigios de muites mais pinturas _gravuras que, por se excontrarem em cavernas de humidade varidvel, ow ao ar livre, foram destruidas quase totalmente (Lo Ferrassie, Lougerie- Haute, Loussel, ete.). ima secautes profundos das cavernas, oo artistes gravasans, com aii ces ¢ ossos pontiagudos, figuras de animais, on esculpiram-nas, na roche, no solo ou no barro, Outras vezes modelaram a axgila ou pintaram as paredes e tectos das suas easas subterrfneas (talvez temples primitivos?). Por comparagio com objectos da arte mobiliéria euja época seja a conhecida, © ainda por outros provessos que sto da competéncia dos pré- -historiadores, foi possivel datar as pinturas e relevos rupestres, com varios estilos ¢ vérios centros de difusio, cada wm com as suas préprias téenicas picturais e concepgies de desenbo. abade Breuil divide a arte rupestre paleolitica em dois ciclos dife- renles: um até a0 Soluirense, outro desde o apogen do Solutrense até ao final do Madalenense. A selativa uniformidade das decoragdes explicar-se-ia por razdes de ordem social, religiosa e artistica. Como poderia haver tanta semelhanga nia evolugdo da pintura em regites afastadissimas umas das outras (cet- tuo da Frauga, Pizenéus, Montes Cantibricos, Andalusia, etc.), s¢ 10 hhouvesse uma certa unidade espiritual? A arte do Paleolttico € essencialmente a de povos primitives que apenas sio capazes de estabelecer legos mentais entre um objecto © una reprodugdo quase fotogrifica dele. Esta arte «naturalist» criow autén- ticos sinstantineos+ de animais, desde os mais perfeitos, de auténticos artistas, até aos mais triviais, a lembrar a produgfo em série © eomer~ cializada da nossa época. Posteriormente pintusn toma feigio simbélica; a arte deixa de estar dizigida para a representagio quase fologrifica, volta-se para a cringio de imagens significativas, esqueméticas, abstractas por vezes, verdadeiros conjuntos de desenhos geométricos, © desenvolvimento intelectual tornou possivel este passo: os proces- 505 mentais tornam-se mais complicados, as imagens verbais (relagio palavra-objecto) multiplicam-se e a rario ir vagarosamente dominando alguns sectores do comportamento irracional. Os traballos artfsticos revelam grande mestria; € inegiivel que muitos agrupamentos paleo- liticos possuiram artistas talentosos ¢ exercitados. A tendéncia para o desenho convencional manifesta-se mais tarde na Europa oriental © 1a Espanha; noutros pontos © naturalismo dominou até ao fim do Plis- toceno € depois dete. Quando a floresta invadiu a estepe, no fim da Idade Clacifvia, a magia dos cagadores tornow-se intil: © hisfio, a xena ¢ 0 mamute desa- pareceram e, com eles, os Madalenenses e a sua arte Besta foi o aspecto usin importuute da cullass espisitusd do Palco Mtico Superior. A beleza de grande mimero de obras foi louvada por exi- -gentes eriticos contemporineos e parece que ao lado das manifestagtes artisticas plésticas também surgiram outras de caricter musical, dado aparecimento de pequenos instrumentos de sopro, feitos de osso. ve | | | | | © fim migico, utilitirio € prosaico da arte das cavernas, nfo excluia © prazer de executar esses primitives trabalhas com o sentimento agra divel, # satisfagIo de eembelezar» a obra que caracteriza a eriagdo esté- tica. © euidado posto na execugio 6 revelador de verdadeito interesse, indica alguma coisa semelhante Aguilo que se chamaré, muitos séeulos nis tarde, 9 gosto da arte pela arte. ‘Tal arte mégica prova indirectamente o apreso em que foi tida nes- tas sociedades primitivas, para as quais o artista possuia uma capacidade criadora maravilhosa, ao fazer surgir, pela feitigaria das suas imios, os animais de que dependia a subsisténcia de todos. O animal desenhado ere o eduplon de um animal verdadeiro que ficava assim 506 0 dominio de quem o fizera, para dar a came, para se tornar inofensivo, para ser casado mais ficilmente on, simplesmente, afugentado. A perfcia revelada na perfeigao de grande mimero de obras 96 podia aleaugar-se por longa pritica, por um exercicio constaute de habitidades excepeionais, por uma especializagfo, numa palavra, En- quanto pintavam, outros homens cagavam para eles; 0 quinhiio dos des- ojos era o prémio de uma actividade cuja utilidade era reconhecida pela tribe, pois os ritos migicos garantiam © sustento colectivo, O artista -feiticeiro era personagem importante ¢ euja acgio todos temiam; por ‘muito tempo se conservaria entregue as suas tarefas absorventes nos ecessos mais ocultos das grutas, sem que Ihe faltassem porventure os ‘melhores pedagos das presas tio duramente abatidas pelos companheizos. As magistrais pinturas © gravuras exigiam uma longa e lenta prepa- ragio, além da capacidade artistica indispensivel; em Limewil (Dor- dogne) apareceram lascas € seixos com rabiscos, que parecem estudos de uma aula de desenho, por vezes até corrigidos por mio diferente, como de professor emendando o trabalho dos ahinos, folhas de um «ca. dernos de exerefeios escolares. Assim discernimos obscuramente © aparecimente dos primeiros cspecialistas—dos primeiros homens 2 serem sustentados com 0 exte- dente social dos géneros alimenticios, para obter os quis nfo deram con- Aribuigio directa. Mas decerto os Madalenenses consideravam a sta contvibuigie nuigiea tio importante como a agadeza viswal do que segue ‘uma pista, como a pontaria do arqueito ¢ a intrepidez do eagadors. (G. Childe). E para explicar o fim repentino desta arte exeepcional o notivel arquedlogo continua: «As prerrogativas exondmicas do feiticeizo especializado assentam em superstig2o socialmente sancionada. Mas © cexcedente de gue © magico assim se apropriava 6 se conseguia porque a ne

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