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O LOBO E O MORCEGO: AS INFLUENCIAS DE SABINE BARING-GOULD NA OBRA DRACULA DE BRAM STOKER Arturo Alejandro Gonzalez y Rodrigues Branco Resumo: A figura do vampiro presente no imaginario atual teve origem no século XIX, na obra Drdcula, do autor irlandés Abraham “Bram” Stoker. Este autor fez uma pesquisa baseando-se, sobretudo, no tratado Book of Werewolves, de Sabine Baring- Gould, acabando por criar um paradigma desta figura no imagindrio moderno. Este paradigma é composto por cinco caracteristicas, que podem ser facilmente reconhecidas como préprias da figura do vampiro modemo: a morte-vida, a hematofagia, a licantropia, a sedugio ¢ a sobrenaturalidade. O autor Montague Summers, na primeira metade do século XX, concorda com estas caracteristicas e aponta que a imagem do ‘vampizo no imaginirio moderno depende fortemente da presenga delas. Palavras-chave: Imagindrio, Vampiros, Licantropia, Dricula, © nome “Dricula”, hoje, é quase um sindnimo da palavra “vampiro”. Tal caracteristica se deve ao imenso sucesso e grande popularidade do romance inglés Dracula, publicado no Ultimo ano do século XIX, ¢ ha mais de cem anos entre os livros mais vendidos da Gra Bretanha. © Dracula, do escritor itlandés Abraham “Bram” Stoker, figura entre os romances mais vezes adaptados por diferentes midias. No cinema, 0 vampiro da obra € 0 personagem literario com mais filmes feitos a seu respeito. No teatro, Drdcula tem uma longa tradigao, tendo sido apresentado como pesa teatral antes mesmo da obra literdia ser veiculada na Inglaterra. Em outras midias, como as histérias em quadrinhos, desenhos animados, jogos eletrénicos, RPG, mnisica, teledramaturgia entre outros, 0 célebre personagem de Stoker aparece incontaveis vezes. Mesmo nos casos onde a figura de Dracula nao aparece explicitamente, 0 vampiro é sempre mostrado na industria cultural e na midia, seguindo parimetzos definides pela obra de Bram Stoker. A obra de Stoker, que tanto contribuiu para a configuracao deste mito modemo, foi escrita em uma época e em um local muito especificos, principalmente no que diz respeito a obras de horror. A segunda metade do século XIX constituiu-se no auge do movimento literdrio gético, que teve grande forca na Inglaterra, Franca e leste dos BUA. século XIX foi um periodo de grande importancia para a histéria da Inglaterra e de seu império. A partir de 1837, com a coroagio da rainha Vitéria, iniciou-se o chamado “periodo vitoriano”, sob o qual a Gri Bretanha expandiu imensamente suas colénias, a ponto de ser conhecida como “o império onde o sol munca se pe”. Tal século comecou com o pais em guerra contra Napoleao Bonaparte, embate que havia sido iniciado em 1799. Embora em guerra, a Inglaterra nfo havia sofrido, em seu territério, grandes danos; a Franga napoleénica foi derrotada tanto em terra (na batalha de Waterloo) quanto no mar (na batalha de Trafalgar) pelas forgas britinicas. Quando a rainhaVitéria foi coroada, os britanicos contavam com uma das melhores esquadras do mundo, tinham uma economia forte, um parque industrial modemo e poderoso e também prestigio internacional junto aos impérios Austriaco, Portugués e Holandés, entre outras poténcias da época, A vida cultural do Reino Unido também prosperou no século XIX. A literatura inglesa contava com grandes expoentes, como Lord Byron, Rudyard Kipling e Charles Dickens, entre outros. A expansio imperial e as descobertas cientificas serviam como combustivel para uma grande producdo de obras literdrias de grande repercussao, tanto nacional quanto internacionalmente Com o excesso de produgio industrial, a Inglaterra logo iniciou uma campanha colonialista, seguindo os padrdes das nagdes européias nesta época. Segundo Said: Juntas, a Gra-Bretanha e a Franca controlavam territérios imensos: Canadé, Austrilia, Nova Zelindia, as colénias na América do Norte e do Sul, 0 Caribe, grandes extensdes na Africa e no Oriente Médio, Extremo Oriente (a Gra-bretanha ainda conservaré Hong Kong como coldnia até 1997) e a totalidace do subcontinente indiano ~ todos eles cairam inglés ou fiancés [. além disso, os Estados Unidos. a Russia, e varios paises europeus menores, para no mencionar o Japao e a Turquia, também foram poténcias imperiais durante uma parte ou todo o século XIX. [...JConsidere-se que, em 1800, as, poténcias ocidentais reivindicavam 55%, mas na verdade detinham 35% da superficie do globo, e em 1878 essa proporcao atingin 67%, numa taxa de crescimento de cerca de 220 mil quilémetros quadrados por ano, Em 1914, 2 taxa havia subido para vertiginosos 620 mil quilémetros quadrados, € a Europa detinla um total aproximado de 85% do mundo na forma de col6nias. protetorados, dependéncias, dominios e ‘commonwealths’. (SAID, 1995, p 36-38) Entre todos os impérios europeus, a Inglaterra detinha, sendo a maior extensio em. territérios conquistados, pelo menos a maior diversidade deles. Suas possessdes incluiam territérios na propria Europa, como a Irlanda, a Escécia e 0 Pais de Gales; colénias na Africa, como a Africa do Sul, Nigéria, Gambia e Uganda; Extremo Oriente, com Hong Kong, Birménia e Malasia; Oriente Médio, com partes do atual Iraque, Egito, Israel, Palestina e Paquistéo; América, com 0 Canada e a Guiana Inglesa; Caribe com diversas ilhas, incluindo Jamaica, Bahamas e Bermmdas; quase toda a Oceania, principalmente a Australia e a Nova Zelandia; e a chamada “Jéia da Coroa Briténica”, a india. © dominio de tantos territérios, na pritica, era fiuto de uma necessidade econdmica. O parque industrial inglés produzia em excesso e 0 mercado interno britanico nao era capaz de absorver um mimero tio grande de mercadorias, sobretudo tecidos. Em contrapartida, as mesmas indiistrias estavam sempre assombradas pela necessidade de matéria prima. Com isso, as coldnias, reinos unidos, possessbes territérios da Coroa Britinica serviam tanto para prover matéria prima quanto para absorver a produgo industrial, gerando lucros para 0 império. No entanto, o império também precisava de uma justificativa teériea para sua dominagio. E esta foi talhada com a idéia de que os povos conquistados eram inferiores, brutos e ignorantes, e precisavam, como enfatiza Said, da condugdo e orientagaio de nagdes “civilizadas”, no caso a Gra-Bretanha, A Austria e a Prissia, no século XIX, também haviam anexado grande parte de territérios, sendo a maioria no Leste Europeu. A Prissia havia conquistado as terras que viriam a formar a atual Alemanha, enquanto a Austria havia anexado a atual Hungria & suas possessdes nos Balciis e na regiao da atual Roménia. Tais locais possuiam costumes, culturas e imaginérios muito particulares. Alguns, como a Transilvania ¢ a Hungria, estavam isolados do restante da Europa devido a acidentes geogrificos, enquanto outros, como os Bale’s e a Walléquia, tinham sido conquistados imimeras vezes por tantos povos diferentes, que possuiam influéncias ‘inicas na esfera cultural, Desde o final do Império Romano, até o século XIX, iniimeros povos, como os tirtaros, hunos, mongéis, magiares, turcos, poloneses, lituanos, finlandeses, escandinavos, germénicos e gregos haviam dominado, conquistado ou adentrado tais regides e trazido consigo todo um repertério de praticas culturais, que foram incorporadas pelos povos nativos daquelas regides. Neste imaginario, havia as narrativas sobre vampiros, figura considerada exética pelos ingleses. Embora a Inglaterra nao tivesse possessdes no Leste Europeu, sua alianga com a Austria, na luta contra Napoledo Bonaparte, havia rendido a ambos os impérios um intercdmbio cultural, comercial e cientifico, que continuaria até meados da Primeira Guerra Mundial. No império Austriaco, segundo Barber, estavam sendo produzidos muitos jicas aos documentos relatives a priticas usuais entre os povos conquistados, mas ex: olhios dos estrangeiros, como as exumagoes de vampiros. A sangrenta historia das guerras contra os turcos, que haviam ocupado a regio por quase trés séculos, também rendia estudos histéricos sobre personalidades do passado, como Vlad Tepes Dracula e a condessa Elizabeth Bathory. ‘Na regiao dos Balcas e da Roménia, pestes, epidemias ou mortes misteriosas eram atribuidas a vampiros; no imaginério local, espiritos fantasmagéricos dos mortos que voltavam da sepultura para beber o sangue dos vivos. Nos locais onde se acreditava que vampiros estivessem em ago, 0s moradores exumavam os cadaveres dos cemitérios ¢ aqueles que no estivessem apodrecidos ou que apresentassem uma aparéncia deformada eram considerados vampiros. Estes corpos ento eram cremados, empalados ‘ou decapitados pela populagio, que acreditava estar “matando” definitivamente o defunto e impedindo que este continuasse com seus ataques vampirescos aos vivos Por diversas vezes os aldedes destas regides pediram as autoridades coloniais austriacas e prussianas que acompanhassem e auxiliassem ma destruigio destes vampiros. Os germanicos nao s6 observaram como catalogaram e divulgaram pela Europa os dados referentes a estes acontecimentos. Muitas vezes as autoridades imperiais enviavam equipes de médicos ¢ cientistas para analisar tais ataques de vampiros, como ressalta Paul Barber. Os boletins ¢ relatérios sobre estes acontecimentos passaram a despertar grande interesse na populacdio das metrépoles coloniais, sendo divulgados em jomais e revistas de grande circulagde no império Austriaco, Esta divulgagio em massa das exumagées de vampizos no Leste Europeu ficou conhecida, na histéria local, como “Epidemias de Vampiros”, como destaca Barber e Idriceanu, Relatos em alemao sobre estes personagens ¢ sobre as epidemias de vampiros acabaram chegando & Inglaterra e deram grande impulso & literatura de terror. Além da palavra “vampiro”, a propria idéia do morto-vivo hemat6fago i ressou no imaginario inglés nesta mesma época. Segundo o historiador Peter Gay, em sua coletinea 4 Experiéncia Burguesa da Rainha Vitoria 4 Freud, 0 século XIX, conhecido como Era Vitoriana, foi mareado pelo constante embate, tanto no campo do imaginario quanto no campo da fic¢do, entre os resquicios medievais europeus e a florescente ciéncia, baseada em observagdes e experimentos. No advento do século XIX, sobretudo na Inglaterra, os dogmas religiosos ¢ a chamada “pseudociéneia”, leis @ idgias sem comprovacio experimental, tidas como verdadeiras e imunes a qualquer questionamento’, se viram em confronto com o método cientifico. No pensamento magico-religioso, segundo John A. Sanford e Mircea Eliade, € no imaginario, todos os eventos e fendmenos ocorriam por vontade de algum ser sobrenatural, de forma premeditada e com alguma finalidade, Se uma pessoa ficasse rica, por exemplo, isso nio se devia a uma boa aplicacto de suas financas, mas sim a uma divindade ou forga sobrenatural que teria agido intencionalmente para prover tal pessoa de riquezas. No contexto do século XIX, Deus, 0 diabo, 0 “destino” e a “providéneia divina” eram frequentemente apontados como responsiveis por toda sorte de fendmenos e acontecimentos, do congelamento da Agua no inverno ao resultado de batalhas e guerras. O conflito entre a tradig2io magico-religiosa e a experimentagaio cientifica pode ser observado na Inglaterra vitoriana, sobretudo, com a publicagao, em 1859, de A Origem das Espécies de Charles Darwin. Ao contratio dos dogmas religiosos, a pesquisa de Darwin mostrava que os animais e plantas nio tinham sido criados, com a forma que possuiam, por alguma forga sobrenatural, mas tinham evoluido de seres simples e frageis a estruturas complexas mediante um proceso de selegao natural, via do qual os mais adaptaveis sobreviviam e os menos resistentes mortiam sem deixar herdeiros. Outros autores vitorianos, como Herbert Spencer, Rudyard Kipling ¢ James Fitzjames Stephen estenderam as idéias de Darwin para a sociologia, Eles enfatizavam que, assim como existem espécies animais e vegetais mais adaptadas, fortes e resistentes, assim também seria nfo s6é com as nacdes, mas também com os seres humanes. Os europeus e suas nagdes civilizadas, sobretudo aqueles de descendéncia ariana ¢ sax, estariam predestinados, devido a uma “superioridade evolutiva”, a dominar os ‘outros povos € nagdes menos adaptados, fortes e resistentes. Descendentes de celtas, aiticanos, arabes, orientais e outras etnias “inferiores”, segundo Peter Gay, foram colocadas como passiveis de serem dominadas e exploradas, ou ainda, em casos mais * Um exemplo de pseudociéncia ¢ a teoria da Geracdo Espontinea, a qual tinha como certo que materiais, inanimados poderiam gerar sexes vivos. Era comum, no século XIX e inicio do século XX acreditar que lixo poderia dar orjgem a baratas ¢ ratos, e que carne apodrecida se transformava em moscas extremos, até mesmo exterminados, para que 0s arianos e saxdes pudessem prosperar, dando um Alibi darwinista e pretensamente cientifico para o neo-colonialismo e a discriminagao racial. Para os ingleses do século 3 assim como para os germénicos, 0 ideal para 0 cidadao era o de um sujeito de boa descendéncia, aristocritico, ou pelo menos um burgués bem sucedido. Este vitoriano deveria ser, também, uma pessoa instruida, conhecedora e praticante tanto da tradigao religiosa quanto da mais elevada ciéncia. No entanto, acima de tudo, este cidadao ideal deveria, segundo 0 autor, ser “misculo”, independente de ser do género masculino ou feminino. ideal de “masculinidade” no século XIX 6 confuso e dificil de delimitar. Um. cidadtio misculo deveria ser honrado, casto, viril, impetuoso, devoto & pitria e & religido, corajoso, contido, intelectual e justo. Nao deveria nunca trapacear, mentir, acovardar-se ou perder a castidade ¢ 0 autocontrole; deveria aceitar duelos, cortejar ou ser cortejado (no caso de uma mulher) de acordo com a tradigdo e a moral e obedecer & lei Ser “masculo”, entre os saxdes anglo-saxdes do século XIX, era no s6 uma obrigacio moral como também um atestado de superioridade racial. As “ragas inferiores” eram tidas como mentizosas, trapaceiras, devassas, primitivas e ignorantes; tudo o que um homem vitoriano ideal nao deveria ser. Peter Gay afirma que, desta forma, a sociedade vitoriana providenciava e limitava a tendéncia agressiva humana dentro de padres, regras ¢ normas. Brigava-se, por exemplo, em duelos com espadas, seja para reparar uma ofeusa ou conquistar 0 coragao de uma dams, mas estes duelos eram regidos por um extenso conjunto de regras ¢ proibigdes, que deveriam ser observadas cuidadosamente. Segundo Peter Gay, esta estratificagao e discriminagio, nao sé racial como também relativa 4 classe social e descendéacia, constituiu, junto com o ideal de “masculinidade” € 0 conflito entre a ciéacia ¢ a tradigao, © pilar sobre © qual se construiu o imaginario vitoriano. O mesmo acontecia no ambito internacional, As guerras também eram regidas por diversas regras e leis e ignori-las era sinal de falta de honra e também de falta de ~masculinidade”; regresso a barbarie tipica dos povos inferiores. Mesmo em lutas contra estas racas consideradas “menores”, 0 ideal da masculinidade deveria ser respeitado. Era permitido matar os povos colonizados aos milhares, mas desde que estes dessem algum motivo para o exterminio ¢ ele nao fosse feito sem honra. Dentro deste contexto do imaginério do século XIX, a literatura gotica teve grande destaque. Os romances géticos conseguiam, em larga escala, abarcar grande parte deste espectro do imaginério vitoriano em suas obras de ficgao. Estes textos, segundo Peter Gay, se caracterizavam por uma mistura entre enredos de romance, amor casto, terror @ suspense. © monstro sobrenatural normalmente se inseria na narrativa gotica, personificando ‘uma “raga inferior”. Ele normalmente vinha de colénias distantes ou de um passado pré- vVitoriano; ndo tinha o ideal de “masculinidade”, sendo desonrado, sexualmente devasso e avesso ao respeito das regras e normas sociais. Sua caracteristica sobrenatural, ligada a mitos, lendas e superstigdes, contrastava com o pensamento cientifico de seu némesis, seu oponente literdrio, normalmente encamado na figura do jovem ariano, instruido, “misculo”, respeitador da tradigdo e pertencente a boas nagdes e classes sociais. Entre 0 her6i virtuoso e o vilio monstruoso normalmente encontrava-se uma dama, também virtuosa e devotada a um amor casto e platénico com o herdi, mas seduzida ou vitimada pela devassidtio e pelos poderes profanos do monstro. Esta férmula do romance vitoriano normalmente se mantinha por quase toda a narrativa, deixando 0 leitor, a0 qual se destinava, 0 cidade “masculo” ¢ ariano, em constante suspense, enquanto, no livro, a dama indefesa desiilava, indecisa, entre 0 her6i e o monstro. Diante deste paradigma, muitos romances géticos optaram por utilizar, como monstro, a figura do vampiro. Como morto-vivo tradicional da cultura eslavénica’, considerada exética pelos cidadios das metrépoles colonialistas, 0 vampiro tinha um apelo irresistivel para o leitor vitoriano, As noticias das colénias austriacas no Leste Europeu também davam uma dimensio muito maior a figura do vampiro, Este morto-vivo, constantemente envolvido em incidentes em terras distantes, tina a possibilidade de ser veridico, passivel tanto de pesquisa cientifica quanto de comprovagio pelos escritos religiosos e magicos; ou seja, muito além da mera ficeao literaria, o vampiro também se apresentava como uma figura do imaginirio. A veracidade do vampiro apresentava, no imaginario vitoriano, um senso de exotismo e de dever, no qual © homem “masculo” ariano ou anglo-saxao deveria, por ‘Segundo Summers, a diferenga entre Eslavos e Eslavénicos se da pela localizacdo geogrsfica ¢ pela escrita. SZo chamados eslaves, com mais freqiléncia, os habitantes do extremo leste da Europa, atval Raissia, que utilizam o alfabeto citilico, ¢ eslavonicos os que vivem mais 4 oeste destes, eutilizam o alfabeto eslavonico, mais antigo que © cisilico, ser mais evoluido, combater 0 monstro pervertido, que assombrava os confins do mundo com seus costumes estranhos e suas habilidades ndo-naturais; além de servir como entretenimento e reforgar os costumes vitorianos, os romances géticos de ‘vampiros também davam vazio ao sentimento neo-colonialista A figura do vampiro, como é conhecida hoje na maior parte do planeta, deve muito & obra de Stoker. © antor islandés foi o primeiro a unir, nesta figura, cinco caracteristicas que hoje so conhecidas, segundo Montague Summers e Paul Barber, por serem proprias de vampiros: a hematofagia, ou o ato de se alimentar de sangue; a morte- vida, capacidade de voltar a um estado de “semi-vida” apés a morte; a licantropia, ou a habilidade de altemar entre uma forma humana e uma forma animal; a sedugdo para a destruigaio, ou a capacidade de criar outros seres como ele, usando de attificios a0 mesmo tempo erbticos e destrutivos; e suas habilidades sobrenaturais. romance gético de Bram Stoker, sem diivida, foi o responsdvel no s6 por popularizar 0 nome “Dricula”, inspirado em um regente medieval de um pequeno reino do Leste Europeu, como também por difundir a figura do vampiro como um ser mundialmente conhecido, personagem da cultura de massa, estando hoje presente em praticamente todo o mundo, A imagem do vampiro, apés a obra de Stoker, passou a ser profundameate influenciada por estas cinco caracteristicas e, segundo Paul Barber e Montague Summers, praticamente qualquer personagem que possua estes cinco atributos, em qualquer midia, é imediatamente reconhecido como um vampiro. No entanto, como dito anteriormente, esta estruturagio da figura do vampiro deve- se, sobretudo @ Bram Stoker. Antes de Dracula, tais caracteristicas jaziam dispersas entze diferentes figuras do imaginatio e da ficgao, Mesmo os romances de vampiros que surgiram antes deste, em sua maioria, nfo traziam, em seus personagens, todas estas caracteristicas © mesmo os que porventura trouxessem nfo atingiam o nivel de popularidade necessario para fixar tais atributos como paradigmas para esta figura. O movimento literario gético foi responsavel por, entre outras coisas, trazer para a lingua inglesa a palavra vampire (vampiro), de origem eslavonica. A palavra Vampiro (assim como Vampyro) vem do Magyar ‘vampit’, uma palavra de origem eslavonica que mantém a mestna forma na Russia, Pol6nia Repiiblica Teheca, Sérvia e Bulgéria, ‘vapir’, ‘veipir” [..] Em sua forma ‘vampir” [‘upuir” no sul da Rissia, antigamente ‘upir’] ele é derivado do Lituano ‘wempti"= beber, ou ‘wempti’, * wampiti’= murmurar, derivado da raiz ‘pi’ [beber] com o prefixo ‘1’. Pelo fato dos vampiros serem “bebedores de sangue’, esta derivacdio muito provavelmente faz sentido. (SUMMERS. 1929, p. 18-19) © vampizo, como mito, esta intimamente vinculado a outro ser do imaginatio, o Licantropo, que seria uma criatura capaz de alternar entre a forma humana e uma forma animal’. Ambos os mitos, vampiros ¢ licantropos, provocaram grande curiosidade na Inglaterra do século XIX, principalmente por serem temas caracteristicos do continente europen, mas até entao desconhecidos nas ilhas da Gra Bretanha, Eles despertaram tanto interesse, que pesquisadores logo comecaram a “catalogar” e estudar tais seres. imaginario deste periodo e local pode ser percebido facilmente na obra Book of Werewolves, do reverendo anglicano Sabine Baring-Gould. Arqueélogo, folclorista, mnisico, clérigo, escritor e explorador briténico, Baring-Gould escreveu 0 Book of Werewolves com a intencio de coletar, classificar e analisar as mais diversas lendas, mitos e crencas populares relacionadas a licantropos. Esta obra angariou alguma fama em sua época, tendo sido utilizada por Bram Stoker em suas pesquisas para a composigao do vampiro de seu romance, conforme comprovam registros de seu diario e dos originais manuscritos de sua obra, guardados hoje na Fundacdo Rosenbach, na Filadélfia. 0 Book of Werewolves foi escrito por um estudioso inglés, na Inglaterra do século XIX, arrolando mitos e tradigdes, tanto das Thhas Britinicas quanto do resto do mundo, sobretudo da Europa continental; portanto, oferece um excelente material de pesquisa sobre o imaginario daquela época e local, uma vez que demonstra a visdo de uma pessoa imersa naquele imaginario, estudando nao apenas o imaginirio de outras regives e locais como também o seu préprio. Além desta vantagem, analisar 0 Book of Werewolves ¢ ter em mos uma obra que influenciou, diretamente, 0 autor de Drécula. Portanto, significa refletir sobre 0 imaginério vitoriano que contribuiu para a realizagaio da obra mais célebre sobre -vampiros j4 publicada. Embora nao tenham sido publicadas no século XIX, as obras de outro folelorista & clérigo inglés, Montague Summers, também so fundamentais para se pesquisar 0 * Em grego, Lycantrophus quer dizer, literalmente, “homem-lobo". Na lingua inglesa, no entanto, a palavra werewolf € sada para denominar especficamente esta figura que, em portugués, chamamos de lobisomem. A palavra inglesa Licantropy, poréia, é sada para denominar, em wn espectro mais amplo, qualquer hnmano capaz de exercer a zoomorfose. Portanto, Licantropa, o equivalents em portuguds, esti sendo aqui utilizada no mesmo sentido da palavia inglesa Licantropy, abarcando todos 03 tipos de ‘ansformagées de homens em animais, como utlizada por praticamente todos os autores aqui citados, ¢ iio no sentido que esta toma em grego, onde se restringe ao “homem-lobo". imaginério daquele periodo no que se refere a vampiros e outros monstros sobrenaturais. Publicados todos no inicio do século XX, Vampires in Lore and Legend, Vampires and Vampirism e Werewolves in Lore and Legend tratam exatamente do mesmo assunto que o Book of Werewolves, embora sejam mais especificos nas figuras de imaginério abordadas. Embora estes tratados tenham sido publicados depois da morte de Bram Stoker, seu autor, Summers, foi contemporaneo e conterraneo deste e também de Sabine Baring-Gould e a maior parte de suas referéncias nestas obras tratam de publicagdes da era vitoriana, o que abre a hipétese de que ele ja tivesse os trés volumes prontos antes da virada do século XIX para o século XX. Ao contrério de Baring-Gould, no entanto, Summers tenta ser, em seus tratados, 0 mais imparcial possivel. Na introdugao de Werewolves in Lore and Legend, ele critica a obra de Sabine Baring-Gould, afirmando que este autor nto tomou 0 mesmo cuidado em suas andlises, deixando-se levar pela parcialidade. No entanto, ambos os autores concordam em quase todos os pontos, deixando a critica de Summers sem forga ao final da obra, © Paradigma do Vampire Modemo: A Morte-Vida A personagem Conde Dricula, de Bram Stoker, foi, se nao © primeiro, pelo menos © mais famoso vampizo da literatura mundial a unir, em si, cinco caracteristicas que, segundo Denis Buican, Stephen King e Montague Summers, se tornaram um paradigma para todos os outros vampizos. A principal caracteristica do vampiro modem ¢ o fato de ele ser um morto-vivo. © vampiro modemo um dia foi uma pessoa viva e normal, com pouco ou nenhum trago sobrenatural, mas depois da morte, em geral uma morte acidental ou violenta, voltou a adquizir algumas caracteristicas dos seres vivos, em um estado no qual ele nfo esta nem totalmente morto, nem totalmente vivo. Neste estado de “morte-vida” © vampiro é capaz de realizar quase todas as agdes {que uma pessoa viva conseguiria, como se locomover, se comunicar, raciocinar e pensar criativamente. No entanto, do ponto de vista fisico, ele esta irremediavelmente morto. Seu coracao no pulsa, seus pulmBes nfo cumprem as funcdes e ndo ha qualquer sinal de metabolismo operando em seu corpo. 10 A idéia de morte-vida remete a0 imagindrio das primeiras civilizagoes. Em praticamente todas as culturas da Antiguidade havia a idéia de que algo das pessoas sobreviveria a morte fisica, que seu espirito poderia continuar existindo, em outro mundo, enquanto o corpo fisico estivesse morto, Este “algo” que sobreviveria & morte fisica, contaria nao s6 com a esséncia da pessoa, mas também com sua personalidade e memérias. Em diversas sagas miticas, heréis invadiram 0 mundo dos mortos em busca de suas amadas, de conhecimento e de poder, sendo detidos pelos mortos, Entre os mortos-vivos, pode-se distinguir dois tipos especificos de seres miticos. Os mortos-vivos imateriais, como fantasmas, teriam uma natureza distinta dos que possuissem corpos fisicos. O primeiro tipo, constituido de espiritos imateriais, teria a capacidade de afetar 0 mundo material, mas de forma limitada. Summers descreve que, na Inglaterra, lendas sobre fantasmas sio comuns desde a época da ocupagao romana. Ele cita que haveria inclusive uma espécie perigosa de apari¢ao, chamada de “fantasmas que mordem” (Birring Ghosts no original), espectros capazes de ferir seres humanos, atacando-os com mordidas e arranhdes to fortes a ponto de deixar marcas. Na Alemanha também havia lendas sobre os “fantasmas barulhentos” (Poltergeist no original), espiritos capazes de arremessar objetos e depredar casas, @ sobre os “fantasmas gritadores” (Bussengeist no original), espectros capazes de gritar no mundo dos vivos, matando qualquer um que escutasse. Os mortos-vivos sélidos, materiais, poderiam ser tanto cadaveres possuidos pelo espirito que os animou em vida, quanto corpos habitados por algum ser sobrenatural ou forca magica. Embora os egipcios tivessem estes sees em seu imaginario, a maior parte dos documentos relatives a eles provém da Idade Média, quando a imagem crista do diabo ganhou forga muitos temiam que ele se apoderasse de cadaveres humanos para interagir com © mundo fisico. Na Baixa Idade Média, havia o temor relative aos necromantes, feiticeiros capazes de animar cadaveres através de magia negra. Segundo Summers, o vampiro faz parte deste segundo tipo de mortos-vivos, uma vez que seria sélido e material o bastante para sugar o sangue de uma pessoa conservi-lo em seu corpo, sendo depois encontrado inchado dentro de sua cova. Um ‘vampiro, por possuir um corpo sélido, também seria suscetivel a dano fisico, sendo que algumas narrativas descrevem vitimas que reagiram e feriram 0 morto-vivo e este, a0 ser desenterrado, apresentava tal ferida aberta e, em alguns casos, ainda sangrando. u A maneira tradicional de se eliminar um vampiro também pressupde que ele seja uma entidade fisica e s6lida, na qual se possa enterrar uma estaca. A decapitacao e a cremagao, também usadas tanto na ficgao literaria quanto no imaginario do Leste Europeu para exterminar vampiros também precisam de um alvo sélido para serem efetivadas. Portanto, diferentemente de outros monstros miticos e outras criaturas do imaginario, um vampiro nao “nasce” vampiro, mas se transforma apés a morte. ‘Na Inglaterra vitoriana a idéia do morto-vivo foi reestruturada. Autores de ficgao trouxeram, da Antiguidade, diversas releituras de mitos e narrativas classicas, sobretudo da Grécia e Roma antigas. Ao mesmo tempo, viajantes e exploradores traziam relatos das colénias, onde os mitos dos nativos e seu imagindrio muitas vezes eram absorvidos pelos colonizadores Embora nao pudessem ser cientificamente comprovados, os mitos sobre mortos- vivos, sobretudo sobre fantasmas, nunca deixaram 0 imagindrio inglés. Embora fossem recorrentes como personagens da ficgao, mortos-vivos e fantasmas também povoaram 0 imaginério vitoriano e, em muitas regides do mundo, se mantém até hoje como uma influente figura deste imagindrio, sobretudo na Inglaterra © Paradigma do Vampire Modemo: A Hematofagia Outza marca importante do vampiro modemo € a hematofagia, ou seja, a alimentagao a base de sangue de seres vivos.Segundo Flavia Idriceanu ¢ Waine Bartlett: CO samgue é uma das imagens centrais da estrunura do pensamento human, associado 4 vida e 4 morte, sacrificios ritwais e violéncia. Além disso 6 um simbolo de poder e juventude e, da mesma forma, possui uma estreita ligagdo com o mito do vampiro de vida eterna — ou morte. (IDRICEANU & BARTLETT, 2005, p.63) Esti presente na figura do vampiro modemo no apenas 0 gosto por sangue, mas também a necessidade deste fluido vital. E antigo o mito de que a ingestdo de sangue ou ‘0 uso t6pico deste poderia prolongar a vida de uma pessoa ou devolver-lhe a satide ea juventude, Desde a Antiguidade se acreditava que o sangue seria uma espécie de recepticulo da vida, podendo transferir a forga vital de uma pessoa saudavel a uma pessoa enferma. 12 Durante todo o periodo medieval, ¢ posteriormente, a crenga no sangue como recepticulo da vida e das emocdes permaneceu na medicina. Na pratica médica hipocritica, acreditava-se que 0 corpo humano era dividido em quatro “fluidos vitais”, conhecidos como “humores”. Estes humores seriam o sangue, a bile negra, a bile amarela ¢ a fleuma. A personalidade e a satide das pessoas dependeriam do equilibrio perfeito entre estes quatro flnidos. A maior parte das doencas era tratada com sangrias, indugao de vomitos, diarréias e sudoreses, a fim de “purgar o humor que estivesse em excesso” e equilibrar os restantes. A partir da medicina hipocratica, formou-se uma crenca muito forte na Idade ‘Modema e que também teve registros na Idade Média e na Antiguidade, a de que seria possivel transferir a satide de um ser humano para outro, através da transferéncia do recepticulo da forga vital, o sangue. Esta transferéncia poderia ser feita através do sangue de pessoas saudaveis, no qual o enférmo deveria se banhar ou beber. Este remédio, aconselhado a0 imperador romano Constantino para 0 tratamento de lepra, costumava causar grande panico onde quer que surgissem boatos de sua utilizagio, Além do sangue, acreditava-se ser possivel transplantar membros e drgdos de uma pessoa saudivel a um mutilado, com © mesmo principio de que a satide de alguém poderia passar para outro através do sangue ou de partes do corpo: Em 1768, 0 colégio dos oratorianos de Lyon & invadido pela multidao e saqueado. Acusani-se 05 religiosos de albergar um principe maneta. “Todas, as noites”, conta-se, “so detidas nas redondezas do colégio criancas as quais se corta um braco para experimenti-lo no pretenso principe.’ [...] Muitos nao acreditavam impossivel, outrora, essa extraordinaria cirurgia. Eainda: Diz-se que 0 objetivo desses raptos de criancas era que havia um principe leproso, para cuja cura era preciso um banho ou banhos de sangue humano, © que, nao 0 havendo mais puro do que o das criancas, tomavam-nas para sangré-las dos quatro membros e para sacrificé-las, o que revolta ainda mais 0 povo. Nao se sabe em que sdo baseadas essas historias; esse remédio foi proposto no tempo de Constantino, imperador que no quis utilizé- o.Esse medo, em dois dos casos evocados acima, juntava-se ,reforcando-a, a essa outra crenca, de modo algum insensata para uma mentalidade mégica, de que para curar um principezinho doente, & preciso sacrificar uma crianga saudavel e provocar assim uma transferéncia de satide. (DELUMEAU, 1978, p. 179 - 181) Segundo este mesmo autor, os medievais acreditavam, em algumas regides, que os judeus eram amaldicoadas, sendo acometidos de enfermidades, e estas s6 poderiam ser 13 aliviadas se eles sacrificassem uma crianga catélica e tomassem ou se banhassem em, seu sangue. Dricula histérico, rei da Walliquia, pequeno reino entre o Império Otomano e a Hungria, apés derrotar os germénicos que haviam apoiado seu rival Dan III na Iuta pelo trono do reino, passou a ser difamado por estes, que imprimiram diversos panfletos, distribuidos em toda a Europa, narrando atrocidades atribuidas ao rei, Entre elas estava © fato de Vlad Dracula supostamente fazer suas refeigdes em meio a uma floresta de corpos empalados em langas e recolher o sangue deles em bacias de prata, do qual ele se alimentava. Nao hd nenhuma mencao nesses panfletos a qualquer efeito sobrenatural ou medicinal da ingestio de sangue pelo governante, mas uma vez que seu objetivo era a difamagao, & provavel que tal ato fosse visto como algo hediondo, digno de monstros, nao de humanos tementes ao deus cristao. A questio da hematofagia como “transporte” da energia vital, de uma pessoa para outra, remete a uma personagem histérica que levou tal idéia muito a sério, a Condesa Sanguindria Elizabeth Bathory. Elizabeth Bathory era uma nobre hiingara, com propriedades na Transilvinia, atualmente parte da Roménia, Embora fizesse parte de uma familia importante, a condessa pouco agia na vida politica local, preferindo se dedicar as suas fantasias sidicas e a orgias, nas quais torturava suas servas até a morte, Baring-Gould e Miranda Twiss afirmam que Elizabeth foi uma das mulheres mais bonitas de seu tempo ¢ pinturas da época a mostram como uma bela dama de pele alva e cabelos negros. Vaidosa, a condessa temia © envelhecimento e, sob orientagio de uma feiticeira Local, passou a consumir sangue humano, tanto bebendo-o quanto banhando-se nele, com o intuito de reduzir as marcas da idade. Tal tratamento cosmético, no entanto, exigia grande quantidade de vitimas e logo © rareamento das camponesas nas imediagdes do castelo da condessa comesou a levantar suspeitas quanto a ela, Por fim a corte htingara decidiu investigar e descobriu massacre que vinha acontecendo por anos dentro dos muros do palacio. Como resultado, a condessa Bathory foi emparedada a mando do imperador hiingaro, Em seu castelo foi encontrado um cademo no qual ela descrevia detalhadamente mais de 650 assassinatos que cometera para conseguir o sangue utilizado para seu peculiar tratamento de beleza, A narrativa sobre a condessa Elizabeth Bathory, citada por Sabine Baring-Gould ‘em seu Book of Werewolves, marcou profundamente a obra de Bram Stoker, a ponto de 4 Denis Buican afirmar que 0 Conde Dricula é, na verdade, uma amalgama do Dracula histérico com ela. Na crenga do Leste Europeu, os vampiros sairiam das covas durante a noite e sngariam o sangue dos vivos. Quando suas sepulturas fossem abertas, seria possivel encontri-los inchados com o sangue que sugaram e muitas vezes este escorreria por seus olhos, nariz.e boca, inundando o caixao. Em sua obra Vampires, Burial and Death, Paul Barber ressalta que, muito longe de ser algo sobrenatural, este fato de certos cadiveres aparecerem “estufados” e com sangue liquido escorrendo de seus orificios é perfeitamente normal para o processo de putrefagao. Pouco tempo apés a morte o sangue perde sua capacidade de coagular e os microorganismos responsaveis pela decomposigao, ao liberarem gases, eriam uma pressio interna no cadiver, fazendo-o inchar e expelir o sangue para fora do corpo. Nas regides rurais do Leste Europeu, até hoje, cadaveres com estes sinais sto considerados suspeitos de serem vampiros. Na regitio dos Baleas e na Roménia ndo é raro que aldedes desenterrem estes “vampiros” para cravar estacas em seus coragdes out cremé-los. No século XIX o sangue continuou como uma questio importante do ponto de vista do imaginario. A idéia do sangue como veiculo da vida no sé permaneceu por todo 0 periodo vitoriano como também ganhou ares cientificos com a técnica de transfusdo sanguinea, Nesta pratica, a idéia de que uma pessoa doente pudesse “se alimentar” do sangue a ela transferido e assim recuperar a saiide era, de certa forma, bastante similar & do vampizo, quando um cadaver é reanimado pelo sangue dos vivos. No entanto, embora esta técnica fosse razoavelmente popular, era também artiscada, pois antes da descoberta dos tipos sanguineos e do fator Rh a transfusio de sangue podia até matar 0 paciente, dependendo do sangue recebido. © Paradigma do Vampiro Modemo: A Licantropia Além da hematofagia e da morte-vida, 0 vampiro moderno também possui profundas caracteristicas licantrépicas. O Conde Dracula de Bram Stoker, a0 longo da narrativa, se transforma em lobo, cdo, morcego e em rato. Na obra Lamia, do poeta Jhon Keats, a vampira Lycius muda para a forma de uma serpente apés matar seu companheiro e beber seu sangue, 15 Lendas relativas a licantropia sio muito diversificadas. Em alguns locais, como na Franca, o tipo mais comum de licantropo é 0 Lobisomem (Werewolf em inglés, Loup- garoux em francés), um ser capaz de assumir a forma humana, uma forma lupina e outra forma hibrida, combinando caracteristicas de ambas. Algumas lendas definem a licantropia como uma “doenga”, sendo que uma pessoa mordida por um Lobisomem estaria fadada a se tornar um monstro da mesma espécie. Durante a Idade Média, a licantropia foi considerada uma forma de bruxaria. Acreditava-se que feiticeiras pudessem assumir a forma de gatos, pissaros, morcegos ¢ outros animais. Segundo Carlos Roberto F. Nogueira, em sua obra O Diabo no Inaginario Cristao, 0 diabo também era considerado como sendo capaz de assumir formas animais, no entanto, sempre que o fazia se transformava em um animal de cor negra. © Diabo assume outras e variadissimas formas animais, como a de um touro, gato, cavalo, porco, veado, camundongo e mosca. Mas a sua aparicao como tum cio, e um cdo preto — a cor denunciando a presenca demoniaca — ocupa 0 segundo lugar na preferéncia dos relatos. (NOGUEIRA. 2000, 68) E ainda: Cesarius de Heisterbach (morto por volta de 1245) esclarece, em seu livro destinado a instruir os jovens monges de Cister, que no s6 calamidades, tormentos e doencas, mas também ruidos inesperados — como © farfalhar das folhas e © gemido do vento ~ deveriam ser atribuidos a artificios diabélicos. Para Cesarius, 0 Diabo pode aparecer sob varias formas: um urso, um cavalo, um gato, um macaco, um sapo, um corvo, um abutre, um cavaleiro, um soldado, tum cagador, um dragio e um negro. Nao era raro disfarcar-se em mouro. (NOGUEIRA, 2000, p.53) No entanto, a forma mais comum de representacao do deménio era como um morcego. Para os teélogos medievais, assim como a pomba branca representava 0 Espirito Santo na Santissima Trindade, 0 morcego, um animal noturno, escuro, que dorme de cabeca para baixo, seria a representagtio mais fiel do deménio. Segundo Seligmann e Summers, 0 morcego eta visto como um animal “antinatural”. Do ponto de vista dos estudiosos medievais, este era um ser que fazia tudo ao contrario do que um animal “normal” faria. Além de pousar de cabeca para baixo, os morcegos so os tinicos mamiferos capazes de voar, coisa que era tida no imaginario do medievo como sendo priprio das aves e insetos. Eles também seriam 16 crinturas que agiriam apenas & noite, enquanto o reto” eta que os animais dormissem durante este periodo. Sendo, no ponto de vista medieval, um animal tio bizarro, o morcego s6 poderia ser a representacdo do demdnio e tal ser era comumente associado a esta figura do imagindtio. Muitas tradigoes e figuras licantrépicas da antiguidade, condensadas na figura do diabo, segundo Nogneira, foram responsaveis por atribuir a ele capacidades licantrépicas. No entanto, duas das formas mais comuns de representagao animal do deménio, a de lobo e a de bode, tem relagdes com o conceito de wilderness. Wildemess nao tem traducdo exata em portugués. Significa sertdo, selva, ugar primitivo, mas sem a precisto da palavra inglesa. “Na sua forma mais, antiga [...] wildemess estava selacionaclo com florestas, lugares habitados por bestas selvagens ou homens selvagens: wildman. Ao mesmo tempo. significava que o homem eta tomado de estranliamento, sentindo-se desorientado nessas florestas” [..] Num artigo sobre Joseph Conrad, Michel Le Bris, depois de afirmar que nto se pode traduzir wilderness para 0 francés, considera que essa nocdo é central na obra de Conrad, indicando que ela carrega uma idéia de mistério, esplendor, selvageria e forca [. (PRADO, 1999, p.187) No imaginario medieval os homens eram fortemente ligados a terra onde nasciam ea wildemess ocupava um local especial como fonte e abrigo de monstros e segredos. A origem desta relacdo com a wildemess provavelmente est nas antigas tradigdes druidicas; os druidas, sacerdotes animistas dos poves da Europa pré-crista, tinham seus rituais secretos feitos em bosques e florestas, proibidas aos nao-iniciados. Nestes locais aconteciam rituais que muitas vezes utilizavam de sacrificios humanos e contatos com seres sobrenaturais. A floresta pode ser um espago sinistro de irevas e emanagdes, reais ou inaginérias. 86 & permitido 0 ingresso aos iniciados, aos conhecedores das verdades da natureza, em todas as duas formas, visiveis ou nao. Ali 05 druidas tinham seus bosques sagrados, ocuitos aos olios dos simples mortais. [..] na literatura arturiana, levava dias para os cavaleiros atravessarem as florestas. Um ermitao adverte Lancelot de que a floresta era ‘mais traigoeira do que alguém pudesse saber, ele poderia se perder no caminho e vagar por muitos dias sem encontrar uma alma para qjudé-lo’, pois era ‘vasta e labirintica em suas profimdesas; um cavaleiro poderia cavalgar 0 dia todo sem encontrar una casa ou refiigio’ (DRICEANU & BARTLETT, 2005, p. 86-87) Acima de tudo, pairava sobre os locais ermos, de natureza intocada, 0 medo do desconhecido. Em uma época onde poucos eram alfabetizados ¢ 0 estudo da biologia se 7 baseava mais em superstigdes e idgias religiosas do que na simples observagao da natureza, ninguém poderia ter certeza do que realmente se escondia dentro das matas. Locais de wilderness permeiam a literatura medieval como refiigios de monstros, locais de sabbats, ritais satanicos feitos por bruxas e feiticeiros e areas onde o mundo sobrenatural se misturava ao mundo mortal. Os mitos arturianos mostram a wildemess como local onde a integridade dos cavaleiros ¢ testada, pois 4 eles encontram dragées, deménios e magas e sao confrontados com escolhas que poe em xeque a sa devocao e fe ‘Na tradicao judaica, segundo Summers e Seligmana, bodes pretos eram soltos em locais ermos, de natureza selvagem, esperando-se que eles levassem embora, consigo, os pecados da comunidade, Estes animais, representando todo 0 mal de um povo, eram mandados para a wilderness, onde “descarregariam” todo este mal. © deménio, representado como uma cabra ou um bode preto, normalmente aparece em descrigdes de sabbats, a fim de copular com bruxas e receber oferendas destas. No Maleus Maleficarum, Kramer e Sprenger citam que bruxas normalmente deixariam suas casas em certas datas festivas pags, como a noite de Wallpurgis (31 de Outubro, data conhecida hoje como Halloween). Através de encantamentos, voariam em ‘Vassouras ou se transformariam em gatos ou passaros e se reuniriam em florestas a fim de realizar rituais malignos, fazer sacrificios humanos, orgias e festivais antropofigicos. (O deménio em pessoa participaria destes festins macabros e segundo Seligman: Raramente 0 sabbat era perturbado por espectadores indesejados. Quando 0 alarido e a miisica chegavam aos ouvidos dos crentes, estes fechavam as taipas das janelas e persignavam-se. Mesmo os perseguidores de bruxas mais ousados fingiam néo ouvir, pois sablam que Satands partielpava no sabbat, e 0 poder das armas era quase nulo contra o senhor das trevas. [.JJohn of Salisbury descreve um sabbat de bruxas em que 0 diabo apareceu sob forma de cabra ou gato. (SELIGMANN, 1948, p.204) Longe se ser exclusividade de demonios, a transformagao em animais era também creditada a bruxas e feiticeiros. Na Inglaterra e na Franga acreditava-se que magos poderiam se transformar em gatos ¢, em fins da Idade Média, segundo Nogueira Seligmann, houve um verdadeiro massacre de felinos em Paris, na tentativa de se executar bruxas que estivessem sob esta forma Antes do Drécula de Bram Stoker popularizar 0 paradigma do vampiro modemno, a figura do vampizo e de outros licantropos, como os lobisomens, segundo Summers, 18 no tinham fronteiras claras. Em muitas regides, como na Grécia, até hoje & usada a mesma palavra (Vrykolakas) para se referir a ambas as criaturas e ambas se mesclam no imaginério local, tornando-se indistinguiveis uma da outta. No Leste Europeu, vampiros ¢ lobisomens também so considerados como sendo a mesma criatura, em estados diferentes de vida. Um lobisomem, nos Baleas e na Roménia, esta fadado a se tomar um vampiro depois da morte. No imaginario dos povos germénicos, de forma inversa, vampiros e lobisomens sto considerados como sendo inimigos naturais. Pelo fato de lobos se alimentarem de camiga e eventualmente saquearem cemitérios nas zonas murais, acredita-se que eles atacam e devoram qualquer morto-vivo que encontram, eo mesmo ocorreria em relagdo aos lobisomens e vampiros. Surpreendentemente, no século XIX, a imagem do lobisomem e do licantropo, de forma geral, ainda se fazia muito presente no imaginario europeu, sobretudo na Europa Continental No Book of Werewolves, de Sabine Baring-Gould, o primeiro capitulo narra uma curiosa introdugo sobre como ele foi levado a pesquisar tal tema, Certa vez, quando visitava o interior da Franga, com a finalidade de conduzir pesquisas sobre monslitos druidicos, Sabine se demorou muito em campo e foi pego de surpresa pelo anoitecer Naquela noite, depois de se perder na regio, ele conseguiu encontrar uma vila préxima a seu campo de pesquisa, mas nenhum aldedo local aceitou guid-lo pelos pantanos até a cidade onde ele estava hospedado, pois todos temiam encontrar algum lobisomem no caminbo. autor afirma, portanto, ter ficado surpreso com a atitude dos camponeses, uma vez que na Inglaterra coisas como lobisomens ¢ vampiros eram tidas como fico, mas, naquele local, em plena Europa, ainda eram personagens importantes do imaginario. Diante deste acontecimento, Baring-Gould resolveu dedicar alguns anos a viajar pelo mundo em busca de locais onde, como na Franga, © mito dos licantropos e de outras criaturas sobrenaturais ainda fossem tidos como reais. Embora ainda estivesse presente em grande parte do imaginario, no século XIX, a figura do licantropo também ganhou espago como metafora. Tanto na ficgao literéria quanto na cultura da era vitoriana, muitas vezes a transformacdo em animal nfo se dava fisicamente, mas moralmente ou intelectualmente. Segundo Stephen King, a principal obra literéria sobre licantropos da Era Vitoriana, O Médico e o Monstro, de Robert Louis Stevenson, segue esta idéia de que a transformacao em animal nfo se dé fisicamente, Paralelamente, Sabine Baring-Gould 19 cita que na Eslovaquia a palavra vikod?ak & usada para denominar tanto lobisomens quanto vampiros e Ticantropos em geral, além de também ser usada para indicar pessoas embriagadas, sendo usada jocosamente para se referiy a alguém que passa a agir como uum animal depois de beber. Além destas caracteristicas, 0 vampiro modemo também conta com mais duas: sedlugo para a destruigao-e a nalurera sobrenatural (© Paradigma de Vampira Modemo: A Seducio para a Destruigao © vampire, ao contrario de outros monstros do imaginario e da fieglo, nao existe so riamente, sendo uma criatura que s¢ dissemina de forma epidémica, Um vampire pode criar outros iguais a si e usa suas habilidades de sedugto em conjunto com seu apelo exdtico para fazé-lo ‘Vampires, de maneira geral, se tornam seres sobrenaturais através do contigio. ‘Um vampire morde uma pessoa e suga-lhe o sangue, e esta, invariavelmente, se torna uma destas criaturas quando morrer. No imaginirio popular do Leste Europeu, a origem pelo contigio costuma variar bastante de vegito para regiio. Segundo Barber. em alguas locais acredita-se que pessoas mordidas por vampiros adoecem e mosrem dentro de poucos dias, antes de tomarem-se também mertos-vives, No entanto, em alguns outros locais, a simples mordida de uma destas ctiaturas info é o suficiente para amaldigoar a vitima. E necessario que a vitima também tome do sangue do vampire, o que a transformaria em um apis a morte, Tisla & 4 versie tomada por Stoker em seu romance, no qual Drécula sé ¢ capa de transformar em vampiros 2s timas que bebem dese sangue (© vampiro modemo, assim como s personagem de Stoker, dificilmente recamre violéncia para gerar outros iguais a si. A sedugdo ¢ a maior arma destas criaturas, Ievando, com apelos erdticos © promessas de vida eterna, suas vitimas a realmente desejarem a transformac3o monstiuosa. Assim como os seres vivos seduzem seus parceiros para gerar uma nova vida, um filho, 03 vampiros seduzem suas vit immas para Berar uma nova morte, uma morte-vida, um ciclo infindavel de destruicao, que se prolongs a cada nove vampire criado. Stephen King, em seu tratado sobre a cultura de massa dos séculos XIX ¢ XX, Davia Macabra, ressalta que a seducao para a destruigho € a nica caract sepsra © vampiro: modemo do ghéul', 9 “zumbi” dos filmes de monstras de nessa epoca. Ambas as figuras sto bastante semelhantes. No entanto, 0 ghdul uio seduz suas vitimas, ele estupra a vontade delas, atacando-as irracionalmeate, euquaate o vampire procura obtcr o conxentimento, ainda que momentince, de sua vitima para transforméicla em outro igual a si. A idéia da sedugao para a destrui¢go tambem esta presente em diversas outras figuras do imaginério, sobretudo na Antiguidade Classica. As servias, hurpias, laminas © oulras criaturas similares do imagindrio da Grécia Antiga também utilizavam da sedugdo para atvair suas vitimas para a destmigao: no entanto, diferentemente do ‘vampiro, elas eram incapazes de gerur qutras iguais u si a partir de suas vitimas, Na Idacle Média, com o surgimento da figura do diabo, a seducio para a danagie ganhou uma nova configuragao. A Idade Média européia foi marcada pelo dominio da Igreja Catéliea, Romana ¢ Ortodoxa sobre o imaginério ocidental, Os deménios medievais tinham como atribute a sedugto ¢ a sensualidade, Desta idéia nasceu a figura dos incubus e succubus. Os succubus (‘0s que se deitam por baivo’) eram deménios femeos que assalteverm os homens adormectcas, sob o aspecto de mulheres formosas, dis vezes wirgens, inpelinda-os a quebrarem as vatos de castidade ou, na caso de homens casados, a cometerem adultérie. Os incubus (‘0s que se deitam por cima) represemavam a eomrapartida maseulina, busecala corromper a mulher, deflorandora, se fosse virgem, ou arrastande as espasas ao-adultério. Na caso das religiosas, estes demofos assumiicum a papel de Cristo, dos santas ou dos anjas. Tomds de lguino penser que tom deménia agia coma um succubus para o hamen, recebenda seu sémem, depois deiteva-se com 0 um iacubus com wma smulher, para garam filhas. (NOGUEIRA, 2000, p.1-52) No imaginirio medieval, a vitima que sucumbisse 4 seducdo de tais deménios, eslaria cometendo o pecado da luxtiria, ao mesmo tempo em que estaria perdendo sua alma para tais seres. Portanto, como se acreditava que deménios poderiam copiar as feigdes de qualquer pessoa, a idéia dos suecubus ¢ incubus era usada para amedroutar os + Ghiul, na mitologia drabe ¢ ums espteie de génio antrepofigico, normalmente maligno. O antagonisia de Ali no islamismo, seguade o Alcorio, ¢ um ghdul de nome Iblis, accumindo nesta religifio 0 mesmo papel de Licifer no extolicismo. No earasto, no ecidente modem, sobrondo nos paises de Lingua inglesa, a palavra Ghéu e seus variantes Gu! # Ghou! passaram a set usados para ce referir a qualaquer criamura da fied que se alimente de carne humana, sobretudo 03 “Zumbis” de filmes de terror. O terme também ¢ usado para pessoas violentas, como assassinas seriais, a mortais quanto aos prazeres da came, em um proceso que Nogueira chama de ~pedagogia do medo”. A idéia dos succubus ¢ umuito semelhante 4 da lamia e da lilith e, por causa de sua popularidade, teve uma importante influéucia no vampire vitoriano, coucebido como um ente sedulor, que tenla os mortais com promessas de prazer para sugar-lhes algo, no caso o sangue, de suma imporlincia. A ideia da sedugao era execrada no imaginério vitoriane como sendo algo indigno do homem misculo anglo-saxdo. A questi do crotismo, embora sempre presente na Turopa, incluindo Inglaterra, como destaca Peter Gay, cra considerada coma sendo algo pertencente 4s ragas e classes inferioves, digno de vergonha e repulsa. Neste contexte, ainda bastante influenciado pelo imagindrio religieso medieval, © erotismo ¢ a seducio eram frequentemente associndos na fiegio & figura dos monstras. 0 Dracula de Stoker, por exemplo, ¢ uma figura profundamente sedutora, assim como ‘05 vampiros das obras de Byron, Keats ¢ outros autores da época. No imaginario, no entanto, os vampiros do Leste Europeu nie possuiam caractetisticas sedutoras. Pelo contract , eles normalmente eram apresentados como bestas impiedosas que atacavam as pessoas durante a noite, espalhande 0 caos © a destruigto. Nos relatos das infestagdes de vampiros, apresentados por Barber, tais criaturas mao langam into dos artificios da sedugdo e do erotismo: elas apenas invadem as residéncias das vitimas e as mordem vorazmente, sugando-Ihes © sangue. A idéia da sedug%o para a destmmiggo na obra de Stoker vem da associagto da figura do vampiro com a figura do diabo, esta sim uma figura versada nas ames do erotisma, Para denegrir ainda mais o monsiro da obra literiria gética, autores come Tiram Stoker ¢ Lord Tyron associaram-no as pniticus tidus como deploriveis naqucle contexto histérico ¢ social. Ao contrario do heréi casto e masculo do romance, © monstro era devasso, sedutor ¢ dado 4s paixdes, representando mido aqnilo contra 0 qual ‘8s vilorianos Iutavam para sublimar, O Paradigma do Vampira Modemo: A Sobrenaturalidade © vampiro vitoriano, arquétipo gerador do paradigma do vampiro moderne, também possui atributos sobrenaturais. Ele nde compartilha do muode natural onde os humanos vivem. Armas que matariam um humano nfo tem o mesmo efeito sobre © ‘vampiro e protegdes contra seres vives nfo sho seguras contra a mesma criatura, 2 Por outro lado, 0 vampiro possui uma série de restrigdes que nde existem no mundo natural dos mortais. Alguns modos de destruir um vampiro, como o uso de alho, undo afetam em nada os humanos vivos 2 sadios, mas so mortais para a criatura. As medidas de protecio e combate a vampires sto chamadas, por Barber, de medidas spotropdicas’, [isles apalropaices padem ser divididos em duas calegorias: medidas para se prevenir ¢ afastar os vampiros ¢ medidas para se destruir ou inulilizar ‘0s mesmos. Medidas para prevenir « existéncia de vampiros normalmente eram aplicadas wo se formar um morton cadiver que tivesse possibilidades d vo. Alguns destes visavam impedir a possessdo do corpo por um espirite maligno, como o enterro com cruzes, ns biblicas. Outros, mais comuns, simbolos sagrades ou papéis com salmos ou pu visavam impedir ou dificultar que o vampiro suisse de sua sepultura. Tais apotropaicos deveriam ser administrades logo que a pessoa morresse. Espelhos deveriam ser cobertos ot retirados do local onde se encontrava 0 defuunto, pois sua alma poderia ficar presa neles ao invés de rumar para a outra vida. Os olhos do morto deveriam ser fechados ou lacrados com objetos. Eun algumas regides era utilizada cera quente on panos eram empregados para garantir que os alhos no se sbrissem Todo este cuidado, como citado acima, se deve & crenga de que a alma era © reflexo de uma pessoa em um espelho. Quando a pessoa morresse e sua alma se dissociasse do corpo, esta poderia ficar presa em alguma superficie espelhada, ou mesmo no cadaver, uma vez que os olhos refletem imagens como um espelo, Também ers importante ter enidado com a sombes do cadaver. Também considerada como senda a manifestagio da slma de uma pessoa, a sombra jamais doveria ficur ds costas do morto, ow cla coria o risco de “Vicur para tris" ao inves de ir com ele para fora da casa au do local onde seu dono momeu! O cortejo fimnebre, em algumas regides, jamais deveria sair pels porta da casa, mas sim por uma jancla ou aberiura, a fim de que © morte se confundisse ¢ nde Lembrasse © camino de volta para sua moradia. lambém seria comum a crenga de que 0 cortejo deveria prosseguir tma loaga e confusa jomada pels cidade, a fim de “desorientar” 0 morto, para qué este acreditasse ter saido de um local mais longe do que a cidade. Apotroptices sto medidas de proterdo contra.o sabrenatural, Padem ser tanto simbolos quants prostutos ‘espeeificos, agbes que devem see feitas ou palaveas que devean sex pwoteridas a flasde garsatis inmunidade contra certo evento ou crintars sobgenatural, 23 No cemitério, © corpo poderia ser enterrado de cabeca para baixe, em posigo vertical, ou em posig&o horizontal, de brugos, a fim de que, quando se ommasse um vampiro ¢ tentasse sair da sepultura cavando, acabasse cavande para baixo ou para os lados, aio couseguindo assim sair da cova. Outro método seria cortar a cabega do defunto c a enterrar entre suas pernas. Tss0 nao impediria o vampiro de vollar come um marto-vive, mas ele ficaria desorientade, uma vez que ainda enxergaria pela cabega e nao conseguiria sair da sepultura. Tm algumas sgides do Teste Turopeu, também havia a iddia de que vampiros teriam tendéncias obsessivo-compulsivas. Por isso cra comum se enterrar os corpas com: redes de pesca, screditando que os vampires 56 couseguiriam sair de suas covas depois de destazer todos os nds dare Outra medida semelhante seria espalhar, ao redor da cova de um vampiro, imimeras sementes ou pequenas pedras. Ao deixar = sepultura, 0 morto-vive seria obrigado a contar todos estes objetos ¢ nao consegniria terminar a conta antes do sol nascer ¢ ser obrigado a retornar a cova, Também era comum a empalacto de cadiveres suspeitos ou com tendéacias a se tomarem vampiros. Neste caso, perfurar o corpo com uma estaca tinha, alm de éficiéneia sobrenatural, uma fungae pritica. Pregado na cova, ele aio iria aparecer 0 nivel do solo se este ficasse immdade ou erodido, além da fato de que os gases da putrefacio sairiam pelo ferimento e o corpo dificilmente assumiria a forma inchada, considerada grotesea, que eles tanto temiam. (Outs fonma de evitar o inchago do compo era entesrar, juato com o cadaver, algun objeto cortante au perfurants, estrategicamente posicionado para ferir o corpo assim que ese estivesse comegando a inchar, Segundo o autor, varias facas, espadas, foices acas foram encontradas em timulos medievais on de €pocas anterioves, colocados com esta finalidade nos corpos. (Qs ciganes do Leste Europeu, segundo Barber, também teriam a tradigde de enterrarem longas langas de madeira ma cova de seus mostos, para evitar que eles se tomassem vampiros. Normalmente trés langas eram usadas, uma na cabeca, outta no Mortos com muita possibilidade de se tormarem vampiros, como feiticeiros, lobisomens e hereges, eram comumente enterradas fora de solo sagrado, normalmente em encruzilhadas, longe das cidades e perto de matas ou pintanos. 4 Flavia Idriceanu e Waine Bartlett citam que as encruzilhadas de estradas eram istas como Locais limitrofes. Hé muitas superstigdes ligadas ao porto de enconiro entre dues esteadas: nusitas vezes so consideradas coma pontas de interseecta simbdlicos entre o caminhe dos vives € © dos mortos. Suposiamente ox espiritos perseguidores (endre as qual, os vempiras) permanecem nats encrucithadas por nto estarem certas de que caminho seguir. Cs sricédas 2 onicas que nda foram sepulactas ewe campos sienias sao enteereetos em encrucithadas, ds veces com esiacay Jranspassacas em seus eoragdes: F..] Para acreseentar alga ao significada ritualistico do local, & tambén ar fronteira entre duas pordquics. (IDRICEANU & BARTLETT, 2005, pas) (Outta pritica, apontada por Barber ¢ Summers, era a de simplesmente abandonar © cadaver na wilderness. Embora nao tivessem mitos relativos a vampiros, propriamente ditos, antes do século XTX, os paves da Inglaterra também usavam deste método apotropaico para se livrar de alguns tipes de mortos incémedos, como as vitimas de sacrificio humano de druidas, bandidos e traidores Corpos abandonades em locais ermos normalmente se decompunham rapidamente, sendo alve de animais camiceiros e dos elementos naturais. No entanto, alguns, como os cadiveres jogades em pantanos, lagos congelados ow cavernas, foram preservados por processos naturais de mumificag’o° ou saponizactio”. Entre os povos eslavos, era comum também o depésito de tals compos em Agua, normalmente em ries, lagos ou mesmo no mar. Em algumas regides, mais para o interior do continent, tis apotrapaicos consistiam em amarrar o-cadiver a alge pesada, para que ele nfo boiasse, ¢ eatio amemessi-lo em algum corpo de agua. ‘Também era comum usar estacas ou langas para prender o defunlo ao funda do rie, lage ou, principalmente, panuino. ‘Jina regitio mais ao norte, proximo do mar, os eslaves e eslavonicos adotavam uma posiciio mais similar aos funerais escandinaves, depositando ox defuntos em rios ou no mar, para que a Agua os levassem embora. Estes depdsitos poderiam ser feitos tanto com pequenos barcos quanto simplesmente atirando o cadaver na Agua. * Mumificagdo ¢ um prosesso no qual © cadaver desidrata a um certo nivel no qual ado ¢ possivel a sebrevivéneia dos microorgaaismos responsaveis pela decomposi¢ao. Com a morie destes icroorganisimes, 0 defunco tem seu processo de purtefasio interompido e fica preservado em sun cova, Saponizaet « um processo no qual o cadaver & preservade por se tansformat,Lieralmeate, et sabto. Em santato com ambientes cfustices, come pantanos, cavemas ¢ lagns subterrcos, a gordura da compa reage quimicamente, wansformando & pele, 03 ossos e 05 umisealos do deftuta em sabSo © assina impedindo o processo normal de decomposigio, 25 © objetivo destes métodos era 0 de se ver livre do morto © mais rapide possivel, com a minimo de esforgo, ¢ também evitar manter 0 cadav ~ que poderia se reanimar ‘como um morte-vive, dentro dos limites da cidade, Muitas vezes, no eutanto, a simples prevencto nto resolvia 05 cases dos vampires. Quando tuna infestagde destas criaturas surgi, se [ayia urgente a busca c destruigao delas A primeira dificuldade que aparecia aos cagadores de vampiros era identilicar onde se encontrava @ morto-vivo. Dentro da cidade, o local mais provavel para se procurar era, sem diivida, 0 cemitério. No Leste Furopeu acreditavaese que o vampiro sairia de scu caixfio ¢ de sua cova através de wm peqneno orificio na terrs, ou sinda que alguns abritiam sua sepultura € escavariam o caminho rumo & superficie, Sendo assim, uimulos que apresentassem fissuras, buraces, aberturas ou marcas de terem sido escavades e depois tampados, mmitas vezes seguidas, eram tidos como suspeitos de guardarem, em seu interior, mortos sem descanso. Summers também cita que: “Os Russos do Sul acreditam que, s¢ as maos de um ‘vampiro estiverem de alguma forma impossibilitadas, este escavari para fora de sua sepultura usando os dentes, que so fortes como ago”, (SUMMERS, 1929, p.289) ‘Muitas vezes, porém, os ninmlos dos cemitérios nto se encontravam violados ou com fissuras e perfuracdes. Entdo era necessirio um métada apatropaico pata localizar ‘© vampiro. Um cavalo totalmente branco, sem manchas (em algumas regides @ cavalo deveria ser completamente negro, ¢ em outras uma égua com as mesmas caracteristicas poderia substimi-lo), que amnes tivesse sido montade ou usado para taco, deveria ser montade por um joven virgem, © animal deveria ser conduvido pelo cemitério. Se cle refugasse ou se negasse a continuar diante de algum timule, cra sinal que este comportava, em sew interior, um vampire. Destmir um vampiro se resumia a aplicar, no cadaver, as medidas apotropaicas que no foram aplicadas em seu enterro. © método mais popular consistia em empalar 0 compe com uma estaca de madeira, cortar sua cabega, encher sua boca com allo ov outra planta de cheiro forte, om, por fim, se nada disso impedisse a cristura, cremécla. © cadaver, segundo Barber, era examinado, em busea de algumas marcas que sugerissem o estado de morte-vida, Na religiae ortodoxa, ao contririo do que acantece no catolicisme romano, » nfg-cesomposig#o do compe era vista como wm sinal de que “a terra o havia rejeitado”, e que, portanto, ele estaria amaldigoada e preso ao mundo dos ‘vivos, Entre os catélicos romanos, processos de nfo-decomposigao do cadaver eram 26 istos como sinal de santidade e incorruptibilidade da pessoa. Barber destaca que esta é uma das idéias que teria originado o mito de que catélicos romanos se tornariam vampiros se enterrados em terrenos sautos de catélicos ortodoxos. Atualmmunte as crukiweres sey exeumaaias, a Renae 28 amos ewes ee meri, caso de uma crianca, quatre ou cmc amas aps a warte. no-easo de run zovena fam sate amas cis 2 mate, ne exet he uns ics, Seo efter nd ee decarapbe completamente, sernacionse apenas unr esquetero, eunde ele é considerado como seis un vempica. (SUMMURS, 1929, 9.302) Alem da nfo-decomposicho, wm vampito também poderia apresentar uma hedionda, como estar inchado, ter perdido a “pele”, as unhas ou mudado de A presenca de sangue em estado liquide, ou de qualquer outro fluido que lembrasse este, era tida também como evidéncia de que o cadaver teria se levantado € sugado este “sangue™ dos vivos. Nas descrigdes das infestagdes de vampiros era commm encontrar mengdes @ filetes de sangue escorrendo da boes, mariz, olhes eu ouvidos do morto, ou deste estar boianda em uma “piscina de sangue”. De fato, como afirma o autor, o sangue humano volta ao estado liquide durante © proceso de decomposigio e fluidos avermelhados também se originam do processo, © que poderia explicar estas caracteristicas dos cadaveres tidos come “vampirescos”. Dentes grandes, pontudes ou mostra, assim como a mudaaga de posigae do cadaver também eram vistos come evidenci as de alguma atividade post mortem por parte des Caso o cadaver apreseatasse alguma destas caracteristicas, eram eatio tomadas as providéncias necessirias. Qualquer que fosse © método spotropdico uplicado, este cra {ello « certa dislineia, pois era comum a crenga de que se © sangue de um vampiro espicrasse emi uma pessoa, esta seria contaminada e tambem se tomuaria um. Segundo o sutor, a cremagio, apesar de ser o nico método 100% garantido de climinagia do morio-vivo, riramenie era aplicada logo depois da descoberta deste. Para se reduzir um corpo humane a cinzas, segunda o mesmo autor, € necesséria uma temperatura extremamente alta, dificil de conseguir usando apenas madeira. Cremar um vampiro exigiria um grande esforco, pois seria necessirio, primeira, a construgio de uma pira funeriria, depois a exumagio de compo (com os cuidadas para que este nio entrasse em contato fisico com nenhuma pessoa), € entio uma longa e onerosa queima deste, que exigiria nmita lenba, algum carvito mineral, ativadores de fogo, come dleool, 27 petréleo ou outros tipos de éleas, e vi ncia constante para as chamas ndo se apagarem ou nao diminuirem. Q odor exalado também era extremamente incémode para a commnidade, assim como a fimaca que o processo produzia. Dificilmente uma commuidade pequena teria condigdes de abrir mao de leahia e Oleo, sobremdo durante 0 rigoroso inverna do Teste Furopeu para sc desfixver de vampiro; porlanto, a cremagao era tida sempre como a tillima opgio para este fir. O primeire método empregado, nonmalmente, era a decapitagao. Pratica, rapida & eliciente, poderia ser feita com um machade de cabo longo ou mesmo com uma pa de coveiro, devidamente afiada, Nio exigia que o cadaver fase retirade do: local © era suficientemente segura para o verdugo ¢ para a platéia, desde que fosse mantida 4 distineia do morte. A empalacio também era empregada com freqi@acia e era costume cobrir © cadaver com um pano antes de fixar a estaca em seu corpo, para evitar que algum fluido escapasse na direcao dos aldedes. Segundo o autor, a estaca de madeira ers normalnente martelada no peito do cadaver, na direc do coragde, sobretude nas regides oude se acreditava que vampires tinham dois corgdes, um dos quais $6 batia depois da morte, animando 0 cadaver. No entanto também nao etam incomuns estacas serem fixadas nos bragos, pemias, cabega ¢ ventre do vampiro, sobrerudo na tentativa dé “pregi-lo” ao caixo e impedi-lo de se levantar, Plantas srométicas, como o alho, também eram utilizadas. Segundo Summers & Barber, em algumas regiées era comum a crenga de que os vampires poderiam se transformar em fumaca, € estas plantas, assim como inceuso, tinham por finalidade impedir que coniundindo seu cheiro ¢ difieullanda sua Iranslormacao em uma forma gusosa. T interessunte lembrar também da medicina hipocratica, ainda muito em voga até mesmo depois da Idad= Média, sobretudo nas regides mais nurais, onde sinds acreditava-se na ins dos “humores” e que miasmas poderiam contaminar as pessous, Simbolos sagrados, como cavzes, bibliss © hostias também costumavam ser utilizados, com a finalidade de exorcizar 0 “espirito maligno” que teria tomado-conta do defunto. Os vampiros modemos, baseados no Dreciela de Bram Stoker, também possuem outras caracteristicas sobrenaturais que sparecem nesta obra, © Conde Dracula desta ‘obra nfio conseguia, por exemplo, atravessar Agua corrente, a nfio ser ao amanhecer © a0 anoitecer. Ele também ao poderia entrar em uma casa sem ter sido convidado por Bid algum habitante dela. Em contrapartida, ele podia se lecomover pelas paredes, como uma aranha ou um Iagarto, andando sobre superficies Tisas sem esforgo algum. Além de ele também aio se refletir em espelhos. Quanto a estas caracteristicas, elas aio sio recorreates ao imagintio vampisico anterior & obra de Stoker, embora sparegam cm algumas regides do Leste Furopeu. Muilas delas nfo so especificamente relacionadas a vampiros ¢ foram tomadas de outras figuras do imaginario, tendo sido ineluidas nas obras de ficeao sobre vampiros como uma forma de reforcar a sobrensturalidade desta criatura A idéia de que os vampiros nfo sc refleterm em espelhos, utilizada par Stoker em seu romance, vent do imaginério popular do Leste Europeu, sobretude da regito da Roménia, Nesta regio, ucreditava-ve (¢ até hoje esta idgia persiste ne imagindsio local) que a alma de uma pessoa se manifestaria no mundo fisico como a sombra de um individuo e também seu reflexo no espelho. Se a sombra de alguém fosse roubada, © que, segundo McNally ¢ Florescu, poderia ser feito batendo-se um prego de prata na sombra de uma pessoa, esta nfio mais se refletiria ne espelho. Vampiros, licantropos & outros moustros sobrenaturais, nesta regitio, eam considerades como aio sendo posstiidores de uma alma, e, partanto, no se refletindo em espelhos © nem gerando sombras. A caractetistica da sobrenaturalidade @ bastante ampla e pode incluir uma gama imensa de possibilidades, No entanto, todas estes poderes e fraquezas dos vampiros fem um objetivo em comum, deixar claro, tanto par o leitor de ficg%o sobre vampiros quanto para uma pessoa inserida em wm imaginario que considere o vampire como una criatura real, que este ser esti além dos limites humanos. © vampiro, portanto, & uma entidade sobrenutural, capuy: de procvas que os morlais nao sie capuyes ¢ vulnerivel a agdes as quais os homanos so invulneriveis Nem todos os vampiros da fiegio ¢ do imaginério compartilham das mesmas caracleristicas sobrenalurais do Dricula de Bram Stoker, mas os seres deste tipo que compartilam o paradigma de vampiro modemo, praticamente em todas as suas aparigdes, demonstcam alguma caracteristica sobrenstural, seja ela uma habilidade, como a de se locomover por superficies verticais, seja ela uma fraqueza, como a intolerdncia & luz do sol, ou mesmo uma caracteristica outra, como nao se refletir em espelhos. 20 (0 Impacto do Paradigma do Vampire Moderno Por fim, podemos couchuir que a obra Drdéeula de Bram Stoker, a0 unir e divulgar todas estas cinco caracteristicas, criou, baseado no imagimizio e ua ficcdo do século “XTX, um panidigma da imagem do vampire que passou a scr adotade pelos meios de comunicagao ¢ pela cullura de massa do século XX. Summers, King, Barber, McNally, Florescu, Idriceanu ¢ Bartlett concordam que a representaco: da figura do vampiro, tanto ma ficcha quanto no imagindrio, & basicamente influenciada pelo Driicula de Bram Stoker. Embora o romance scja pauco Lido, as caracteristicas infundidas pelo autor em seu personagem ¢ a popularidade dele ‘em outras midias, fez com que este paradigma de vampiro fosse popularizado em todo mundo, afetando nao sé 0 mado como o ser aparece nos meios de comunicacio de massa como também @ modo como ele & representado no imaginitio social Buican descreve o arquétipo do vampiro concebido ns obra de Stoker em termos de imaginitio politico. As caracteristicas da morte-vida, da licantropia, da sedugao, da hematofagia ¢ da sobrenaturalidade sto identificadas, em sua obra dvacarurile Jui Dracula: de ta Vlad Tepes Ja Statin si Ceausescu nos sistemas de governo e politica da Unito Soviética, da Repiblica Socialista da Roménia e também, curlosamente, na Romenia medieval Em sua obra, ele demonstra como estes sistemas politicos, na esfera do. imaginirio, se mostram similares a0 vampiro de Stoker. Comparando com o Conde Defcula, o autor demonstra como estes sistemas se basearam em uma “uecrocracia”, 1m dominio dos morias sabre os vives, onde lideres do passado, ja falecidlos, cram constantemente evocados no discursa potiticn como entidades &s quais os vives deviam respeito © obediéncia. Assim como os licantropos, tais sistemas altemavam entre uma face amigavel ¢ na terrivel, tratando alindos ¢ inimigos ora com cordislidade, ora com wpressdo, A hematofagia ¢ personificada, na obra de Buican, como a explorugao das massas de sees humanos em beueficio do vampire, @ estado, A sedugio esti, claramente, na capacidade sedutora destes sistemas, capazes de criar outros “sistemas vampiros” em outras nagées, ¢, por fim, a sobenaturalidade, representada pela idéia de ‘que estes sistemas esto de alguma forma além dos humanos que os compde, Embora guardadas as devidas criticas 5 iiss de Buican, ¢ perceptivel que nie apenas ele tem esta visio de govemmos “vampiricos”. Nao € dificil encontrar fepresentagbes similares em nossa cultura ¢ em nossa sociedade. 30 Contudo, ndo sé imaginérie politico foi influenciada pela obra de Stoker. O Proprio imagingrio sobre vampiros, embora menos explicito & mais assaciada a mera superstigho, ainda permanece em grande parte do Leste Europeu. Ao coutritie do imaginério da época das infestagdes de vampires, o atual também tris grande influéncia da ficgo de Stoker. Isso € visivel, segundo MeNally ¢ Tlorescu, na associago que ox camponeses ramenos lavem de Vlad Tepes com o milo do vampiro. Mesme durante as infestagdes de vampiros dos séculos XVLU e XLX, Vlad Tepes Dricula, antig regente da Wallaquia, reino ao sul da Transilvania, nfo era relacionade estes mitos. Os vampiros cram quasc sempre pessoas comuns, que, depois de mortas, passavam a ser vistas vagando pelo vilarejo ¢ atacanda os vives. No emtanto, apds o romance de Stoker, © imagindri popular romeno tem feito muitas correlagdes com o voiveda de sécule XV, 0 romance de Bram Stoker ¢ as tradigdes locais sobre mortos: vivos No seu romance, Stoker menciona lobos uivando en lanto seguem 3 carruagem de Dracula. [..} Cachorras selvagens uivam na noite ~ porticwlanmenre, como a ienda conta, em noites de lua cheia [..]. Se estas algumas racdes pelas quais passar wna noite na regide de Castela Driicula tomon-se um esporte, Embora os estdantes mais safterieados e atrevidos da Universidade de Bucaresie ou de outro lugar gastem de fentar suct sorte descfiaade 0 espirito de Drécula, os camponeses supersticiosas da drea nda podem ser eulpadas por evitérlo, [..] Se a twista insiste, eles se Tunitam a encelher os ombros, como se aio entendessem que alguém pode ser tao imprudemte {..J. Ou se fimritam a murnurar “mu se poate”, alguna eaisa parecida eom o alewéa “verboten" (protbide). (MCNALLY & FLORESCU, 1995, p.82-83) Tim autra passagem de sua obra, McNally cits, que, em uma viagem & Roménia, na Spoca do govemo de Ceaucescn, alguns camponeses eram designados pelo governo par manutengto dos castelos histéricos da Transilvania e estes faziam firmemente agarrados a velhas biblias ¢ icones religiosos. temendo o alaque do “Drécula vampirica”, mesmo no Castelo Brum, onde o Dricula histdrico nunca morau, mas que normalmente € referido para os turistas como ¢ castelo que inspiron Stoker em seu romance. Ne ocide ceasionalmente a idéia dos vampiros aparece no imagindrio, associada a assassinos seriais. McNally, Palomba e Taborda citam varios exemplos de serial Killers que, por praticarem hematofa; necrofilia ou antrepofagia, foram apelidados pela midia de “vampiros’, criando grande alarde em tome de mito do vampiro ¢ de suas hipotéticas origens na Psiquiatria Forense, ‘No entanto, a maior influéacia de Bram Stoker foi sobre a midia ficcional. Seu vampiro se tornou paradigma para praticamente todas as obras de ficcdo que vieram apés sux publicago, incluindo os moves meios de comunicagdo em massa, como 0 cinema, os jogos clelrinicos ¢ histérias em quadrinhos. Embora nao tenha sido a origem do mito moderne do vampiro, foi Bram Stoker que © constmaiu ¢ o estruturou, influenciando fortemente a cultura ecidental com a popularidade de sua obra. Referéncias Bibliognificas ANDREESCU, Stefan. Vlad Tepes (Draculai: Inte Legenda si Adevar Istoric. Bucuresti: Editura Minerva, 1976. ARMSTRONG, Karen. Breve Historia do Mito, Sio Paulo: Companhia das Letras, 2005, BALOTA, Anton. An Analysis of the Dracula Tales. Chapter X. In. TREPTOW, Kut W. Dracula: Essays art the Life and Times of Viad Tepes. The Roumanians in World History (Vol. V2) Iasi: Series coordinated by GH. Buzatu (ed.) East European Monographs, no. CCCXXIM, 1991. p, 153-180. BARING-GOULD, Sabine. 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