You are on page 1of 19
Feminisimo Branco IE > be) w © oO x Copyrighe © 2021 by Kos Beck Copyright da aducio © 2021 by Casa dos Livros Editora LTDA, “Titulo original: Wie fennim “Talos ot distor desta publica so reservados Casa ds Liveos Evora LTDA, [Nenhuana parte dese obra poe er apr proceso similar, em qualquer forma ou perms da detentor do copyright finda eextcada em sistema de banco de dados 08 ch, sen clinic, de fonocpia, gavage, sem Diretra editors: Rage Cner Gereate eitorak: ice Ml Flt Lae Bore Para meu pai e meus avés, Copdesqu: Marna Gbr que sempre dsseram que eu deveria excrever. Revish: Lane Fras (Capa: Leica Anton E para Astrid, que disse: Dingramhn Mase Ds “vocé deveria escrever isso” Dados tnternacionais de Catalogacio na Publicaglo (CIP) (Clovaea Beasileia do Livro, SP, Brasil) Beck, Koa Feminism branco: das suas i inluenciadors digas e quem elas deixam para tis / Koa Beck radu Bruna Baers. Rio de Jnevo - HarperCollins Beas 2m | eminisma -Aspecton soa 2 Minovas 3. Mulheres~ Condes sciis 4. Mu Theres banca 5, Relagie aca Tiel 21-6030 eDp-s0s.42 (0: ports de visa desta obra so de responsabilidad dese ato, no refetindo pecesariamentea sigh da HarperCollins Brasil da HarperColias Publishers ou de sua equip editorial, HacperCollins Brasil ums marca licencia Casa dos “Todos os direitos reservados 4 Casa dos Litro EitoraL Rus da Qutanda, 86, sla 218 ~Cenero Rio de Janeiro, R} ~CEP 2001-005 ‘Tels (21) 3175-1080 ‘won harpetcollins.com.be Sumario da edigao brasileira | Por libela Reis PARTE | — A historia do feminismo branco um A construgio de uma “feminista”.. dois Quem pode ser femminista?.. {18 ——_Separadas, mas desiguais: como o “feminismo” se tornou oficialmente branco... 60 quatro. Pensando como um coletivo... 1% €inco As leis de trabalho visam ajudar todos os géneros. we 101 ols A emergéncia do eu 105 Sole O rebulico perene do trabalho doméstico .....112 ‘olto Se impor vs. Se apoia 2 128 ‘nove Como o heterossexismo manteve as mulheres em seus lugares. 138 doz futuro nao é feminino; é género-fluido.. 146 PARTE I! — Feminismo branco™: Quando o movimento se tornou corporativo ‘onze Quando o feminismo branco virou “marca”... 161 lo doze problema do capitalismo.. 179 lotreze Dinheiro mulgumano e pobreza sapatio in... 191 Capitulo catorze —_Performando ferminismo na mesa de trabalho... : Capitulo quinze ——_O que o reconhecimento de privilégios no consegue suscitar. = Introdugao da edigao brasileira PARTE Por Isabela Reis Os ventos da mudanga Capitulo dezesseis Uma nova era do feminism0 exe. Capitulo dezessete _O primeiro pilar da mudanga: pare de reconhecer seus privilégios; em vez disso, lute por Visibiidade.erenonenenewnnnnne? : : ADE Reminismo branc: das sufngita as influnciadoras quem eas Capitulo dezoito. _O segundo pilar da mudanga: combatendo aa eon nn . mu ee aes sistemas que li de gé . a i i i fae eect ce nena J, queer com uma longa trajetbria profisional como editora de marginal izado8 eo ao : : rand femininas de mod: ytamento, como a Capitulo dezenove _O terceiro pilar da mudanca: responsabilizar = - a . rane ie pea _ 7 -com. Eu sou Isabela Reis. Um , cisgénero, as mulh ABUSO seen i : , PELE eee eater birracial autodeclarada parda, heterosexual, candomblecista, Capitulo vinte Nosso futuro coletivo est na maneira como . . , ; filha de pais com ensino superior e, portanto, com muitos vemos umas ds outras.. a de educagio privada a viagens pelo mundo e, principalmente, in possibilidade de escolher 0 meu destino. lau Copérnico, em 1543, publicou a teoria do Heliocentri Jina que o Sol € o centro do Sistema Solar, e todos os plane- wm ao redor dele e no das mulheres brancas. Comego ass ‘este livro fala sobre a necessidade de situar-se. Verbo reflexivo. sujeito sobre ele mesmo. Koa disseca episédios de racismo e {que sofireu e presenciou ao longo da sua jornada profissional, Capitulo vinte e um © que podemos mudar agora .. Agradecimentos... ad Notas...... ‘um resgate historico do comego do feminismo nos Estados ‘com as sufragistas e, com estatisticas atualizadas, comprova feminismo branco, o centro do universo ainda ¢ a ‘Terra —ou as, ‘nos entrega de bandeja a pergunta que justfica a necessidade ‘© movimento antissexista em muitas frentes. f no momento heres fora dos padres de género, orientacio sexual, raga & Capitulo um A construgao de uma “feminista” “ F EMINISTA” COSTUMAVA SER um palavrdo na cultura popular moderna, No alto de sua influéncia em 2012, depois de ser ¢logiada por produzir hinos “empoderadores” para mulheres jovens, ‘Taylor Swift, de forma notdria, negou ser feminista para um reporter do Daily Beast. Sua resposta, que evoluiria nos anos seguintes, demons- trava uma crenga na paridade de género mesmo que ela se desviasse do termo. “Eu no penso nas coisas dessa forma, meninos contra meninas. Nunca pensei. Fui criada por pessoas que me ensinaram que, se voce trabalhar tanto quanto os caras, vocé pode chegar longe na vida”. Era essencialmente a expressio “eu no sou feminista, mas.” ‘expressio cultural curta, recorrente e bem documentada na qual o dis- ‘curso dos direitos igu uma cra exposto ao mesmo tempo em que a filiagio ‘ ideologia feminista era evitada. Swift, um exemplo proeminente disso, cra parte de um grande grupo de {cones do pop que fizeram declaragies milares. Naquele mesmo ano, Katy Perry disse no evento Mulheres na Misica da Billloards “eu nao sou feminista, mas acredito muito na forga s mulheres"? No ano seguinte, em 2013, Kelly Clarkson declarou para 4 Tine que ela tinha “trabalhado muito duro” desde a adolescéncia, mas “niio diria [que sou] feminista, isso & muito forte. Acho que quando as pessoas escutam [a palavra] feminista pensam logo, ‘sai da minha frente, niio preciso de ninguém”™? Antes, naquele mesmo ano, a recém-eleita presidenta executiva do Yabool, Marissa Mayer, explicou: “no acho a que me consideraria feminista. Acho que, com certeza, acredito em direitos iguais”* Essas respostas acanhadas e confusas, ainda que pontuadas pelas declaragdes de “eu acredito em direitos iguais!”, eram reflexo da ampla difamagao do feminismo na cultura de forma geral. a8 2003, a Maxim notoriamente publicou um guia pict6rico sobre “Como curar uma feminista"® Por volta da mesma época, na entio dominante cultura de dircita da era George W. Bush, houve a proliferagao do termo “femi- nazi”, utilizado para descrever mulheres que defendiam o direito a0 aborto por figuras influentes como Rush Limbaugh." Isso aconteceu no final da década de 1990, que assistiu a0 movimento Riot Grrrl dar lugar a uma lista da Billboard cheia de cantoras do pop menores de idade, pregando valores cristios de virgindade, em uma época em que também havia uma série de investidas da cultura pop sendo feitas contra o feminismo. No filme Hleigao, de 1999, a personagem de Ri estudante corajosa, determinada e sabe-tudo que esta tentando vencer uuma eleigio no ensino médio, é retratada como vila — uma pedra no sapato do narrador simpitico e, portanto, confidvel interpretado por Matthew Broderick, Em 10 coisas que cu adeioem vacé, outro popular filme adolescente que foi langado no mesmo ano (baseado na pega A megera domada), a personagem principal Kat Stratford é difamada de forma o politica explicitamente feminista se Witherspoon, uma semelhante por assumir uma po € por serleitora de A redoma de vidro. Da politica 4 cultura pop, a men- sagem era bem clara: feminismo é uma algo ruim. Ainda assim, em outras arenas culturais — a internet, de maneira especial —o conceito de género estava circulando, Como em muitas subculeuras (c sim, politica de género era definitivamente uma subcul- tura da internet nos anos 2000), pessoas que pensavam género_ critica ‘mente ou que queriam consumi-Io em tempo real através da midia se congregavam em rorno de blogs: each, Feministing, Racialicious, © mais ‘uma mirfade de blogs pessoais e discusses no YouTube. Isso era 0 mais 2 erro que era possivel chegar de interpretagdes feministas da cultura Pop sem ter que fazer reunies feministas na sala da sua casa ou pegar Imaérias de estudos sobre as mulheres ou ir comigo em festas queer: Entio nio é de se surpreender que, na primeira vez que escutei a cangio “*"*Flawless’, langada em 2013 por Beyoncé — que inclufa um trecho da conferéncia repxEuston de popularidade explosiva intitulada “Todos devemos sr feminista’ feta em 2012 por Chimamanda Ngozie ‘Adichie— eu tenha esperado que a frase de efeto fosse cortada logo Antes da palavra “feminista” Esse & 0 tamanho da higienizacio que 0 termo enfrentava na cultura pop naquela época. O fato de que a palavra a sua definigio estendida tinham sido incluidas na integra na cangio, me pareceu bastante intencional. © momento de destaque em que Beyoncé ficou de pé na frente do Proeminente telio com a palavra “reMinistA” no mtv Video Music Awards de 2014 demonstrou em contornos de rosa e preto que era pos- sivel ser uma cantora no topo das paradas internacionais e se importar com a desigualdade sistematica de género — ou, pelo menos, fi o que Pensei. Como muitas jornalistas e escritoras naquela época, no inicio Considerei progressista essa declaracio estratégica, ji que, honestamente, durante minha curta vida, eu e as outras pessoas nunca tinhamos visto nada parecido com isso sair da cultura pop. Barbara Berg, historiadora e autora de Sexism in America [Sexismo nos Estados Unidos), disse & Time depois do vata que “isso seria impensivel ft minha época”* Roxane Gay, que havia publicado sua colegao de ensaios Md fominista algumas semanas antes, disse no ‘Twitter: “olha, 0 fine Bey fez pelo feminismo em rede nacional, para o bem ou para 0 inal, é de um aleance west maior do que qualquer coisa que a gente j viu". F Jessica Valenti, em tom de ironia, cuitou uma captura de tela da silhueta de Beyoncé na frente do gigantesco “reMunist4" e declarou: “muito ansiosa para o préximo artigo de revista dizendo que o feminismo sti morto ou que é irrelevante”? Sem dividas, Beyoncé havia movide ‘linha figurativa entre a cultura pop e o femi ismo. Mas quando vocé vé “remmist4” como um acessério de set durante Jum homem de negécios de muito sucesso,! A i sucesso,’ presidente de um banc« ‘0s vMas, 0 que isso significa? © que uma feminista defende? banco em Moorestown, Nova Jersey.* Se vocé penguntasse para as sufragistas — as mulheres brancas da Com a maior parte do trabalho doméstico sendo administrado por fereeiros, a mie de Paul, Tacie, pode fazer outros investimentos ch 4 filha. ‘Tacie era anfitria e frequentadora de reunides regulares de sultigio, ta = parte da National American Woman Suffrage Association [Associagao discutiam abertamente sobre o fracasso continuo aa ee ee Nacional Norte-americana do Sufrigio Feminino] (waws4), por volta ‘eHtados ratificassem uma emenda ao sufragio feminino. Eee i a os de 1910." Ela acreditava que deveria ter acesso as mesmas oportunie breseocado de inicio por sufagistas embleméticas da dée silt “190. dades profissionais e educacionais disponiveis para os homens de sua Biisabeth Cady Stanton, Susan B. Anthony e Lucy Stone ‘Eavol comunidade. Para ela, esse direito sempre Ihe pertencera — até que ela Riss emrendat ec presionaro Coogresio a4 eNGEEFO8 deixou sua casa isolada e percebeu que muitas mulheres nao o tinham. BOR IErar ation nie Apesar de ter nascido em 1885, Paul foi criada para acreditar na igual- dade de género desde muito nova. Ela praticava esportes como héquet sobre a grama, beisebol e basquete, ¢ também era uma estudante exce= lente e leitora évida. Seu pai e sua mle eram quacres, uma fé que tinha muitos ensinamentos “radicais”, incluindo igualitarismo espiritual entre le ministros ou ministras ¢ cerimOnias elite que construfram a primeira onda do feminismo norte-americano — o termo “feminista” evocava a possibilidade de votar e de também ter acesso a0 que seus maridos, pais ¢ filhos tinham. loral.” Mas essa estratégia estagnou. E agora, jé em um novo século, los saldes de visitas, casas de fazenda e nas cozinhas, as mulheres inda nao tinham o direito de vorar, Na época em que Paul comegou a frequentar as reunides sufragistas ‘mie dela, o plano mudou novamente. A nawsa decidiu implemen- Jum *plano de sociedade” para recrutar pessoas influentes, inclusive heres privilegiadas e mulheres com educagio universitéria, para ire entender a necessidade social do sufrigio." homens e mulheres ¢ auséncia di religiosas! “Eu nunca pensei que pudesse ser diferente...os prineipios sempre estiveram li”, disse Paul mais tarde sobre as oportunidades aripicas que ela considerava naturais!” Mas apesar daqueles prineipios serem centrais na casa, na fé e na comunidade dela, Paul viria a perceber que estes nfo se refletiam na sociedade, Muitas leis e priticas poli dos Estados Unidos mantinham as mulheres em posigdes secundrias as dos homens. E, para mulheres como Paul, nao poder participar da suposta democracia através do voto era. a maior das privagbes de direitos: ‘Paul, seus irmaos e sua irma passaram a infancia em uma fazenda Paul cresceria e colocaria este plano em ago, mas nio exatamente \0 ns senhoras que tomaram chi em sua sala haviam imaginado. is de se formar no Swarthmore College em 1905 (seu av6, outro seiro da igualdade entre homens e mulheres devido a sua afi- 4 fé quacre, era cofundador da instituig9o), Paul viajou para a ra para estudar servigo social em uma faculdade quacre local.” «lores ¢ historiadoras atribuem a radicalizagao das estratégias sus de Paul a0 periodo que viveu na Inglaterra; enqu: ‘extensa em Nova Jersey, com acesso a virios confortos do inicio do ow por w Bee insects ca ae a iin por uma grande multidio importunando uma mulher que século xx: encanamento interno, eletricidade ¢ um telefone. A maior Publicamente sobre a urgéncia do sufragio feminii parte do trabalho na “casa da fazenda”, como Paul a chamava, era feita io verbal da multida Seer al da multidio foram supostamente tio altos que mal por trabalhadores e trabalhadoras doméstieas contratados\” seu pai eva ivel esc r sutar a palestrante. Aquela cadtica manifestagao puili- 1 35 ca (que nada tinha a ver com as reunides sufragistas recatadas de sua Depois de ingressar formalmente na Nawsa, Paul resolveu planejar lum grande espeticulo em nome do suftigio feminino em Washington, DC. Junto com suas amigas, as ativistas Crystal Eastman e Lucy Burns, Paul imaginou um grande desfile na proeminente avenida Pennsylvania ive coicindiria com a posse do presidente Woodrow Wilson.* Com toda a imprensa presente, ninguém poderia ignoré-las. A ideia era poder. A grande vitdria foi o voto. Quando esse direito | conquistado, jovens mulheres brancas de todos os lugares souberam poderiam ingressar nas instituigdes e influencié-las, fossem elas iticas ou comerciais. Elas poderiam ser reconhecidas fora de casa, 10 agentes capazes de moldar e impactar a politica que governava 0 ls. Ao mesmo tempo, elas definiram um modelo de como essa ideolo- it prosperaria: através da parceria com o poder e com 0 consumismo. Como Betty Friedan diria cinco décadas depois em seu best-seller Wistica feminina: “a revolucio feminista precisava ser empreendida jwe a mulher ficou simplesmente detida num estigio de evolucao lito aquém de sua capacidade humana”” fe) despertou seu interesse e ela se apresentou 4 mulher que gritava para a multidio.” Seu nome era Christabel Pankhurst, ela era filha de Emmeline Pankhurst, ambas sufragistas britinicas bastante radi cais, Com frequencia, elas eram fotografadas pela imprensa por reagir quando as multiddes as importunavam. As Pankhurst eram presas com frequéncia por quebrar janelas, jogar pedras e por organizarem manifestagdes pablicas barulhentas para divulgar a necessidade do sufrégio, Para elas, quanto mais aparecessem sendo algemadas nos jornais de Londres, melhor. Paul ficou fascinada com essa abordagem, to distinta da forma coma sua mie e outras mulheres quacres se organizavam em siléncio, em torno de petiges e oragies. A forma como suas reunides eram sempre relegadas aos espagos privados das casas e salas de estar, longe do olhar pliblico, As militantes sufragistas britinicas queriam ser e do escrutin vistas e estavam dispostas a desafiar as convengGes de género e a order social para conseguir isso, Paul no demorou para se juntar a elas. A garotinha de Nova Jersey, quieta e boazinha, oradora de sua turma no, Swarthmore," agora estava sendo presa em nome do sufrigio, fazend 2 (Mais tarde, el disse a um jornal na Filadélfia que nunca havia quebrado nenhum: janela, no entanto)” Quando Paul voltou aos Estados Unidos no navio a vapor Haver= greves de fome e sendo alimentada a forga na prisio.” ‘ford, ela estava decidida a fazer grandes manifestagdes publicas pel sufrégio norte-americano. Ela atribuiu a conscientizagio a respeito dessa necessidade & educagio que recebeu das sufragistas britanicas. Em 1910, Paul fez 0 seguinte relato a respeito de como as mulheres. britinicas estavam progredindo com a causa: “a politica militante esté trazendo sucesso [.-] [A] agitagio tirou a Inglaterra de sua letargia, € as mulheres da Inglaterra agora estio falando do momento em que poderao votar, em vez do momento em que suas filhas poderio votar, como se fazia h4 um ou dois anos”? 6 convencionais com suas personas piblicas e poder profissional, uma aber- fngio para as mulheres da época, Pickford foi uma das primeiras a horte: Capitulo dois mericanas a tornar-se uma poténcia tio grande que seu nome era feconhecido imediatamente. Ela foi o modelo que possibilitou que mais tarde as pessoas ouvissem nomes de atrizes como “Jennifer Lawrence” ¢ ‘Julia Roberts” e soubessem todos os detalhes de quem se estava falando, Ineluindo a cor do cabelo, vestusrio ¢ filmes mais recentes. Bem paga Quem pode ser feminista? pelo seu nome, uma raridade no inicio do cinema norte-americano,' ela ‘expandiu sua influéncia nas telas ao ponto de conseguir controlar pra- Aicamente todos os aspectos por tris dela: roteiro, figurino, iluminacio, Aaquiagem, elenco e cenografia’ Sua lista de titulos profissionais cresceu W¢ incluir os cargos de produtora, roteirista e, mais tarde, executiva de em outro sentido: as mulheres da elite so, e sempre foram, quem criam ilio — ela foi cofundadora do estiidio de cinema United Artists Cor as tendéncias no feminismo, Elas quem ditam como seri a decoragio do |, com outros grandes nomes como Charlie Chaplin Barrymore £0 “rEMINIsMo” € apresentado como a mais nova tendéncia entre mulheres da elite como Beyoncé, essa mesma légica também funciona tal “teto todo seu”, No fim das contas, 0 feminismo acaba sendo enqua- igualmente reconhecivel, considerada “a primeira-dama do palco drado como algo que esti meio na moda, e é muito facil, olhando para a paisagem cultura, discernir quem esta por tris dessas tendéncias. Em 2016, era o The Wing, do qual fiz parte de 2017 a 2018, “w clube social exclusivo para mulheres" com membras fundadoras d -americano”/ com um icénico penteado* que era imitado por fis. lamada dinastia de atuagao Barrymore, Ethel se destacou por seu ito incomparivel, mas também por suas paixdes multidisciplinare: Henry James, escrevia contos, escrevia pegas — e tinha “classe”? suma, as duas mulheres eram marcas. Desde o inicio dos movimentos organizados pelos direitos das mu- ss nos Estados Unidos, o feminismo branco espreitou, se adaptou e jurou — sempre reformulando sua marca e reencarnando ao lado da alto nivel — profissionais do entretenimento, da midia, da politic: dos negécios ¢ influenciadoras digitais — como a entio presidenta di J.Crew, Jenna Lyons; a editora Tina Brown; a fundadora do Man Re ler, Leandra Medine; a rapper Remy Ma, e muitas outras. Ao abrir s primeiro espaco na cidade de Nova York, as cofundadoras e president lugio que estivesse em voga na época. Mulheres como Barrymore executivas Audrey Gelman e Lauren Kas Kkford deram um apelo chique ao sufrigio com a dimensio extra da midia que o clube tinha se inspirado nos clubes sociais femininos ihertura instantanea da imprensa. (Em 1910, quando Barrymore norte-americanos da virada do século, oferecendo as afiliadas uma jareceu a uma reuniio sufragista, o Morning Telegraph de Nova “ede de comunidade” selecionada por meio de cuidadosa curadoria, * de acordo com o site do The Wing? Na década de 1910, eram as sufragistas cortejando ativamente 0 in- leas sufragista sendo promovida,)” teresse das atrizes populares Mary Pickford e Ethel Barrymore,’ ambas medida que mulheres brancas comegaram a defender o voto e a mulheres ovens e glamorosas que desafiavam os entendimentos de género Fas tradigbes, etiquetas sociais e decoro que limitavam sua ar-* 1n disseram a varios veiculos publicou a manchete: “Ethel Barrymore 6 sufragista”. A natureza sal dessa manchete & 0 som melifluo de uma diretora de relagdes {ipo de jovem a quem 0 norte-americano médio gostaria de estender ticulacio social para além da esfera doméstica, logo se depararam com ‘um sério problema de relagdes puiblicas. Como mulheres que falavam ‘em piblico, diante de grandes multid&es e em espacos publicos, eram consideradas desviantes — rompendo com o tipo de comportamento feminino que era considerado respeitivel —, elas perceberam que te riam que mudar a percepgio publica do que era uma sufragista" Mas pele clara e, portanto, em nada ameagava o status quo. clas tinham acesso a uma nova plataforma que as sufragistas radicais ‘As sufragistas que seguiam essa estratégia também conceberam a fiusio de uma identidade politica e comercial, uma estratégia politica iuradoura. Usando esse “rosto” especifico para 0 sufragio, seu intuito “pfs capitalizar a influéncia comercial e colocar suas sufragistas elegantes direit« porque ela no destoava muito de como mulheres deveriam ser ou do tipo de pessoa que era considerada mulher em primeiro lugar, Bla nao era uma “outra” assustadora com chifres e uma voz “estridente” que estava “tentando virar homem” e vorar. Ela era suave, feminina, de que vieram antes delas nao tinham: a crescente cultura de consumo. Desde a década de 1880, 0 desenvolvimento de lojas de departamentos: a produgdo em massa de mercadorias tornaram as lojas 0 novo lugar central da populagio dos Estados Unidos. E, com 0 impeto de vender, § Vitrines das lojas e antincios em revistas, com direito a acessérios iticos também A venda, Em 1912, a Macy’s foi declarada “sede de iprimentos suftagistas”, pois oferecia um traje oficial de desfile que cssas loja, gerentes e anunciantes tiveram que orquestrar fantasias ela- boradas para levar as pessoas, e principalmente as mulheres, a comprar, [As sufragistas embarcaram em seu desafio de construgio de marca através da usurpagio dos canais da cultura de massa no intuito de refaz stados Unidos, a tradigio 10 muitos outros grupos, estabeleceu lojas sufragistas em distritos jerciais de destaque, cimentando a ideia de que era possivel e, de ‘uma obrigagao, que vocé comprasse seu feminismo. ‘Os negécios eram muito favoraveis & fusio entre politica ¢ produtos, ‘écada de 1910, quando o movimento sufragista comegou a crescer popularidade, muitas lojas — inclusive as boutiques de elite da it Avenida em Nova York —lucraram com essa tendéncia, usando Juia alfineces de chapéu, lanternas, uma faixa e um acessério de Joga, além de outros acessérios indispensiveis." A NawsA, assim sua imagem e transformé-la naquilo que os 0 poder valorizavam: branquitude; corpos magros de pessoas sem di ficigncia, juventude; feminilidade convencional; maternidade de class média; heterossexualidade; ¢ uma dedicagio ao consumismo acima tudo. Essa representagio da sufragista, uma jovem branca que prote criangas brancas ¢ usava seu chapéu na intengio de expressar certa cla ¢ respeitabilidade, foi delineada internamente e depois exportada par todos os lugares. Maud Wood Park, sufragista e fundadora da Bibliot Schlesinger — onde executei grande parte da pesquisa para este livro we especial para sufragistas com chapéus brancos oficiais enfeita- desereveu a estratégia desta forma: “as pessoas podem resist & lbgic amarelo e adornados com bandeiras ou flamulas com os dizeres mas sera que podem resistir ao riso enfeitado com juventude e belezs para as mulheres”. Em 1920, a lista de bugigangas se expandiu e Nem sempre"! Desde o inicio, a publicidade do sufrigio feminino ni incluir cartas de baralho produzidas em massa, copos, etiquetas foi planejada para desafiar ou tentar educar 0 piblico norte-americat am, leques, bonecas, chapéus, cartéies ¢ uma variedade de trajes para sufragiscas.* afirmar que o sufrigio fazia parte deles. feminismo branco nao é novo, mas encontrou um novo sopro de Com relativa rapidez, a aparéneia da sufragista em cartazes, placs mesina plataforma que motivou sufragistas de classe média e ¢ amincios (elas faziam aniincios explicitos a favor do sufriigio) era fiver parceria com varejistas comerciais, promovendo “blusa’ © paraferndlias sufragistas em suas vitrines. A Macy’s criow uma acerca da expansio dos papéis destinados as mulheres, mas sim pat ” “ cele Cnpcanoesipers lle ‘#sperei minhas professoras me receberem para orientagio, as escadas sufragistas” oficiais, “biscoitos sufrag res”, segue viva hoje. E sio mulheres endinheiradas, como Barrymore, jireitas e acarpetadas que subi para minhas aulas de literatura, que como Pickford, como as fundadoras do The Wing, que passam essas ‘urregam a mesma intimidade da casa de uma av6. Hi um piano no arches gerd eicrodig adiante por meioidaicalcura de inesen, Conceal “Pimeiro andar que nunca escutei ser tocado, retratos de ex-reitoras missdes explicitamente feministas a partir de circulos endinheirados: Hijas vozes nunca ouvi e os pisos de madeira cujo som emitido quando Mit estudante passa apressada me & muito familiar, Sito resquicios fantasmagéricos de um tipo de feminilidade que voce i Jevar para a sala de aula para desconstruir, analisar, segurar na mio perguntar por qué? Por qué? Por qué? Vocé vai escrever artigos sobre Vai conferir livros a perder de vista sobre ela. Vai ver que nio & a imeira pessoa a fazer perguntas sobre ela; na verdade, voce faz parte de Jongo legado de pessoas que perguntaram antes de vocé. Vai usar as jntas delas para tentar responder &s suas préprias, mas fard isso em lo As caixas de vidro compridas com xicaras de cha vintage em todo ‘ampus. Vai caminhar por um jardim de rosas pretensioso a caminho uma aula sobre opressio de género. Vai ler sobre 0 colonialismo uma pritica tio enraizada quanto o proprio movimento. Ao longo de minha carreira, as pessoas que entrevistei e com quem trabalhei me {garantiram que essa estratégia nao é intencional e que todas so bem= indas no movimento, contanto que reivindiquem a palavra com “E", Mas, como qualquer sororidade, feminismo branco tem parimetros especificos para selecionar quem deseja se juntar & sua causa. E s6 per= guntar aquelas que estio fora dos pariimetros. No outono de 2005, quando cheguei como caloura na minha fa« culdade particular para mulheres, a Mills College, a instituigio nao tinha uma politica formalizada de admissio de pessoas trans — por- que, durante muitos anos, achava que nao precisava ter. O seminério, feminino, fundado sobre um legado de filhas cis de familias ricas qu weds em uma sala de jantar com guardanapos e kimpadas delicadas. se refugiaram nos livros antes de conseguirem maridos, deu lugar a i ser convidada a analisar criticamente um monte de convengdes ‘um radicalismo mais aberto nas décadas de 1960 e 1970, Essa tensio is € padrdes classistas em um ambiente que foi fundamentalmente centre o convencionalmente feminino, o tradicionalmente feminino, a Jado por eles. performance de género que seu pai, sua mie e seus avés aprovariam A. por isso que, quando eu tinha dezoito anos, encontrei um anuério iebeoria gaere coonairacialiprofundimeawralicais qoseux profess da Mills na biblioteca do meu dormitsrio que continha lindas ‘esua primeira namorada aprovariam, é superconcentrada —e da para. Iwadas usando pérolas em uma pigina e uma fotografia de um encontrar todo esse espectro em uma caminhada de quinze minutos de talentos mostrando uma apresentagio de blackface na pigina até a sala de aula. inte. E por isso que lembro de ouvir um burburinho depois de If porisso que voc# passa pelo Mills Hall, um prédio branco fosail tir a uma aula em que Simone de Beauvoir descreveu mulheres de trés andares, uma casa de bonecas vitoriana em tamanho real. No ness como “escravas”. (Quando a pedi para comentar sobre o caso final dos anos 1800, abrigava toda a escola: as estudantes, que sempre: 2020, Renee Jadushlever, vice-presidenta de Parcerias Estraté- jimagino veatidas cor camisolas brances) qde'dormiam em-uma laa ws da Mills College, me disse: “os anuérios da Mills College sto fileira de camas de solteiro; as salas de aula, onde liam livros idénticos, » de forma independente pelas estudantes. Como instituigio, a eas professoras, que Ihes ensinaram como pensar. Mais de um século. Is nao tolera a pratica da blackface e trabalha de forma consistente depois, Mills Hall segue sendo 0 coragio do campus — o lugar onde aumentar nossa sensibilidade racial como comunidade e trazet conscientizagao sobre a questao da apropriagao cultural. Nés nos Iheonveniente”, “mas nao é assim que fazemos as coisas”, “mas essa no esforgamos para promover um ambiente inclusivo que reconhega € # hossa hisedria’ respeite tod peasy Mas esse € 0 ponto. Vocé desiste. Porque essa histéria, essa suposi- {§Ho, esse isolamento, esse ambiente, é erigido com base na suposicao superioridade. Foi uma ldgica semelhante que levou a politica estudantil informal «que permitia que as pessoas estudantes designadas mulheres ao nascer continuassem seus estudos na Mills mesmo depois de safrem do armario ‘como homens trans, genderqueer ou dissidentes de género. Mas, quando i nossa faculdade foi fundada com base na avaliagio social de que se tratava da possibilidade de mulheres trans compartilhando nossas heres eram um género marginalizado, Agora, sabemos que existe bibliotecas, nossos vestidrios e nossos dormitérios, nao havia nenhuma is de um, politica formal estabelecida. Lembro de ver algumas alunas brincando Quando compartilhei isso com uma mulher com quem fiz minha a respeito dessa hipocrisia aparente em um espago onde todo 0 corpo luagio — formada em estudos sobre as mulheres — ela angumentou seria melhor que elas tivessem sua propria faculdade, seu proprio de seus relacionamentos — ¢ nds estudvamos as silabas buscando si- lente que “atendesse as necessidades delas” da melhor forma. nais de que talvez fossem parte da comunidade Lanta. O fato de que ~ Foi como quando o site de mutheres queer AfierElen com publicou um muitas vezes nao tinhamos como adivinhar era tido tanto como algo igo declarando que a inclusio trans significava, em tiltima andlise, progressista quanto como algo limitante. i-lesbianismo." Outro artigo, publicado em 2018, postulou que en- ‘Alguns anos depois de minha saida, consegui por em palavras desta docente usava a expresso “pessoa com quem me relaciono” para falar E por isso que foi profundamente decepcionante para mim quando jar mulheres que se identificavam como Késbicas a aceitarem *paus essas mesmas mulheres com quem estudei Judith Butler, com quem mulher” é “fazer com que estabelecer os proprios limites intimos aprendi que género era uma performance, com quem me sentei no cho wuais seja inaceitavel para mulheres”.” Essa pritica pode ser vista leo festival de fins duvidosos Michigan Womyn's Music, que noto- inte excluiu mulheres trans," até o separatismo lésbico da década 1970; espagos e comunidades que em geral tinham uma compreensio ito limitada de género. (Em uma declaragio no Facebook, em 2019, fundadora e organizadora do festival Michigan Womyn's Music, ia Vogel, negou o escopo dessa exclusio, Ela escreveu: “pedimos na mulher trans que se retirasse do festival em 1991, Ponto final. nhuma outra mulher trans foi convidada a se retirar ou proibida comprar ingressos antes ou depois dessa ocasiio em 1991. Antes e nis dessa transgressio, tinhamos o compromisso de nao questionar igenero de ninguém... muito antes dessas pessoas hipsters passarem a medida exige que a gente desista de algo”, “mas isso vai mudar nossa F que pronomes preferiam em todos os momentos possiveis”)” A experiéneia em um ambiente que deveria ser nosso”, “mas isso vai ser a jf demonstrou muito bem que, de forma geral, mulheres cis $e das salas de docentes, com quem costumava ler bell hooks, acabaram por defender que precisivamos de nosso proprio espago como mulheres cis. As mulheres trans, que eram “diferentes”, também precisavam de seu proprio espaco. E elas nao estavam certas de que a Mills College, ou as faculdades femininas em geral, eram esse espaco. Dé uma sensagio esquisita no estémago quando alguém que voce acreditava conhecer tao bem te decepciona de forma tao profunda que te deixa sem palavras, Lembro que, no inicio, eu nem conseguia falar, 6 produzir uns sons guturais que s6 viraram palavras anos apés a forma: tura. Agora reconhego a légica delas como parte de um continuum muito mais amplo de se dé a expressio da resisténcia ao progresso: “mas esta “ 45 reunindo de forma exclusiva, enfiando bandeiras figurativas no chao e mulheres fundamentaria um feminismo pan-hispinico que desafiaria 8 soberania dos Estados Unidos sobre a América e tornaria os ‘direitos usando palavras como “nosso” nfo se tratou de operagdes inteligentes ou cheias de nuances iguais’ das mulheres e da nagio metas mutuamente constitutivas”. Uma dessas ativistas foi Clara Gonzalez, feminista do Panamé e primeira advogada de seu pais, que foi bastante informada pela desigual- dade de classe dentro dele e pelo forte controle exercido pelos Estados Unidos sobre sua nagao. Clara era muito leal 3s mulheres trabalhadoras. Fila viu os Estados Unidos renegociarem os termos de seu tratado e controle sobre o Canal do Panamé em 1926, A linguagem que Gonzalez costumava usar para falar de seu feminismo derivou consideravelmente das conversas panamenhas sobre soberania predominantes na época, ‘esereve Marino. O que lembro de ter dito para a minha colega formada em estudos sobre as mulheres foi: vveé sabe que nds somas os homens nessa situagio, n® Mesmo sendo uma jovem que estudou academicamente o patriar~ cado estructural, ela nfo conseguiu e nao se dispds a ligar os pontos. Como mulheres cis, éramos as opressoras naquela sicuagao, hesitando em compartilhar “nosso” espago porque isso nos tiraria do lugar de prioridade, Todas as coisas, recursos, pronomes de género, saudagoes ‘¢ espagos nio seriam mais exclusivamente nossos. Nés passariamos a cexistir junto a um espectro de géneros marginalizados e, como mulheres cis, no seriamos mais 0 padrao. Mas isso vai de encontro ao elitismo. Os conceitos de “privado", Outras mulheres concordaram com a afirmagio crescente de Gonzi Jez de que um feminismo pan-americano teria que resistir a0 imperia- lismo dos Estados Unidos, jé que uma nagio daquela escala, com aquele poder e quantidade de recursos determinaria para sempre os termos em We elas poderiam existir, limitando, portanto, seus direitos. No inicio le 1928, duzentas mulheres, incluindo feministas dos Estados Unidos, sticiparam de uma conferéncia em Havana, Cuba, para anunciar “um 10 movimento pelos direitos das mulheres” Uma parte explicita discussio e plataforma delas criticava a suposta superioridade dos aicos Unidos em seu discurso e estratégia. Na época, as feministas we-americanas, especificamente uma sufragista chamada Doris Ste- Ns, pareciam concordar com isso. Seis meses aps a Conferéncia de Havana, como viria a ser conhecida, wilez. viajou a Washington, D.C,, para cofundar uma organizagio jimacla Inter-American Commission of Women [Comissio Interame- ina cle Mulheres] (racw) com Stevens. A organizagio cresceu até ter “exclusivo” e “respeitivel” envolvem manter algumas pessoas fora — uma linha que pode ser tragada desde as sufragistas que procuraram atrair 0 tipo certo de rosto publico do feminismo até minha faculdade particular feminina até o clube The Wing. E é esse medo — de ser descentralizada por meio de politicas e admissdes e de repente deixar de ser “elite” — que alimenta o fogo do feminismo branco. Nem mesmo ter construido suas proprias missdes foi suficiente para livrar do feminismo branco grupos nao inclusos nessa nogio de “elite”. No inicio do século xx, varias ativistas na América Latina ¢ no Caribe comegaram a imaginar um movimento feminista global enraizado em: igualdade salarial, direitos de maternidade, sufragio feminino e na soberania de suas respectivas nagies. Descrita como uma “rede pan- -americana” por Katherine M. Marino em seu livro Feminism for the Americas: The Making ofan International Human Rights Movement [Eeminis- mo para as Américas: a construgio de um movimento internacional de membras, ¢ a intengao era ter uma representante de cada reptiblica direitos humanos), “elas entendiam que os direitos das mulheres estavam hemisfério ocidental. A chegada de Gonzalez coincidiu com uma explicitamente vinculados & busca de soberania de suas nagoes. (Elas) 10 de foros com Stevens para o National Woman's Party [Partido acreditavam que a organizagio coletiva pelos direitos internacionais das ional da Muther}; elas foram capturadas conversando sob as palmti- * a ras. A manchete escolhida para acompanhar a imagem de uma feminista norte-americana e uma feminista panamenha tragando estratégias para a construgio de uma coalizao internacional foi declarativa: “Feminismo’® A fotografia emblematica, junto com o texto detalhando a amizade € 0 compromisso compartithado que ambas tinham com a igualdade, seria exportada para milhares de pessoas em todo 0 mundo, encontrando cespago em jornais do Brasil, Chile, Uruguai, Cuba, Estados Unidos ¢ Panama, entre outros. Na época, havia relatos de que Gonzélez estava animada para tra~ balhar com Stevens, dado o seu endosso a titicas anti-imperialismo na Conferéncia de Havana. Na pritica, porém, Gonzalez. muitas de suas companheiras feministas pan-americanas aprenderiam que Stevens nha pouco interesse em desmantelar a hegemonia dos Estados Unidos, Inclusive, uma vez que a 1acw foi estabelecida e outras conferéncias foram organizadas para reunir feministas panamericanas, Stevens assumiu a responsabilidade de definir para a comissio quais t6picos ceram “feministas” e quais eram supérfluos para a missio, Muito do que foi retirado das conversas foram t6picos essenciais para o feminism cubano, como a presenga dos Estados Unidos em Cuba e 0 aumento dos impostos norte-americanos sobre o agticar cubano, dois fatores que comprometeram a estabilidade econdmica das trabalhadoras de corte cana-de-agiicar. As feministas cubanas tinham plena certeza de que abordar essas 14cw — um grupo transnacional de mulheres — deve questoes importantes. Marino escreve: “Varias feministas cubanas escreveram a Stevens antes da conferéncia de Havana solicitando que a 1acw se opusesse a0 aumento dos impostos cestadundenses sobre o acticar cubano. A questo se tornou critica aps a quebra do mercado de agies em 1929, quando a economia de expor- tagio de monocultura de Cuba se deteriorou. O valor da produgio de agticar da ilha estava caindo; cairia de quase 200 milhdes de délares ‘em 1929 para pouco mais de 40 milhdes em 1932... Em Cuba, os im- 48 pode endossar minhas ideias ow ficar calada Multinacional sobre os direitos das mutheres foi realizada sem que fosse Subanas se encontravam naquele momento, gracas i Grande Depres- Mo dos Estados Unidos. (Tornando o ambiente feministas cubanas, Stevens descreveu Gerardo Machado y Morales, 0 ‘tio presidente de Cuba—que demonstrou falta de compromisso com postos dos Estados Unidos afetaram diretamente o sustento de muitas trabalhadoras de corte da cana-de-agticar e familias que sofreram com © aumento continuo do custo de vida.” Mas Stevens rejeitou essas afirmagies, citando apenas o foco da tacw no “feminismo”. O que ela nio conseguiu e se recusou a explicar foi que ‘influéncia norte-americana na economia tinha sido fundamental para ferninismo das panamenhas, considerando o impacto que tal influéncia eve na experiéncia de género do pais. Esses imperativos econdmicos simplesmente nao eram cruciais para a compreensio pessoal de Stevens do feminismo como mulher norte-americana e branca. E, em uma di Hlimica que conhego muito intimamemte, essa falta de proximidade com fia propria experiéncia de feminismo tornou essas questdes irrelevantes ura cla. Ela escreveu: “houve pessoas que queriam...falar sobre varias fisas, falar de paz e de tudo menos feminismo”* evens também teve ampla oportunidade de colaborar com quem {inha uma melhor compreensio sobre a urgéncia dos impostos dos Esta- los no agicar cubano ao organizar a conferéncia. Gonzalez sugeriu que Aalvez.fosse interessante que uma advogada internacional estabelecesse igenda de t6picos e ofereceu os servigos de sua amiga, a feminista ubana Ofelia Dominguez. Navarro. Stevens recusou, dizendo que Do- ininguez poderia aprovar os tépicos jf estabelecidos, mas nao sugerit ‘ou concluir tépicos extras. Durante minha carreira, algumas feministas brancas jogaram co- mnigo esse antigo jogo de poder. O labirinto é, essencialmente: “vocé E assim a conferéncia mencionado 0 cenério econdmico precério em que as mulheres ida mais hostil para o direito de voto das mulheres e que havia permitido ataques violentos que tiveram como consequeéncia assassinatos de mulheres militantes™ — como “um presidente feminista’”* O ditador Machado, que havia elaborado um forca-tarefa especializada para lidar com militantes fe~ de toda essa violéncia e agitagio civil, Stevens criticou Dominguez e suas aliadas por nao priorizarem o suftigio feminino neste clima. Dominguez, com o que s6 posso imaginar como a paciénci santa, respondeu a Stevens que: “[..] elas nao promoveriam o sufrigio, detalhou as muitas caricaturas de justiga da ditadura cubana que tor- nariam o sufrigio feminino sem sentido e explicou que as feministas ‘eram alvos de violencia de uma ministas,”” também patrocinou a conferéncia) feminista cubana Dominguez deu um basta — ¢ ela tinha apoiado isica e encarceramento”.” A resposta de Stevens foi “concisa”, de acordo com Marino, jé que ela ‘io indicou nenhum apoio a mulher com quem ela tinha tanto interesse Stevens quando a 1acw foi criada em 1928, No que eu reconhego agora como um longo histérico de mulheres alvo da racializagio e pessoas quer saindo de organizacbes dirigidas por senhoras brancas ignorantes — que gostariam de assim permanecer —, Dominguez decidiu que as mulheres latino-americanas precisavam de seu proprio grupo para atender as suas necessidades. Na imprensa, ela apontou que a dinmica de poder no 1acw era, em diltima anilise, desigual e que a estrutura fm construir uma comissao havia apenas trés anos. Ela afirmou, mais uma vez, que estavam perdendo uma oportunidade importante para 0 sufrigio — o que Dominguez havia acabado de defini como absurdo diante de sua realidade politica, com suas conterrineas e seus conterra- ‘eos sendo assassinados com violéncia, (Stevens nao se contentou apenas em dizer a Dominguez que ela estava fazendo feminismo de maneira errada — cla também escreveu para a secretaria da Unién Laborista (com a frase didatica: por gue vocé nao esti fazendo presi pelo sufrigio?) A falta de compreensio de Stevens acerca da violencia e do cené- tio politico em Cuba ficou mais evidente quando ela caracterizou os ptotestos de ativistas e a tirania de Machado como uma “crise civica meio histérica”.” Marino escreveu que até as feministas cubanas que “demonstra mais uma vez. nossa condigao de povo sujeito a0 império Ela declarou que con tinuar a oferecer “cooperagio a esses congressos” foi, de forma geral, postos”. da forga, aos tratados que nos sio ‘menos construtivo que fundar seu proprio grupo como “mulheres de nosso pais”. Entio ela se voltou para outras feministas da América Latina, Ela es- ‘sta feminista do Uruguai €a primeira mulher a se formar em Medicina em seu pais, dizendo que creveu para sua amiga Paulina Luisi, uma ati queria estabelecer um novo movimento de mulheres Latino-americanas Mantinham relagdes cordiais com a racw ficaram “profundamente para “sacudir nosso continente!”.® Era fundamental para este esforgo que hateadas”* com essa redugio absurda de sua guerra civil, seu ativis- §n0 © suas prioridades politicas. Afinal, essa mesma tética de diminuir resisténcia e os esforgos organizacionais para conseguir direitos nanos, classificando-os como “histéricos” ou como “histeria”, havia lo empregada em criticas ao movimento suftagista. A disposigio de ens de retomar essa mesma terminologia em resposta as explica- ss de feministas Latinas imita a estrutura de poder contra a qual ela seu grupo lutavam. E evidente, porém, que essa lente nio se estendia 1 além das norte-americanas brancas que buscavam direitos em um elas construfssem “um renascimento corajoso e forte contra o imperi lismo ianque que nos despersonaliza”." Foi quando Stevens confrontou a opinio feminista branca que ninguém pediu. Nessa época, o presidente Machado conduzia uma violenta tirania contra o povo de Cuba, o que resultou em uma guerra civil. Uma “po= licia secreta” de Machado realizava bombardeios, tiroteios nas ruas € assassinatos, 0 que causou diversos desaparecimentos. E os Estados Unidos apoiaram Machado como lider, o que levou a uma reavaliagio da influéncia e de sua presenga ali. No entanto, apesar das muitas nuances texto muito especifico nos Estados Unidos. 50 CI Crucial para que Stevens falasse dessa maneira com as feministas que dividem 0 movimento” nao é apenas uma tentativa de soterré- -las sob a homogeneidade branca, heterossexual, cis e de pessoas sem deficiéncia, mas também de defender que feminismo branco é o femi- lati \o-americanas foi seu sentimento de grandeza e poder por ter con quistado 0 sufrigio feminino nos Estados Unidos cerca de uma década antes, Ela cometeu o grave erro imperialista de defender as titicas hismo. Porque, em tiltima andlise, 0 que vocé esta propondo desvia dese feminismo —e é exatamente por isso que vocé propés. Porém, jetivo, em vez de aborda-la como uma experiéncia que poderia servir {6 que feministas brancas supdem nesse momento é que voce nao quer a suas colegas. Em titima anilise, essa situagdo tem mais a ver com politicas de seu proprio pais como a tinica forma de alcangar um ob- usar esse desvio ou que voc’ nao sabe que essas experiéncias, dados, poder do que com precedéncia hist6rica, O que esta implicito em suas estatisticas € leis exigirio que um sistema alternativo de justiga seja trocas com Dominguez é sua suposiglo de que as feministas cubanas seconhecido, Das muitas falhas decorrentes do uso dessa expressio [para suprimir diélogos sobre género que tenham mais nuance, a mais E, como os Estados Unidos conquistaram o sufrigio feminino antes, Insidiosa & a expectativa casual de que vocé quer ser como elas ou isso a autorizou a ditar como as feministas cubanas deveriam lutar por defender as causas delas. Essa é a supremacia branca na pratica, uma seus direitos. (Nas suas cartas a Dominguez, pelo que vi, no existe niio sabiam o que era melhor para elas, para seus direitos ou seu pais, forma comum de homogeneizar a vivéncia feminista para torné-la na vivéncia feminista branca. Hé outras maneiras de proteger a estrutura de poder, em especial cialismo, a cultura de consumo e o racismo, entre para preservar 0 dominio branco ocidental, ¢ elas obviamente nao sio spenas verbais — também sio titicas, qualquer questionamento acerca de por que os Estados Unidos foram capazes de aprovar a Décima Nona Emenda em meio a sistemas como: © capitalismo, o comer outras dindmicas,) Depois que Dominguez. veio a publico com suas afirmagies de que ‘Além de afastar feministas latino-americanas de posigbes de con- as feministas latino-americanas nao encontrariam a libertagao por meio le, Stevens também usou dinheiro para determinar como e quando da racw, Stevens duplicou sua atitude de desprezo. Em uma citagao las poderiam participar de didlogos sobre os direitos das mulheres. A gue li da década de 1930 que ecoa em todas as minhas reunides com a peito do tempo e das necessidades financeiras das ativistas, Mai midia de mulheres na década de 2010, Stevens disse que “deplorava a va: divisio das mulheres em mulheres da América do Norte e mulheres da América Latina’.” (A Organizagio dos Estados Americanos, que *0 ddinheiro sempre foi vital para a organizagao feminista internacional, supervisiona a 1acw, respondeu aos meus virios pedidos para que que exigia reunir pessoas em virios lugares do mundo. O trabalho das afluentes mulheres norte-americanas, britinicas e europeias no Inter ‘ational Council of Women [Conselho Internacional de Mulheres] e na Internati se promunciasse sobre 0 assunto) A ordem para “parar de dividir o movimento” é a grande bandeira verbal do feminismo branco, cuja aproximacao consigo detectar mesmo inal Alliance of Women [Alianga Internacional de Mulheres) a muitas frases de distancia. Ao fazer 0 esforgo de levantar diferengas hi muito revelava que mulheres de paises com recursos financeiros fundamentais nas vivencias de género — que esto sendo negligen- geralmente assumiam posigdes de poder, reproduzindo hierarquias ciadas —vocé é acusada de “dividir 0 movimento”, Essa tentativa de ‘que colocavam mutheres dos Estados Unidos ¢ da Europa ocidental recodificar a experiéncia vivida e as barreiras do sistema como “coisas acima de mulheres do ‘sul global!” Essa dindmica se manifestou dentro do movimento feminista pan- -americano através de Stevens que, pos ¢ de uma nagio mais rica, tinha certo controle sobre a lista de presenga das conferéncias e eventos. Stevens tinha total controle financeiro sobre 0s fundos da 14cw, um dinheiro que ela obteve de doagies de pessoas dos Estados Unidos. Supostamente, ela usou esses recursos para pagar tudo, de forégrafas a cradutoras, Mas ela definitivamente nio usow para permitir que feministas latinas das quais ela discordava vigjassem Bla estava muito disposta a capitalizar em cima da imagem de trabalhar ‘com feministas Latino-americanas sem que de fato estivesse encorajando 0 didlogo ou 0 estabelecimento de objetivos comuns. Essa estratégia, onsciente ou inconsciente, de reduzir mulheres alvo da racializagao a fungdes decorativas ou estéticas em grandes organizagdes, tem sido, a0 Jongo da historia, uma das motivagoes que estas encontram para deixar ‘sas organizagbes e fundar suas proprias instituigdes. Marino escreve: jonada como a lider da 1acw internacionalmente para defender suas causas. Marino aponta em sua pesquisa que Stevens nao recebeu um saléti oficial por seu papel na 14cw, mas usou o dinheiro que arrecadou para pagar suas proprias viagens a0 exterior. No entanto, ela aconselh as Latino-americanas da comissio a conseguirem financiamento pat viagens de Gonzalez a varias conferéncias internacionais que prepa viagens de seus respectivos governos. Muitas nao conseguiram e, por- Faram o terreno para o Tratado de Igualdade de Direitos. A exclusi tanto, no puderam participar dessas conferéncias internacionais : q “0 National Woman's Party utilizou avidamente Gonzilez em sua promogio da comissio —destacando as muitas realizagbes da advogada dle trinta anos a quem a imprensa chamou de ‘Portia do Panamé. No eentanto, Stevens nunca ofereceu o financiamento que possiilitaria as le Gonzalez desses locais foi significativa. O fato de Stevens ter sido que agendas criticas eram definidas e t6picos cruciais eram levant Stevens construiu ainda mais obsticulos para a igualdade de repres tagio e visibilidade: econdmica com Gonzalez mas ter oferecido financiamento a outras ‘embras Latino-americanas da comissio — que apoiaram sua visio Mais do que ela considerou que Gonzilez tinha apoiado—, também & igno de nora. Embora Stevens quisesse o trabalho de pesquisa juridica “Stevens deu salirios a vérias membras do Nwe [0 Partido Nacional da Mulher dos Estados Unidos] que trabalhavam com a comissio, mas Gonzilez nao recebeu salério nenhum, embora fosse chefe de pesquisa vamente no queria sua interferéncia caso ince de Gonzilez defender uma agenda diferente da dela"* da 14ew e, nos primeiros anos, uma das tinicas mulheres Latino= -americanas trabalhando em D.C. Quando Stevens convidou Gonzélez para ficar na sede da nwe, ela no ofereceu hospedagem e alimentagao wr nao respondeu aos meus varios pedidos para que se pronun- sobre 0 assunto, lependentemente do que uma empresa the diga a respeito da gratuitas, estipulou um aluguel de dezoito délares por més. Para Gonzilez e outras feministas Latino-americanas, essa din- historia e a experiéncia vivida demostram mica destacou o imperialismo econdmico dos Estados Unidos sobre a wando chega a hora de implementar essas imudangas de fato, os Ws ideolégicos atuam com maior firmeza para proteger a tra- Bo fazem porque integrar de fato as mudangas e perspectivas mam vir com essas comunidades compromete a estrutura de 8 privilegiou e facilitou a ascensao deles. Qualquer ameaga América Latina. Associada a essa tendéncia estava a dedicagio sagaz de Stever publicidade (as fotdgrafas faziam parte do orgamento por um moti derivava de um roteiro que eu poderia recitar de cor, em virtude das minhas proprias negociagdes com o poder. Geralmente é algo assim: ostariamos de fazer x, mas néo temas recursos agora, Este é um momento muito a isso, quer a reconhegam diretamente ou no, é recebida com medo, suspeita, rejeigio ou resistencia. Essa é muitas vezes a parte da realidade ut6pica multiracial, queere diversa de género, que feministas brancas e seus aliados nao levam em. dificil para nés e realmente no podemos explorar X tanto quanto gestariamos. consideracao quando esto postando ‘mulheres empoderadas empo-

You might also like