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A DOUTRINA DA SEGURANCA NACIONAL WILSON MONTAGNA * Histdrico Apés o término da Segunda Guerra Mundial, os impérios coloniais euro- peus desmoronaram-e, e a propria Europa parece bastante arruinada. O eixo da hegemonia econdmica, que iniciara seu deslocamento em diregdo aos EUA apos a primeira grande guerra, assentava-se agora. Este pais, Participara de duas guerras mundiais ndo para defender a integridade de seu terri ataque direto, mas para a defesa de uma ameaca assaz longinqua, a da seguran- ga da nacao a longo prazo. Detentora da hegemonia mundial, tornava-se agora necessdrio elaborar e racionalizar uma nova politica perante o mundo devastado pela guerra. Esta nova politica teria de levar em consideragdo a URSS., que também emergia como poténcia ndo sé vencedora mas também, e principalmente, como rival. Aos olhos dos estrategistas americanos, a Russia de J. Stalin era tao perigosa quanto a Alemanha de A. Hitler, e com seu messianismo marxista pretendia dominar 0 mundo. Continuavam validos, portanto, os mesmos conceitos de defesa e seguranga implantados durante a guerra. O papel hegemdnico americano foi assumido numa situagdo de guerra fria, porque segundo os americanos, se a Riissia n@o entrava em uma guerra aberta, era porque decidira lev4-la por outro caminho — a da guerra fria - 0 que criava um perigo permanente para a seguranga americana ¢ talvez até para a sua integridade territorial. Foi neste contexto, que o presidente H. Truman a 12 de marco de 1.947 formulou a sua Doutrina na qual estabelecia que: “A seguranga dos EUA. estd em jogo em qualquer lugar onde o comunismo ameace impor-se aos po- * — Pés Graduando em Histéria PUC-SP. 29 vos livres, seja diretamente através de pressdes externas (caso da Turquia), seja indiretamente apoiando as minorias armadas (caso da Grécia)* Dada a sua posigdo hegemOnica e atémica, os EUA universalizaram a doutrina Truman, colocando a Europa Ocidental na 6rbita de sua seguranga nacional e, com a guerra da Coréia, expandia 0 conceito de seguranga nacio- nal face ao mundo asiatico. Com a dobradinha Eisenhower/Foster Dulles, formula-se claramente os designios dos EUA., no tocante a guerra fria e 4 Doutrina Truman de Segu- tanga Nacional. Os Estados Unidos anunciaram seu desejo de se oporem a qualquer avango do comunismo identificado com a URSS., fosse pela agres- sdo externa ou subversdo interna. Qualquer governo desfavordvel a politica dos EUA., ou neutralista, era considerado favordvel 4 expanso do comu- nismo e por isso constitufa ameaga 4 seguranga nacional americana. O monopélio atémico dos americanos acabou-se em 1.949, no final do governo Eisenhower, iniciando-se, assim, a corrida armamentista nuclear em busca da superioridade. A partir de Mac Namara (década de 60), o mundo da seguranga nacional ingressa no perfodo da dissuasdo nuclear, buscando um equilibrio de poder com a URSS. Durante o govemo J. Kennedy, este estava convencido de que 0 comu- nismo se tomara mais violento do que nunca, aproveitando-se da descolo- nizagdo do Terceiro Mundo para ameagar a seguranga nacional americana. A Russia, segundo Kennedy, tomaria 0 poder no Terceiro Mundo e se- mearia a subverso para conquistar 0 mundo livre — sendo Cuba, o exemplo vivo da estratégia russa. Por esta cartilha, todo o movimento revoluciondrio no Terceiro Mundo teria por tras o dedo de Moscou. A partir deste momento a Doutrina da Seguranga Nacional torna-se contra-revoluciondria. E esta parte contra-revolucionéria da D.S.N., que se destina aos pafses do Terceiro Mundo, principalmente a América Latina. Os EUA. ensinavam que era necessdria uma divisdo do trabalho neste mis- ter, ficando os Estados Unidos com a responsabilidade da dissuasdo nuclear € os paises satélites — com a ajuda americana — encarregavam-se da subversdo dentro de suas fronteiras. Desta forma, a Seguranga Nacional contra o comu- nismo em cada pais dizia respeito 4 seguranga coletiva do Terceiro Mundo. 0 exemplo foi o Vietnam e seus conhecidos resultados. Quando a classe média votante americana viu seus filhos, alimentados a torta de maga/com flakes e impregnados dos ideais do mundo livre, mortos, mutilados e drogados, a * Os estrategistas do Pentégono cometeram um erro gritante no caso da Grécia. Foi 0 proprio Stalin quem mandou dizimar os militantes comunistas da resisténcia grega, cumprindo lalta/Teerd. 30 doutrina mudou, sendo substituida pela de Nixon-Kissinger, na qual os ame- ticanos ndo mais interviriam com as suas tropas e, sim, passariam a equipar ‘os exércitos dos paises satélites para se defenderem da subversdo, equipa- mentos de todos os tipos necessdrios as guerrilhas e escaramugas internas e délares para a doutrinagdo. O Chile de S. Allende é 0 exemplo desta politica. O que é preciso ficar bem claro, é que os EUA., sob a denominagao de seguranga nacional, defendem ndo a sua sobrevivéncia como nagao indepen- dente, mas sim a sua hegemonia econdmica e seu poder de exploragao, con- sentida ou nao, sobre os pafses do Terceiro Mundo. O mundo dos negocios tem a convic¢do de que a livre empresa € insepa- ravel da liberdade no mundo, e defender a livre empresa é lutar contra 0 co- munismo. A paz mundial e a liberdade de comércio e acesso as fontes de ma- térias-primas sdo insepardveis. Detendo a primazia econémica e os meios de destrui¢ao do mundo, qual- quer ameaga a esta primazia é encarada como ameaga a seguranga dos EUA., € do mundo livre, visto que os americanos tém a missdo de defender este mun- do livre contra a domina¢do e a ameaga comunista. Os lideres da Seguranca Nacional Americana so civis recrutados entre os WASP* das melhores universidades, bancos e grandes industrias, formando as- sim um complexo do “inteligentzia militar-industrial-universitaria. Os conse- Iheiros de Seguranca Nacional, Kissinger, Zigbniev Berzezinsky, Morghentau, etc., eram origindrios das melhores universidades americanas. Sobre estas, di- zia Hermann Keyserling: “As universidades-americanas sdo as mais bem apare- Ihadas do mundo; possuem tudo, menos cultura”. A doutrina da seguran¢a nacional e a geopolitica A geopolitica pode ser conceituada como ciéncia dos projetos nacionais baseados na geografia. Tem como objetivo estudar as relagdes entre a Geogra- fia e os Estados, sua Historia, seu destino, suas lutas. Procura nos dados geo- grdficos a orientagdo para uma politica. As origens da geopolftica remontam ao mapa politico europeu do século 19 e ao projeto politico pangermanista. O gedgrafo alemdo Ratzel foi quem divulgou a concepgao biolégica expansionista do Estado, como um organismo vivo que necessita de espaco vital para crescer e é esta a razdo de defender e postular a necessidade de a Alemanha possuir colonias. Jé 0 termo “geopolitica” foi criagdo do jurista e historiador sueco Rudolf, Kjillen, para quem o Estado é realmente um organismo vivo, que se estende * — Branco, Anglo-Saxdo e Protestante. 31 por em espago fisico (territorial). A geopolitica pangermanista no dizer de Golbery “pode ser considerada, a justo titulo como uma espécie de sintese entre o organicismo de Herder, o idealismo de Hegel, o estatismo de Fichte ¢ © nacionalismo econémico de Lizt”*. O que a geopolitica tem de importante para os idedlogos da Seguranca Nacional, é que ela fornece os conceitos de bipolaridade e de Nagao (a cien- tificidade destes conceitos sio no minimo duvidosos, mas nao é aqui a opor- tunidade de discuti-los). O conceito de Bipolaridade Foi extraido da teoria do gedgrafo inglés Sir Halford John Mackindler, para o qual “o mundo é dividido entre uma ilha mundial, a Eurdsia, e um arco insular. Quem domina a ilha mundial domina o mundo... Na ilha mun- dial hd um coragdo, uma regido chave, que é, a justo titulo, objeto de rivali- dade de todos os poderes mundiais. Fica situada entre o Elba e o Vistula. Quem controlar esse coragdo controlard a ilha mundial e torna-se-4 candidato 4 dominagdo do mundo” **. Mackindler pensava na rivalidade entre a Inglaterra e a Alemanha, mas nada impede, alids, como ndo impediu, de se retomar a teoria e aplicdla 4 URSS e aos EUA, resultando assim para a bipolaridade um significado cés- mico. O conceito geopolitico de Nacao: Nagdo € uma nica vontade, um unico projeto; ela é desejo de ocupagado e dominio do espago. Esse projeto supde um poderio; ela é desejo de poder. Esse projeto encontra oposigdo de outros projetos semelhantes e incompati- veis com ele; a Nacdo ser4 portanto, o poder para impor aos outros seus pro- jetos***. * COMBLIM, Joseph. Ideologia da Seguranga Nacional. si., Givilizacio Brasileira, 1978. p. 26. ** Tbidem, p. 27. *** Opus. Cit., p. 28. 32

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