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ql TARROW, Sidney. 2009 [1898]. © Poder em Movimento: Movimentos Sociais e confronto polltico Petropolis, RJ, Vozes, Capitulo 7, 9, 139-158. No ano V da Revolugao Francesa, o comissdrio do poder executivo revolucio- nirio em Grenoble escreveu: uma contravengita da carta co insular, provocar ou ameacar cidadios por sua es Deixem 0 gosto ¢ a aadequagao falar maisalto que sua roupa; nunca se desvie de uma agra- divel simplicidade. Renunciem a esses sinais de mobilizagso, a essa Jantasias da revolta, que sdo os uniformes de um exército inimigo™. 7 | Interpretando o confronto | | | © comissdrio estava em posicao de saber. Na década em que escreveu,a Franca imeiras tentativas de reformat a cultura politica em relagao as novas, ferias, saudacoes, crabalhos pubticos e monumentos”. A medida {que a revolucdo se espalhou fez 0 mesmo com seus simbolos. Roupas austeras dis- ‘inguiam os republicanos da ostentacdo aristocratica (HUNT, 1984: 75-76); os que apoiavam a revolucao desafiariam os cidadaos que ousassem ser vistos na rua numa roupa clegante; até o rei tinha um barrete frigio enfiado na cabeca antes de perdé-la, depois do fracasso de sua fuga para Varennes (SCHAMA, 1989: 603-604). ‘Tentativas de mobilizacio simbolica acompanham todos os movimentos soci- als modernos, desde o uso de ttinicas militares simples pelos russos ¢ chineses co- munistas ao brilho pagio dos hierarcas fascistas dos nacionalistas hindus e as barbas sujas dos guerr to que os movimentos sociais tentam substi resse du Commissaire du pou- cenurale du département Tistze”. Citado por Lynn Hunt em seu the French Revolution, p. 52, 27. Aabordagem mais completa dos festivais da Revolusio Francesa est em Festivals andthe French Revolution, de Mona Ozouf, Osimbolo de Marianne, deusa da iberdade eda replies fot magni mente estudado yulhon em seu livro Mariza au combat. A importancia do sit ass politica foi detecado pela primeirs vex por George Mosse em seu livro de tm of the Masses, 1975: The No 15), os Kderes de movimentos oferecem os simbolos da revolta para ganhar apoio e distingui-los de seus oponentes. ‘No entanto, hi um paradoxo na politica simbélica dos movimentes: entre de- senvolver simboles dinamicos que criarao novas identidades e realizardo mudan- cas e oferecer stmbolos que sejam familiares as pessoas e baseados em suas proprias culturas. Foim para osrevolucionarios franceses lidar com uma popula- ‘io que, em sua maioria, era analfabeta; isso tem se tomnado ainda mais complexo devido a barreira de informacto que compete com as mensagens dos movimentos através de livros, jornais e especialmente a midia. Essa é uma das razGes por que as ‘suas acdes ptiblicasassumem cada vez mais forma de “performances”; esto com- petindo pelo espaco piblico com oer tos e com as tentativas do governo di ilema simbolico dos movimentos sociais € fazer a mediacao entre simbolos herda- dos que sao familiares, mas levam a passividade, ¢ os novos que sao eletrizantes, mas podem ser estranhos demais para levar 4 acdo. dilema produz trés conjuntos de problemas para os analistas e para 0s que heath poten ee Primeiro,a msioria dos estudiosos concorda queos significados sto “constru- dos”. Mas qual € a relacdo entre a formacao do stmbolo e os conflitos de interesse subjacentes a transformacio do confronto em movimentos? Os movimentos co- ‘mecam pelo terreno mutivel do interesse e do conflito, usando e modificanco itens da cultura material, como um traje a fantasia para incentivar os apoiadores? (Ou enquadram a agio coletiva através de simbolos criados a partir do nada — como as parecem sugerit? sociais interpretam a sé- ‘uals podem interpretar materials sim- bolicos para seus receptores, mas podemos estar seguros de que sio “lidos” da ‘mesma forma por pessoas comuns? Em particular, como podemos inferir a valen- eke emo sna teeta a emer smi agai een fais sem vor Terceito, ouvimos frequentemente o termo “identidade politica” quando se discute movimentos sociais ¢ isso significa que 0 confronto é realizado em nome de identidades coletivas. Mas s4o estas identidades herdadas como roupas velhas aplicadas ao confronto ~ “essencialista”, no jargio corrente ~ ot sfo elas costura- maisadiane. Uma aplica omalsto esta em Imagined Communities, de Benedice Ander- lems da abordagem constrtivsta podem ser vstos em ave Action Frames", de Sidney Tarrow. *Mentalices, Polical Cultares and Col v0 das visando a luta? Poucos individuos posstuem identidades tnicas ¢ unificadas; a ‘maioria das pessoas faz um jogo ¢ combina identidades categoriais ¢ politicas, en- caixadas e desunidas (TILLY, 1997a, cap. 7). Com materiais to diversificados, ‘como os movimentos tecem a unidade e 0 dinamismo necessarios a construgao de movimentos de massa plenamente integrados? No centro dessas questdes esta um problem bisico para o estudo cultural dos rmovimentos sociais”. Sea luta entre os movimentos ¢ seus opositores fosse mera- mente cognitiva e simbdlica, entdo um movimento social poderia ser compreendi- do como nada mais do que um centro de mensagens simbolicas, seja reciclando Significados herdados ou criando novos. Neste caso, poderiamos ler a interacio entre os movimentos ¢ as autoridades como uma especie de texto literdrio ~ uma ‘ompetigdo entre tropas. Mas, se o significado ¢ construido a partir da interacio social e politica entre apoiadores ¢ opositores, precisamos perguntar como 0 “tex to” das mensagens do movimento se relaciona ao contexto dos interesses ¢ conflitos em jogo (GLENN, 1997; KERTZER, as emocoes das pessoas a que se destinam, A questio final que anima este capitulo € como o discurso simbdlico toma forma no processo de luta? Da cultura politica ao enquadramento interpretative estratégico Na década passada, historiadores c logos da cultura e antropolo- {g0s politicos retomaram o conceito de cultura politica para estudar mudanca revo- Iucionaria, Um importante precursor foi George Mosse, na sua reconstrugio de ‘to nacional alemao do século XIX, Em seu livro The Nationalization of the “Mosse inspirou-se no modo como os jacobinos manipularam os wolugdo Francesa. Passando da Franca Alemanba, ele examinow toda tradicio da politica de massas como uma espécie de teatro, fixado no ritual e jnerentemente antiparlamentar a ponto de postular uma relagao nao mediada en- tte 0 povo e seus lideres (P. 2) Mas, se 0s significados sao “fixados” por versbes retSricas, seria suficiente es- tabelecer um discurso para dar o significado para futuras mobilizacées? Mesmo se assumirmos que o contetido basico de um movimento € o seu simbolismo, como testa mensagem € recebida e interpretada no tempo e no espaco por diferentes sujei- tos sociais? Sera 9? Sera neces- sdrio reelaboré-la e reenderecd-la a representat ‘om suas con cepcdes cultursis? Ou serd aplicada de forma seletiva, combinada a s{mbolos eul- turais nativos pelos empreendedores de movimentos? A modificac2o e a apropria- 40 do marxismo, 4 medida que se espalhou pelo globo, pode nos ajudar a respon- der a esta questao. ive Approach, de Everman ¢ Jamison.» New Social fraton e Gusfeld (orgs). + Social Movement and Culture, de Johnston © sontiers in Socal Movements Theory, de Mortis e Mueller (Orgs) Variacies sobre wm tema marxista ‘A doutrina original proposta por Marx e Engels depositou uma grande esperan- «na ago de massas da classe trabalhadora em seu choque inevitavel com o capital em processo de concentragao. Mas deixou em aberto a questi da agdo criadora. Por estar combinado a uma epistemologia histérica, 0 marxismo poderia ser interpreta- do como uma forma de “inevitabilismo” — ter-se-ia que esperar 0 amadurecimento das massas a ponto de poder tirar vantagens de condigdes historieas também em processo de maturagio — que atraiut mais tarde os social-democratas @ construit suas “organizacées € esperar que as contradicoes do capitalismo amadurecessem, ‘A espera foi ido longa que, para alguns, construir 0 arcabouco organizacional para capturar 0 momento do colapso do capitalismo comecou a ser mais importan- fe que antecipar aquele momento (MICHELS, 1962). Nessa espera, a adaptacio as condigoes existentes ~ por exempl ismo e 0 nacionalismo (ROTH, 1963), adaptar-se as condicdes das sociedades camponesas (TARROW, 1967) ou cortejar a classe média (HELLMAN, 1975) ~ acabou com o entusiasmo do movimento revolucionatio, ‘Assimera até o marxismo se mover para o leste, onde Lenin, frente a um Esta- do autoritirio ea um proletariado imaturo, apropriou-se da mensagem revolucio- naria marxista, mas substituiu a acao de massas do proletariado pela direcao co ciente do partido~ interpretando o tiltimo como a “cabeca” do movimento do qual 0s trabalhadores eram o corpo. As condigdes russas e o construtivismo criativo de Lenin mudaram o quadto interpretativo do marxismo, que passou de uma teoria da revoluio de massas da classe trabalhadora para uma teoria da organizacao ¢ da mobilizacio conduzida pela elite. A medida que o marxismo se espalhou pelo mundo, sua obsessio pela classe balhadora deixou de ser tao imperativa porque, nas principais coldnias e semicolo- nias do mundo, em sua maioria camponesas, como se poderia organizar uma revolt- ao, com um proletariado que nao exist? As nogdes de Lenin sobre vanguarda tam- bem foram desafiadas: primeiro, a medida que o movimento se espalhou para as areas rurais onde se mesclou a escatologias camponesas (HOBSBAWM, 1959); e, segun- do, quando a estratégia entrow em contato com sociedades civis mais resilientes do quea da Rissia czarista (GRAMSCI, 1971). Quando 0 Partido Comunista Chines fot esmagado por Chiang Kai-Shek na rebeliio de Shangai em 1927 (PERRY, 1993, cap, 5), © vanguardismo ¢ o obreirismo foram postos em questio, Foi neste ponto que uma variante do ma da por Mao Tsé-Tung— “a linha de massa” simp rismo de Marx nem uma rejeigdo a organizacio leni ‘9 marxismo considerando a revolugio rurais em todo o mundo contra’ jeranca de um grupo de vanguarda com raizes na classe camponesa, Mao também mobilizou seguidores em torno dos simbolos culturais chineses, tornando o movimento infinitamente anais efetivo perante um invasor estrangeiro do que diante de capitalistas e senho- tes de terras domésticos JOHNSON, 1962) va foi concebi- retorno ao obrei- (© que esses exemplos da histria do marxismo mostram é que as mudancas no simabolismo de um movimento nem so derivadas diretamente da cultura nem to- talmente construidas s6 de ideologia, mas so o resultado de sua fem seus cendrios variados e sempre em mu A a an idosimpesmente como um texto, independent das cond bes de huta em que esto inseridos. Nem sdo simples projecdes da cultura nativa fas estrategia politica. De um reservatorio cultural de simboles possives, os or~ ganizadores de um movimento esolhem aqueles que supostament farto a media~ Faoentre oentendimento cultural do grupo a0 qual se ditigem, suas propriascren- tas e aspiragdes e suas situagbes de luta (LATTIN, 1986). Para relacionar 0 texto 20 SSntesto, a gramatica da cultura semAntica da Tuta, precisamos de um conceito sdequado & naturezainterativa Jos movimentos socias. Um grupo contempors- theo de estudiosos propse tal conceito através da ideia de “quadros interpretativos da agio coletiva. Quadros interpretativos de acao coletiva bert Klandermans escreve, na sintese que fez do conceito de quadros interpre~ tativos da ago coletiva: “A transformagao de questdes sociais em quadros inter~ pretativos da agdocoletiva no ocorte por si propria. E um processo em que 05 310- ea mociais a midia eo$ membros de uma sociedade interpretam, definem e redefi- hem a sitwacdo conjuntamente” (1997: 44), Numa série importante de artigos, 0 poctologo David Snow e seus colaboradores adotaram o conceito de “quadro inter” pretaivo™ de Erving Goffman em relagao A acio coletva, argumentando que ha juma categoria especial de entendimento cog wos das o-osquadros edes coletivas — que se refere acomo os movimentos sociais const a dos paraa gio” Nas palavzas de Sow e Benford um quadrointerpretativo € umm esquemainerpreativo que simplificaecondenst 9 “mundo fora", Sallentando e codificando seletivamente objetos, situago« experiencia e equencias de agGes num ambiente presente ou passa- do (1992: BD (Os quadros imerpretatives da acio coletiva so dispositivos enfatizadores que ‘a de uma condicao social ou redefinem roso, mas talvez ressaltam eadornam a gravidade ¢ ‘como injusto ou imoral o que era visto anteriormente como desast folenivel” (SNOW & BENFORD, 1992: 132). Os movimentos socials se envolvem profundamenteno trabalho de “romeat” descontentamentos, conectande-os3 94 7 eat mcs cc a ttos descontentamentos ¢ construir quadros de significado mais amplos que fardo sentido para as predisposicoes culturais de uma populagio ¢ enviario uma mensa- gem uniforme para os detentores de poder e outros (p. 136). Os empreendedores de movimentos nio podem simplesmente adaptar qua- dros de significado a partir de simbolos culturais tradicionais: seo fizessem, eles dos em desafit-los. Como Lenin ¢ Mao, eles orientam os quadros de seus movimentos para a ado em cot secgdo entre um alvo da cultura da populagio e seus proprios valores e objetivos, Isso €0 que Snow e seus associados chamam de “alinkamento do quadro interpre- vo” (1986). Em seu artigo de 1986, eles descrevem quatro processos de alinha- mento, através dos quais os movimentos formulam suas mensagens em relacao & cultura existente, Os primeiros tres fazem apenas inovagdes incr bolismo, Através da “conexio de quadro interpretativo", da “amplificacao do qua- dro interpretative” ¢ da “extensao do quadro interpretativo”, os movimentos co- nectam quadros culturais existentes a uma questao ou problema particular, escla- tecem ¢ revigoram um quadro interpretativo que se relaciona a uma questo espe- cifica e expandem 0s limites do quadro primario de um movimento para incluir in- teresses ou pontos de vista mais amplos (p. 467-476). A estratégia mais ambiciosa €a quarta~a “transformacdo do quadro interpretativo". Eo dispositivo de enqua- dramento mais importante em movimentos que buscam uma mudanea social de maior porte (p. 474). © processo de alinhamento do quadro interpretativo nfo é sempre facil, claro ou indiscutfvel. Primeiro, os lideres dos moviment lores que tém recursos culturais imensamente poderosos a sua disposi gundlo, os movimentos que se adaptam bem demais as culturas de suas so: perdem 0 poder de oposicao e alienam seus apoiadores mais militantes — pois qual €a sociedade cujas valores dominantes nao apoiam os arranjos de poder existen- tes? Terceiro, as pessoas comuns fazem frequentemente a sua propria “leitura” dos acontecimentos, que difere daquelas feitas por seus lideres ¢ frequentemente assi- mila a interpretagto que as elites dio a seus fracassos. E muitas vezes necessirio tum esforgo consideravel de mobilizacio cognitiva para acabar com esse modo de pensar das pessoas comuns (McADAM, 1982). Ha dois tipos de apelo que sempre so utilizados para isso, Injustica e emotividade Um tipo recorrente de discurso no confronto que William Gamson chama de “quadto interpre ico &elaborado em torne do vo da injustica” (19922: 68 e 73), Barrington Moore Jr. escreve na mesma diregdo: “qualquer movimento contra 4 opressio tem que desenvolver novos diagnésticos e solugdes para formas exis- tentes de sofrimento, e com isso tornd-las moralmente condenadas (1978: 88). De forma semelhante, Doug McAdam argumenta que “antes de se encaminhar uma ago coletiva, as pessoas precisam, coletivamente, definir suas situagdes como in- jjustas” (1982: 51). A “injustica”, conclui Gamson, “focaliza a raiva justificada que ‘poe fogo na barrigae ferro na alma” (1992b: 32). “Mas nao € uma simples questao de convencer pessoas timidas de que as indi nidades da vida didria nao estao escritas nas estrelas ~ que elas podem ser atribut- das a algum agente e de que as e¢des empreendidas coletivamente podem mudar aquela condicio. “Emocdes diferentes podem ser estimuladas através da percep- «ao de desigualdades ~ cinismo, ironia confusa, resignacao” (GAMSON, 1992b: 32). O confronto pode apontar um descontentamento, identificar uma clientela e nomear um inimigo. Mas, escreve Gamson, “isso nao ¢ suficiente se os individuos, privadamente, adotam uma interpretacao diferente sobre o que esta acontecendo, A adocio coletiva de um quadro interpretativo de injustiga precisa ser publica~ mente compattilhado pelos desafiadores potenciais” (1992a: 73). Sao atividades centrais dos movimentos sociais inserit 05 descontentamentos em quadros inter- pretativos amplos que identificam uma injustica, responsabilizar outros por ela € propor solucdes. ‘A maior parte do trabalho do “enquadramento interpretativo” € cog avaliadora — isto 6, ela identifica descontentamentos e os traduz em reivi rmplas dirigidas a outros que sejam significativos. Mas o trabalho de enqua- dramento interpretativo nao deveria se restringir a cogitacoes estéreis de ideslo- g03; nenhuma transformagio significativa de reivindicacSes em aco pode ocorrer sem que se estimule ou se crie energia emocional. Emogdes, escreve Verta Tay 40 0 “terreno de articulacao dos lacos entre ideias culturais, desigualdade estrutu- ral eagdo individual” (1995: 227). Diz ainda, ‘sio as emogées que fornecem 0 “ca~ lor’, por assim dizer, que diferenciam os movimentos sociais das instituicées do- como a raiva, sio “vitalizadoras” e € mais provavel que estejam presentes na de- flagracio de atos de resistencia, enquanto que outras, como a resignagio ou de- pressio, so “desvitalizadoras”e existem, mais provavelmente, nas fases de des- ‘mobilizagao*. Os pontos altos do confronto geram eixos emocionais em torno dos quais gira a futura direcdo do movimento. Com o passar do tempo, os empre- * Sou gratoa Arthur Kleinman por estas abservacdes fea numa reunite do “grupo de pesquisa so- bre confronto politico” no Center for Advanced Study in The Behavioral Science em juno de 1997. endedores de movimentos se esforcarao para evocar esses eixos emocionais atra- vves da retorica,rituais e reuntées nos lugares em que ocorreram a injustica ou vi- torias passadas", Por ser tio confiavel como geradora de emogao, a religifo € uma fonte recor- rente para o enquadramento interpretative de movimentos socials. A religiao for- rece simbolos, rituais ¢ solidariedades jé prontos e que podem ser acessados ¢ apropriados pelos lideres dos movimentos (SMITH, 1996). © mesmo vale para 0 nacionalismo: por nio ter as elaboradas metaforas mecanicas da dialética de clas- ‘ses, 0 nacionalismo possui um potencial emocional muito maior. Benedict Ander- son pergunia ironicamente, a0 contrastar 0s muitos monumentos ao nacionalismo com a falta de memoriais para a classe social: ¢ posstvel imaginar um “Tiirmulo do marxista desconhecido"? (1991: 10). Mais do que qualquer outro movimento recente, foi o feminismo que levou a0 reconhecimento da forca da emotividade nos movimentos sociais. “Escritos femi- nistas, populares e académicos estao plenos de relatos sobre os intensos sentimen- tos que subjazem a participacio no movimento das mulheres” (TAYLOR, 1995: 226-227). “Os estudiosos dos movimentos das mulheres", escreve Verta Taylor, “salientaram o amor ocuidado, de um lado, ea taiva, a dor ea hostilidade, de ou- to, que carteterizam as interagdes feministas” (p. 229)". A socisloga Arlie Hochschild notou que grupos particulares formam “culturas de emo¢ao" (1990). Muitos movimentos sio criados em torno do cultivo delibera~ {do do dio ou da raiva, A luta torturada e longa entre catolicos e protestantes na ynda do Norte sé pode ser entendida como um ato deliberado de alimentar 6dios muituos. O uso intencional do estupro de mulheres muculmanas pelos sérvios- 1zar seus proprios soldados como humilhar suas vi- timas (EISENSTE! ), Mesmo 0 orgulho racial ~ cultivado por um setor Black Power nos Estados Unidos nos anos 1960 envolveu expres- IN, 1995, cap. 1). A relagdo entre a mobilizacio e & raiva esta ita no caso do para defender as vitimas da Aids. A “raiva’ escreve um de seus lideres, “€ algo cria- do; 0 Act-Up é uma maquina para aconstrugao da raiva” (apud ERNST, 1997: 3). ‘A cultura da agio coletiva ¢ feita de quadros interpretativos e de emogoes que visam tirar as pessoas de sua submissto, mobilizando-as para a agio em cenérios cao na Franga sempre evocam 2 memoria ds de onde judeus e outros foram mandados deportacao, com uma passe para os fornos de gis pelo egime de Vichy. 32. Ver, em particular, “Imagine my surprise”, de Leila Rupp. + Feminismand the Women's Movement, de Barbara Byan conflituosos. Os simbolos sie extraides seletivamente de um reservat6rio cultural pelos Iideres do movimento e combinados a crencas orientadas para a acto, de modo a navegar estrategicamente em meio a um paralelogramo de atores, que vai desde estados e oponentes na sociedade até militantes € populacées-alvo, O mais importante é que a eles ¢ dada uma valencia emoeional que visa converter a passi- vidade em acto. Mobilizagao do consenso ¢ enquadramento interpretativo da midia (Os simbolos da aco coletiva se instalam através de dots processos principais: a longo prazo, eles entram na conscieneia das pessoas através de um processo capi- lar de formagdo de consenso mobilizag4o; num prazo mais curto, eles afetam as pessoas através das transformagies realizadas pela propria agio coletiva. O primei- 10 conjunto de processos pode ser visto no modo como os movimientos interagem com fontes autOnomas de cultura ¢ coma midia, enquanto que o segundo chama a atencio para os elementos performaticos no proprio processo de confronto, ‘Num artigo de 1988, Bert Klandermans faz uma importante formacio do consenso e a sua mobilizagdo. A formacao do consenso te: ‘uma convergéncia nto planejada de significados em redes sociais e subculturas € ‘corte fora do controle direto de qualquer pessoa. No interior dessas redes e sub- cculturas, escreve Klandermans, “0s processos de comparacio social produzem de- finigdes coletivas de uma situagio” (1988: 175). Essas definicoes coletivas ficam frequentemente ocultas pela cultura oficial — por exemplo, a profunda alienacao dos cidadaos na Europa Oriental estava oculta pela aceitagao formal do socialismo de estado até 1989 (KURAN, 1991). Quanto as sociedades ocidentais, Tom Ro- chon ve um processo de duas etapas na expressio de um movimento: o primeiro, ‘um processo de formacio de consenso através de “comunidades criticas” que no tem, necessariamente, nenhuma vocago para movimentos; o segundo, enquanto 5 que derivam dos “movi- mentos da cultura” criados pela critica (1998). ‘A formagio do consenso produz definigbes coletivas de uma situacao, mas ndo faz muito mais que isso. Nao produz agao coletiva nem da caminhos para aacao as que querem dirigit as pessoas para um movimento social. Para que isso ocorra € necessdria a mobilizacdo do consenso (KLANDERMANS, 1988: 183-191). Esta consiste em tentativas deliberadas de difundir as perspectivas de um ator social en- tre partes de urna populacao (p. 175). As organizagves de movimentos esto entre os que tentam fazer isso (p. 184). Ao fazé-lo, competem com outras organizagdes, com igrejas ¢ governos, com a midia e com as predisposicdes culturais vigentes. Essa disputa é sempre desigual, como sugere o exemplo a seguir, Vestimentas do consenso Quando o exército iraquiano invadit o Kuwait eo governo americano ¢ outros governos ocidentais prepararam-se para contra-atacar, foram organizadas de- tnonstragdes pela paz em Washington e na Costa Oeste (New York Times, 27/12/ 1901: 17), Nestas ocasides uma variedade de simbolos fisicos recorreram & subcul- tura da oposicao, que tinha se mantido desde o movimento antiguerra dos anos 1960. Mas, num clima em que a opinido publica apoiava a politica de guerra do pre sidente, o simbolismo dominante usado pelos manifestantes para enquadrar o seu ico. Como o Now National Times resumiu para seus leitores: Havia bandeiras americanas, lagos amarelos, pais € mAes preocupa- irmas, imacs ¢ amigos que achavam que @ melhor maneira de Oriente Medio era tazt-as vivas para casa (guar -abr/1991: 1), (© queaconteceu neste protesta? Certamente nfo uma imitacto mecanica dos simbolos herdados do sonho americano, mas sim uma estratégia autoconsciente, por parte dos ideres do movimento, de expandir simbolos consensuais para os sig- ificados da oposicdo, A tentativa era engenhosa, mas na disputa com a onda de apoio popular a uma guerra justa promovida por um presidente popular contra um gponente enquadrado como vio hitlerista,a barragem do simbolismo consensual io fez a menor diferenca. A vestimenta do consenso nio pode mobilizi-lo contra © sistema que o produziu. Por que parece to dificil criar simbolos que sejam verdadeiramente de opost- ‘ao? Uma razio pode sera de que os Keres dos movimentos querem de fato per- fhanecer nas fronteiras de um consenso politico ~ isso foi certamente verdade em Telado a maioria dos norte-americanos que protestaram pela paz. Qutra razio € que o alcance do Estado € tio grande que até mensagens que veiculam ruptura s40 fenquadradas em termos de consenso. Mas uma terceira razto se relaciona mais dt- Tetamente A estrutura de comunicagio nas sociedades atuais: movimentos que quierem se comunicar com um pablico mais amplo precisam ter recursos internos para “efetivar” o protesto (GLENN, 1997; MEYER & GAMSON, 1995) ou usar a Tnidia para fazé-lo. No entanto, a midia esta muito longe de ser neutra em relagto 20s simbolos que seleciona e transmite Enquadramento interpretativo da midia eestratégia do movimento No outono de 1996, foi descobe Belgica um conjunto de horriveis assas- historia de incompeténcia, indife- renea e possivell ‘envolvendo as atividades de pedo- filos. Com pouco planejamento ou coordenacio anteriores, € condu: pais das vitimas, centenas de milhares de belgas, tanto flamengos com francesa, fizeram uma passeata € se reuniram nas ruas de Bruxelas vestic branco para simbolizar a inocéncia das vitimas (RIHOUX, 1997). Varios meses mais tarde, os que apoiaram os pais das garotas comecaram a publicar um boletim — La marche blanche — para investigar a corrup¢io em altos postos e difundir a men- sagem do movimento. Quando Eric Hobsbawm estudou as comum atribuir 0 uso de rituais simbolicos a natureza pré-politica desses movi- ‘mentos (1959, cap. 9: 2). No entanto, o papel do simbolismo visual fot ativamente reforcado pela atuacao da midia e, particularmente, da televisio. Uma das raz0es para se usar um simbolismo visual éajudar na construcio de identidades coletivas, coutra, é projetar uma imagem de pesar ou de alegria, de ferocidade ou espirito de jogo de um movimento para os espectadores casuais e para 05 opositores (LUM- LEY, 1990: 223). 0 mecanismo primario para os dois processos éa midia de massa. "Nao se deveria ignorar o papel do radio na difusio de informacdes. Em maio de 1968, por exemplo, os acontecimentos na Franca eram transmitidos respeitosa- mente pela emissora de ridio do governo, informando as pessoas em diferentes ‘partes do pais sobre passeatas, greves € ocupacdes de fabricas e ajudando a difusto do movimento. Durante a Guerra Fria, a BBC ¢ a Radio Free Europe desempenha- ram tum importante papel na difusio de informacoes para a Europa Oriental, espe- cialmente depois que 0s dissidentes naqueles paises aprenderam como obter rela- 10s noticiosos daquelas fontes de comunicacao. Mas foi a televisio, com sua capa- cidade impar de condensar situagSes complexas em imagens visuais, que ocasio- ‘nou uma revolucao nas taticas dos movimentos. ‘A extensao desta revolucio tomou-se evidente, pela primeira vez, durante os. anos 1960 nos Estados Unidos, © movimento pelos direitos civis, escrevem Kiel- bowvicz e Scherer, “foi o pr a recorrer a relatos noticiosos da televisdo princi- palmente em fungdo dos seus elementos -visuais” (1986: 83). A coincidencia do sur- icidtios televisivos ajudou-o de tres maneiras: . io da nagio, ¢ particularmente dos telespecta- ores do norte do pais, para Jongamente ignoradas, segundo, ela contras- tou visualmente os objetivos pacificos do movimento coma violencia da policia; ter- ceiro, a televisao foi um meio de comunicagao para os que estavam dentro do movi- ‘mento. Ela ajudow a difundir conhecimento sobre o que o movimento estava fazen- do através da demonstragao visual de como fazer uma manifestagao passiva sentan- do junto a um baleao de releigoes, como caminhar pacificamente pelos direitos civis e como reagir quando atacados pela policia com mangueiras de agua. (© movimento estudantil foi o segundo maior teste pratico para o impacto da televisdo. A ocorréncia simultanea de demonstragdes estudantis por todo o Oci- dente em 1968 — usando muitos das mesmas palavras de ordem e formas de acao (McADAM & RUCHT, 1993) - foi em parte resultado do impacto da televisio, Dois estudiosos sobre os efeitos da midia nos movimentos concluem: “para as pes~ soas do piblico cujes proprias experiencias se parecem com os casos exibides, essa atencao da midi le servir para cultivar uma consciéncia coleti Jangando as_ bases para um movimento social” (KIELBOWVICZ & SCHERER, 1986: 81) lides *primitivas” nos anos 1950, era ‘Uma terceira fase foi a popularizacio da religiao politica nos anos 1970 ¢ 1980 através dos meiosde comunicagao de massa, Em lugares to diversos como 0 Irae 0s Estados Unidos, figuras religiosas adotaram a midia para difundir suas mensagens politicas. No Ira, o Aiatolé Khomeini e seus seguidores usaram 0 radio e fitas grava- das pata difundir sua critica antiocidental ao governo do Xa, enquanto que funda- ‘mentualistascristios nos Estados Unidos transmitiam suas mensagens de lugares to diferentes como pilpitos de igrejas locais e estadios de futebol americano ‘O exemplo mais dramatico do papel da midia foi global: a encenacio de uma demonstracao massiva dos estudantes chineses na Praca Tienanmen em protesto contra a comupeao € 0 autoritarismo do Partido Comunista (ESHERICK & WASSERSTROM, 1990). Os estudantes chineses ndo apenas recorreram a simbo- los tradicionais do teatro politico chines; como em outros epis6dios das revolu- ‘gGes de 1989, eles usaram estrategicamente forma teatrais para ganhar a simpatia da audiencia da midia internacional, 0 que sabiam ser a sua tnica esperanga de sso externa sobre as autoridades (CALHOUN, 1994, cap. 3). 0 mo- dade que levaram para.a praca num certo momento tinha raizes na « chinesa; mas tinha também uma semelhanga desconcertante com a Estatua da Liberdade do porto de Nova York, presente dos republicanos franceses para seus primos americanos A midia é uma fonte difusa de formacio de consenso que os movimentos nao podem obter facilmente. Uma nova informacao e, principalmente, uma nova ma- neira de interpretd-la, sempre aparece primeiro em espaco publico e apenas mals tarcle da origem a quadros interpretativos de acao coletiva por parte dos empreen- dedores de movimentos. Por exemplo, quando William Gamson estudou a cober- tura feita pela imprensa americana de dois acidentes nucleares nos anos 1950e | 1980, ele descobriu que tinha havido uma mudanca radical na maneira dos repor- {arem o essunto (1988), vez formados, 0s movimentos podem tirar vantagem de coberturas feitas tas que tenham simpatia por eles (GITLIN, 1980: 26). Entretanto, com ia escalhe a maneira de enquadrar uma historia porque ven- ‘numa greve de 1997 contra o fechamen- contra a decisto em Bruxt ke” (IMIG & TARROW, 19% ‘mas sim enquadiar a historia de modo atraente para 0 publico internacional. 33, De mutas formas, a apoteose da combinaso dosirmbel igiosoe esportivo €*The Promise Keepers",o movimento fundamentalist + para homens que cresceu muito ns Estados Unidos nos anos 1990, Pars um relato ver “The promise Keepers are Coming”, de Conason, Ross e Kokorinos. 150 Essa historia salienta um grande problema para os movimentos sociais: os mei- ‘0s de comunicacao estdo longe de ser espectadores neutros ao enquadrar os fatos iretamente para a classe governante (MOLOTCH, 1979: 75), mas certamente nao trabalha para os movimentos socials. ‘Numa sociedade capitalista pelo menos, a midi esté no mercado para reportar as, noticias, mas apenas ficam no mercado se reportam sobre o que interessa 20s leito- res ou telespectadores, ou sobre 0 que o editor pensa que os interessa ‘Amaneira da midia fazer a cobertura dos movimentos ¢ afetada pela estrutura dda industria de midia, Como escrevem Kielbowicz e Scherer, os movimentos 510 afetados pela preferéncia da midia por eventos dramaticos ¢ visiveis; pela confian- os ou itmos; pela influencia dos pelo modo como o ambiente da ‘midia — principalmente 0 grau de competicio ~ influencia as noticias (1986: 75-76). Como resultado, a capacidade das organizacoes de movimentos de se apropriarem da midia para seus propésitos. ‘Ainfluencia da midia sobre a percepcdo das agdes dos movimentos € uma faca de dois gumes. De um lado, um crescente “enquadrament vo" da mi dia é que a vida publica é corrupta, um ponto de vista que ¢ confortavel para o tores ou telespectadores porque justifica a inacZo oua desmobilizacao™. Por outro Jado, o interesse pelas atividades dramiiticas realizadas pelos movimentos logo perde o interesse da mfdia, a nio ser que mudem ou intensifiquem suas rotinas. Quando os protestos aumentam, a midia continua a fazera cobertura, mas logo di prioridade aos seus aspectos violentos ou bizarros. Armidia tende a focalizar 0 que “€” noticia. Isso refora o deslocamento da rup- cura para a violencia, frequentemente encontrada em ciclos de protesto (GANS, t0 pacifico contra a guerra, o estudante isolado que atira ou um travesti com roupas extravagantes que lireitos dos homossexuais so mais eficientes do que qualquer niimero de manifesta acentia as tensées entre militantes que existem em qualquer conjunto de ativistas" (KIELBOWICZ & SCHERER, 1986: 86), incenti- vando elementos disruptivos ou violentos em movimentos que, de outra maneira, seriam pacificos” sama reaniao do “grupo de pesquisa sobre confron- es em juno de 1997. Ver, de Bll ‘eventos publica preparados pelo movi ‘ips que quace todas as fontes de midi rerataram Estes mmaram a base pata a futura idencidade publica do movimento Construindo 0 confronto ‘Tanto os quadros culturais existentes quanto o papel da midia restringem a formacio de movimentos. Mesmo assim os movimentos estao sendo construidas 0 tempo todo e os mais bem-sucedidos transcendem os quadros culturais de suas so- ciedadese—em alguns casos— geram revolugdes. Nao € a mobilizacio do consenso ou o enquadramento interpretativo da midia que faz is50, mas sim 0 proprio pro- cesso de confronto. O caso do movimento norte-americano pelos direitos civis ‘mostra como, neste processo, os quadros culturais herdados sao combinados a es- cothas estratégicas, Reenquadrando direitos na América E impressionante ver como os americanos enquadram naturalmente suas tei vindicagies em termos de direitos ~ sejam direitos de minorias, mulheres, homos- sexuais, animais ou fetos”. No entanto, em relacio aos afro-americanos, os diteitos foram quase sempre desconsiderados; por que entéo o movimento pelos direitos civis dos anos 1960 recorreu tio centralmente a este quadro interpretativo? E por {que os “direitos” tornaram-se entao “o quadro interpretative abrangente” [master frame] de muitos outros setores do movimento durante o ciclo de confronto dos ‘anos 1960? (SNOW & BENFORD, 1992). ‘A primeira consequéncia resultou do fato histdrico de que o mo nos tribunais o seu primeiro palco, comecando com o conceito de linguagem dos direitos nto chegava automaticamente aos ameri- anos negros, conveneides das arraigadas injusticas socias do sistema; mas a bus- cca por direitos tinha sido uma estratégia bem-sucedida antes do pertodo mais con- flituoso do movimento. Como Charles Hamilton escreve, este contexto “criow um quadro de advogados constitucionais que se tornaram de fato 0s pontos centrais da lta pelos direitos civis” (1986: 244) ‘Uma segunda razto dos direitos se tornarem 0 quadto interpretativo para os ; as oportunidades iguais eram uma ponte util, baseada .na entre a principal porcio entre os participantes inter- © 05 participantes brancos de cons- adicao entre o valor dado pelos ameri- 2s iguais aos afro-americanos, Os di weram a dupla funcio de se apoiarem nos sucessos prévios nos tribunals © 36, Mas ao contrive do que alguns estudiosos do conftonto american pensam, isso nto chegaaser tum monopolio americano: para uma discussao sugestiva sobre “consciencia de direitos’ na China rural, ver “Villagers and Popular Resistance in Contemporary China", de i e OBrien de conectar os brancos liberais ¢a classe média negra, de onde vinha o niicleo do ‘movimento, Mas o conceito de “direitos” desse movimento nao era nada mais do que o uso tradicional do consenso americano? Se assim for, por que ele teve que esperar os anos 1960 para agir e como conseguiu tanto? A resposta é que, apenas quando ‘combinados a uma forma inovadora de acao em uma estrutura de oportunidades em mudanca, os direitos se tornaram o quadto interpretativo central da aco cole~ tiva do movil ‘A partir do fim dos anos 1950, 0 modesto quad interpretativo dos direitos a ‘oportuntidades iguais foi acompanhado por uma pratica de protestoaltamente dra- ‘mitica e de confrontagao ~ a acao direta nao-violenta Sea doutrina dos direitos preencheu retoricamente o espaco entre o status su- balterno tradicional dos negros sulistas e seus apoiadores brancos liberais, a aco direta nao-violenta transformou a inércia da classe média negra em agio. Desde 0 comeco, a transformacso do quadro intexpretativo dos direitos fol in- terativa. Dois atores principais desempenharam um papel critico: uma geragio de estudantes universitarios que cresceram em cidades onde nao existiam as piores priticas de segregacdo racial legal (Jim Crow) e os agentes da estrutura do poder bbranco cujo comportamento acabou por favorecer 9 movimento ~ na televisao! Enquanto os estudantes, em seus ternos esmerados e vestidos afetadamente mo- destos, sentavam-se passivamente, faziam passeatas e demonstracdes, cantavam € rezavam, a policia reagia com violencia a ndo-violéncia, reunindo os pombos da paz com 0s ci is da guerra, Quanto mais violento ¢ ndo-cristao 0 compor- tamento dos detentores do poder branco, maior a superioridade moral da tatica dos estudantes e mais razoavel o programa do movimento, Foi no processo de luta que a retorica de direitos herdada foi transformada num quadro interpretativo ‘novo € mais amplo da acdo coletiva. A licao do movimento pele direitos civis € que os simbolos de rev retirados de um armario cultural como uma vestimenta antiquada € exibidos ao puiblico. Nem os significados sio feitos a partir do nada. As vestimentas da revolta so tecidas com uma mistura de fibras herdadas e inventadas em quadros interpre- tativos da agio coletiva em confronto com oponentes ¢ elites. E, uma vez introdu- zidas, ndo slo propriedade exclusiva dos movimentos que as produziram, mas ~ ‘como as formas modulares de acio coletiva descritas no cap. 6 -ficam disponiveis ‘para que outros possam vestir, Como Snow ¢ Benford salientam, quando ¢ enuncia- do em contextos de turbuléncia geral’, um quadro interpretativo de ago coletiva bbem-sucedido torna-se o “quadto interpretativo abrangente” (1992). No caso dos Iho precursor de enquadramento interpreta tivo destes direitos civis, “comecamos a ver 0 aumento da politizacao de outros grupos, especialmente as feninistas, 05 ambientalistas, os idosos, as criangas, 0s 19 deficientes fisicos e os homossexuais organizando e reivindicando os seus ‘dire | r (HAMILTON, 1986: 246). ‘Quadros interpretativos ¢ identidades “Dois aspectos da cultura, distintos, mas relacionados, sto relevantes para po~ as comparativas”, escreve Marc Howard Ross primeiro, a cultura é um sistema de signficados que as pessoas usam para lidar com seus mundos de todo dia (|; segundo, a cultura é a base da identidade social e politica, o que afta o modo de as pessoas se pprogramarem e agitem num grande mimero de questoes (1998; 42). Lidamos, até agora, principalmente com 0 primeiro significado de cultura; mas sob a superficie esti a questao de como as identidades existentes restringem. os movimentos e como novas identidades sto formadas no processo Podemos restimir as principals questoes examinando a identidade coletiva a partir de quatro pontos breves. Primeiro, identidades “naturais” ou “herdadas” s#o quase sempre a base de agregagio em movimentos sociais, como vimos antes ao discutir a importancia da terpretativo do confronto. Mas 0s movimentos lu- ‘com frequéncia para mudar 0 significado dessas identidades ~ como os israe~ lenses sionistas lutaram para descartar a imagem, na Europa Oriental, do judeu -ovarde por uma nova, em que ele seria rural, produ- -o-americanos trabalharam para eriar uma imagem sritude, numa comunidade em que a cor clara da pele cera vista como sinal de status, Segundo, 0s movimentos sociais exigem solidariedade para agir de forma cole- tiva e consistente e criar ou ter acesso a identidades em tomo de suas reivindica- 0es é uma maneira de fazé-lo, Assim, as feministas identificaram-se como destino oprimido das mulheres desde o nascer da humanidade; e, bem pagos e especializa- dos “aristocratas do trabalho” se apresentaram como se fossem 0 proletariado so- ly chama de “caracteristicas de co- “a maioria dos jo que permiti- nexao duravel entre 0s ps movimentos sociais permanece muito mais contingente e vol riam supor suas mistificagoes” (TILLY, 19974: 133) Terceixo, enquanto tais reivindicagdes identi quentemente a capa que os movimentos vestem para de “categorias” sto fre- inguirem os seus mem- 37, O locas lisico da teoria da Wdentidade coletiva esti em Challenging Codes: Callective Action in | formation Age, de Alberto Melucei, Topics sobre a formacio da identidade em movimentos soctais sto centrls para varias grandes investigacoes no campo do movimento social Sociat M ‘de Johnstone Klandermans » New Socal Movements, de rata, Johston e Gust ‘Social Movernene Theory, de Mortis e Muelle. bros em relagio a outros de fora, a solidariedade dos seus militantes € quase sem- pre baseada em comunidades mais intimas e especializadas: como as “comunida- des de discurso”, que Mary Katzenstein encontrou entre as mulheres cat mericanas (1995); ou a solidariedade de local de trabalho que Rick Fantasia ob- servou entre os trabalhadores que estudou (1988); ou a construcao da comuni- dade personalizada que Paul Lichterman encontrou em comunidades locais nor- ‘e-americanas (1996). Quarto, construir um movimento em tomo de fortes lacos de identidade cole- tiva, seja ela herdada ou construida, poupa muito o trabalho que normalmente se- dda organizago; mas ela nao pode fazer o trabalho da mobilizacio, que depende do enqquadra erpretativo das identidades de tal forma que elas conduzam, ‘A agdo,a aliangas ea interacao. De fato, a politica de identidade quase sempre pro- “ duz movimentos insulares, sectirios e causadores de divisoes, incapazes de expan- diro ndmero de membros, ampliar demandas e nego tiva. Esta € a eritica aguda que Todd Gitlin faz da “politica de 12a que nao encontra na p ‘A ligacdo entre exclusividade e fraqueza também trabalha na direc’ oposta, observa-se frequentemente nos movimentos fracos € no firn dos cielos de protesto que 05 militantes erguem cada vez mais alto os muros de suas identidades coleti- vas, definindo-se através de elementos de identidade cada vez mais estreitos ¢rejei- tando aliangas coma uma forma de “colocar-se a venda em liquidacao”. No epigra- ‘ma desmoralizador de Gitlin 05 movimentos fracos frequentemente “marcham di- ante do Departamento de Inglés, enquanto que a Direita toma a Casa Branca (1995, cap. 5). jente, no deveriamos considerar ade um movimen- ‘omo permanente ou impermedvel 4 influencia externa. Assim como seus seus programas ¢ sua valencia emocional evoluem, as to 50 repertorios de confront identidades nao si dancas nas oportuni ‘nos materiais culturais disponiveis, como veremos neste exemplo final. Catslicos ¢ trabalhadores na Polonia Em sua recente analise do movimento operirio polones nos anos 1980/1981, Roman Laba descreve a profundidade do simbolismo religioso que descobriu na propaganda do movimento que estava para se tornar o Solidariedade (1990, cap. 7). Laba reproduz uma caricatura de Lech Walessa, erguendo seu punho a moda dda saudagao dos trabalhadores, ao lado do papa, com sua mao erguida num cum- primento papal (p. 141). Ele reproduz um cartaz da greve no estaleiro de Gdansk, ‘mostrando uma coroa de espinhos usada para rememorar os mértires dos conflitos 155 Iindustriais do passado (p. 150). A pratica da revolta nunca pareceu recorrer tio pe- sadamente aos simbolos de consenso herdados. Polonia testemunhou varios usos politicos do ritual catslico durante os anos 1970, comecando com as tao diseutidas passcatas da Nossa Senhora Negra de Czestochowa terminando com o espeticulo de um papa polonés celebrando uma 1missa publica num pais comunista (KUBI seu comeco, o Solidariedade ndo era tanto um movimento de massa de um povo catolico, mas um movimento de trabalhadores industriais buscando um sindicato livre ¢ usando simboles cat6licos para mobilizar o consenso (LABA, 1990, cap. 8). A estratégia que guiou os trabalhadores de Gdansk nos anos 1980 utilizou imagens religiosas para evocar etirar energia de uma onda anterior de greves. Em dezembr: de 1970 os tabalhadores atacaram a sede do Partido Comunista em Gdansk e va- ios foram mortos pelo exército (GARTON ASH, 1984: 12-13; LABA, 1990, cap. 5 crescett no subsolo fértil da consciencia nacional”, es- sh (1984; 12), periodicamente como um recurso para gerar So dariedade e enquadrar novas reivindicagoes, Ja em dezembro de 1970, a fusio das Imagens da Polénia martitizada e dos proletarios softedores apareceu nas greves de Gydina e Gdansk. Em 1971, os trabalhadores, na parada do Dia do Trabalho em Gdansk, carregaram um cartaz exigindo uma placa para recordar os mortos das sgreves do ano anterior (LABA, 1990: 126). Em 1977, os grupos que mais tarde fun- daram os Free Trade Unions of the Baltic o Movimento Young Poland exigitam a ‘mesma coisa (p. 136). Os eletricistas do estaleiro Lenin, que assumiram a lideran- ga do movimento de Gdansk no verao de 1980, consideraram um dever ~ quase uma obsessao~— hontara memoria dos martires. Lech Walessa ganhou notoriedade pela primeira vez na demonstracao, em 1979, no estaleiro Lenin, Fugiu da pristo para ira demonstragao e surgiu em cena exigindoa construcdo de um monuimen- to para honrat os mortos de 1970, “Cada um deveria voltar no proximo ano, no ‘mesmo lugar e na mesma hora’, ele disse, “e cada um carregando wma pedra”. Se as autoridades se recusassem a construir um monumento, eles mesmos o fariam com as pedras em seus bolsos (GARTON ASH, 1984: 31). ram a ocupacio do est t20 dos martires de 1970. Quando uma mi tum cemitério local para tocos de vela para acender em meméria das vitimas de 1970, ela foi des- Pedida pela direcdo da fabrica, somando uma faisca de afronta humana as débeis 38.E significative que, em agosto de 1980, no porsao do estaleiro Lenin, acima da cruz de mat dos retratos do papa, de uma imagem da Virgem Negra de Czestochowa eda Aguia Branca coroa Polonia avis um carta: onde estava escrito “Trabalhadores de todas ‘un-vos!” Roots of Solidarity, de Labs, p. 130 , 1994, cap.5; OSA, 1995). Mas, desde | | chamas da insatisfagéo do trabalhador. No amanhecer de 14 de agosto, militantes do Free Trade Union passaram desapercebidos dos guardas da fabrica com carta- zes reivindicando a reintegracio de Walentynowicz e mil zlotys redondos de au- ‘mento de salério para todos. Colaram os cartazes em volta do estaleiro e iniciaram, ‘uma passeata interna, ganhando apoiadores a medida que andavam. Assim come- cou cadeia de eventos que levaria ao estabelecimento do Solidariedade e seu tri- unfo temporério sobre 0 governo (GARTON ASH, 1984: 39) Enquadrando através do confronto Os simboloscatoicos que envolviam o movimento dos trabalhadores poloneses que irrompeu na costa do Baltico, em 1980, certamente mostram que o simbolismo __ precisa ter ressondincia cultural para inflamar a mente das pessoas. Mas esses simbo- los estavam disponiveis ha décadas na Polonia catdlica, Como no caso do movimen- toamericano pelos dieitos civis, nie foi um simbolo herdado do passado que levou ‘0 movimento a sua fase mais radical, mas um novo —o simbolo da solidariedade dos trabalhadores — que surgi. no decorrer da luta e serviu a um objetivo estratégico para os militantes envolvidos num combate com oponentes poderosos. © sucesso mais importante dos grevistas de Gdansk e de seus apoiadores ex- lade de invocar os simbolos essenciais da piedade catslica, idariedade entre os trabalhadores em diferentes fabricas € .¢do simbolica entre elementos catolicos € obreiristas. Foi tégia do governo de oferecer vantagens salariais para al- ‘mas sim de cons setores através da medi isso que derrotow a est guns trabalhadores e nao para outros. De fato, 0 proprio simbolo do “Solidarieda- de” era um produto da luta. Como escreveu depois o desenhhista do stmbolo do So- lidariedade: Eu vi como o Solidariedade apareceu entre as pessoas, como nascia um ‘movimento social. Escolhi a palavra [Solidariedade] porque era a que melhor descrevia o que estava acontecendo com as pessoas. O conceito surgi da similaridade com pessoas apoiando-se mas nas outras em rmultiddes apertadas ~o que era caracteristico das multiddes em frente do portio (do estaleiro Lenin} (apud LABA, 1990: 133) Conclusoes © que podemos aprender sobre © poder do simbolismo na ago col tr dos casos do movimento pos dros cis do movimento dos al de Gdansk? Primeito, os simbolos culturais no estio automaticamente disponiveis como simbolos mobilizadores, mas exigem agentes concretos para transforma-los em quadros interpretativas de confronto. Tal como a agdo direta nao violenta no sul ganhou seu poder a partir da habilidade da National Association for the Advance- 187 ment os Coloured People~ NAACP, de expandir os direitos através de uma déca de decisoes judiciais da pratica da resistencia pacifica, 0 Solidariedade bem-sucedido quando seus Iideres juntaram 0s simbolos religiosos de seus com niheiros assassinados as reivindicacdes da greve para construir uma solidariedade que ultrapassava os muras da fabrica, Segundo, a cultura politica herdada pouco fez, na Polénia ou na América, para decidir quais simbolos dariam dignidade e energia a acio coletiva e quis no Os smo na Polonia estavam disponiveis ha geracoes sem ajudarem visivelmente os afro-ameticanos ou os trabalhadores poloneses ase livrar da opressao. E a combinacao de novos quadros interpretativos inseridos ‘numa mat ral que produz quadros interpretativos explosivos de acao col. iva. Combiné-los depende dos atores envolvidos na luta, dos oponentes que et frentam ¢ das oportunidades para a agio coletiva Finalmente, €na luta que as pessoas descobrem quais s4o os valores que com- Partilham ¢ quais 0s que os dividem, e aprendem a enquadrar suas demandas em tomo dos primeiros esconder os ultimos. Frequentemente falham, mas quando {tem sucesso, um movimento como 0 Solidariedade da resultado, Como Laba eset veem seu Roots of Solidarity, sido ustalmente considerado como um simples sta € © seu simbolismo uma mera continuagao da tradigao de pré-guerra do século XIX. Escapa a essa a dade inovadora do Sol tes foram inventados durante as greves¢0 grau em que os simbolos er. ‘uals dominamtes foram tirados da wadiga0 nactonalista socialista € transformados (1990; 128 — enlase acrescentada).

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