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BIBLIOTECA POLEN Para quem nao quer confundir rigor com rigidez, é fértil considerar que a filosofia nao € somente uma exclusividade desse competente e titulado técnico chamado fildsofo. Nem sempre ela se apresentou em piblico revestida de trajes académicos, cultivada em viveiros protetores contra 0 perigo da reflexdo: a propria critica da razao, de Kant, com todo o seu aparato tecnoldgico, visava, declaradamente, libertar os objetos da metafisica do “monopélio das Escolas”. O filosofar, desde a Antiguidade, tem acontecido na forma de frag- mentos, poemas, didlogos, cartas, ensaios, confissdes, meditacées, parédias, peripatéticos passeios, acompanhados de infinddvel comen- tdrio, sempre recomecado, e até os modelos mais classicos de sistema (Espinosa com sua ética, Hegel com sua ldgica, Fichte com sua dou- trina da ciéncia) sdo atingidos nesse préprio estatuto sistemdtico pelo paradoxo constitutivo que os faz viver. Essa vitalidade da filosofia, em suas miltiplas formas, € denominador comum dos livros desta colegdo, que ndo se pretende disciplinarmente filosdfica, mas, justamente, por- tadora desses graos de antidogmatismo que impedem o pensamento de enclausurar-se: um convite a liberdade e @ alegria da reflexao. Rubens Rodrigues Torres Filho Walter Benjamin O CONCEITO DE CRITICA DE ARTE NO ROMANTISMO ALEMAO Traducao, prefécio e notas Marcio Seligmann-Silva ILUMIURAS Biblioteca Pélen dirigida por Rubens Rodrigues Torres Filho e Marcio Suzuki Copyright © 1973 Suhrkamp Verlag am Main Copyright © 1993 desta traducdo e edigdo Editora Huminuras Ltda. Capa Fe sobre Disque, premiere peinture inobjeciive, ou Disque simultané (1912-13), Gleo sobre tela [134 cm de difimetro], Robert Delaunay. Colegio particular. Preparacit ¢ revisdio Carmen Garcez Fabio Pimentel ‘Ana Luiza Couto CIP-BRASIL, CATALOGAGAO NA FONTE SINDICATO NACIONAL. DOS EDITORES DE LIVROS, RJ BAI 6¢ Benjamin, Walter, 1892-1940 conceito de critica de arte no romantismo alemdo / Walter Benjamin tradugo, preféicio ¢ notas Marcio Seligmann-Silva, - 3. ed. [5. reimpr]. - So Paulo ; Duminuras, 2018, 144p, ; 2iem ‘Tradugo de; Der Begriff der Kunstkritik in der Deutschen Romantik Inclui bibliografia e fndice ISBN 85-85219-60-2 1. Romantismo - Alemanha, 2. Critica de arte. 3, Estética alema. 1. Titulo, 11-3429, DD: 111.85 CDU: 111.85 10.06.11 16.06.11 027178 2018 EDITORA ILUMINURAS LTDA. Rua Inacio Pereira da Rocha, 389 - 05432-011- Sao Paulo - SP - Brasil Tel./Fax: 55 11 3031 6161 iluminuras@ iluminuras.com.br www.iluminuras.com.br SUMARIO A REDESCOBERTA DO IDEALISMO MAGICO, 9 Marcio Seligmann-Silva INTRODUGAO I, Delimitagao da questo, 19 IL As fontes, 22 PRIMEIRA PARTE ~ A REFLEXAO I. Reflexao e posigao em fichte, 29 IL. O significado da reflexdo nos primeiros romanticos, 36 IIL. Sistema e conceito, 49 TV. A teoria do conhecimento da natureza do primeiro romantismo, 61 SEGUNDA PARTE - A CRITICA DE ARTE LA teoria primeiro romantica do conhecimento da arte, 71 IL A obra de arte, 80 IIL. A ideia da arte, 94 TV. A teoria da arte primeiro romantica e Goethe, 114 LISTA DAS OBRAS CITADAS, 125 NOTAS DO TRADUTOR, 129 A REDESCOBERTA DO IDEALISMO MAGICO Marcio Seligmann-Silva A tese de doutorado de Benjamin encontra-se entre as suas obras que, até 0 presente momento, tém recebido quase exclusivamente desprezo pela critica especializada. Longe de se justificar, esse fato representa uma enorme lacuna na compreensao desse autor e apenas recentemente na Alemanha alguns comentadores iniciaram o trabalho de revalorizagao desta “obra de juventude”.' Na verdade, pode-se iden- tificar sem problemas o duplo movimento que levou a sua retomada. © primeiro, interno aos estudos sobre a obra de Benjamin, pode ser caracterizado como um esgotamento do debate, j4 “classico”, entre aqueles que postulavam a valorizagao do Benjamin marxista e aqueles que acentuavam a sua relagio com a tradigao teolégica-mistica-judai- ca. O estudo da obra de Benjamin, do ponto de vista da sua articulagao interna, ocupou os melhores trabalhos dos anos 1970 e 1980, Ten- tou-se ent&o delinear os seus principais conceitos, tais como, entre outros, 0 de “aura”, “tempo do agora” (“Jetztzeit”), “modernidade”, “dialética paralisada”, “reminiscéncia” (“Erinnerung”), “mem6ria” (“Gedtichtnis”), “rememoragao” (“Eingedenken”). Esse trabalho de cartografia dos conceitos benjaminianos levou a necessidade de se estudar a fundo a totalidade da obra desse autor. Foi apenas com a inclusio da tese de doutorado de Benjamin no horizonte das atuais pesquisas que se comecou a compreender tanto sua teoria do conheci- mento, como — e, sobretudo, vale dizer — seu conceito de critica ¢ sua prética. Apenas com o estudo das afinidades entre 0 pensamento desse autor e o Idealismo Magico de Novalis e a obra de Friedrich Schlegel, pode-se obter uma compreenstio mais aprofundada dos conceitos ben- jaminianos fundamentais, tais como os de “semelhanga”’, “verdade”, ‘ Cf., por exemplo, Winfried Menninghaus, Unendliche Verdopplung, Frankfurt. M., 1987, e Uwe Steiner, Die Geburt der Kritik aus dem Geiste der Kunst, Wiireburg, 1989. “origem” (“Ursprung”), “leitura”, sem contar com a propria nogao de “tempo do agora” e com a filosofia da linguagem de Benjamin. Por outro lado, um outro debate — externo a bibliografia sobre Walter Benjamin— levou a uma revalorizagao da obra de Novalis ¢ F. Schlegel. Obras como Les mots et les choses, de Foucault (1966), Mimologiques. Voyage en Cratylie, de Gérard Genette (1976), Théories du symbole, de Tzvetan Todorov (1977) e sobretudo a obra de tradugio e comentario de Philippe Lacoue-Labarthe e Jean-Luc Nancy, L'absolu littéraire (1976), representam exemplos patentes desse movimento de retomada do ro- mantismo.? Portanto, nao é absurdo se, dentro desta atmosfera de debate sobre as obras do assim chamado Idealismo Magico, tenha surgido também um interesse no apenas pelo estudo da obra de Benjamin sobre ‘0s romanticos como, ainda que em menor escala, sobre as afinidades de Benjamin com as obras de Friedrich Schlegel ¢ Novalis.’ ee Esta tese de Benjamin deve ser tomada, no entanto, nao apenas dentro do contexto de sua prépria obra, ou seja, no seu papel de sistematizagao da leitura que ele fizera dos autores do romantismo de Jena, mas também como um texto fundamental dentro da prépria bibliografia sobre F. * Deveriamos citar ainda a obra de Antoine Berman, L’épreuve de létranger, Culture €t traduction dans l’Allemagne romantique, Paris, 1984. Isso no aml fran- cés. Em alemao, intimeras obras sobre os romanticos de Jena foram publicadas desde os anos 1960, como a propria reedigdo das obras de Novalis por Richard Samuel ¢ Hans-Joachin Mihl (Stuttgart, 1968ss,) e da obra de Friedrich Schlegel por Ernst Behler (Pader-born/Miinchen/Wien, 19586s.), alm, por exemplo, dos seguintes livros importantes: Ingrid Strohschneider-Kohrs, Die romantische Jronie in Theorie und Gestaltung, Tubingen, 1960; Manfred Frank, Das Problem “Zeit” in der deutschen Romantik, Miinchen, 1972; Heinz-DiereiWeber, Friedrich Schlegels “Transcendentalpoesie”, Miinchen, 1973; Peter Szondi, Poetik und Geschichtsphilosophie, 2 vols., Frankfurt a. M.; 1974, e M. Frank, Einfiihrung in die frithromantische Asthetik, Frankfurt a. M., 1989. Como Winfried Menninghaus apontou com razio (Unendliche Verdopplung, p.237ss.), apesar da bibliografia sobre 6s romdnticos entre 1920 ¢ 1960 nd ter levado em conta a tese de Benjamin, apds a republicagio dessa obra por Adomo em 1955, ela teve uma ampla recepcaio por parte dos estudiosos do romantismo alemiio, * Como Adomo destacou em sua introdugao a obra de Benjamin, ele valorizou muito a sua tese de doutorado durante toda a sua vida, No que toca as afinidades entre a obra de Benjamin e a dos romdinticos de Jena, nés tivemos a oportunidade de tratar dela na nossa dissertagdo Ler o livro do mundo. Walter Benjamin — romantismo e critica poética, apresentada em 1991 ao Departamento de Letras Modernas da USP. 10 Schlegel e Novalis. Benjamin foi 0 primeiro a valorizar a teoria romanti- ca da “Reflexdo”. Esse conceito est no centro dessa sua tese. Benjamin define a critica como um “medium-de-reflexdo” (“Reflexionsmedium”).$ Na medida em que ele pds esse conceito no nicleo da sua tese, com todas as suas implicagSes de critica ao modelo de teoria do conheci- mento monoldégico, baseado na simples cadeia de causas e efeitos, e, portanto, de critica também a uma concepgao linear tanto do desenvolvi- mento do conhecimento como também do desenrolar da prépria histéria, ele trouxe & tona um debate — a critica de um determinado modelo de razo e racionalidade — que est4 particularmente aceso na pés-mo- dernidade. Daf 0 interesse de autores como Jean-Luc Nancy, Philippe Lacoue-Labarthe ¢ W. Menninghaus por esta obra de Benjamin.’ Nela, esses autores se interessaram pela desconstrugao do modelo tradicional de razao — e de verdade —, assim como pela desconstrugao, no 4mbito da filosofia da linguagem, da concepgao que reivindicava a existéncia de um significado transcendental conectado aos significantes; descons- trugdes essas executadas pelos romfnticos de Jena e reatualizadas e redescobertas por Benjamin. Ou seja, esses autores valorizam o fato de Benjamin acentuar o papel da “filosofia ciclica” de Schlegel, a nogdo de “desdobramento infinito” da reflexdo: ¢ da propria verdade — ou do absoluto — como Reflex&o, movimento, Também a concepgio, descrita aqui por Benjamin, da arte como o nticleo desse movimento de Reflexéio infinito é saudada pela critica mais recente. Com efeito, diferentemente de Fichte, Schlegel e Novalis colocaram a arte e nfo o “Eu” no nticleo da reflexao. E esse o ponto de partida dessa tese de Benjamin. Nao podemos perder de vista, no entanto, as limitagdes que subme- teram a exposicio ¢ a leitura de Benjamin, impostas pela sua época. Por um lado, ele procurou salvar Schlegel e sobretudo Novalis de uma lei- tura, frequente ento, que acentuava 0 “culto do irracional”. Daf ele ter deixado de lado elementos centrais do romantismo, tais como a teoriado papel da imaginacao e da intuigdo na epistemologia destes autores. Por outro, a prépria necessidade de ressuscitar a obra dos roménticos de Jena também foi, numa certa medida, determinada historicamente. Benjamin, * A ambiguidade do termo alemao — que pode ser vertido tanto por “medium-de-re- flexiio”, como por “medium-di-reflexio” — ¢ proposital, como Benjamin mesmo esclarece ao longo do texto, * Ph. Lacoue-Labarthe traduziu — juntamente com Anne-Marie Lang — essa tese de Benjamin para o francés (Paris, 1986). com a sua tese de 1919 — assim como Georg Luk4es com a sua Teoria do romance, de 1920 —, pretendeu, através de uma retomada da filosofia © estética de Schlegel e Novalis, criticar um determinado modelo de erf- tica de arte e estética que se havia cristalizado ao longo do século XIX, nomeadamente o modelo de Dilthey e de alguns membros do efrculo de Stefan George, baseado na “empatia”. Benjamin langou mio, portanto, do estudo do conceito romntico de critica, visando expressamente uma revitalizagio da critica — sobretudo literéria — da sua propria época. ke As referencias de Benjamin ao grupo dos romanticos de Jena remon- tam, nas suas cartas publicadas, ao ano de 1911. Mas é numa carta de 1916 a Martin Buber que se pode notar o valor que ele atribuia a esse grupo de autores. Ele afirma af s6vconseguir citar um tinico modelo de revista objetiva: a Athendum, de Friedrich e August Schlegel. Essa admi- ragdo pela Athendum — que deveria servir de base também auma revista que 0 proprio Benjamin organizou mas que néo chegou a ser publicada € que deveria se chamar Angelus Novus — fez com que ele se aprofun- dasse no estudo das obras de F. Schlegel e Novalis nos anos de 1917 e 1918, estudo esse que culminou na execugao da sua tese sobre esses autores. 6 interessante notar que, amitide, ao mencionar esses autores em suas cartas, ele procura acentuar o “centro do primeiro romantismo” como sendo “a religiao e a histéria”, ou “o messianismo, 0 coragiio do romantismo”.® Na terceira nota dessa sua tese, cle também acentuou 0 valor do “messianismo” na obra dos roménticos de Jena. Numa carta de 1919, Benjamin afirmou nao poder ter ido a fundo nesses temas — que foram tratados apenas de modo indireto —, devido a “atitude cientifica exigida’.” Através de suas cartas ficamos sabendo também que, antes de pensar numa tese sobre os romAnticos, ele planejara doutorar-se com um trabalho sobre “o conceito de tarefanfinita em Kant”.* No entanto, ‘ Briefe, org. por G. Scholem ¢ Theodor Adomo, Frankfurt a, M., 1978, pp. 138 ¢ 208. 7Id., p. 208. *Id., p. 159. Desse plano restaram alguns manuscritos, entre os quais um denominado “Die unendlische Aufgabe” ("A tarefa infinita”), de dezembro de 1917 (Gesammelte Schriften, Frankfurt a. M..v. VI, p. 51ss.). Benjamin abriu mao deste plano apés decep- cionar-s¢ coma filosofia da histéria de Kant tal como ele lera em “A paz perpétua’” e em “Ideia de uma Hist6ria Universal de um ponto de vista cosmopolita” (cf. Briefe, p. 161), 12 logo este projeto foi substitufdo pelo estudo do conceito romantico de critica. Numa carta de margo de 1918, Benjamin escreveu: “Desde o romantismo, impés-se a ideia segundo a qual uma obra de arte pode ser compreendida em e¢ para si, scm a sua relagéo com a teoria ou a moral ¢ que ela poderia ser satisfeita com esta contemplagio. A relativa autonomia da obra com relagio & arte, ou, ainda, sua dependéncia pura- mente transcendental diante da arte, foi a condigao da critica romantica. O trabalho [de doutorado] consistiria em demonstrar que a estética de Kant ¢ um pressuposto essencial da critica de arte romantica”. J4 numa carta, de maio do mesmo ano, Benjamin afirma que a sua tese visaria “os principios filosdficos da critica de arte romantica”.'° Ou seja, aos poucos Benjamin foi deixando de lado o estudo da relagio entre 0 con- ceito roméintico de critica e a estética de Kant para se fixar no estudo apenas da obra dos romanticos. Numa carta de novembro de 1918, ele afirma ainda nao ter iniciado a redagao propriamente dita do trabalho, mas ja estar bem adiantado em suas reflexdes: “O que eu aprendo atra- vés dela [a tese], a saber, um olhar na relagéo de uma verdade com a hist6ria, sera, no entanto, pouco discutido no trabalho, mas, cu espero, sera percebido pelos leitores perspicazes. O trabalho trata do conceito romantico de critica (de critica de arte)”.'' Numa carta de maio de 1919, ele comenta o tiltimo capitulo da sua tese nos termos de um “posfiicio esotérico”, como parte do “sew trabalho”,'? ou seja, como a parte de sua tese que ele tomou como mais préxima das suas préprias ideias Em abril de 1919, a tese j4 estava conclufda. Entre 19 e 24 de julho, Benjamin passou nos exames exigidos obtendo a nota maxima, “summa cum laude”. Em seguida a tese foi editada tanto na Sufga — Benjamin fez o seu doutoramento na Universidade de Berna — como em Berlim. No nosso trabalho de tradugdo procuramos manter um equilfbrio entre a forma do texto alemao e a do nosso idioma. O texto de Benjamin, particularmente em seus trabalhos de “juventude”, é marcado por um * Briefe, p. 179s. 1d, p. 188, "1d,, p. 203. " Id.,p. 210. conhecido esoterismo, que se manifesta em um modo algumas vezes quase hermético de se expressar. Como Karlheinz Stierle observou de maneira acertada, Benjamin exige um esforgo da parte dos seus Ieito- res Correspondente a seu proprio esforgo enquanto leitor que sempre mantém uma consciéncia fora do comum."? Benjamin exige a partici- pacao ativa ¢ inteligente de seu leitor. Seu esoterismo esté longe de ser mero rebuscamento gratuito. Um dado que dificulta ainda mais a leitura do texto € a técnica de citagdes, sempre utilizada por Benjamin em suas obras, Nesta tese ela fica patente. As citagdes se sucedem algumas vezes sem nenhum comentério, outras com comentarios diminutos e outras, ainda, dentro de um contexto ao menos aparentemente absurdo." As nossas notas ao final do texto devem servir, portanto, como uma ex- tensdo da tradugdo, como uma complementaciio que visa permitir uma atualizagio mais ampla do texto original.'* Para facilitar um confronto com 0 texto em alemao, tal como pode ser lido nas obras completas editadas por Rolf Tiedemann," optamos por manter a numeragao das citagdes idéntica & dessa edigao. "Cf K, Stierle “Walter Benjamin und der Erfahrung des Lesens”. In: Podtica, n. 12, p. 238, 1980. “W, Menninghaus, em seu Unendliche Verdopplung, apontou varias “aplicagées indevi- das” de citagdes neste trabalho de Benjamin. '* As notas da tradugio sto identificadas por ntimeros entre colchetes. Gesammelte Schriften, Frankfurt a. M., v. 1, pp. 7-122, 1974. 14 O CONCEITO DE CRITICA DE ARTE : NO ROMANTISMO ALEMAO Antes de tudo... quem compée uma andlise deveria indagar, ou melhor, dirigir a sua atencdo sobre a questdo de saber se ele tem realmente a ver com uma sintese misteriosa, ou se aquilo com o que se ocupa é apenas um agregado, uma Justaposicdo... ou como tudo isto poderia ser (Goethe, WA, parte II, v. II, p. 74.) INTRODUGAO I. DELIMITACAO DA QUESTAO O presente trabalho foi concebido como uma contribuigdo para uma pesquisa de histéria dos problemas, tendo como objetivo expor 0 con- ceito de critica de arte em suas transformagdes. Incontestavelmente uma tal pesquisa da hist6ria do conceito de critica de arte € algo totalmente diverso de uma histéria da critica de arte propriamente dita; ela ¢ uma tarefa filosdfica, melhor dizendo, de histéria dos problemas.' Para sua solugdo 0 que veremos a seguir s6 pode ser uma contribuigao, pois nao expée o contexto geral da hist6ria dos problemas, mas apenas um mo- mento do mesmo, o conceito romantico’ de critica de arte, O contexto mais geral da histéria dos problemas, no qual este momento se encontra € no qual ocupa um local de destaque, tentaremos indicar parcialmente no final deste trabalho. Uma determinacio do conceito de critica de arte nao pode ser pensa- da sem pressupostos gnosioldgicos'! e, tanto menos, sem pressupostos estéticos; nao apenas porque estes tltimos implicam os primeiros, mas sobretudo porque a critica contém um momento de conhecimento que pode, de resto, ser tomado por conhecimento puro ou vinculado a valo- ragdes. Da mesma maneira, a determinagao romantica do conceito de critica estética também é construfda integralmente sobre pressupostos gnosioldgicos; com 0 que nao se quer evidentemente indicar que os ' Pesquisas de histéria dos problemas podem concemir também disciplinas niio filos6- ficas. Para que fosse evitada qualquer ambiguidade dever-se-ia cunhar a expresso “hist6ria dos problemas no Ambito da filosofia”, sendo que a expressio utilizada por nds é apenas uma abreviagiio desta. 2Tendo em vista que 0 romantismo tardio ndo possui nenhum conceite de eritica estética unitério ¢ teoricamente bem delimitado, neste contexto, no qual 0 primeiro roman- tismo encontra-se s6 ou com direito de precedéncia, seréi possivel utilizar sem risco de equivoco © simples termo “romantico”. O mesmo vale analogamente quanto & utilizagdo dos termos “romantismo” e “romanticos” neste trabalho. 19 romanticos tivessem extraido conscientemente dai o seu conceito. Mas © conceito como tal — como afinal qualquer conceito que com razdo assim seja denominado — assenta-se sobre pressupostos gnosioldgicos. Estes sero, por conseguinte, a seguir, primeiramente expostos, e nado poderdo nunca ser perdidos de vista. Ao mesmo tempo este trabalho dirige-se a eles enquanto momentos sistemdticos palpiveis do pensa- mento romantico, momentos estes que serdo ressaltados dentro deste Pensamento em quantidade e significado superiores ao que normalmen- te se presume. Mal é necessério diferenciar o presente trabalho, enquanto inscrito na historia dos problemas e, como tal, sabidamente uma pesquisa orien- tada sistematicamente, de uma pesquisa puramente sistematica sobre o conceito de critica de arte em geral. Mas necessfrias, no entanto, po- deriam ser outras duas determinagdes de limite: diante da hist6ria da filosofia e da filosofia da histéria. Apenas em sentido impréprio poder- -se-iam denominar pesquisas de hist6ria dos problemas como pesquisas de historia da filosofia em sentido estrito, por mais que em alguns casos Particulares os limites sejam necessariamente fluidos. Pois € no minimo uma hip6tese metafisica que o todo da histéria da filosofia propriamente dita € a> mesmo tempo ¢ ipso facto o desenvolvimento de um tinico problema"!, E evidente que a exposic&o da hist6ria dos problemas est, quanto ao objeto, entrelagada de modo plural com a da histéria da filo- sofia; pressupor que o mesmo se dé quanto ao método tratar-se-ia de um deslocamento de fronteiras. Dado que este trabalho trata dos romanticos, uma outra delimitagao se torna imprescindivel. Nele niio é levada a cabo a tentativa — executada na maioria das vezes com meios insuficientes — de expor a esséncia histérica dos roménticos; com outras palavras: 0 questionamento préprio da filosofia da historia fica fora do jogo. Apesar disso, nossas colocagdes ulteriores, ¢ particularmente as que concernem 4 sistematica propria do pensamento de Friedrich Schlegel ¢ da Ideia de arte do primeiro romantismo também fornecerao material — mas nao o seu ponto de vista — para uma determinagao de sua esséncia. * Este ponto de vista poderia ser procurado no messianismo roméntico. “O desejo revo- luciondrio de realizar o Reino de Deus ¢ 0 ponto elistico da cultura progressiva e 0 inicio da histéria moderna. que nela nao apresenta nenhuma relagio como Reino de Deus € apenas algo secundério.” (A 222) [A legenda das abreviagdes utilizadas encontra-se no final do texto. Ad. do T.] “Quanto a religii, querido amigo, ela nao nos € de modo algum objeto de brincadeira, mas sim da maior seriedade, pois ja 6 20 Os romnticos utilizam o termo “critica” com diversos significados. Nas paginas seguintes trata-se da critica enquanto critica de arte, nao como método gnosiolégico e ponto de vista filoséfico, Com relagdo a este tiltimo significado, esta palavra foi entiio, como veremos, partindo de Kant, elevada ao nivel de termo esotérico, indicando 0 ponto de vista sem igual e perfeito da filosofia; na utilizagao cotidiana, no entanto, ela se impés apenas no sentido de julgamento fundado. Isto talvez nao sem influéncia dos romanticos, pois a fundamentagio da critica das obras de arte, e nio a de um criticismo filoséfico, foi um dos seus feitos du- radouros. Assim como o conceito de critica ndo sera discutido mais detalhadamente, a nao ser no que se refira & teoria da arte, da mesma maneira, por sua vez, a teoria da arte romantica deverd ser seguida de perto apenas na medida que for importante para a exposigio daque- le conceito de critica.’ Isto implica uma limitagao essencial do nosso campo tematico: as teorias da consciéncia artistica e da criagao artistica, os questionamentos psicoldgico-estéticos sio suprimidos, e da teoria estética ficam no nosso horizonte de consideragdo apenas os conc tos de Ideia de arte e de obra de arte. A fundamentagao objetiva do conceito de critica de arte que Friedrich Schlegel dé tem a ver apenas com a estrutura objetiva da arte — enquanto Ideia — e com a dos seus produtos — enquanto obras. De resto, quando ele fala sobre arte, pensa basicamente na poesia, sendo que as demais artes tém, no periodo que aqui nos toca, uma relagfio quase sempre subordinada a ela. Para ele, muito provavelmente, na medida em que se ocupou com este proble- ‘ma, as leis fundamentais da poesia valem também para as demais artes. Neste sentido, deve-se entender no que segue sob a expressdo “arte” tempo de fundar uma. Esta é a meta de todas as metas e 0 ponto central, Sim, eu vejo 0 alvorecer do mais grandioso inicio dos novos tempos; timido como o antigo cristianismo, no qual nao se pereebeu que logo engoliria todo 0 império romano, assim também esta grande catistrofe engoliré, nos seus mais vastos circulos, a Revolugio Francesa, cujo valor mais duradouro esteja talvez. apenas no fato de té-la suscitado.” (Briefe, 421,cf. tb. as “Ideen” 50, 56,92 de Schlegel, a correspondéncia de Novalis, Briefwechsel p. 82ss., assim como muitas outras passagens de ambos.) “O pensamento de um Ideal de humanidade perfeita realizando-se no infinito foi descartado, exige-se, isto sim, 0 “Reino de Deus’ agora, aqui na Terra [...} per- feigdo em cada ponto da existéncia, ideal realizado em cada etapa da vida, desta exigencia categérica amadureceu nova religido de Schlegel” (Pingoud, p. 52ss.) * Coerentemente com 0 que acabamos de expor, onde 0 contexto nao indicar imediata- mente algo diverso, entenda-se, mesmo sob o simples termo “critica”, a critica de obras de arte. 2 sempre poesia [Poesie] — e, na verdade, na sua posigao central dentro das artes —, e, sob a expressiio “obra de arte”, a composigao poéti- ca [Dichtung] singular, Seria dar uma falsa imagem, se este trabalho quisesse, dentro do seu quadro, remediar este equivoco, pois ele indica uma falta fundamental na teoria romantica da poesia, e, logo, da arte em geral. Ambos os conceitos podem se diferenciar apenas de maneira confusa, para nao dizer que se orientam reciprocamente, de modo que nao se pode construir nenhum conhecimento sobre a peculiaridade eos limites da expresso poética com relagao as demais artes. Neste contexto, os juizos estéticos dos romanticos, enquanto fatos hist6rico-literdrios, ndo nos interessam. Pois a teoria romantica da critica de arte nao deve ser deduzida da pratica — por exemplo, do procedimento de A. W. Schlegel —, mas ser exposta sistematicamente a partir dos te6ricos romAnticos da arte. A atividade critica de A. W. Schlegel tem, quanto a seu método, Ppouco a ver com 0 conceito de critica que seu irmao havia concebido, o qual colocara o ponto de gravi- dade nao na escala de medidas como A. W. Schlegel, mas justamente no método. O préprio Friedrich Schlegel, porém, correspondeu totalmente a seu ideal de critica apenas naquela recensdo do Wilhelm Meister, que € tanto teoria da critica quanto erftica do romance goethiano. Il. AS FONTES A titulo de teoria romantica da erftica de arte, seré exposta a seguir a de Friedrich Schlegel. O direito de designar esta teoria como a teoria romAntica provém de seu carter representativo, Nao que todos os pri- meiros romanticos tivessem concordado com ela, ou simplesmente a levassem em conta: Friedrich Schlegel, também para seus amigos, Permaneceu muitas vezes incompreensivel. Mas sua intuigdo sobre a esséncia da critica de arte € a palavra final da Escola sobre o tema. Ele tomou para si este objeto enquanto problematico ¢ filoséfico — ainda que certamente nao como tinico seu. Para A. W. Schlegel, a critica de arte ndo era um problema filos6fico, Ao lado dos escritos de Friedrich Schlegel, seréo observados como fonte em sentido estrito para esta exposig&o apenas os de Novalis, enquanto os primeiros escritos de Fichte representam fonte imprescindivel, nao Para © préprio conceito 22 romintico de critica de arte, mas apenas para sua compreensao. A apro- ximagio dos textos de Novalis com os de Schlegel’ justifica-se através da completa unanimidade das duas perspectivas quanto as premissas e consequéncias da teoria da critica de arte. O problema em si interessou menos a Novalis, mas ele compartilha os pressupostos gnosiolégicos sob os quais Schlegel o tratou e, com cles, defende as consequéncias desta teoria para a arte. Na forma de uma singular mistica do conheci- mento e de uma importante teoria da prosa, ele formulou estes temas muitas vezes de modo mais agudo e elucidativo do que seu amigo. Em 1792, ambos com 20 anos, conheceram-se estes dois amigos que desde 1797 estabeleceram um intenso tréfego epistolar, no qual eles também comunicavam seus trabalhos um ao outro.' Esta comunidade estreita torna em grande parte impossfvel a pesquisa sobre as influén- cias recfprocas; no que concerne ao nosso questionamento a seguir, ela € totalmente dispensavel. O testemunho de Novalis também é altamente precioso, porque o trabalho de exposicdo encontra-se numa situacdo penosa diante de Schlegel. A sua teoria da arte, sem falar daquela de sua critica, esté de maneira decisiva fundada em pressupostos gnosiolégicos, sem 0 conhe- cimento dos quais ela fica incompreensfvel. Ligado a isso, temos 0 fato de Schlegel, antes ¢ em torno de 1800, quando publica na Athendium ‘seus trabalhos que constituem a fonte principal desta dissertagao, nao ter estabelecido nenhum sistema filoséfico do qual se pudesse esperar um tratamento coerente da questao da teoria do conhecimento. Os pressu- postos gnosioldgicos nos fragmentos € dissertagdes da Arhendum estao, antes, ligados estreitamente As determinagGes extraldgicas, estéticas, & apenas com grande dificuldade podem ser separados e expostos a parte. Schlegel nao péde conceber, ao menos nesta época, nenhum pensamen- to sem pér, num movimento custoso, o todo de seus pensamentos ¢ de suas ideias, Esta compressao e a vinculagao das opinides gnosiolégicas no todo da massa de pensamentos de Schlegel, e o seu cardter parado- xal e a sua audacia, podem ter-se intensificado reciprocamente. Para a compreensao do conceito de critica, sio indispensdveis a explicagao e isolamento, a exposigao pura daquela teoria do conhecimento. A ela é dedicada a primeira parte deste trabalho. Por mais dificil que ela possa +A partir daqui, com o simples sobrenome entenda-se sempre Friedrich Schlegel. © "Teus cademos penetram violentamente no meu intimo." (Briefwechsel, p. 37). 23 ser, no faltam instancias que permitam verificar o resultado atingido. Mesmo se se quiser fazer abstragao do critério imanente, segundo 0 qual as elaboragOes para a teoria da arte ¢ de sua critica nao perdem a apa- réncia de sua opacidade sem aqueles pressupostos gnosiolégicos, ainda assim restam-nos como segunda insténcia os fragmentos de Novalis, para cujo conceito gnosiolégico basico de reflexdo a teoria do conheci- mento de Schlegel, de acordo com a afinidade geral de ideias altamente proclamada de ambos os pensadores, pode se deixar conduzir sem resis- téncia; como alids, com efeito, uma observagio mais exata nos mostra que este conceito e aquela teoria se confundem. Felizmente, no entanto, a pesquisa da teoria do conhecimento de Schlegel niio depende apenas e em primeira instdncia de seus fragmentos; ela dispde de uma base mais larga: as assim chamadas Ligdes Windischmann, de Schlegel, batizadas com o nome de seu editor. Estas Ligdes, levadas a cabo em Paris e em Col6nia entre 1804 e 1806, ainda que totalmente governadas pelas ideias da filosofia catélica da Restauragiio, tomam, no trabalho do perfodo pos- terior de sua vida, aqueles motivos de pensamento que o autor havia salvado da decadéncia da Escola. A maior parte dos pensamentos nestas Ligdes é nova em Schlegel, ainda que n&o propriamente original. Suas antigas sentengas sobre a humanidade, a ética e a arte parecem-Ihe agora ultrapassadas. Mas seu posicionamento gnosiolégico dos anos anterio- res vem agora pela primeira vez, ainda que modificado, claramente a luz. O conceito de reflexdo, que também é a concepgao gnosiolégica basica de Schlegel, remonta, nos seus escritos, até a segunda metade dos anos 90 do século XVIII, mas, na plenitude de suas determinagées, ele apa- rece pela primeira vez explicitamente desenvolvido nas Ligdes. Nestas Schlegel queria explicitamente fornecer um modelo no qual nao faltasse a teoria do conhecimento. Nao é demais afirmar que exatamente estas Posig6es gnosiolégicas basicas expressam o componente estitico, positi- vo, da relagao entre o Schlegel médio ¢ o tardio — com o que se deveria tomar a dialética intema de seu desenvolvimento como o componente dindmico, negativo, Assim como elas sao importantes para 0 proprio de- senyolvimento de Schlegel, em geral, sao para a passagem do primeiro romantismo para o romantismo tardio,’ No mais, o tratamento que dare- * Elku8 demonstrou em sua importante obra pdstuma Zur Beurteilung der Romantik und zur Kritik ihrer Erforschung [Para um julgamento do romantismo e para uma critica da sua pesquisa}, com consideragdes de principio, quo importantes so o perfodo 4 mos as Ligdes Windischmann nao pode, nem quer, fornecer nenhuma imagem delas como um todo, mas apenas de um aspecto oe concenne ‘a seu Ambito de ideias, aspecto que € importante para a primeira parte deste trabalho. Estas Ligdes esto, deste modo, para o todo da expo- siglo, na mesma relagio que os escritos de Fichte e¢ serao tratadas em conexao com eles. Ambos os textos sfo fontes secunddrias que atuam no sentido da compreensao das fontes primdérias, constituidas pelos wa- balhos schlegelianos na Lyceum, na Athendium e Charakteristiken und Kritiker®! assim como pelos fragmentos de Novalis que determinam de maneira imediata 0 conceito de critica de arte. Os primeiros escritos de Schlegel sobre a poesia dos gregos ¢ dos romanos serio tocados apenas ocasionalmente neste contexto, na medida em que expressem nao o devir do seu conceito de critica de arte, mas este proprio conceito. Jnlegel e a teoria dos roménticos tardios para a pesquisa da imagem global eee “(._.) tanto quanto, como alé agora, se trata de maneira essencial do primeiro perfodo destes espititos, e, em geral, nao se coloca absolutamente & questo sobre quais os pensamentos que eles sal varam em sua época positiva (...) nfo haverd evidentemente nenhuma possibilidade de se compreender ¢ de se valorizar & sua contribuigio histérica positiva(ElkuB, p. 75). EikuB, no entanto, parecia eétien com relagdo & tentativa, na verdade muitas vezes realizada de mancira infrutifera, de determinar de maneira exata ¢ positivamente as contribuigdes das ideias de juventude dos romanticos. Que isto, contudo, é possivel — nao sem se levar em conta ‘seu perfodo tardio —, o presente trabalho deseja demonstrar dentro de seu Ambito. 23 BES prnune. abibiag weiss sentaiteniombesa amen ricci ingle, ates antic plinth ob clita Sika hitedbicralie teieme Papceoecre RL ethno Cngge atg Oey bm lla, a si con Pred tes Cotta enign FM. 1nd, seat par et see itte eevee neta oe he Hnudincatifive di Rem tuittagha, a sa3 treba tale vpterfor tis pine ARG Ee Sit sit, oenles sree vet pening gah sume bee: terete decadicte dy Emin A inatur jorse dhe pecistacterhist agedine Ligier tare eu Schlegaah aaegla agree ad progres cotyiiet Se anipreosttae, oven x hekrhtodn ss eos ake pearl Ae gpor al (mnialligicys vse sy aSihiemken, Maeno arsite te fee driowictaghatinucs ‘h Sigel gremaite, oem ath cacti’. ant a epyaniae irae Ue en: PO seme EWS. smear, plenataiten ddan che hea alates, whe mpm Gree: pha priswadiey wr aatlciaparste abepene Leister sun Lavery Masem SHOR dee seein see: Ble: delhi alt gaia yr hes eat: ne i ad 5 cutag Zi Sinn Se Sl oa 4) en teh ee anwrrm “ha SOE Me Laster i aarp RIE NSA Pitts a RA SER of | ie ea 2m tefainas wg eka SP acpi es cvmeta Abalone ete putts lena et tetany nia * Cowaesaee bane GNA won. sib ac anentta mene 9 ie ho Ane PRIS of Sebale: ce pa Vs SRR. 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Schlegel diz num techo do Lucinde'" “O pensar tem a particularidade de, proximo a si mesmo, pensar de preferéncia naquilo sobre o que ele pode pensar sem fim”.* Com isso, entende-se também que o pensamento, fora a reflexdo sobre si mesmo, poderia encontrar um fim. A reflexio € 0 tipo de pensamento mais frequente nos primei- ros roménticos; sustentar esta tese implica remeter a seus fragmentos. Tmitagiio, maneira e estilo, trés formas que se deixam de bom grado aplicar aos romnticos, encontram-se cunhadas no conceito de reflexao. Ora ele é imitagao de Fichte (como sobretudo no primeiro Novalis), ora maneira (por exemplo, quando Schlegel dirige a seu ptiblico a exigén- cia “de compreender a compreensao”), mas € reflexdo cm especial 0 estilo do pensamento," no qual os primeiros romanticos pronunciam suas mais profundas concepgdes, nado de maneira arbitraria, mas ne- cessaria. O “espirito rom4ntico parece fantasiar agradavelmente sobre si mesmo”,'' diz Schlegel sobre 0 Sternbald de Tieck, ¢ ele o faz nao apenas nas obras de arte do primeiro romantismo como, ainda que de maneira mais rigida e abstrata, também, e principalmente, no pensa- mento do primeiro romantismo. Num fragmento de fato fantistico, Novalis tenta interpretar 0 conjunto da existéncia terrestre, como refle- * Lucinde, p. 83. * Jugendschriften Ui, p. 426. °° Cf., para este uso do terme “estilo” com relacao aos rominticos, ElkuB, p. 45. 1A 418. xo de espfritos neles mesmos, e 0 homem nesta vida terrestre, como derivacao parcial e “rompimento daquela reflexao primitiva”.”? E, nas Ligdes Windischmann, Schlegel formula esse Principio, conhecido por ele de longa data, com as palavras: “A faculdade da atividade que volta sobre si mesma, a capacidade de ser 0 Eu do Eu, € 0 pensar. Este pen- samento nao tem nenhum outro objeto senio nés mesmos”.'*, Desse modo, pensar ¢ reflexio sfio postos no mesmo plano, Isso nao ocorre, no entanto, somente para assegurar ao pensar aquela infinitude que é dada na reflexao e que, sem uma determinagao mais detalhada, apare- ce de modo questiondvel como pensar do pensar sobre si mesmo. Os romanticos viram, antes, na natureza reflexionante do pensar uma ga- rantia para o seu cardter intuitivo, Assim que, na historia da filosofia, em Kant senao pela primeira vez, a0 menos de maneira explicita ¢ enfatica, afirmou-se a possibilidade de se pensar numa intuigo intelectual”! es a0 mesmo tempo, sua impossibilidade no campo da experiéncia, veio & tona um empenho miiltiplo e quase febril de reconquistar este conceito para a filosofia como garantia de suas mais elevadas pretensdes. Fichte, Schlegel, Novalis e Schelling tiveram a precedéncia neste empenho, J4 na sua primeira versio da Doutrina-da-ciéncia (Sobre 0 conceito da doutrina-da-ciéncia ou da assim chamada filosofia, Weimar, 1794), Fichte acentua o dar-se na interpenetragAo miitua do pensamento refle- xivo e do conhecimento imediato. Ele o faz com toda a clareza, mesmo que sua expressao final ainda nfo se encontre neste escrito. Para o con- ceito romntico de reflexao, isto é de grande importancia, Trata-se aqui de esclarecer minuciosamente sua relagdo com 0 conceito fichtiano; que depende dele € evidente, mas isso nao pode satisfazer nossos ob- jetivos em questéio. Aqui vem ao caso notar exatamente até onde os primeiros roménticos seguem Fichte, para identificar com clareza onde eles se separam dele. Tal local de separacao deixa-se fixar filosofica- mente, nao pode ser pura e simplesmente designado e fundamentado © Schriften, p. U1. 8 Vorlesungen, p. 23. ‘* Com relagao a Fichte e a Friedrich Schlegel, diz Haym: “Quem pretenderia, nesta época {io rica em ideias, determinar pedantemente a relagao de filiago de pensamentos individuais ¢ 0 direito de propriedade dos espfritos?” (264), Também neste contexto, trata-se nao de uma determinacdo mais detalhada de uma relagdo de filiagdo, alids jé bem estabelecida, mas de indicar as diferencas consideriveis, embora pouco notadas, existentes entre os dois Ambitos de pensamento. 30 pelo afastamento que o artista toma com relagao ao pensador cientifico ¢ ao filésofo. Pois também nos romAnticos encontram-se na base desta separacdio motivos filoséficos, ou mesmo gnosioldgicos; € eles sao os mesmos sobre os quais o edificio da sua teoria de arte ¢ de critica esté fundado. ‘Na questao do conhecimento imediato, pode-se ainda percohen uma completa concordancia dos primeiros romAnticos com a posigio de Fichte no Conceito da doutrina-da-ciéncia. Ele afastou-se mais tarde desta posi¢do, e nunca mais esteve, como neste escrito, numa afinida- de tio préxima e sistematica com o pensamento romantico. Aqui ele determina a reflexdio como a reflexfio de uma forma, demonstrando, desta maneira, a imediatez do conhecimento dado nela. A sua cadeia de pensamentos é a seguinte: a doutrina-da-ciéncia possui nao apenas contetido, como também uma forma; ela é “a ciéncia de algo, mas. no este algo mesmo”. Aquilo que faz da doutrina-da-ciéncia uma. ciéncia € a necess4ria “aco da inteligéncia”, agiio esta que € anterior a tudo © que se objetiva no espirito e que constitui sua forma pura.'’ “Ora, aqui se encontra a matéria inteira de uma doutrina-da-ciéncia possivel, mas nao essa ciéncia mesma. Para concretizar esta, & preciso ainda uma aco do espirito humano que nfo esté contida entre todas aquelas ages, a saber a de elevar & consciéncia seu modo de ago em geral.[.~] Entao, por essa agao livre, algo que j4 € em si forma, a agao necesséria da inteligéncia, ¢ acolhido como contetido de uma nova forma, a forma do saber ou da consciéncia, e, por isso, aquela agao é uma agdo de reflexao”’.'° Entende-se, portanto, por reflexdo o refletir transformador —e apenas o transformador — sobre uma forma. Em outro contexto, masno mesmo sentido, Fichte formula anteriormente no mesmo escrito: “A agao da liberdade, pela qual a forma torna-se forma da forma, como seu contetido, e retorna para si mesma, chama-se reflexdo”.!""! Esta De servagao é digna da mais alta atencao. Evidentemente, trata-se aqui de uma tentativa de determinar e legitimar 0 conhecimento imediato, que diverge de sua fundamentagio posterior em Fichte através da intuigao intelectual. A palavra “intuigdo” ainda nao se encontra neste trata- do."'Fichte pensa, entio, poder fundar aqui um conhecimento imediatoe 'S Ch. Fichte, p. 70ss. Fichte, p. 71s * Fiche, p. 67. 31 seguro através da conexdo de duas formas de consciéncia (da forma e da forma da forma, ou do saber ¢ do saber do saber), as quais se tras- passam mutuamente e retornam para si mesmas, O sujeito absoluto, para quem a aco da liberdade se dirige com exclusividade, é 0 centro desta reflexdo e, portanto, deve ser conhecido imediatamente. Nao se trata de um conhecimento de um objeto através da intuicdo, mas do autoconhecimento de um método, de um elemento formal — o sujeito absoluto n&o representa nada além disso.'*! As formas da consciéncia, em seus traspassamentos mtituos, constituem o nico objeto do co- nhecimento imediato, ¢ este transpassamento constitui o Gnico método que permite fundar e compreender aquela imediatez. Esta teoria do conhecimento, com 9 seu formalismo mistico radical, possui, como ser mostrado adiante, a mais profunda afinidade com a teoria da arte do primeiro romantismo. A ela os primeiros romanticos ligaram-se fir- memente ¢ a desenvolveram para além das sugestGes de Fichte, que, por sua vez, em seus escritos posteriores, fundou a imediatez do co- nhecimento sobre a sua natureza intuitiva. O romantismo fundou sua teoria do conhecimento sobre © conceito de reflexao, porque ele garantia nao apenas a imediatez do conhecimen- to, mas também, e na mesma medida, uma particular infinitude do seu processo. O pensamento reflexivo ganhou assim, para eles, gragas a seu cardter inacabavel, um significado especialmente sistematico que induz que ele faga de cada reflexio anterior objeto de uma nova reflexdo. Também Fichte atentou amitde para esta estrutura peculiar do pensa- mento. Sua visdo do mesmo ¢ oposta A dos romAnticos, e ¢ importante, por um lado, para a caracterizagao indireta dessa, e, por outro, apro- priada para reduzir a seus justos limites a nogio de uma dependéncia geral dos teoremas filos6ficos dos primeiros romanticos com relag&o a Fichte. Este se empenha por toda parte em excluir a infinitude da agdo do Eu do ambito da filosofia tedrica e em remeté-la para o da pratica, enquanto os rominticos procuram tornd-la constitutiva para a filosofia te6rica e, desta maneira, para toda a filosofia em geral — sendo a filo- sofia pratica, alias, a que menos interessava a Schlegel. Fichte conhece, deste modo, duas maneiras de agdo infinitas do Eu, a saber, além da reflexdo, ainda o por. Pode-se considerar formalmente a agiio"! fichtiana como uma combinagao destas duas maneiras de ago infinitas do Eu, na qual clas procuram preencher ¢ determinar mutuamente a sua natureza puramente formal, 0 seu vazio: a ago € uma reflexdo que poe, ou um por refletido,”[...] um pér-se como pondo [...], mas de modo — eventualmente, um mero por”, formula Fichte. Ambos ‘os termos: = a ‘cam coisas diferentes, ambos sao de grande importancia para a a a da filosofia. Enquanto o conceito de reflexdo se torna a bee da fil ne do primeiro romantismo; 0 conceito do por aparece — nao sem ase com o precedente — de maneira acabada na dialética hegeliana. p ‘nao seja demais afirmar que 0 cardter dialético do por em Fichte, erate mente devido a sua combinacdo com 0 conceito de reflexdo, nao atinge ‘ainda a mesma expressao completa e caracteristica que em Hegel. F Segundo Fichte, o Eu vé como sua esséncia uma agao infinita que’ est no por. Isto se passa da seguinte maneira: 9 Eu poe-se (A), ene na imaginagao um Nio-Eu (B). A “razao intervém |...) ¢ a determina acolher B no A determinado (no sujeito): mas entio 0 Ay poste como determinado, tem de ser mais uma vez, delimitado porum B infinite, “ei © qual a imaginagdo procede exatamente como:acima; © assim prosse- gue, até a determinagao completa da razéo (aqui tebrica) pe si ae quando nio é mais preciso na imaginagdo nenhum B delimitante fose: rario, isto é, até a representagao do representante. Nojtesttono prétion, ‘a imaginagdo prossegue ao infinito, até a ideia pura & simplesmente oe determinavel da suprema unidade, que 86 seria possivel depois de um infinitude perfeita, que € por si impossfvel”.”” Portanto: 0 Lo eae segue até o infinito na esfera teérica; a sua peculiaridade € constins la justamente pelo bloqueio do por infinito; este bloqueio aise _ representagao. Através da representagio ©, afinal de contas, atravs . ‘sua mais clevada representagiio, a do representante, 0 Bul é Se perfeito ¢ realizado. As representacGes sao representagoes do th, e © Nao-Eu possui, como se depreende das frases citatiass uma oe fungao: no conhecimento, reconduz a unidade do Eu; na a0 con = ‘a0 infinito, No que concerne a relagéo da tworia do conhecimento : Fichte com a dos primeiros romanticos, sera importante constatar ae a formagio do Nao-Eu no Eu assenta-se sobre uma fungio Se deste. “O contetido singular da consciéncia [...], em toda a nenessi a com a qual ele se faz valer neste ponto, niio pene ser esclarecido a pa 2 de uma dependéncia da consciéncia com relagdo a qualquer coisa-em-St, % Fichte, p. 528. ® Fichte, p. 217. 33 i mas apenas a partir do préprio Bu. Ora, todo produzir consciente é de- terminado por motiyos e, por isso, pressupde sempre noyamente um conteddo particular de representagao. O produzir originario pelo qual, de inicio, o Nao-Eu € obtido no Eu, nao pode ser consciente, mas so- mente ndo-consciente:™ Fichte yé “a tinica safda para o esclarecimento do contetido dado na consciéncia através de sua derivagio de um modo mais clevado de representar, de um representar livre inconsciente”2! Apés 0 que foi dito, deveria estar claro que reflexiio e pér sao dois atos diferentes. E na verdade a reflexdio é fundamentalmente a forma autéctone da posic&o infinita: reflexdo € a posigéio, na tese absoluta, na qual cla aparece em relagio ndo com o lado material do conhecer, mas com o lado puramente formal. Quando o Eu poe a si mesmo na tese absoluta, nasce a reflexdo. Schlegel fala uma vez nas suas Ligoes Windischmann, totalmente dentro de um sentido fichteano, de uma “du- plicagao interna” no Eu. + Resumindo, pode-se dizer sobre a posigao: ela se limita e se de- termina através da representagdo, através do Nao-Eu, através da contraposi¢do. Com base nas contraposigées determinadas, a agdo em si infinita do por® € finalmente reconduzida ao Eu absoluto e, ai onde ela coincide com a reflexio, é fixada na representagdo do representan- te. Esta limitagao da atividade-poente infinita é, entao, a condicgao da possibilidade da reflexdo. A “determinagao do Eu, sua reflexdo sobre si mesmo [...], 86 € possivel sob a condigio de que ele delimite a si mesmo Por um oposto [...]”. A reflexdo assim determinada é ela mesma, por sua vez, como a posigdo, um processo infinito; e contra ela pode-se ver 0 renovado esforgo de Fichte para, através da destruigdo de sua in- finitude, transform4-la em 6rgao filos6fico. Este problema & posto no fragmentario Tentativa de uma nova exposi¢do da doutrina-da-ciéncia, de 1797. Fichte argumenta af da seguinte maneira: “Tu tens consciéncia de ti mesmo, dizes; logo distingues necessariamente teu Eu pensante do Eu-pensado no pensamento do Eu. Mas, Para que possas fazé-lo, o pensante, nesse pensar, tem de ser, por sua vez, objeto de um pensar Superior, para poder ser objeto da consciéncia; com isso, obténs, ao ® Windelband II, p. 223. * Windelband II, p. 224. ® Yorlesungen, p. 109. ® Cf. Fichie, p. 216. » Fichte, p. 218. 34 mesmo tempo, um novo sujeito, que deve novamente ter consciéncia daquilo que antes era 0 estar consciente de si. E aqui argumento mais uma vez como antes; ¢ depois de termos principiado a inferir segundo ‘essa lei, no podes mais indicar nenhum lugar onde devéssemos nos deter; logo, para cada consciéncia, precisaremos de uma nova cons- ciéncia, cujo objeto ¢ a primeira, ¢ assim ao infinito; logo, jamais chegaremos a poder admitir uma consciéncia efetiva”.** Fichte repete ento esta argumentagio nao menos do que trés vezes, ¢ sempre nova- mente com base naquela infinitude da reflexao, para chegar 4 conclusio de que, dessa maneira, “a consciéncia (fica) inconcebivel para nds”. Fichte procurou entao e achou uma atitude de espirito, na qual a consci- €ncia de siesta dada imediatamente, e que nao precisa, para produzi-la, de uma reflexao a principio infinita. Esta atitude do espirito € o pensar. “A consciéncia do meu pensar nao é eventualmente algo contingente ao ‘meu pensar, s6 acrescentada a ele posteriormente e vinculada com ele, mas é insepardvel dele.’”’ A consciéncia imediata do pensar é idéntica ao estar consciente de si. Devido a sua imediatez, ela é denominada intuigdo. Nesse estar consciente de si, no qual intuigao e pensar, sujeito e objeto coincidem, a reflexdo, sem ser eliminada, ¢ banida, aprisionada e despida de sua infinitude. No Eu absoluto, a infinitude da reflexdo é dominada, no Nao-EBu, a do por. Mesmo que a relagao dessas duas atividades talvez nao tenha estado totalmente clara para Fichte, é evidente que ele sentiu a diferen- ga entre elas e procurou aplicar cada uma de maneira especifica em seu sistema. Este sistema nao pode tolerar em sua parte teérica nenhuma infinitude. Na reflexdo, no entanto, existem, como se viu, dois momen- tos: a imediatez e a infinitude. A primeira fornece a filosofia de Fichte a indicagdo para buscar exatamente naquela imediatez a origem e a expli- cagao do mundo; a segunda, no entanto, turva aquela imediatez, ¢ deve ser eliminada da reflexao através de um processo filos6fico. O interesse na imediatez do conhecimento mais elevado, Fichte compartilha com ‘0s primeiros romanticos. O culto do infinito que eles fazem, como cles deixaram marcado também na teoria do conhecimento, separa-os dele ¢ fornece ao pensamento deles o seu direcionamento mais original. * Fichte, p. 526. % Fichte, p. 527. » Ibid. 35 IL O SIGNIFICADO DA REFLEXAO NOS PRIMEIROS ROMANTICOS E boa atitude basear a exposigao da teoria romantica do conheci- mento no paradoxo da consciéncia, tal como Fichte 0 expés, que se assenta na reflexao.%* Os romanticos nao fizeram, de fato, escandalo algum com relagao aquela infinitude rejeitada por Fichte, ¢ assim surge a quest4o: em que sentido eles compreenderam e até acentuaram a in- finitude da reflexao? Evidentemente, para que isso pudesse ocorrer, a reflexdo, com o seu pensar do pensar do pensar e assim por diante, deveria ser para eles mais que um percurso infindavel e vazio; e, por mais estranho que isso parega & primeira vista, concorre sobretudo para a compreensdo do pensamento deles, segui-los de perto, admi- tindo hipoteticamente as afirmagées deles, a fim de experimentar com qual intengao eles as enunciam. Esta intengdo se revelaré nao como algo totalmente abstruso com relago ao local que ocupa, mas — no campo da teoria da arte — como algo rico em consequéncias e fruti- fero. A infinitude da reflexao é, para Schlegel e Novalis, antes de tudo nao uma infinitude da continuidade, mas uma infinitude da conexio. Isto é decisivo, juntamente com o seu cardter temporal inacabavel ¢ antes mesmo dele, que deve ser compreendido de outra maneira que nao uma progressio vazia. Hélderlin, apesar de nao ter tido contato com algumas ideias dos primeiros rom{nticos que ainda serao trata- das aqui, proclamou a ultima e incomparavelmente profunda palavra, escrevendo em um lugar onde ele quis expressar uma conexdo, a mais acertada e interna: “Conectar infinitamente (exatamente)”.*’ Schlegel e Novalis tinham em mente o mesmo quando compreenderam a infinitu- de da reflexdo como infinitude realizada do conectar: nela tudo devia se conectar de uma infinita multiplicidade de maneiras, sistematicamente, como nés diriamos hoje em dia, “exatamente”, como diz Hélderlin com mais simplicidade. Essa conexao pode ser compreendida mediatamente a partir de niveis infinitamente numerosos da reflexdo, na medida em que gradualmente 0 conjunto das demais reflexdes seja percorrida por todos os lados. Na mediagao por reflexGes nao existe, no entanto, em Principio, nenhuma oposigdo com relagao a imediatez do compreender * Ver supra, p. 348s. ® Untreue der Weisheit, p. 309. via pensamento, pois toda reflexiio € em si imediata.” Trata-se entao de uma mediagao por imediatez; Schlegel nao conhecia outra € fala oca- sionalmente neste sentido de uma “passagem que deve ser sempre um salto”.*! Nesta imediatez de princfpio, mas nao absoluta e sim imediata, onde se assenta a vitalidade do conectar. Uma imediatez absoluta é, decerto, também virtualmente pensdvel na compreensio da conexdo- -da-reflexiio; com esta, a conexao na reflexdo absoluta iria compreender ‘a si mesma. Nesta apresentagao dé-se nada mais do que um esquema da teoria do conhecimento romantica, ¢ 0 nosso interesse principal ¢ constitufdo pelas quest6es de como os romanticos a estruturaram em seus detalhes e também de como a empregaram. Primeiramente, no que concerne a construgao, ela possui no seu ponto de partida uma certa afinidade com a teoria da reflexiio conti- da no Conceito da doutrina-da-ciéncia, de Fichte. O simples pensar com © algo pensado que Ihe € correlato constitui a mateéria da refle- xio. Ele é, na verdade, diante do pensado, forma, é um pensar de algo, ¢ por isso deve ser permitido, devido a motivos terminolégicos, denominé-lo 0 primeiro grau da reflexiio; em Schlegel ele se chama “o sentido”.*? A reflexdo propriamente dita, no seu significado pleno, nasce, no entanto, apenas do segundo grau; no pensar aquele primeiro pensar. A relagio destas duas formas da consciéncia, do primeiro ¢ do segundo pensar, deve-se representar exatamente conforme as elabora- gdes de Fichte no texto nomeado. No segundo pensar, ou, na palavra de Schlegel, na “razio”,® o primeiro pensar regressa, de fato, trans- formado, para um grau mais elevado: ele se tornou “forma da forma, como seu contetido”,* o segundo grau resulta, portanto, imediata- mente do primeiro por uma reflexdo auténtica. Em outras palavras, ‘0 pensar do segundo grau nasce por si © auto-ativamente™ do pri- meiro, como © seu autoconhecimento. “O Sentido que vé a si mesmo torna-se espirito”,*° podemos ler na Athendum, coerentemente com a ® Ver supra, pp. 31-32. ® Jugendschriften Il, p. 176. ® Vorlesungen 6. © Ibid. ™ Fichte, p. 67. : : 35 “Aqui (na filosofia) nasce a reflexiio viva, que, com cuidadosa criagto, dilata-se pos- teriormente por si mesma em um universo espiritual infinitamente configurado — 0 cerne ou 0 germe de uma organizagao que abarca 0 todo.” (Schriften, p. 58.) % A339, 37 terminologia ulterior das Ligdes. Indubitavelmente, do ponto de vista do segundo grau, o simples pensar é matéria, e © pensar do pensar, a sua forma. Para a teoria do conhecimento, a forma normativa do pensar é entio — e isso é fundamental para a concepgao do primeiro romantismo — nao a Iégica — essa pertence muito mais ao pensar de primeiro grau, ao pensar material —, antes, esta forma ¢ 0 pensar do pensar. Com base na imediatez da sua origem a partir do pensamento de primeiro grau, este pensar do pensar € identificado com o conhecer © pensar. Ele constitui, para os primeiros romantics, a forma basica de todo conhecer intuitivo, ¢ assegura assim a sua dignidade como método; ele abarca sob si, como conhecer do pensar, qualquer outro conhecimento inferior e, assim, forma um sistema. Apesar de toda semelhanga, nao podemos deixar de observar nesta dedugao romantica da reflexdio uma diferenga caracteristica com relagio Aquela fichtiana. Da sua proposigao fundamental absoluta de todo co- nhecimento, diz Fichte: tes dela, Descartes propés uma semelhante: cogito ergo sum, |...] que ele pode muito bem ter considerado como fato imediato da consciéncia. Entao ela significaria tanto quanto cogitans sum, ergo sum |...], Mas agora o acréscimo cogitans é totalmente supér- fluo; ndo se pensa necessariamente se se é, mas é-se necessariamente, Se se pensa. O pensar niio é de modo algum a esséneia, mas apenas uma determinagao particular do ser [...]”.*” Nao interessa aqui que 0 ponto de vista romfntico nao seja 0 de Descartes, tampouco pode-se levantar a questao se Fichte, com esta observagiio da Fundagdo de toda doutrina- -da-ciéncia, nio contrariou seu préprio procedimento; deve-se chamar atengdo apenas para o fato de que a oposi¢’o, na qual Fichte sabe-se com relago a Descartes, existe também entre ele ¢ os romanticos. Enquanto Fichte pensa poder transferir a reflexdo para a posigdo-origindria, para o ser origindrio, suprime-se para os roménticos aquela determinagao onto- légica singular localizada na posigao. O pensamento romantico supera ser € posi¢ao na reflex4o. Os romanticos partem do simples pensar-se-a- -si-mesmo como fendmeno; o que é apropriado para tudo, pois tudo é si mesmo. Para Fichte, um si mesmo cabe apenas ao Eu,” isto é, uma re- flexdo existe apenas e unicamente correlata a uma posi¢ao. Para Fichte, ” Fichte, pp. 99s, ™ §O si mesmo pressupde... 0 conceito de Eu; ¢ tudo 0 que € pensado de absolutez nessa Palavra é emprestado deste conceito,” (Fichte, 530 nota.). 38 ‘a consciéncia é “Eu”; para os romanticos, ela é “si mesmo”, ou, dito de outro modo: em Fichte a reflexio se relaciona com o Eu, nos romanti- ‘cos, com 0 simples pensar, ¢ exatamente devido a esta tiltima relagiose consiréi, como ainda deveremos mostrar mais claramente, 0 conceito _ de reflexdo peculiar aos romanticos. A reflexao fichtiana assenta-se na “tese absoluta: dentro dela ¢ reflexdo, ¢ fora da mesma nao deve signi- ficar nada, pois conduziria ao vazio. No interior daquela posigao, ela funda a consciéncia imediata, isto é, a intuigdo, e, como reflexao, a in- - {uig&o intelectual da mesma. A filosofia de Fichte parte, é verdade, de uma acdo [“Tathandlung”’|, ¢ nao de um fato |“Tatsache”), mas a pa- favra “Tat” [“feito”] alude ainda numa significagdo de segundo grau a “Tatsache”, ao “fait accompli”. Esta ago [“Tathandlung”| no sentido do ato [ “Handlung”) originado no feito { “Tar”), e apenas ela, € fundada através da cooperagiio da reflexiio. Fichte diz: “Porque 0 sujeito da pro- - posico” €0 sujeito absoluto, o sujeito pura e simplesmente, entao, neste - inico caso, com a forma da proposigao poe-se igualmente seu contetido interior”. Logo, ele conhece apenas um caso de utilizagiio frutifera da " reflexdo: aquele da intuigao intelectual. O que nasce na intuigio intelec- tual da fungao da reflexao é o Eu absoluto, uma acio, ¢, por conseguinte, © pensar da intuigdo intelectual ¢ um pensar relativamente Objetivo. Em outras palavras, a reflexiio nfo é o método da filosofia fichtiana; este deve ser visto, isto sim, no pér dialético. A intui¢do intelectual ¢ _ pensamento que engendra 0 seu objeto, mas a reflexdo, no sentido dos _ romdinticos, é pensamento que engendra sua forma. Pois o que em Fichte -ocorre apenas em “um tinico” caso € uma fungio necesséris da pelle € 0 que possui neste caso tnico significado constitutivo de algo relati- yamente objetivo, a agao, aquele tornar-se “forma da forma, como seu contetido” do espirito, ocorre, segundo a intuigdo roméntica, constan- temente, e constitui antes de tudo nao 0 objeto, mas a forma, 0 cardter -infinito e puramente metédico do verdadeiro pensar. ‘Desse modo, o pensar do pensar torna-se pensar do pensar do pensar, € assim por diante, ¢ com isto se atinge o terceiro grau da reflexao. Apenas "na sua andlise encontra-se plenamente a amplitude da diferenga existente ‘entre o pensamento de Fichte e o dos primeiros romAnticos; torna-se com- preensfvel de que motivos filos6ficos emana, nas Ligdes Windischmann, & ” Ou seja. da proposigdo “Eu sou Eu”. Fichte, p. 69. Postura hostil contra Fichte e como Schlegel, em sua recensio de Fichte de 1808, ainda que nao totalmente sem prevengo, pode qualificar os contatos anteriores de seu circulo com Fichte como um mal-entendido, fundado numa postura polémica imposta igualmente a ambos contra os mesmos opositores.*! Quando confrontado com o. segundo, 0 terceiro grau de reflexéio significa algo fundamentalmente novo. O segundo, o pensar do pensar, é a forma origindria, a forma canénica da reflexdio; como tal, Fichte também o reconheceu na “forma da forma, como seu contetido”, A partir do terceiro e dos consecutivos graus mais elevados da reflexdo ocorre uma decomposigao dessa forma origindria, que se manifesta numa ambiguidade peculiar. O elemento aparentemente sofista das andlises que se seguem nao pode formar um obstéculo paraa pesquisa; pois, assim que se entra na discusséo do problema da reflexdo, como 0 contexto exige, nao se pode evitar certamente diferenciagdes sutis, entre as quais cabe A que se segue um signifieado essencial. O pensar do pensar do pensar pode ser abarcado e consumado de duas maneiras. Quando se parte da expressiio “pensar do pensar”, este pode ser entao no terceiro grau, ou 0 objeto pensado: pensar (do pensar do pensar), ou entdo o sujeito pensante (pensar do pensar) do pensar. A rigida forma origindria da teflexdo do segundo grau é, no terceiro, abalada e acometida pela ambiguidade. Esta, no entanto, se desdobraria em cada grau consecutive numa ambiguidade cada vez mais miltipla. Nesta constelagdio material assenta-se o peculiar da infinitude da reflexio a que os romanticos recorrem: a dissolugao da forma prépria da reflexiio diante do absoluto. A reflexio estende-se sem limites e 0 pensamento formado na reflexio torna-se pensamento sem forma, o qual se dirige para o absoluto. Esta dissolugao da forma-da-re- flexdo rigida, que ¢ idéntica a diminuigao da sua imediatez, é, certamente, uma tal apenas para © pensamento limitado. Jé foi indicado acima que 0 absoluto compreende-se a si mesmo reflexivamente numa reflexio fecha- da e de maneira imediata, enquanto as reflexes inferiores $6 podem se aproximar das mais elevadas na mediag’io por imediatez; esta, uma vez mediatizada, deve, por sua vez, renunciar A imediatez. completa assim que as reflexes inferiores atinjam a reflexao absoluta. O teorema de Schlegel perde sua aparéncia abstrusa assim que se conhecem seus pressupostos Para esta cadeia de pensamentos. Este primeiro pressuposto, axiomatico, afirma que a reflexdo ndo vagueia numa infinitude vazia, mas sim & subs- “ Cf. Kirschner, p. 315. tancial e completa em si mesma. Apenas com respeito a esta intuigado, ‘a simples reflexdio absoluta se deixa diferenciar de seu polo oposto, a simples reflexo origindria. Estes dois polos da reflexao sdo puramente simples, todos os demais 0 so apenas telativamente, se observatlos a partir de si mesmos e€ nao do absoluto, Dever-se-ia tomar para auxiliar esta diferenciagao o fato de que a reflexdo absoluta abarca 0 maximo da realidade nos sentidos, a reflexao origindria, o minimo; que na verdade ~ em ambas 0 contetido inteiro de toda realidade esta contido, todavia des- _ dobrado em sua mais elevada clareza no primeiro, estagnado e obscuro no outro. Em oposigao & teoria da reflexio realizada, esta diferencingio de graus de clareza é apenas uma construgio heuristica para tornar légica uma cadeia de pensamentos trabalhada de maneira nio completamente clara pelos romanticos. Assim como Fichte acomodou 0 todo real nas posigdes — decerto apenas através de um télos que ele colocou nelas —, _ Schlegel vé, imediatamente e sem que ele considere necessdrio apoiar-se numa prova, desdobrar-se na reflexao o todo real na completude de seu contetido com crescente evidéncia até atingir a mais elevada clareza no _ absoluto. Ainda ser4 mostrado como ele determinou a substéncia deste real. / A oposigao de Schlegel com relagdo a Fichte levou-o amitide nas Ligées Windischmann a uma polémica enérgica contra seu conceito de intuigao intelectual. Para Fichte, a possibilidade da intuigio do Eu assentava-se na possibilidade de se incorporar ¢ fixar a reflexio na tese absoluta. Exatamente por causa disto a intuigdo foi rejeitada por Schlegel. Com relago ao Bu, ele fala da grande “ culdede: spa |...] impossibilidade de um agarrar-se seguro do mesmo na intui ' € ele assinala “o desacerto daquela visao, na qual a auto-intuigao fixa € alcada a fonte do conhecimento™*. “Talvez esteja justamente no per- curso que ele“ escolheu a partir da auto-intuigao [...], que ele no fim nao tenha podido dominar totalmente o realismo.**"* “Nao podemos intuir a nés mesmos, neste ponto o Eu sempre nos escapa. Podemos, no entanto, certamente pensar a nés mesmos. Para nosso espanto, pa- recemos a nds mesmos, entao, infinitos, posto que na vida cotidiana 42 © Vorlesungen, p. 11. * Ibid. “ Ou seja, Fichte. “ O qual Schlegel devia ver na posicaio. Vorlesungen, p. 26. 41 ,. Sentimo-nos to inteiramente finitos.”” A reflexdo nao é um intuir, mas um pensar absolutamente sistemdtico, um conceber. Nao obstante, para Schlegel, evidentemente, a imediatez do conhecimento deve ser salva; para tanto necessita-se, porém, um rompimento com a doutri na kantiana, segundo a qual apenas e unicamente a intuigdo permite © conhecimento imediato, Fichte havia-se agarrado também inteira- mente a ela; sem diivida, para ele resulta a consequéncia paradoxal que na “consciéncia comum s6 aparecem conceitos, ¢ nunca intuigdes como tais”; “o conceito sé ¢ institufdo pela intuigdo [...] sem nossa consciéncia”.*” Contra isso Schlegel: “Tomar pensamento [...] apenas como mediato e apenas a intui¢io como imediata é um procedimen- to totalmente arbitrario daqueles fildsofos que propdem uma intuig&o intelectual. O propriamente imediato é na verdade o sentimento, mas também existe evidentemente um pensar imediato” °° Com este pensar imediato da reflexio os romanticos penetram no absoluto. La eles procuram e acham algo totalmente diferente do que “Vorlesungen, p. 13. * Também para ele o conhecimento imediato € encontrado apenas na intuigdo. Como jé foi indicado acima: porque 0 Eu absoluto ¢ imediatamente consciente de si, Fichte denomina o modo no qual ele aparece a si como intuigo, e porque & consciente de si ha reflex, esta intui¢do € denominada intelectual. O motivo dindmico nesta cadeia de pensamentos € a reflex; ela é 0 verdadeiro motivo da imediatez do conhec! mento € apenas ulteriormente é designada — numa adaptacdo a linguagem Kantiana — como intuigdo, De fato, Fichte no qualificou, como igualmente j4 indicamos, no Conceito da doutrina-da-ciéncia, de 1794, como intuitivo 0 conhecimento ime- diato. Assim, pois, a intuigo intelectual fichtiana nao tem nenhuma ligagao com 4 kantiana, Com este nome “Kant designou 0 mais elevado conceito limite da sua “metafisica do saber’: a suposicdo de um espirito criador que gera com as formas do Seu pensarao mesmo tempo 0 seu conteddo, os nimenos, as coisas em si. Este signi- ficado do conceito torna-se para Fichte, juntamente com o de coisa em si, sem objeto € caduco, Antes, ele compreendeu sob 0 conceito de intuig&o intelectual apenas a funcdo do intelecto observador de si mesmo e das suas stividades”. (Windelband Il, P. 230). Se se quiser comparar 0 conceito schlegeliano de “sentido” como célula ori- gindria da qual surge a reflexiio, com os conceitos kantianos ¢ fichtianos de intuigéo intelectual, isso pode ser feito, pressupondo-se uma interpretacdo mais exata, com as palavras de Pulver: “Se para Fichte a intuicao intelectual é o érgdo do pensamen- to transcendental, ja Friedrich deixa [...] que 0 instrumental de sua compreenstio do mundo esteja suspenso como um meio termo entre a determinagao kantiana ¢ fichtiana de intuigio intelectual”. (Pulver 2.) Este meio termo nao é, no entanto, como Pulver intenta concluir em suas palavras, algo indeterminado: 0 sentido tem a faculdade criadora do intelectus archetypus de Kant, e 0 movimento reflexivo da intuigao intelectual de Fichte, ” Fichte, p. 533. * Vorlesungen, p. 43. 42 Fichte. Na verdade, contrariamente do que para Fichte, para eles a refle- xdio é uma reflexio realizada, mas ainda assim, pelo menos na época que se tratard a seguir, ndo constitui nenhum método realizado com um con- tevido comum, com o contetido da ciéncia. O que deve ser derivado da doutrina-da-ciéncia € e continua sendo a imagem do mundo das ciéncias positivas. Os primeiros romAnticos, gragas ao seu método, dissolvem esta imagem do mundo inteiramente no absoluto, e neste cles procu- raram um outro contetido que nao o da ciéncia. Assim, uma vez que a -questao da construgao do esquema est4 respondida, coloca-se a questdo do seu emprego; apés a exposigiio do método, a do sistema. O sistema das Ligdes, a tinica fonte para a conexdo das concepgées filos6ficas de Schlegel, é diferente do sistema da época da Athendium, que, afinal de contas, é a que nos interessa aqui. No entanto, como foi colocado na introdugio, a andlise das Ligdes Windischmann continua sendo uma con- digao necessdria para a compreensao da filosofia da arte de Schlegel em torno de 1800. Ela deve mostrar quais momentos gnosiolégicos da época em torno de 1800 Schlegel empregou, quatro ou seis anos mais tarde, na base das Ligdes, para poder confid-los apenas ¢ unicamente deste modo A tradi¢do, e quais novos elementos vieram se juntar a eles que nao po- deriam ser considerados para seu pensamento anterior. Por toda a parte © ponto de vista destas Ligdes €é um compromisso entre o pensamento -fértil do jovem Schlegel ¢ a filosofia da restauragdo do futuro secretario de Metternich,” que j4 se anuncia. No Ambito do pensamento estético © pratico, a antiga esfera de seu pensamento j4 desmoronou quase to- talmente, enquanto no ambito teérico ainda vive. A separagao do novo a partir do antigo nao é dificil de ser realizada. A consideragdo que se Segue sobre o sistema das Ligdes deve tanto provar o que foi expos- to acerca do significado metodolégico do conceito de reflexao como, também, expor algumas particularidades imporiantes deste sistema para a sua época juvenil, assim como, finalmente, indicar 0 caracteristico da ‘sua visdo anterior com relagdo & de seus anos intermediarios. Devemos antepor a segunda tarefa: como Friedrich Schlegel con- cebeu a completa infinitude do absoluto? Nas Ligdes lé-se: “Nao quer nos parecer de modo algum evidente que nds [...] devemos ser infinitos €, a0 mesmo tempo, devamos confessar que o Eu, como depositério de tudo, nao poderia em absoluto ser outra coisa que infinito [...]. Se nds, na reflexdo, ndo podemos negar que tudo esta em nés, logo podemos 43

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