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Ministério da Educagao - MEC Coordenacao de Aperfeicoamento de Pessoal de Nivel Superior - CAPES Diretoria de Educagao a Distancia - DED Universidade Aberta do Brasil - UAB. Programa Nacional de Formagéo em Administragao Piiblica ~ PNAP Bacharelado em Administracao Pablica ° NEGOCIACAO E ARBITRAGEM Ivan Anténio Pinheiro 2012 2° edicdo ecuaesinannace 6 © 2012, Universidade Feder de Santa Caring ~ UFSC, Todos os ios eservados, -Atesponsabliade peo conto einagens dasa obra dos respects) ators). O conti desta obra fl eznladotamporsa ‘2 gattamente para aga no frre do Sistema Unsere Ahern do rl, ara a UFSC. O ator se compromate 2 ute ‘conte det obra para sprendndo pessoal, sando que &eprodugoedstbuSoKeaotadas ao Sta ier doe etc -Acagio desta ola er rbalos academics eou rfisonals poder se feta com indiago da ont A cpl dsta ob er aul 2a express ou com into de leo const cine conta a popiegade nlc, com sangbesprevstas no Cégo Penal, argo 18, ardor 1 90 om puto de anges i au 8 eipsoie 1 eakgo 2012 65m Peto, Ran Arno Neco eatiagem han Anno Pnheo ~2. emp —Floiandpal Deparamente de Cnc ds Adminisrgio/UFSC, (rasta: CAPES UAB, 2012, Ap. Bachatido em Administ Pala Inch ibbogaa SAN, 97885 798.1664 1. Negosayia. 2. Gene 8. Metag. 4. Poe julio ~ Abiagem, 5. Baueajao a stand. 1. Cooweragao de Aperlgoarert de Pessoal de Nive ‘Spero (Bras. Unieiade Abra do Sea Ti. cou-eso12s Caalogagao na publican por: Onda Sia Guimaraes CRE-14)071 Negzeaca Argan Mel Grains 2 & uvane rest PRESIDENCIA DA REPUBLICA MINISTERIO DA EDUCACAO COORDENACAO DE APERFEICOAMENTO DE PESSOAL DE NIVEL SUPERIOR - CAPES DIRETORIA DE EDUCACAO A DISTANCIA DESENVOLVIMENTO DE RECURSOS DIDATICOS ‘Universidade Federal de Santa Catarina METODOLOGIA PARA EDUCAGAO A DISTANCIA Universidade Federal de Mato Grosso AUTOR DO CONTEUDO Ivan Antinio Pinheiro EQUIPE TECNICA CCocrdenador do Projeto ~ Alexandre Marine Costa (Coordenagia de ProdugSo de Recursos Didsticas- Denise Apaecda Burn Capa —Alexandre Noronha Projeto Grafica e Eaitoragio —Annye Crstiny Tesoro lusragio - Rita Cstlon Revisio Textual - Mara Aparcida Andrade da Rosa Siquera Ciscoe da mage da capa: extalds do bo ca de imagens Stockxohna sob dros es para us de imagem, Negzeaca Aragon Mele Grains 3 & ® e Ngee Abragen Mle Qrfeinss 4 & uvane rest SUMARIO Apresentacao... Unidade 1 —Negociacao: histérico e conceitos fundamentais Negociacao: histérico e conceitos fundamentais A Negociacao como Instrumento e Estratégia de Sobrevivencia. Areas Fontes de Conhecimento para a Negociagéo Unidade 2 - Negociacao: o processo Negociagao: 0 processo. Negociacao e Comunicagao Negociacéo: um proceso a ser gerenciado A Negociagéo em Processo: estratégias, estos, taticas e técnicas Negociacao e Setor Puiblico. Negociacao: consideracées finais Unidade 3 — Arbitragem: histérico e proceso Arbitrage: histérico e processo.... Mediagao e Arbitragem: conceito e razao de ser Mediacao e Arbitragem: procedimentos Consideragées Finais. Referéncias. Minicurriculo ul ul 23 23 Sess 87 58 68 74 77 80 ® e Ame tage Mal teins @ & covare vest resentagio APRESENTAGAO Caro estudante, Enfim, mais um pouco e vocé seré um Administrador! Depois de estudar uma série de disciplinas que Ihe proporcionou 08 conhecimentos bésicos, tanto de dominios correlatos quanto no campo da prépria Administracao, é chegada a hora de vocé enriquecer ainda mais o seu curriculo. Os assuntos relacionados & Negociagio, embora téo antigos quanto & prépria histéria da humanidade e fagam parte do nosso dia a dia, para muitos ainda constituem um mistério, Ao término desta disciplina, porém, néo o seré mais para vocé! Em que pese a Negociagao requerer determinadas habilidades supostas natas por alguns, isto é, como fazendo parte da natureza de cada um, ou herdadas de outros, nés vamos aprender que 0 sucesso em uma negociagao depende e pode ser assegurado por meio do aprendizado, do exercicio ¢ do aperfeicoamento de um conjunto de técnicas que estdo ao alcance de todos. De outro lado, também tao antigas quanto & negociagao, so a mediagao ea pratica da arbitragem. Vocé se lembra da personagem principal de © Mercador de Veneza, de Shakespeare? ‘Ao término desta disciplina, entre outros assuntos, vocé tera estudado © conceito de negociagao, os objetivos dela e como preparar ¢ conduzir uma negociagdo a fim de ampliar as chances de sucesso, seja na sua vida pessoal, seja como preposto, isto é, como representante ou procurador de uma organizacdo. Se depois de todas as tentativas uma negociagéo nao chegar a bom termo, é hora de entrar em cena um terceiro elemento: um mediador, que, se dotado de poder de decisao, serd arbitro para definir, afinal, qual das partes tém razao no seu pleito ou, se ambas devem, em parte (sem trocadilhos), ceder em suas pretensées, Médsio7 7 Nene shen as 7 ® ona wa | Negocario e arotragem [sins 6 Por fim, embora a negociagao seja um proceso verificado em todos os nivels, do pessoal ao institucional, por ser um curso de Administragao Piblica dedicaremos uma segao a parte que trataré sobre os papéis do Estado e do Governo. Desse modo, dividimos a disciplina em trés Unidades: Unidade 1- Negociagdo: histérico e conceitos fundamentais; Unidade 2 — Negociacéo: 0 processo; Unidade 3 — Arbitragem: histético e processo; e ‘A Unidade 1 apresenta aspectos histéricos e conceitos fundamentais e enfoca a negociagao como atividade intrinseea e essencial & vida humana, identificando as Areas fontes de conhecimento para seu pleno desenvolvimento. A Unidade 2 aborda a negociagéo como sistema de comunicagao, como proceso de gerenciamento que exige planejamento, organizagéio, coordenagao (direcao) e controle, como meio de relagao com o setor piiblico. ‘A Unidade 3 focaliza os elementos complementares da negociagao- a mediagao ea arbitragem -, como conceitose processos. Nas Consideragées Finais séo retomadas as_principais ideias do texto ¢ explicitada a relacéo entre negociacdo, mediagao, arbitragem e Poder Judiciério. Professor Ivan Ant6nio Pinheiro Bacharelado em AdministagoPablca & UNIDADE 1 NEGOCIAGAO: HISTORICO E CONCEITOS FUNDAMENTAIS Claassen ae areca) Ao finalizar esta Unidade, vocé deverd ser capaz de: Fazer uma sintese do processo evolutivo da atividade negociadora, Rene Dr Eee cue rhio te ene ESC Ma eek soe ee ea ee eh ee Ce aC Cra co eu One Rt Cas cd ® e mci tragen Ml feins 10 & covare vest Unidade 1 ~Nagoiagd:hstricoe conceit fundamentals NEGOCIACAO: HISTORICO E CONCEITOS FUNDAMENTAIS Caro estudante, Esta Unidade aborda o tema Negociagdo e sua relagio com outras disciplinas da drea de Ciéncias Humanas, estudadas no presente curso, e com as Tecnologias de Informacao e Comunicago. Bons estudos! A NEGOCIAGAO COMO INSTRUMENTO E ESTRATEGIA DE SOBREVIVENCIA e Embora nao tenhamos testemunhas, certamente, j4 na pré-historia (mais de 6 mil anos a.C.), 0 homem negociava; pois, se assim nao fosse, teria sido impossivel sobreviver. Lembre-se de que nessa época a agricultura jé estava bastante desenvolvida, o que levou ao surgimento de excedentes e & necessidade de trocé: los, ou melhor, de negocié-los, porque naquela época ainda nao haviam sido desenvolvidas as técnicas de armazenamento e de conservagao. Ademais, nao se esqueca de que desde aqueles tempos ver ocorrendo uma especializagéo de fungées, isto é, enquanto uns foram desenvolvendo a habilidade para cacar, outros foram se tornando eximios artesdos, criadores ou agricultores. Assim, a troca mediante a negociagao, em principio restrita ao ajuste das quantidades equivalentes, naturalmente foi se impondo através do comércio e se incorporando ao dia a dia daquela sociedade. Provavelmente vocé jé ouviu falar dos Fer por volta do ano 3 mil a.C., ocupava a atual re ios, povo que, 10 do Libano, no Médulo7 11 sac Aen te 1 @ oovara as | Negocario e arotragem Mediterraneo Oriental, e se tornou célebre pelas viagens e pela atividade comercial que desenvolvia; a eles devemos instrumentos de grande relevancia nas _negociagdes _contemporaneas: 0 desenvolvimento da linguagem escrita (o alfabeto) e dos primeiros contratos. Com o passar dos séculos, a urbanizagéo e a crescente complexidade da vida nas cidades levaram 0 homem a outra sorte de necessidade a ser negociada: as regras de convivéncia. Para situd-lo, referimo-nos & Grécia e & Roma antigas (século VII-IV a.C.), quando nelas floresciam as primeiras instituig6es democréticas © a lei passava a ser discutida e aprovada por todos como norma maior de convivéncia entre os que habitavam a mesma pélis. Ora, nada disso teria sido possivel se, jé naquela época, nao tivessem sido desenvolvidas algumas habilidades, como a da argumentacao, da demonstragao ¢ prova e a da oratéria, todas necessérias a0 convencimento de outrem em um ambiente de negociacao, Uma viagem mais répida no tempo 0 trara para os dias atuais; quando vocé tera bem viva na meméria as negociacées das quais jé foi protagonista. Comece pensando nas realizadas em familia: para poder sair; para o estabelecimento de horérios; para o recebimento de mesada, entre outros assuntos. Nos combinados com os amigos: jogar bola; ir ao cinema; jantar festivo; ou outras atividades. E, ainda, naquelas negociacdes no ambiente de trabalho: discussio sobre projetos; alternativas; prioridades; avaliagées; progressées; tomadas de decisoes; entre outras. Como vocé pode perceber, a negociagao é pratica téo antiga ¢ esta t&o incorporada ao nosso dia a dia que nem nos damos conta da sua existéncia como ato pensado e, tampouco, da sua importancia. Até © momento, fizemos apenas referéncias as pessoas fisicas, mas, sem divida, a negociacao € também comum as pessoas juridicas de toda ordem: piiblicas, privadas ou aquelas sem finalidade luerativa, Unidade 1 ~Nagoiagd:hstricoe conceit fundamentals Mais uma vez 0 conhecimento de fatos hist6ricos faz despertar ‘emnés a curiosidade e a vontade de estudar para aprender mais. Entao, prosseguindo em nossa reflexdo acerca da Negociagao: O que hé de novo? A novidade pertinente & negociagéo diz respeito a sua condugao como atividade profissionalizada, com o emprego de técnicas e até mesmo com 0 uso do método cientifico para a anélise dos dados ¢ a escolha da melhor estratégia. Antes de se tornar atividade profissionalizada, as negociagées eram conduzidas com base no que cada um acumulava de conhecimento ¢ habilidades por meio de sua experiéncia em negociar, prevalecia o que é denominado de empitismo, © divisor de 4guas entre esses dois momentos foi o crescimento exponencial do que ja foi citado: a complexidade da vida moderna, sobremaneira a urbanizada, Gontoxme estudado Necessidades, interesses e, por conseguinte, divergéncias ¢ ‘om Pinipos de conflitos surgem em escala nunca antes percebida, Cabe lembrar ———yminiirasdo Cenc, & 5 ancl & que néo estamos nos referindo apenas as experiéncias pessoais, 2 Taylor. mas, também, as das organizagées. A Era da Producao Industrial, sobretudo a partir do século XVII, seguida da produg4o em massa no século XX, trouxe uma nova ordem e escala de problemas, fator determinante para que houvesse um contingente cada vez maior de pessoas envolvidas em: compras, vendas, intermediagao, entrega, comunicacao, financlamento, ete Assim, se até entao a negociacao era considerada uma habilidade individual, quase um dom, pois pessoal, com a multiplicacao dos problemas e litigios inerentes a0 novo quadro, ela (a negociagdo) passou a ser percebida como uma competéncia nao s6 passivel de aprendizagem (por muitos) mas, também, de aperfeicoamento por parte daqueles que j4 apresentavam habilidade natural no seu desempenho. Nesse novo ambiente, a competicao pelos mercados levou ao reconhecimento da capacidade de negociar como uma varidvel critica para o sucesso das organizagées, bem como necesséria & solugao dos problemas sociais ~ subproduto indesejado do novo arranjo produtivo: 0 capitalismo industrial-fnanceiro. Médulo7 13 sense tn 19 ® ona wa | Negocario e arotragem No ambito estatal-governamental ha muito é reconhecida, em tempos de paz, a importancia da capacidade de negociar e de fechar bons contratos (comerciais, de transferéncia de tecnologia, de intercdmbio geral entre nagées, de apoio mituo, entre outros), bem como, em tempos mais conturbados, de conciliar e de chegar a bom termo nos casos de coniflitos, internos ou intemacionais E provavel também que vocé ja tenha escutado e até mesmo estudado uma das tendéncias que cada vez mais se impée as organizagées: > nosetor privado, a chamada gestao cooperada ou em tedes; ambas, por vezes, referidas também como parcerias; e, > no setor governamental, a constatagdo de quea maioria das politicas piiblicas requer o envolvimento e a colaboracao, sendo dos trés, pelo menos de dois niveis de governo através de contratos, convénios ou consércios. Por exemplo, para vincular o setor ptiblico ao privado, hé & arranjo contratual (tipo concessao) conhecido como Parceria Paiblico- Privada e para 0 vinculo entre o setor pitblico e as organizagoes, nao governamentais existem os Termos de Patceria, estes firmados com as Organizagées da Sociedade Civil e de Interesse Publico, mais conhecidas pela sigla de OSCIP. De modo que, quer vocé atue no ambito privado ou no setor piiblico, os projetos s6 se tornarao efetivos a partir de muita expertise em negociagéo, Portanto, néo ha diividas de que o estudo que ora se inicia, embora antigo, nao perdeu a atualidade e tampouco a relevancia. AREAS FONTES DE CONHECIMENTO PARA A NeGociaAcAo Sendo o ser humano 0 ator central da negociagao e a Administragao um campo que absorve conhecimentos de outras teas, importa identificar, entao, a proveniéncia dos conhecimentos 14 Bechara om Aino Pea [sins fe ® ona mat Unidade 1 ~Nagoiagd:hstricoe conceit fundamentals basicos que subsidiam as técnicas de negociagao; sao muitas, mas ‘vamos citar apenas as mais expressivas. Vocé ja deve ter aprendido que uma das principais fontes de onde se nutre a Administragdo ¢ a Psicologia, campo do conhecimento que estuda 0 comportamento humano, as varidveis que © influenciam e como elas se relacionam entre si. E néo pense que precisa ser psicélogo para entender (e prever!) um pouco sobre a natureza, 0 temperamento e o comportamento de cada individuo, Se a negociacao é proceso racional ¢ légico, nao deixa de ser também, tum proceso emocional. Dai, conhecer as emogoes e saber usé-las no momento adequado pode ser o fator critico para a conquista dos objetivos, pois em uma negociacao, tal qual em intimeras outras circunstancias pessoais e profissionais, nao raro as emogées dominam a racionalidade. ‘Uma segunda drea muito importante, também estudada por vocé, é a Sociologia, cujo objeto de estudo é o comportamento do homem nos mais distintos ambientes da sociedade, seja em pequenos grupos (familia, amigos, clubes, organizacées, entre outras) ou em grandes aglomerados, a exemplo das cidades. Nem sempre uma negociagao se dé, como se diz, a portas fechadas, em ambiente confidencial. Por isso, considerar o efeito do grupo sobre 0 processo pode ser de grande importancia, pois é sabido que nessas circunstancias os individuos tem o comportamento modificado. A anilise dos agentes e dos grupos envolvidos em uma negociacdo, na perspectiva sociolégica, tem singular importancia, impondo-se como antecedente necessario, sobretudo, quando as negociagées envolverem povos de etnias e culturas muito distintas, a exemplo da etnia indigena e das diferencas culturais que distinguem os latinos dos eslavos, os afros dos europeus e, assim, sucessivamente. Nesses casos, além do tema objeto da negociacao, s4o consideradas as respectivas histérias e o modo como se estabelecem os relacionamentos em cada povo. Muitos dos problemas ainda hoje existentes na relagéo entre 0 povos resultam de acordos de gabinete que nao levaram em consideragao as especificidades dos povos envolvidos; € © caso, entre outros, do legado colonialista na Africa e da histéria recente do Médulo7 15, Neneh 18 ® ona wa | Negocario e arotragem sora sve aoresetaos eto toe nascahe fasts eso cork a Pcl» ecg 2 Hosa, ugeor out voc perio segues, vessels et ® —eeeannecmert ate ce porto as psoies tm anoplo poten terest etn stds compres te derentes ove see dneucnrtes feoagiorea ek cue trim note inttncast 16 | sn stmt 1 Leste Europeu. No Brasil, um exemplo foram as chamadas Guerras Guaraniticas (1753-1756), no territério hoje ocupado pelo Rio Grande do Sul, motivadas pela alianca e uniéo das coroas ibéricas (1580-1640) A Filosofia e, no seu ambito, o estudo da Etica encerram as disciplinas bésicas que orientam as atitudes e 0s comportamentos na arena de negociagao — isso porque, por vezes, as negociacées sao verdadeiros embates, lisos e cordiais, mas um efetivo confronto. A maioria dos textos sobre negociacéo, de uma maneira ou de outta, faré referencias a esses {¥88 Gammpos dO COnHeCIMeALD) todos jé estudados neste curso; portanto, uma boa dica ¢ reler os contetidos apresentados. Por fim, conforme j& mencionado, sao inimeras as reas que podem subsidiaruma negociagao para que elasejabem sucedida. Uma negociacdo, assim como muitos outros processos organizacionais, deve ser considerada sob uma perspectiva histérica. Daf a Histéria se revelar como uma das principais fontes de conhecimento, nao sé para antecipar situagdo critica a ser evitada, ou no, conforme os objetivos € estratégias, bem como para antecipar os possiveis desdobramentos em uma negociagéo. Conhecer o processo de formagao dos povos, a origem das etnias, os conflitos ocorridos, as aliancas (feitas e desfeitas — traigdes), as dificuldades ¢ as superagées (de ordem natural, ou no), as suas especificidades, entre tantos outros aspectos, tem se revelado um fator critico para 0 sucesso em uma negociacao. O caso a seguir, citado por Martinelli e Ghisi (2006, p. 252), é ilustrativo para evidenciarmos o problema que acarreta a falta de conhecimento de culturas historicamente constituidas: Um executivo da construgao civil canadense estava feliz, por estar em Paris com sua filha, que estudava francés rna Sorbonne. Mais feliz ainda estava por ter acabado de negociar um contrato multimilionario com um potentado Grabe. O jantar de comemoragao estava em andamen- to, O canadense, como anfitrido, levou a filha. O rabe entendeu tratar-se de um atraente presente. O acordo de negécios terminou, do lado canadense, com “os grossei Bacharelado em AdministagoPablca & Unidade 1 ~Nagoiagd:hstricoe conceit fundamentals 10s avangos sexuais” feitos pelo érabe em relago a sua filha... Do lado drabe, 0 negécio acabou com 0 soco, nada convencional, que © canadense the aplicou no queixo. Pessoas e organismos dedicados ao apaziguamento dos povos frequentemente usam como recurso a alusio nossa origem comum — 0 chamado ao argumento religioso. Mas preste atencdo: falamos de histéria de povos, de etnias, etc., mas as organizagées também possuem histérico de relacionamentos (ou nao?) com clientes, com fornecedores, com governos, entre outros atores que coabitam no seu entorno. Logo Vocé sabia que a |MGlSGHED trouxe grandes contribuices & Negociagdio? oct gode consular soble a Tera dos logos Bem, & muito importante que vocé tenha claro que uma gexcoiris mporinel ae negociagdio ndo é um processo meramente técnico, mas antes, um se NatemsncaApleasa. Disponivel em: ncessoem do conhecimento da Histéria, da Economia, da Sociologia, abe 2012 da Matemética, da Antropologia e da Filosofia, como citamos anteriormente. ‘Como nao ha negociagéo que ocorra em ambiente isolado, sempre ha necessidade de considerar 0 entorno, o cenétio, as variveis e suas histérias — 0 passado, sobretudo o do atores (pessoas ¢ organizagées) diretamente envolvidos no processo. Impossivel, pois, ignorar as condigées de contorno; é facil perceber como o momento pode influenciar no curso de uma negociacao: tempos de crise ou de crescimento configuram ambientes de negociacao completamente distintos, assim como com a proximidade do final de ano vao se tornando adversas as condic6es para as negociacées trabalhistas, um fato fortuito, a exemplo de Médulo7 17 sac heen Ge 1 @ oovara as | Negocario e arotragem 18 | sins cate 1 uma calamidade natural (enchente) ou mesmo um acidente de grandes proporgées, a exemplo de um desabamento, pode modificar inteiramente, de um momento para outro, © ambiente propicio a determinadas negociacées. Por fim, deve-se atentar, também, para o fato de que o resultado de uma negociacao se estende para além do horizonte espaco-tempo, bem como se desdobra ¢ influencia outras. Exemplo evidente ocorre na érea trabalhista: os ganhos obtidos por uma categoria estimulam as demais a reivindicé-los também. Bacharelado em AdministagoPablca & Unidade 1 ~Nagoiagd:hstricoe conceit fundamentals g Resumindo/ A negociacao, a mediagao e a arbitragem so estudadas no campo da Administracao como técnicas gerenciais (também. denominadas de ferramentas), tendo como uma de suas finali dades atingir determinados objetivos, genericamente denomii nados solucSo de conflitos ou litigios. Os processos de negocia- 80, de mediacao e de arbitragem ocorrem em etapas sucessivas e encadeadas, possuem dimens3o mais ampla, e sdo partes integrantes de um sistema maior: 0 ambiente social, politico e econémico, em diferentes niveis (local, nacional, global). Desde hd muito, nao hé atividade humana, empreendida tanto no nivel pessoal quanto no organizacional (de qualquer natureza), que prescinda desses processos, cujo dominio requer conhe- cimentos oriundos das diversas éreas: Psicologia, Sociologia, Histéria, entre outras. Em suma: no perca a perspectiva de que a negociacao se dé em um ambiente, tecnicamente deno- minado de sistema aberto, que tanto recebe inputs (de toda ordem) quanto influencia 0 seu entorno com os outputs que emite, bem como é capaz de continuamente, porque dinamico, de reprocessar as suas atividades em razo dos feedbacks. Médulo7 19 Nether 1 ® ona wa | Negocario e arotragem Atividades de aprendizagem Preparamos para vocé algumas atividades com o objetivo de fazé-lo recordar o contetido estudado nesta Unidade. Em caso de duivida, nao hesite em fazer contato com seu tutor. 20 | nist ces 20 1. Como foi dito, a negociagao esta to presente em nossas vidas que na maioria das vezes nem sequer nos damos conta de sua relevancia Portanto, & chegado o momento de vocé repensar episédios, pes- soais e profissionais, ocorridos na sua vida, na perspectiva da nego- ciagdo (posteriormente vocé deverd fazer 0 mesmo acrescentando novas dimensées: a mediago e a arbitragem). Descreva os passos dessa negociacao, explicitando: quando? Com quem? Por que preci- sou negociar? Como negociou? 0 resultado Ihe foi favordvel? No? Por qué? Poderia ter sido diferente? 2. Eevidente que algumas areas do conhecimento (Histéria, Psicologia, Sociologia etc.), jé estudadas por vocé, contribuem para o entendi mento e a praxis da negociagao. Todavia, 0 dinamismo contempo- raneo faz com que a cada dia surjam novas areas, a exemplo das Tecnologias da Informacao e da Comunicagl0 (TIC). Diante disso, faga uma pesquisa sobre as TIC e responda: até que ponto, e como, essas tecnologias contribuem positivamente (ou no) para que uma nego- clagdo chegue a bom termo? Depois disso, troque ideias e debata com os colegas. Bacharelado em AdministagoPablca & UNIDADE 2 NEGOCIAGAO: O PROCESSO Claire ase a zc) Ao finalizar esta Unidade, vocé deverd ser capaz de: Cea ee eo ae mr) Ce Oa eC Re uc nas eee ee et ue planejados, organizados, coordenados, dirigidos e controlados de oe ey eae Cae ec cay mais utilizadas pelos negociadores; e, CeCe te ee Ce ee Coenen ene i eo ac TNC ee ec eck ele Besa tec ® e ace tren Mel teins 22 & covare vest Unidad 2-Negociagt: 0 processo NEGOCIAGAO: 0 PROCESSO Na primeira Unidade, a negociagio foi apresentada como atividade milenar, intrinseca ao ser humano, portanto, que se confunde com a sua prépria natureza. Mas a negociacio também pode ser vista como mais uma técnica passivel de aprendizagem e a disposigo, posto que itil, para a solugio de inimeros problemas inerentes tanto as atividades pessoais quanto profissionais da vida contemporanea. Nesta Unidade, primeiro vocé acompanharé o passo a passo tedrico de uma negociacao, inclusive de algumas estratégias de comportamento que tendem a aumentar as suas chances de éxito; segundo, terd mais clara a relevancia dessa atividade no Ambito do setor publico. Antes, todavia, faz-se necessdrio uma breve introdug&o com 0 intuito de identificar a negociacio como um processo de comunica¢3o que possui natureza sistémica. Assim, a0 concluir esta Unidade vocé deveré retomar a reflexdo iniciada ao final da Unidade 1 para enriquecé- la, agora, a luz de sua compreenséo, com os elementos do processo de comunicacao e a sua perspectiva sistémica, NEGOcIAGAO E ComUNICAGAO Como € tema 4 antigo, a negociagéo 6 abordada em ampla gama de textos: uns a enfocam e a valorizam embasados nas fontes \Saiba mais Foi um dos maiores estudiosos da vida interior do Carl Gustave Jung (1875-1961) hhomem ¢ tomou 2 vesme come matérla-arima Negecac Aragon Mel Grains 23 de contribuigées cientificas, recorrendo aos avangos observados nas Areas de conhe mento jé citadas; outros priorizam os aspectos réticos, as experiéncias; e, por fim, alguns de suas descobertas — suas experiéncias © suas lemogbes esto descritas no livro "Meméris, Sonos fe Reflexdes". Fonte: UOL Educaglo (2012), mesclam as duas perspectivas. Por exemplo, Hirata (2007), Martinelli e Guisi (2006), entre outros tratam dos estos de negociagao alicergados nas tipologias de comportamento estabelecidas por Carl Gustave Jung, Adiante, essas tipologias sero analisadas com mais detalhes. Médio7 & 23 Negocario e arotragem 24 | sn sheet 2 Uma negociagao é, antes de tudo, um processo de comuni- cago no qual e sobre o qual hé e atuam, no minimo, trés elementos: © emissor (também denominado de codificador), a mensagem (que flui por um canal) ¢ © receptor (por vezes referide como decodifi- cador). Vejamos, a seguir, o papel de cada elemento, © Emissor (codificador) Ora, sabemos quanto a natureza humana é complexa, carre- gada de principios, de valores, de “verdades”, de solugies definitivas para cada tipo de problema, enfim, é uma miriade de aspectos acu- mulados ao longo de cada experiéncia de vida. Além disso, cada indi- viduo, aos poucos, foi elaborando um eédigo préprio para se comu- nicar com os demais. Claro que, em um mesmo grupo é provavel que todos se expressem através do mesmo idioma, mas vocé ha de con- cordar que uns gesticulam mais do que outros, uns utilizam e preferem determinadas palavras ao invés de outras - gftias, expressées técnicas =, alguns sao mais prolixos e eruditos, etc. Logo, é facil entender que para cada fendmeno, objeto de anélise da comunicacao, dificilmente dois ou mais emissores farao uso dos mesmos sinais, pois aquelas diferencas iniciais (princfpios, experiéncias, ete.) serdo determinantes para a consagrago de outras difereneas, essas, podemos dizer, de ‘ordem mais operacional ~ que afetam 0 nosso dia a dia. Vocé se lembra daquela vetha brincadeira do telefone sem fio? Consistia em alguém contar algo para outrem e pedir para que este transmitisse a mensagem para outro colega, o qual deveria fazer 0 mesmo. Ao final, 0 tiltimo a repassar a histéria 0 fazia de modo completamente diferente, ou seja, a historia se apresentava distorcida, Pois é mais ou menos isso que se dé no dia a dia: cada um apreende um significado e, a seu modo, codifica e (re)transmite a mensagem correspondente para um terceito. Bacharelado em AdministagoPablca Unidad 2-Negociagt: 0 processo No cotidiano isso nao se revela um problema, mas frente a inte- resses diversos, quando nao contraditérios e mutuamente exclusivos, @ & escassez de recursos (situagao habitual no ambiente corporativo), esas diferencas podem conduzir a muitos impasses e conflitos. E veja bem: conflito de interesses nao significa ¢ tampouco leva, necessariamente, ao confronto, Note que, se ha conflitos de in- teresse entre quem compra e quem vende, seja produtos ou servigos ou, por exemplo, negocia um reajuste salarial ou novas condigées de trabalho h, também, interesses complementares (ou nao?). Portanto, desde j4 € possivel antecipar ¢ avaliar a quantidade, bem como a gravidade dos problemas que podem surgir apenas se considerarmos tum dos polos da comunicagao — 0 emissor. 0 Canal por onde Flui a Mensagem Bem, como vocé acabou de ver no exemplo do telefone, entre © emissor e 0 receptor hé um canal (também chamado meio) por onde flui a mensagem. Intimeros s4o os canais que viabilizam a co- municagéo. O ambiente atmostérico, por exemplo, 6 0 meio por onde pode fluir a mensagem que A transmite a B via oral ou visual. E através desse meio que também se propagam as ondas hertzianas - radio, televisdo, telefonia sem fio, entre outras -, embora nesses casos haja a interveniéncia de um dispositivo fisico - as emissoras de radio, de televisao e de telefonia, O meio (canal) também pode comprometer a qualidade da transmissao desejada. Para ficar em um exemplo bem simples, basta lembrar 0 efeito do grau de umidade do ar ou mesmo do vento na comunicagao oral. E 0 efeito das tempestades nas comunicagées ra- diofénicas? O que importa ora destacar é que o meio (canal) também pode comprometer a qualidade da mensagem — é 0 que se denomina de ruido (qualquer alteracéo na mensagem original). Assim, por mais cuidadoso que seja o emissor na selecéo da forma de compor a sua mensagem (palavras, gestos, imagens etc.) haveré o risco de o meio distorcé-la, comprometendo a sua integridade, antes de ela chegar 20 receptor. Médulo7 25, sense en 28 ® ona wa | Negocario e Arotragem *Weltanschavung - visto de mundo; trate-se de um sistema de valores que 60 modo particular, préprio de cada um, e de cada callura, de ver pensar a realdede, Fonte: Elbora pol autor dst Talvez vocé esteja considerando esse assunto muito teérico, distante da realidade, mas ndo é bem assim. Quer ver? Lembra-se da velha fabula que, em uma das suas versées, conta a histéria da raposa que convidou a garca para uma refeicao em sua casa e esta, em reconhecimento, posteriormente retribuiu 0 convite? Diz-se, da primeira, que serviu em pratos rasos, criando, com isso, embaracos para a garca que, por sua vez, serviu em copos estreitos ¢ longos, impossibilitando aquela de saciar a sua fome. Ora, © que nos diz a fabula sendo que o ambiente pode facilitar ou difi- cultar qualquer negociacao pretendida? JA pensou negociar em um ambiente frio, excessivamente iluminado ou barulhento? Se o seu interlocutor (neste caso, um efetivo oponente) estiver acostumado e preparado, decerto que ele estara em condigbes mais vantajosas do que vocé que, provavelmente, teré dificuldade de manifestar, com clareza, as suas opinides e propésitos. © Receptor ou Decodificador Em terceito lugar, do outro lado do emissor ha 0 receptor, que deve decodificar — compreender com fidelidade ~ a mensagem recebida. Todavia, a sua condigao humana o coloca frente as mesmas dificuldades enfrentadas pelo emissor, isto &, os seus principios, valores, nivel de conhecimento sobre o assunto em tela, entre outros. aspectos, seréo decisivos para a interpretagao e para o entendimento da mensagem, sem esquecer que ela poderé, também, estar compro- metida com rufdos provenientes do canal. Cumpre ressaltar que tanto o emissor, quanto o receptor (em suma, todos nés) atribuimos entendimento aos fatos por meio de filtros (naturais — os sentidos; cognitivos - conhecimento, razo; éticos @ morais ~ crencas ¢ valores) que, conscientes ou nao, apli camos aos dados ¢ as informacées que nos chegam independente- mente de estarmos ou nao em um processo de negociacao. Martinelli € Ghisi (2006) utilizam a expressdo weltanschauung™ para traduzir essa visdo ou percepcao de mundo que identifica e singulariza cada um de nés, Unidad 2-Negociagt: 0 processo Morgan (1996, p. 122), citando Charles Handy (1978), traz um exemplo muito rico para ilustrar a weltanschauung que cada um constréi ac longo da vida e da qual se torna quase prisioneiro: Quando a tia vem para o jantar Minha tia por afinidade é uma pessoa admiravel, mas pertence a outra época, Seu pai jamais trabalhou, nem seu avé e, bem entendido, ela nunca se viu obrigada a ganhar um s6 centavo na sua vida. O capital que tinham, trabalhava para eles que apenas o administravam. Traba- Ihar era para trabalhadores. Hoje, segundo ela, todos os ,governos sao contra 0 capital, todos os trabalhadores sao, inerentemente vidos e prequigosos ¢ a mai administradores € incompetente. Nao admira, portan- to, que 0 mundo seja uma confusio e que ela esteja se tomando cada dia um pouco mais pobre. Tony € um dos meus colegas de trabalho. Seu pai era carteiro. Comecou a vida como desenhista numa grande empresa de engenharia. Cresceu com a nocao de que & a heranga era algo socialmente errado, Nunca conheceu alguém que nao tivesse trabalhado para ganhar a vida, Os dois se encontraram por acaso na minha casa durante uma refeigao. Tudo comegou gentil e polidamente, Daf la investiga a vespeito daquilo que ele fazia na vida. Ele confessou que recentemente se tinha tornado um membro do sindicato na firma onde trabalhava, Titia jamais havia deparado com um membro do sindicato, - Pelo amor de Deus, como voce pode fazer isso? disse ela, - Patece-me muito razodvel defender meus direitos, retruca Tony. - Que direitos? Que tolice é essa? Se as pessoas se sentem bem gastando mais tempo com o seu trabalho e menos tempo correndo atrés dos seus interesses, este pals nao seria a confusio que é. - Asenhora nao usa o seu tempo procurande defender os seus direitos? disse Tony. Médulo7 27 ® ona wa | Negocario e arotragem ~ E légico, disse ela, mas eu tenho direitos. Fornego o dinheiro que tora possivel as pessoas como voce ~ Eu forneo o trabalho que mantém vivo o seu dinhei- 10, embora eu me pergunte por que deveria proteger 0 capital daquelas pessoas ricas que jamais vi na vida, é 0 {que mais me intriga, \Vocé fala como um comunista, mocinho, embora esteja bem vestido. Vocé sabe o que esta dizendo? Nao é necessério ser um comunista para duvidar da legitimidade de uma heranca. Minha tia voltou-se par mim. = Veja por que me precupo com este pai, disse-me. Eles se entreolharam como sendo de espécies antagéni- ‘cas, Tendo em vista o antagonismo das suas crengas visce- tals, o didlogo era impossivel, s6 podendo haver traca de chavées ou de insultos. E isso acontece da mesma forma nas mesas de negociagao, como 0 que ocorteu & mesa de refeicées, O caso ilustrado nao é uma excecao, como se depreende dos esclarecimentos iniciais de Faljone (1998) em obra especifica sobre negociagdes sindicais. Anhabilidade de perceber a weltanschauung a ponto de poder se colocar no lugar do outro, de avaliar, de viver, de sentir enfim o que outro sente ¢ denominada de empatia, caracterfstica essencial aos relacionamentos e nao menos importante em uma negociacao. O caso a seguir, extraido de Martinelli e Guisi (2006, p. 252), 6 um bom exemplo: Em Leningrado {hoje Sao Petersburgo), um argentino, disposto a vender produtos agricolas, foi levado a uma protocolar visita a monumentos da Segunda Guerra ‘Mundial antes de iniciar as negociagées. Ele viu, ouviu e ‘manifestou interesse bem-educado, Depois que os russos esfriaram as negociagdes, por acaso descobriu que os Unidad 2-Negociagt: 0 processo estrangeiros devem manifestar inequivocos e profundos protestos de horror e solidariedade diante dos terriveis sofrimentos infligides aos russos durante a Segunda Guerra Mundial Fechando 0 ciclo da comunicacao, temos ainda um quarto elemento: 0 feedback*. Feedback ~ represen Sabendo, « priori, das dificuldades naturais da comunicacéo, | ney toes ¢ € necessdrio que os envolvidos, periodicamente, confirmem o sig- decodifea & mensagem 5 resposta}emitida pelo tore, a ea reagi do, ata de nove como nificado ¢ a compreensao tanto da mensagem recebida quanto da emitida. O objetivo dessa introducao ao processo de comunicagao, também visto como um proceso de negociacéo, foi o de esclarecer que, pela sua prépria natureza, isto é, por ser fendmeno que envolve mage, « pracess, Fonte: pelo menos duas pessoas (que defendem interesses préprios ou de taborado pelo autor deste live. + emissor a0 ceinicio,desse terceiros) situadas em polos opostos (0 emissor e 0 receptor), neces-: sariamente elas trocam mensagens mediadas por um canal sujeito a toda sorte de interferéncias. E de se esperar, nessas circunstancias, que a negociacao seja um processo de razodvel complexidade, cujo éxito demanda gerenciamento, tema da proxima seca. Faga uma autoavaliagdo: reflita acerca de uma experiéncia de comunicagao-negociagao (na familia, com os amigos ou no trabalho) cujo resultado no Ihe tenha sido favordvel. A época vocé tinha clareza da importancia de, previamente, ter conhecimento sobre as caracteristicas do emissor, do canal e do receptor? Se tivesse procedido de outra maneira, vocé acredita, agora, que o resultado teria sido a seu favor? Médulo7 29 ® ona wa | Negocario e arotragem Pare saber mais sobre ferramentas de gestéo, artigos sobre Gestio da ‘uaidace, nos qusis voce lencontraré as chamadas Sete Ferramentas (de Control) da Qualdase Total Se avengarna pesquisa, encontars nds a8 Feramentas e Planeiamento da ‘uatdace:aFD, EMER NEGOCIAGAO: UM PROCESSO A SER GERENCIADO Conforme visto em outras disciplinas, dizemos que um processo est gerenciado quando: > sobre ele exetcemos uma agao planejada, isto é, que os fatos nao se sucedem ao acaso e, tampouco, obrigam 20 gestor a agir, sistematicamente, de forma reativa; > 0s recursos (de toda ordem) séo alocados e combinados, com vistas & maximizacdo de acordo com os objetivos e prioridades distribuidas no curto, médio e longo prazo, portanto em uma perspectiva estratégica; > as diversas atividades que integram 0 processo estéo sob a coordenagao ¢ a responsabilidade daqueles que detém a expertise necesséria para que cada uma das partes contribua com o melhor de si e, consequentemente, para a organizagéo; ¢ por fim, mas nao exclusivamente; > hé um subsistema de acompanhamento e de avaliagso que permite ao responsdvel, tempestivamente, agir no sentido de cortigit os eventuais desvios que estejam afastando o sisterna dos seus objetivos, Com base no exposto, a expresso Gestéo da Negociacao significa que tudo o que envolve uma negociagao (objetivos, metas, pessoas, recursos, etapas, critérios, procedimentos, etc.) deve, ne- cessariamente, ser submetido aos subprocessos (alguns autores de- nominam fungées; outros, por elementos de gestao) que, integrados e alinhados, constituem 0 processo de gestéo como um todo, Como envolvem planejamento, organizagao, direcao ¢ controle, sio apresentados, sinteticamente, através da sigla PODC, procurando- -se, com isso, assegurar que os objetivos sejam atingidos. Para cada uma dessas fung6es foram desenvolvidas ferramentas de gestéo que, combinadas entre si e alinhadas com 0 propésito de atingir os obje- tivos, compéem o que se denomina de sistema de gestdo com vistas a atingir niveis mais altos de eficiéncia, eficécia ou efetividade nos Unidad 2-Negociagt: 0 processo assuntos pertinentes ao negécio em questao, como é, por exemplo, © Fluxo de Caixa — uma ferramenta de planejamento e controle. Observe que tudo o que vocé jé aprendeu sobre 0 PODC (etapas, desdobramentos etc.) sera, agora, aplicado ao proceso de negociagao, promovendo-se, ¢ claro, os devidos ajustes, conside- rando-se as especificidades da matéria 0 Detalhamento das Etapas do PODC da Negociagao Em primeiro lugar, lembre-se do que ja foi dito até aqui: > se, de um lado, a negociagdo possui uma componente técnica, de outro, hé uma emocional; > se 0 proceso de comunicagéo, que media toda a negociagao, esta sujeito a falhas pelos mais diversos motivos (a weltanschauung - de ambos: emissor e receptor -, dos ruidos do canal e, por consequéncia, do feedback), cabe aos envolvides na negociagio evité-las mediante tum processo de gestao, isto é, antecipar (planejamento!) todas as possibilidades de falhas e criar mecanismos de intervencao tempestiva para a devida correcao de rumo {controle!). Vejamos abaixo as etapas do PODC aplicadas a negociagéo. 0 Planejamento Tudo comega, pois, com o planejamento. E nessa etapa que se olha para o futuro (antes de os eventos acontecerem): sao elabo- rados os cendrios, definidos os objetivos, analisadas as alternativas estratégicas que se apresentam, tomadas as decisées de maior ampli- tude e repercussao sobre 0 negécio, definidos os planos de ago, as responsabilidades, entre outras atribuigdes. Didaticamente o plane- jamento pode ser subdivido em duas etapas: a da concepcao e a da implementagao — jé em tempo de negociacéo. Médulo7 31 sac Aen Ge 3 @ oovara as | Negocario e arotragem 32 | sistem te 2 © primeiro ponto a esclarecer: 0 que é que esté em negociacao ou, mais simplesmente: o que é que esté em Jogo? Tao importante quanto, bem como prioritérias & reflexdo, tem-se, entre outras, as seguintes questdes: ha alternativas dentre as quais se possa decidir por uma? Quais 0s énus e os bonus associados a cada uma das alternativas? € possivel quantificar as vantagens, bem como as desvantagens? Afinal, qual o objetivo e quais as metas (alvos) da negociacdo que devem ser 0 objeto do planejamento, isto &, a que se tem em vista? Comprar? Vender? Fechar um acordo trabalhista? Selar um contrato de cooperacao comercial, de transferéncia tecnolégica, de representagio, ou outro a exemplo de comprometer-se com os Termos de um Ajuste de Conduta (TAC)? € possivel escalonar os objetivos em termos de graus de prioridade, urgéncia, relevancia, custo, risco ou qualquer outro pardmetro relative? & quanto ao prazo: hé objetivos de curto prazo enquanto outros podem ser deixados para uma futura pauta? Tal como em muitas outras atividades e reas de uma orga- nizagao, o planejamento, embora voltado para contemplar as neces- sidades internas, deve considerar as agées, bem como as reagées, dos outros atores, a exemplo dos clientes, dos concorrentes, das en- tidades governamentais e nao governamentais, entre outras (certa- mente vocé jé ouviu falar e conhece o conceito de stakeholders). No caso de uma questo a ser negociada, é imprescindivel que j4 na etapa de planejamento, ao mesmo tempo em que a organizacao con- sidera os seus objetivos e os recursos (trunfos?) para atingi-los, seja considerada também a perspectiva de quem esté “do outro lado” Nao se concebe entrar em uma negociagéo sem conhecer, ainda que por inferéncia, os interesses e 0s recursos do “outro lado” — seré grande o risco. Jamais suponha que o outro lado nao esta, também, fazendo o melhor e, nesse jogo, o blefe e a barganha so armas, até certo ponto, aceitéveis. Bacharelado em AdministagoPablca Unidad 2-Negociagt: 0 processo Em geral, hé um objetivo principal e outros de menor impor- tancia: por exemplo, o valor da entrada em uma aquisigao (inves- timento?) pode ser mais importante do que 0 valor total, do que 0 prazo ou o do montante dos juros, Em uma negociagao trabalhista © reajuste salarial pode nao ser tao relevante quanto os beneficios (auxilio satide, alimentacdo, etc.), assim como a instituicao de um bbanco de horas ou mesmo 0s investimentos no ambiente de trabalho com finalidade de melhoria das condigées de satide e lazer dos tra- balhadotes (protegao actistica, refrigeragéo, restaurante, area de repouso e atividades recreativas, etc.) Em outras palavras, planejar e ter em conta que 0 “outro” também esta planejando (tem seus objetivos, prioridades, alterna- tivas, etc.) fundamental. Ter previamente claro o posicionamento de ambas as partes, isto é, identificar que variveis estéo em jogo, oportuniza a criagéo de um espaco de negociagao, bem como o es- tabelecimento de limites: até onde é possivel flexibilizar as condigées postas & mesa por ambos os lados? Da mesma forma, no que e como é possivel ceder? E, se existentes, quais os termos do que é inegoci- vel? Burbridge et al. (2007, p. 52) denominam esse espaco de ne- gociagao de Zone of Possible Agreements (ZOPA) que, graficamente, pode ser representada como visto na Figura 1, a seguir: rego (ou Valor) de Reserva x Quer > Yauer « Prego (u Valor de Reserva Figura 1: Zona de Possveis Acordos Fonte: Burbridge el, (2007, p. 52) Medio? 33 sense 3 ® ona wa | Negocario e arotragem Note que a ZOPA é claramente delimitada: o ponto de limite minimo até onde X (Y) pode ceder corresponde ao ponto de limite méximo dos ganhos de Y (X). E importante 0 entendimento de que fora dos limites da ZOPA nao haverd negociacao, pois os custos in- corridos por uma das partes fardo com que “ela” opte por uma via alternativa: outro fornecedor, nova tecnologia etc. e, dependendo do caso, pela via judicial. Dai a relevancia de ter claro, @ priori, os objetivos, os interesses, as alternativas, avaliar as perdas e ganhos de todas as partes envolvidas. O prego-limite comresponde, pois, a melhor alternativa sem acordo (MASA), também denominada de Best Alternative to a Negotiated Agreement (BATNA) por Burbridge et al. (2007) Quanto aos objetivos & necessérrio clareza acerca de um dos principios fundamentais da boa negociagdo: © resultado s6 seré positivo e favorével se o for para ambos os lados ~ as alternativas internas & ZOPA. O objetivo maior de uma negociacao nao deve ser © de destruir 0 “outro lado”, onde podem estar ora um fornecedor, ora um cliente ou um empregado, individualmente ou representados pelos seus coletivos, a exemplo de sindicatos e associagées e, até mesmo, em determinadas circunstancias, comisses de parlamen- tares ou de outros agentes piiblicos. A vida em sociedade nos leva a ter compromissos sociais, a ter que também ser responsavel e zelar pela paz e ordem social, enfim, a preservar a continuacdo da prépria vida em comunidade. Assim, 0 resultado ideal ao término de uma negociacao sera aquele denominado de “ganha-ganha’, isto é, os ganhos devem ser mtituos. Isto implica, sem dtivida, que as partes ndo podem almejar irredu- tivelmente o atendimento de 100% dos seus pleitos, ao contrario, que deve haver concessao de ambos os lados, pois 0 étimo para um poderd corresponder a destruigao do outro lado; assim, ao invés do ideal na perspectiva de uma das partes, deve-se buscar 0 ponto de equilibrio na ZOPA. Vencer uma negociagao nao deve corresponder ao aniquila- mento do “outro lado”, pois a sua existéncia é essencial sobrevi- véncia de todo o sistema e, por extensao, de todos nés. Se um dos lados tem os seus interesses plenamente contemplados, enquanto o Unidad 2-Negociagt: 0 processo outro sai como perdedor, havera sequelas que, cedo ou tarde, serao reavivadas, mas jé em ambiente de revanchismo, comprometendo as futuras negociagées. Se o processo for conduzido no sentido a sair da ZOPA, a negociagao, em si, sera considerada fracassada ainda que uma da partes a comemore como bem sucedida Temos como exemplo histérico, sempre lembrado para ser evitado, os termos da rendicao alemé ao término da I Guerra Mundial que, de td0 draconianos, teriam dado inicio, desde entdo, a emergéncia de eventos que viriam a culminar na It ‘Guerra Mundial ‘Téo importante quanto 0 autoconhecimento é 0 conheci- mento acerca do adversério. Quem estard do outro lado? Conhecer ¢ estudar a sua trajetéria profissional, 0 seu histérico em negocia- Ges, 0 seu estilo (provocative ou conciliador?), os argumentos ¢ a linha de raciocinio que habitualmente utiliza (I6gico, sistematico, vai direto ao ponto ou faz rodeios?). Em suma, procurar conhecer tanto 05 seus pontos fortes quanto os fracos para, a partir daf, tragar uma estratégia, que é regra basica, e, pode-se dizer, 0 “dever de casa” obrigatério do bom negociador. Visto a necessidade de identificar o que esta em jogo, os ob- jetivos, 0 espaco de negociacao, posicionamento ¢ os interesses do “outro lado”, hd que se considerar e analisar 0 ambiente, o cenério da negociacao: seré a portas fechadas ou teré a presenca de outros agentes (piiblico, imprensa, advogados, governo). Em caso afir- mativo, esses agentes serdo passivos (simples expectadores) ou, de alguma maneira, poderdo influenciar como mediadores (formais ou no) ou ainda como simples forga passiva de pressdo? Certamente, se vocé ainda nao acompanhou pessoalmente as votacées nas Casas Legislativas, j4 deve ter visto através da midia a aco de grupos de presséo nas chamadas galerias - espaco para o piiblico -, alguns bastante ruidosos. O objetivo, mesmo sem participar das votacées, 6 influencié-las através do constrangimento ou do apoio explicito, afetando, assim, o resultado final, Médio7 35, Negocario e arotragem 36 | nist ce 3 O jogo sera “em casa”, em campo neutro ou no do adversério? Em que medida e como essas varidveis poderdo influenciar no resultado? Algumas dessas variéveis poderdo ser controladas? Se 0 ambiente for adverso (lembre-se da fabula no inicio desta Unidade), como superar as dificuldades? Tudo isto deve ser planejado, isto é, pensado ex ante facto, analisadas as alternativas, definido um Plano B, ete. Finalmente, todo planejamento, quando possivel, deve ser submetido a simulagdo, como € 0 caso da negociacao, evento tipico que comporta a realizagéo de um efetivo laboratério (pode chamar de ensaio) em que alternativas do tipo what if (0 qué, se?) devem ser experimentadas exausto, Se a outra parte reagir de alguma forma, © qué fazer? Que situagdes extremas podem ocorrer? E, nesses casos, como proceder? ‘A cada alternativa deve corresponder uma probabilidade de ocorréncia (a ser estabelecida pelo grupo envolvido no proceso}, bem como da avaliacao de impacto e de consequencias (em diferentes niveis de gravidade) causadas por essa ocorréncia, Blefes e provoca- Ges séo ocorréncias esperadas, néo devendo, pois, surpreender. O importante é chegar & mesa de negociagéo com 0 maior nimero de alternativas previamente analisadas e ponderadas, evitando, assim, reagées e decisbes que nao tenham sido previamente ponderadas. Sem diivida que, aquele que assim proceder teré as suas chances de sucesso ampliadas, porém, ainda nao 100% asseguradas, como de sorte nos reserva todo o fenémeno humano-organizacional. Embora em algum momento a etapa de concepgao do planejamento deva ser encerrada, nunca é demais lembrar que muitos processos em gestéo mantém relagéo com a imagem de um iceberg, isto é, nao é a parte visivel que deve preocupar, mas 0 que esté oculto aos olhos. Portanto, procure diligentemente pelo invisivel, por exemplo, interesses nao declarados. Procurar a (in)coeréncia nas declaracées pode levar a perceber o lado oculto do iceberg, Bacharelado em AdministagoPablca & Unidad 2-Negociagt: 0 processo A Organizacao, a Coordenagao (Dire¢ao) e Controle A funcéo Organizagao trata dos recursos de toda ordem (humanos, materiais, financeiros etc.) que serao destinados ao em- preendimento planejado, bem como da melhor maneira de distribuf- los e de coordend-los para atingir os objetivos. Toda negociacéo tem um custo, no minimo, o do tempo consumido no seu curso que, deve ainda ser acrescido do tempo jé despendido no planejamento. Ha uma velha maxima sempre lembrada em Administracdo: time is money (tempo é dinheiro) Lembre-se de que, além do custo da remuneracao dos envol- vidos na negociacao, o tempo consumido poderia ter sido utilizado em outra atividade agregadora de valor ao negécio da organizagao ~ 0 chamado custo de oportunidade. Uma negociagao nao escapa, portanto, a exemplo de varios fenémenos organizacionais, a uma andlise prévia em que sejam ponderados os recursos com ela com- prometidos vis-a-vis os usos alternativos para esses mesmos recursos, tratando-se, pois, também, de uma anilise de custo versus beneficios. E importante, por exemplo, pensar a estrutura e a hierarquia dos envolvidos no processo de negociacao. Indiscutivelmente, um dos principais, sendo 0 principal recurso de uma negociagao, é 0 seu responsavel: quem esté a frente do processo ~ a coordenacao e sua equipe de apoio. Temperamento, habilidades (consagradas em um hist6rico de atitudes e comportamentos), competéncias técnicas j provadas, entre outros, sao atributos que merecem ser ponderados com relagao a equipe. E dbvio que, embora por vezes semelhantes, as negociacdes sao distintas, seja quanto & matéria objeto de disputa, seja quanto & importéncia (risco versus ganho) relativa, ou ainda, a qualquer outro aspecto, Daf resulta que as equipes que estarao a frente do proceso também devem ser distintas em habilidades e competéncias. A equipe bem sucedida em uma negociagao na érea trabalhista, por exemplo, pode nao ser a mais adequada para solucionar um litigio comercial Uma equipe que embora competente tenha saido desgastada em uma negociacéo, até por uma circunstancia fortuita, pode néo ser a mais indicada para a negociacao subsequente. Médulo7 37 seat Aen Ge 3 @ nana se | Negocario e arotragem 38 | sins cates 3 Um ponto que nao pode ser desprezado é o nivel de autoridade e responsabilidade de quem esté a frente da equipe. Quem comanda deve ter a autoridade tanto para decidir quanto para assegurar que © acordo sera cumprido, de modo que o nivel de importancia (pelos impactos do resultado) da negociagéo deve manter um paralelismo com o nivel hierarquico de quem esta a frente do proceso, Nada mais desgastante e comprometedor para as futuras negociagées do que “alguém” acordar algo e, posteriormente, a hierarquia superior néo honrar © compromisso assumido. Por isso, deve haver o necessétio alinhamento entre a equipe presente & negociago e a que perma- nece nas organizagées envolvidas. Nao esqueca: cumprir 0 pactuado é a regra de ouro de uma negociagao! O nivelamento hierérquico nao se restringe as equipes da organizagao, mas também entre as partes (ndo esqueca que sub- jacente & hierarquia hé uma estrutura de poder), isto é, represen- tantes de nivel gerencial devem negociar com os de mesmo nivel, assim como diretores negociam com diretores e, se a matéria é de cunho técnico, é provavel que seja necessaria a consulta a profissio- nais especializados, alguns, talvez, na condigao de peritos, E importante destacar que, dependendo do objeto em nego- ciagéo, hé aquelas que iniciam e encerram em apenas um encontro, mas também as que exigem varios encontros quando, entéo, as condigées vao sendo apresentadas, discutidas e acordos parciais selados, posto que necessérios & concretizagao de um objetivo maior. Enquanto as primeiras exigem a avaliacdo, 0 controle a tomada de decisao em tempo real, as outras permitem uma anélise mais pon- derada e a colaboracdo de equipes nao diretamente envolvidas na negociagao e que, por esse motivo, mais atentas aos detalhes. Negociagées duradouras tendem a ser afetadas por eventos citcunstanciais e de dificil previsdo. Assim, por exemplo, a noticia da faléncia de uma empresa do mesmo ramo dos que estao & mesa pode dar novos rumos a negociagao, assim come o surgimento de uma grave deniincia envolvendo uma das partes. No setor piiblico, por exemplo, a greve em uma categoria pode precipitar movimentos andlogos em outras que estao recém iniciando a negociacdo e podem dar origem 20 efeito “bola de neve”, também conhecido como efeito “dominé’ Bacharelado em AdministagoPablca & Unidad 2-Negociagt: 0 processo Como avatiar e controlar 0 andamento de uma negocia¢ao? Em primeiro lugar, conforme vocé viu anteriormente, todo processo de comunicagao esté sujeito a alguma falha. Por essa razao 6 imperativo, sempre que oportuno e com alguma frequéncia, veri- ficar se a mensagem (informagdo) transmitida foi entendida adequa- damente pelo receptor. Vocé jé reparou que os bons garcons antes de efetivarem um pedido confirmam-no para, assim, evitar erros? Pois 0 mesmo procedimento deve ocorrer em uma negociagao! Em segundo lugar, como vocé sabe, é na etapa do plane- jamento que séo definidas as métricas e os indicadores que orien- tarao 0 acompanhamento do proceso. A cada momento surgem novos fatos: novas informagées sao trazidas & mesa, manifestacoes séo expressas, concordancias ou discordancias afirmadas, etc. Cada tum desses momentos pode corresponder a um indicador de controle para avaliar o sentido que a negociacao esta seguindo e, conforme 0 rumo demandar, que sejam colocados em pauta, ou no, novos ar- gumentos. Vocé se recorda da etapa da simulagao? Pois bem, é nesse momento que, se frente a uma questa, o interlocutor responder A, B, ou C, a outra parte tera pronta (porque planejou) respectivamente as respostas A,, B, ou C, Se a acao nao tivesse sido planejada, haveria uma resposta de improviso ou sequer teria sido percebida a impor- tancia da colocagao para o sucesso do empreendimento. Desse modo, a Gestéo da Negociacao encerra um conjunto de préticas que permite a vocé colocar em acéo, com os devidos ajustes e adequacdo, tudo aquilo que aprendeu nas disciplinas dos Médulos 1 ¢ 2: Teorias da Administracéo, Psicologia ¢ Sociologia Organizacional. Didaticamente 0 processo de gestao é apresentado, pela maioria dos autores, em quatro etapas: a do planejamento, a da organizacéo, a da direcdo (ora denominado de coordenagao) e, finalmente, a do controle; mas, na pratica, eles so interligados, a Médio7 39 Negocario e arotragem 40 | nish ce 10 exemplo do controle, etapa que requer procedimentos desenvol- vidos no planejamento. Portanto, administrar (gerir) uma negociagao implica, por parte do responsavel pela equipe e processo, submeter todos os seus procedimentos & consideragao ¢ & analise sob a luz dessas fungées, caso contratio, nao se tera um proceso gerenciado. (Os mais experientes detém esse conhecimento na meméria (cenatios, informagées, alternativas, decis6es, etc.), todavia, recomenda-se que 05 novatos iniciem o registro, por escrito, de todas as etapas. A NEGOCIAGAO EM PROCESSO: ESTRATEGIAS, ESTILOS, TATICAS E TECNICAS Decerto que voce jé sabe que os termos “estratégia”, “tatica”, “técnica” e “estilo” correspondem a constructos distintos, Todavia, um olhar, ainda que nao muito profundo, sobre a literatura de nego- ciacdo mostraré que os autores se alternam, utilizando-os indistinta- mente para designar e transmitir 0 mesmo entendimento, pelo que, também, nao insistiremos na diferenciagao existente. Séculos de histéria de negociacao permitiram que alguns autores criassem algumas tipologias denominadas de estratégias ou estilos que, com frequéncia, sao identificados. Lembra-se do grid ge- rencial de Blake e Mouton? Pois é, deu origem a um grid de estilos de negociacdo. Assim, por analogia, Burbridge et al. (2007) apresentam um grid com dois estilos-tipo que, genericamente, caracterizam os ne- gociadores: 0 assertivo e 0 cooperative; podendo 0 comportamento de ambos ser observado ao longo de um continuo com os respectivos extremos, daf os quatro estilos basicos. Por consequéncia, resulta, na posicdo intermediéria, um quinto estilo-tipo — 0 estilo hfbrido: o conciliador. Graficamente, os estilos se relacionam conforme disposto na Figura 2 a seguir: Bacharelado em AdministagoPablca & Unidad 2-Negociagt: 0 processo smpetcse Sos psradecio Figura 2; Exilos de negociagéotive Fonte: Burbridge et al. (2007, p. 20) ‘Como dizem Burbridge et al. (2007, p. 21-23): (Os negociadores fortemente inclinados & concessao fica satisfeitos em resolver os problemas das pessoas ¢ tendem ‘dar maior valor ao relacionamento. Costumam perceber 08 sinais emitidos pelo outro lado, por meio da linguagem ‘ou da expresso corporal [..] 0s fortemente inclinades a a fazer acordos véer-nos como uma misséo que deve © cumprir a qualquer custo, Essa pode ser uma virtude quando © tempo é curto e os tiscos sao relativamente pequenos, ¢ quando 0 objetive é conseguir uma negocia- Gao justa, ¢ nao simplesmente conseguir 0 maximo que se puder dar |... alguns negociadores tém alta predis- posigdo para evitar conflitos e compromissos. Eles normalmente tém habilidades para deferir problemas e para se desviar de aspectos de confronto em uma nego- ciagao. Essa pode ser uma peculiaridade muito positiva puma situagdo que necessite de diplomacia e 0 custo de um ataque seja inaceitavel [..] por outro lado, a caracte- ristica de evasdo pode ser um entrave em organizagoes em que © contlito precise ser resolvido de modo répido eficaz (..] negociadores altamente inelinados a cola- borar sio normalmente pessoas que solucionam confli- tos [..] focam 0 processo e enfrentar conflitos nao é visto por eles como um problema. Empenhadas em encontrar uma solugdo abrangente, eles podem chegar a irritar ‘outras pessoas que vem seus esforcos como desnecessé- Medio? 41 ® oara v3 | Negocario e arotragem rios, complicando uma negociagao que poderia ter sido acertada de maneira mais simples e direta [...] como o colaborador, @ negociador competitive tende a apre- iar 0 fato de estar negociando, nao por estar resolvendo ‘um problema, mas porque isso Ihe da uma oportunidade de ganhar [..] 0 advogado de litigios, o politico eleito, os anqueiros de investimento séo exemplos de profissoes culos profissionais sd reconhecidos pela habilidade em negociacées competitivas. Importante destacar, no texto dos autores, que ndo existe um estilo pior ou melhor. Cada estilo pode ser vantajoso, mas também trazer prejuizos conforme o assunto ou o estilo de quem estiver do “outro lado”, De acordo com o tamanho da equipe é possivel planejar no sentido de que cada integrante desempenhe, no momento oportuno, um papel no processo; é assim, por exemplo, que pode ocorrer o que na linguagem popular é referido como “enquanto um morde, 0 outro assopra” ~ 0 que parece uma contradigao e desajuste na equipe pode ser parte de uma estratégia! Também derivada da construc de Blake ¢ Mouton, é a Matriz de Resolugéo de Conflitos apresentada por Carvalhal et al. (2006, p. 49) e reproduzida abaixo. R 1 Jour} reseigto a ‘owas Neo ve ns sARCANA ass "Tee fy] suo fs000 one] ° Nase Pease - 1 3 ° Tarotas - Resultados Figura 3: Alternativas de posicionamento estratégico ~ Matic de resolugao de conililos ¢ negociagao Fonte: Carvalho et al 106, p. 49) Unidad 2-Negociagt: 0 processo A Matriz de Resolugao de Contflitos e Negociagao, a exemplo do que propéem Blake e Mouton, contrapée duas estratégias: uma voltada as pessoas e, a outra, aos resultados, Tudo se passa como se 0s negociadores tivessem que optar entre um acordo final que bene- ficiasse as pessoas ou a organizagdo que defendem, sendo possivel, entretanto, situagdes intermediarias, a exemplo do negociador que adota a estratégia da barganha, negociando e trocando a partir dos elementos postos & mesa. Martinelli e Guisi (2006, p. 223-4) apresentam outra classifi- cagao para os estilos do negociador: > o restitivo; > oardiloso; > oamigavel; e, > oconfrontador. Suas caracteristicas sao: > 0 restrtivo: ndo é cooperativo, visa & obtengao de ganho independentemente do resultado para a outra parte; > 0 ardiloso: concentra-se nos procedimentos e rearas, parte do suposto que as pessoas nao podem ser influenciadas pelas acées dos outros; > 0 amigavel: € cooperative e conduz a negociacéo na base do “espitito esportivo";e, > © confrontador: contesta as questées enquanto procura chegar a um acordo sélido porque equanime. Atua sob a crenca de que as pessoas iréo colaborar em vez de obstruit. A tipologia de estilos parece nao ter fim. Martinelli e Guisi (2006), entre outros, comentam as classificagées de Bargamini, que comporta quatro estilos-tipo (0 dé e apoia, o toma e controla, 0 mantém e conserva e o adapta e negocia); as de Gottschalk, também incluem quatro tipos (duro, caloroso, dos ntimeros e, negociador); eas de Marcondes, que afirma os estilos através das agées de: afit- magao, persuasio, ligacao, atragdo e distensio. A matéria é tao pro- lifica que ha livros-textos exclusivos, a exemplo do Estilos de Nego- ciagao — as oito competéncias vencedoras, de Hirata (2007) Medio? 43 sac Aen Ge @ nana se | Negoiag earbtragern 44 ‘Comum as taxonomias € © destaque conferido aos respec- tivos pontos fortes e fracos, evidenciando que nenhum dos estilos pode ser considerado pior, ou melhor, devendo antes ser apreciados em perspectiva contingencial, No que é essencial, ha grande seme- Ihanga entre os estilos, o que faz pensar que os autores estéo m: preocupados em criar um sem ntimero de tipologias do que analisar em profundidade e simplificar 0 quadro de teferéncia condutor das negociagées. Tao numerosos quanto os estilos sao as técnicas para negociar (por vezes também denominadas de taticas), estas deri vadas daqueles. Assim, Martinelli e Guisi (2006, p. 239) apresentam 0 seguinte quadro de técnicas: l er Quadro 1: Técnicas e taticas de negociagio Fonte: Martinelli e Guisi (2006, p. 239) Introvertida Extrovertico Sensato Intuitive Racional Emocional Julgedor Perceptive Burbridge et al. (2007, p. 85) apresentam 0 que denominam de Cinco Passos da Negociacao: prepara, criar, negociar, fechar e re- construir. Se voc@ observar com atengao, perceberd que & excecao do imo, os demais correspondem ao processo de gestao (ja estudado) preparar corresponde a etapa do planejamento (em todos os seus aspectos), principalmente a fase da concepcao; jé os passos eriar e negociar equivalem & etapa da implementacao do planejamento, com atencdo & coordenacéo e a lideranga do processo; fechar sig fica concluir a negociacao, etapa que, em principio, s6 deve ocorrer apés a avaliacao e o controle, certificando-se, assim, que os objetivos foram (total ou parcialmente) atingidos. Resta um esclarecimento sobre o reconstruir, cuja importancia é salientada pelos autores na mesma obra (BURBRIDGE, 2007, p. 101): Bacharlado em Administra Pablea | sin ste ce 4 ® Unidad 2-Negociagt: 0 processo Hi negociador que, ao fechar o negécio, simplesmente 4 por encerrado 0 assunto e vai embora, © negocia- dor consciente faz mais. Ele investe no relacionamento € na sua reputacdo [...] Durante a negociagao, mesmo aquelas caracterizadas como amigaveis, € normal surgit algum nivel de tenséo, Pode ser sutil, ou nem tanto, mas algum desgaste causa na relacéo pessoal ou corporativa. Considerando que a maioria das negociacées ocorre com pessoas com quem vocé vai ter de negociar no futuro, é politica inteligente investt tempo e atencao na reconstri- 0 da relagio [...] Hé diversas atitudes indicadas nesse momento: elogiar quando merecid [...] afirmar legitimi- dade (“fzemos a coisa certa” ou, “é um acordo justo”) [1 0 brinde, Apés 0 fechamento, voce pode dar algo extra para “adocar” 0 negécio, afirmando que o relacio- ‘namento é para vocé muito importante. Afinal, quais sdo as caracteristicas de um bom negociador? & De acordo com Carvalhal et al. (2006, p. 81) “[...] so consi- derados bem-sucedidos os negociadores que possuem um histérico de obtengao de acordos ¢ baixo indice de falhas de implementacao” Os mesmos autores citam, ainda, duas pesquisas, uma sobre o nego- ciador norte-americano e, a segunda, sobre 0 negociador brasileiro, em que destacam os atributos relevantes para alcar ao sucesso: ‘Tabela 1: Caracteristicas consideradas importantes por negociadores norle- 1 Capacidade de planejamento e preparagdo 2 Conhecimento do tema/essunto '3~ Capacidade de raciocinar clara e rapidamente sob press30 @ incertera ‘4 Capacidade de expressarideias verbalmente 5=Habilidade para escutar (Observagio: (*): média obtide através de uma escala Likert de cinco pontos. Fonte: Carvalhal etal. (2006, p. 81) Médio7 45 sac Aen Ge 4 @ nana se | Negoiag earbtragern 46 [ssn ste ote 1 Eien Méoia (*) 6 Capacidade de julgamento e inteligéncia geral 7 Integridade 8 Capacidade de convencimento/persuasio 9 Paciéncia 10 Deciséo| ‘Observagso: (*}: média obtida através de uma escala Likert de cinco pontos, Fonte: Carvalhal etal. (2006, p. 81) ‘Tabela 2: Caracteristicas consideradas importantes por negociadores brasileiros 1 conhecrers do teu in en eseno Sse 1 haste joa ssc emosier | 6 eh er 7 Gah ona a ae a comune sadelem xres ™ 9—Integro 88 toate a Observago: (*) - pesquisa com varios participantes de cursos de negociaglo conduai- os pelo autor, Fonte: Carvalhal etal. (2006, p. 83) A anilise comparada entre as duas Tabelas salienta ¢ resume alguns aspectos interessantes: em ambas destacam-se trés, mas, sobretudo, duas das dimensées envolvidas em uma negociacéo: a técnica e a emotiva, ¢ também a histérica. Chamam a atengao os trés primeiros fatores: sao os mesmos, porém em ordem inversa. Enquanto os norte-americanos priorizam a gestao do processo, va- lorizando a fungao do planejamento, os brasileiros atribuem a esta caracteristica 0 terceiro lugar em importancia, priorizando 0 conheci- mento do tema em discussao. Mas, de outro lado, dificilmente haverd conhecimento acumulado sobre um tema (proceso histérico) se nao for antecedido de um planejamento. A deciséo (coordenacao) € controle também se acham presentes entre os atributos citados, bem como as habilidades na comunicacao. Bacharelado em AdministagoPablca & Unidad 2-Negociagt: 0 processo Por fim, Martinelli e Guisi (2006, p. 132) citando matéria de Gomes (1996) publicada na Revis Exame sob o titulo Como arrancar o sim do outro lado: Vocé é bom negociador? Se nao é, pre- pare-se. As empresas querem executivos que dominem o jogo duro das negociagées, apresentam as seguintes caracter gociador: Agora, icas do bom ne- ele tem em mente quais sio os seus objetivos ¢ nao se desvia deles; sabe tudo, tudo mesmo, sobre o assunto, a empresa, o negécio e quem se sentaré & sua frente na mesa de negociacdo; sabe a hora de levantar-se e adiaros trabalhos. Ou de pressionar para obter 0 sim; tem habilidade para demonstrar que naquele negécio os dois lados ganham. A estratégia conhecida como “win-win", ou sganha-ganha, pelos negociadores norle-americanos; nunca € previsivel. O bom negociador varia 0 estilo, a abordagem e a velocidade da negociacéo; sabe manter sigilo. Se for preciso, no conta nem para a esposa ou para o marido; sempre mantém uma porta de saida honrosa, para nao sufocar o outro lado; inicia a negociagao com alternativas. Caso a primeira nao dé certo, oferece uma segunda ou terceira opcao. vocé jd esté apto a acompanhar uma negociacéo. Sugestdo: escolha uma negociagéo, vérias sao veiculadas na midia, tente acompanhé-la e procure identificar, em cada uma das etapas ¢ nas manifestacdes dos interlocutores, as caracteristicas apontadas neste texto. Preferencialmente, ‘combine com um colega para, durante ou logo apés o processo, trocarem impressdes. Negeeac Abagen Mol Grains «7 Médio7 argo, na integra ets isponivel em: eh: com/cevsta-cxame/ cedicoes/0614/notelas/ como arrancarosim-do otro lago-m0054156>, ‘cesso em: 9 abe 2012. 47 Negocario e arotragem 48 | nish cates 1 NEGOCIAGAO E SETOR PUBLICO E da natureza da atividade do agente pUblico envolver-se com diversas matérias que demandam negociacdo. Quem jé nao presen- ciou, ainda que pela midia, uma negociacdo envolvendo as autori- dades da Area de seguranca nos casos de sequestro ou tentativas de roubo que resultam em cercos com reféns? E habitual, também, que parlamentares, magistrados e integrantes do Ministério Puiblico atuem como negociadores e intermedidrios na busca por solugdes para os intimeros litigios surgidos na sociedade. Certamente voce j4 ouviu falar das Agéncias Reguladoras, autarquias especiais responsdveis pela regulamentacao e fiscalizacao das condigées de oferta de muitos dentre os servicos puiblicos, o que as leva, na maioria das vezes, a atuar como agentes de intermediagdo entre partes que apresentam, numa viséo mais imediatista, interesses contrérios: 0 governo, as empresas concessionérias ¢ os usuarios. O alto escalao do Poder Executivo, com frequéncia, é deman- dado para dar esclarecimentos e convencer os parlamentares antes de estes se manifestarem e votarem acerca dos projetos que os pri- meiros submetem aos segundos. Muitos projetos sao da iniciativa do Executivo, a exemplo da Lei Orgamentéria Anual, mas raramente sao aprovados conforme a proposta original. © mais comum € o Legisla- tivo acother emendas apés muitas negociagées e barganhas no seio dos parlamentos. Vamos ver outro exemplo. Imagine que vocé é o dirigente de uma Fundacéo hospitalar, ou de qualquer outra entidade da administracao indireta, na qual, por alguma circunstancia, os servidores ameacam greve, sendo vocé o in- cumbido e responsdvel de negociar as condigées que possam evitar esse desfecho. Parece, pois, evidente, que no setor ptiblico, mais até que no ambiente privado e corporativo, as circunstancias demandam Bacharelado em AdministagoPablca & Unidad 2-Negociagt: 0 processo ainda mais do agente piiblico o dominio das técnicas, competéncias € habilidades negociais. O agente ptiblico, nas suas mais variadas espécies, historicamente tem sido um interlocutor natural na solucao dos conflitos surgidos em sociedade. O arranjo federativo, que caracteriza 0 estado brasileiro, exige que as respectivas areas de competéncias (estabelecidas na Consti= {tuiga0 Federal) sejam obedecidas. Todavia, muitas politicas publicas, sobretudo as referentes a oferta de servicos ptiblicos, a0 acesso aos direitos (sociais, a exemplo da satide, educacao, etc.), bem como as que envolvem o estabelecimento de infraestrutura (estradas, sane- amento etc.), demandam 0 trabalho consorciado dos trés niveis de governo. Isso somente se obtém apés muita negociagéo para alcancar © consenso em torno de um conjunto minimo de condigées a ser contratado. Veja 0 caso do Programa Nacional de Seguranga Pablica com Cidadania (PRONASCI), através do qual o governo federal par- ticipa com o aporte de recursos, os municipios com o terreno ¢ a infraestrutura e, 0s respectivos governos estaduais, com 0 quadro de recursos humanos que irdo administrar a nova organizacao. Isso demanda negociacao. Decorre do arranjo federativo, mas também da prépria natureza de determinadas matérias, que a gestéo se organize na forma de arranjo matricial, a exemplo do que se identifica nas reas da satide ¢ do meio ambiente, o que também remete & necessidade de negociar. Além disso, as metas, os recursos ¢ a distribuicdo de res- ponsabilidades, de regra, so negociadas e acordadas em ambientes colegiados, a exemplo dos Conselhos (com muitos integrantes repre- sentando os mais diversos segmentos da sociedade), o que ressalta a importancia da habilidade negocial. Finalmente, duas matérias que hA muito tém sido negociadas, mas que em torno das quais ainda nao se chegou a um acordo de tao grandes e complexos que so os interesses e as repercussées que implicam: as reformas politica e tributéria, Portanto, conforme visto, hd tanta negociagao no setor ptiblico (talvez até mais) quanto existe no ambiente privado e corporativo, daf a relevancia de se conhecer suas semelhaneas e diferencas. Embora haja semelhangas em muitos aspectos, elas se distinguem pela indis- Médio7 -Aproveite esto momentoe 8 uma ohada no Cécigo de Defesa do Consumidor Let Federal n. 8078/50 70 papel das enidedes de cfess, através da egoiagdoe arbitager, esses direitos. Osponivel ‘ership plant, fovbrlecivl_03/Les/ BOTE ptm». Acessa em 9 abr 2012. Entre autos, 16a egisiagto federal ode ser encontrada no site do Senado Federal Disponvel em: cess em: 9 abe 2012 ‘Voté pode connecer mai sobre o PRONASCI ‘strovts do enderes: ‘cess em: 9 a6¢ 2012, Voc8 teré uma apradivel surprsa acerea da paturexa humana rneipalente a ffininal *Semplterno ~ que dura eterno, perane, init, {ue € muito velhe, muito (2008), -nos-ia do Estado de Direito, remetendo-nos, no limite, ao estado natural ~ a0 tempo da justica exercida “com as proprias maos”. Se ha paises que apresentam um quadro melhor, hé também outros em que a situacao € ainda pior. Assim, ao longo da histéria, quando a negociagao nao chegava a bom termo e tampouco se intencionava 0 recurso ao Judiciério, a humanidade criou outras formas de solugao de litigios: a mediagao e a arbitragem, temas abordados na sequéncia. MEDIAGAO E ARBITRAGEM: CONCEITO E RAZAO DE SER Se a negociagdo nasceu com a humanidade, parece que 0 mesmo se deu com a arbitrage, sendo dificil, senao impossivel, lo- calizar a sua origem no tempo. Magro e Baeta (2004) relembram o epis6dio mitolégico conhecido como (0 Julgamento de Péris, para ilustrar que desde os idos da Grécia Antiga e mesmo entre os deuses havia conflitos que demandavam a arbitragem. Mais concretamente, ha referéncias que localizam as praticas, da mediacao e da arbitragem j4 nos tempos do Império Romano, ** envolvimento de entes de personalidade le direito puiblico e de direito privado - pessoas fisicas ou organi- zages. Mas para nao viajar muito longe no tempo e se ligar a um evento relacionado & Histéria do Brasil, basta lembrar o Tratado de Tordesilhas que, em 1494, com a mediagao e arbitragem do Papa Alexandre VI, trouxe solugao & disputa das terras descobertas (e a descobrir) na América, envolvendo Portugal e Espanha Tendo herdado as Ordenacées Afonsinas (1446), sequidas das Manuelinas (1521) e, finalmente, as Ordenacées Filipinas (1603), 0 marco regulat io da justiga brasileira desde cedo contemplou a pos sibilidade da mediacdo e do recurso & Coroa estabelecida na metré- pole. Essa condigéo foi reforcada apés a chegada da Familia Real a0 Brasil (1808) ¢ a outorga de uma Constituicéo prépria (1824), que no seu artigo 126 previa a instauracéo de jutzo arbitral para a resolugéo de divergéncias civis, através de arbitros nomeados pelas Unidad 3 ~Acbitragem: hstéricoeprocesso partes, ¢ estipulava que as sentencas arbitrais poderiam ser execu- tadas sem recurso, desde que essa fosse a vontade dos participantes. Magro e Baeta (2004, p. 151) informam ainda que: Mais tarde, 0 Cédigo Comercial de 1850 estabeleceu 0 procedimento como obrigatério para determinadas ques- tes comerciais e trabalhistas. Depois da Proclamacao da Replica, em 1889, a arbitragem passou a ser muito, usada pelo Brasil para resolver conflitos de fronteira, Da experiéncia internacional mais recente, cabe destacar a im- portancia do papel da Organizacao das Nagdes Unidas (ONU) como instituic&o mediadora em numerosos conflitos entre e inter povos. No sentido popular da expressao, um mediador é alguém re-~ conhecido como parte legitima - pelos valores morais que retine, pelo conhecimento da matéria etc. ~ para interferir com o objetivo de chegar a bom termo sobre uma pendéncia, nem sempre em estégio de litigio. Assim, as partes podem, a qualquer momento, escolher um terceiro integrante ao processo com vistas a facilitar o entendimento sobre um assunto. Todavia, quando tratamos de negécios, seja entre pessoas juridicas ou fisicas, o instituto da mediagéo subentende que, idealmente, 0 mediador, ou o arbitro, tenha sido previamente acordado entre as partes. Isto é, que jé conste identificado em um dos artigos do contrato, de modo que, na hipétese de um eventual e futuro conflito, as partes jé teriam acordado o recurso & mediagao de um terceiro previamente escolhido — sim, melhor que seja prévio, pois a propria situagdo de conflito pode impossibilitar a escolha posterior de um arbitro. Trata-se, aqui, do que é conhecido por cléusula com- promiss6ria: a rentincia das partes em recorrer ao Judiciério, optando, a0 contréirio, pela convengao arbitral; sendo, portanto, um mecanismo extrajudicial. Ademais, a opgdo pela mediagéo ou pela arbitrage é ato facultativo de livre e esponténea vontade entre as partes. Para melhor entendimento do papel de mediador, Martinelli e Guisi (2006, p. 194) apresentam um esquema grafico que distingue 0s diferentes papéis, 0 de mediador e o de arbitro. Médulo7 59 Nenana 5 ® oara v3 | Negocario e arotragem Ato Bano ‘Ato | INGUISICAO" | | MEDIAGAO Nivel de Controle da Teresira parle Sobre o Proceso Baixo | ARBITRAGEM| | NEGOCIAGAO| Figura 4; Formas de envolvimento de uma terceira parte na solugio do contlito Fonte: Martinelli e Guisi (2006, p. 194) Como se verifica na Mediagao, a terceira parte atua ativa- mente no proceso, aproximando as demais para o didlogo e 0 en- tendimento. Todavia, ndo Ihe cabe manifestagdo sobre a decisio final, deixada as partes. O contrario ocorre na Arbitragem, quando a deciséo sobre o resultado cabe a terceira parte, deixando aos envol- vidos a condugao do proceso. De outro lado, ainda no estagio da Negociagao, no caso de o didlogo entre as partes ser rompido, pode ser chamado um terceito, para atuar em colaboracao ou em substi- tuicdo da parte. Por fim, o quadrante superior esquerdo da Figura 4 & somente uma hipétese, inadmissivel em condigdes normais, isto é, de dialogo franco e aberto, Contudo, Martinelli e Guisi (2006, p. 198) recorrem a Silva (2001) para esclarecer, afinal, quem é 0 mediador: © mediador nao é um juiz, porque néo impde um vere- dicto, nem tem o poder outorgado pela sociedade para decidir pelos demais, porque nao julga com a sabedo- ria de conhecer 0 que é justo ou que é melhor para os ‘outros. Deve, sim, ter o mediador respeito pelas partes, conquistado com sua atuacao ¢ imparcialidade. Nao é indicado para as partes por distribuigéo ou sorteio das ‘causas, mas sim por escolha delas, ‘Também nao é um negociador que toma parte na nego- iagio, com interesse direto nos res Iados, Também nao ¢ Arbitro que emite um laudo ou deciséo. Embora possa ser um expert no tema tratado, no pode 60 Bechara om Aino Pea | nin ste ce 6 ® ona 38 Unidad 3 ~Acbitragem: hstéricoeprocesso dar assessoramento sobre a questao em discussao. Ele cuida especialmente do relacionamento entre as partes e da descoberta dos interesses reais de cada uma delas. Resumindo, 0 mediador é um terceiro neutral. Conduz, sem decidir, Deve fazer com que as partes participem ativamente na busca de solugdes que se ajustem a seus interesses, pois ninguém sabe mais do que as préprias partes para decidir sobre si mesmas, Na mediagao tudo deve acontecer entre as partes. O mediador é téo somente a parteira, que ajuda a dar & luz os reais interesses que possibilitardo 0 acordo final, Nao obstante essa definigao sintética, sobretudo operacional, Egger (2008) aponta para os intimeros sentidos e significados ho: diernamente conferidos ao termo mediacao, como visto, um método extrajudicial de resolugao de conflitos: > > > > > > > a mediagdo como uma concepgao do direito; como uma politica cultural ou fendmeno sociocultural; a mediagéo como expresso estrutural dos Direitos Humanos da alteridade e da cidadania dialégica; como uma forma diferente da realizagéo do amor, como negociacao dos sentidos; como coaching*; como técnica alternativa de resolugao de conflitos. No que tange & mediagdo “como uma forma diferente da rea- lizagao do amor”, necessério se faz, para o pleno entendimento, uma breve citacao do mesmo autor que, referenciando Warat (2001), es- dlarece: “| ] nesse sentido, primeiro, deve-se ver a mediagao como uma forma de produzir com 0 outro o novo, em uma telagao; e, segundo, de ver 0 amor como a construgao de um equilfbrio, uma harmonizacao com o outro, nas diferencas” (EGGER, 2008, p. 30-1). Na mesma linha, ele se refere ao sentido da mediagao como “nego- ciacao dos sentidos”, momento em que recorre ¢ declara concordar com Clanchy (1993) Méduio7 “cooching ~ (reinamen: to}, bem como coach (trenador to expressbes ingles uslzadas para enotar 2 mediardo cue 0 emprer lempresaviais em relarz0 0s executivos que apre 08 confitos fexerccio da lderanca Fonte: Elaborado pela autor deste vo, 61 Negocario e arotragem [.uJ transctevo a observacéo de J. B. Given, no seu estudo, sobre o homicidio na Inglaterra no século XIll, que vai ao ponto de dizer que “os meios mais efetivos para resol- ver disputas eram os informais; a mediacdo de amigos, parentes e vizinhos era, sem diivida, muito mais eficaz do que as atividades dos tribunais reais ¢ senhoriais”; assim, concordando com essa afirmacao, conclul-se que 0 amor era e é, sem diivida, muito mais efetivo do que allei[..] 3 litigantes sao ‘unidos pelo amor ou separados pelo julgamento’. Um réu pode escolher entre o processo por defesa juridica (de placito) e o estabelecimente da paz; os homens sensatos evitam ‘a sorte extemamente incerta da alegagéo judicial’. O acordo (pactum) ou a paz (pax) so bons, mas ainda melhor é ‘proceder por amor (per ‘amorem), se os litigantes desejam ter perfeita liberdade de movimento, como entre amigos. Finalmente, Egger (2008, p. 36) distingue a negociagao da mediagao e esta da arbitragem e esclarece a confuséo, comum em varios textos, com uma quarta atividade: a da conciliagao. Negociagao ¢ um conjunto de discussdes entre as partes ‘em conflitos que se unem voluntétia e temporariamen- te com a intengo de resolver os pontos em litgio; se a comunicagéo for rompida, a negociagio pode ser feita com a ajuda de um terceiro, em geral um advogado, trata- -se de uma negociacio por intermédio de representantes; J8, a Conciliagao é um procedimento que objetiva uma relacao positiva entre as partes em litigio e a diminuicao do impacto do conflito, favorece o estabelecimento de um, lima de confianga e a melhora da comunicagéo, 0 conci- liador pode sugerir ou conduzir o acordo; enquanto que, a Avbitragem é um procedimento em que as partes em Itigio, voluntariamente, pedem a um terceiro imparcial e neutro que tome uma decisio em seu lugar; a arbitragem, nao favorece 0 didlogo direto entre as partes, vez que, © Arbitro tem © mesmo papel decisério do juiz estatal; Unidad 3 ~Acbitragem: hstéricoeprocesso enquanto que, a Mediagéo ¢ um procedimento volunté- rio e confidencial em que um terceiro neutro e imparcia, ajuda a duas ou mais pessoas em conflto a buscar uma solugao que satisfaca aos interesses de t jos ou melhore © vinculo entre as partes. No que tange & arbitragem, entre outras definigoes, desta- camos a de Roque (1997), apresentada por Martinelli e Guisi (2006, p. 202): Aarbitrgem é um sistema de solugéo pacica de contro vérsias nacionais e internacionais, répida e discreta, quer de diveto pablico quer de diteito privado, Consiste na criaggo de um jugador néo pettencente & jursdigso normal, esolhido pelas partes conflitantes pata drimir divergéncias entre elas. E a escolha pelas partes de um juz ndo togado, ou de um tribunal néo constuldo por magistrados, mas de advogados avuos ou pessoas consideradas como capazes de conhecet © decdit uma & questo preste a ser submetida a Justica. Podemos dizer aque seja uma justia privada a fazer © que faa a justin piiblica: solucionar lides entre duas ou mais pessoas, Alguns pontos dessa definigéo merece uma reflex: > Répida e discreta: conforme esclarecido, um dos principaisobjetivosdamediacao especializadae, sobretudo, da arbitragem, é evitar a via judicial, sabidamente morosa, seja pela quantidade de recursos que possibilita (por vezes Utilizados tae-somente como uma estratégia para ganhar tempo - isso também servindo como instrumento de pressdo), seja pelo excesso de demanda que atualmente a sociedade tem levado a justica - diz-se, por isso, que vivernos na era da judicializagao de todas as formas de relacionamentos contratuais. Ha conflitos, em especial na rea do comércio que, se demorada a emissao da decisao final, esta tem prejudicada a sua eficécia, a exemplo da perda de validade e obsolescéncia dos bens envolvidos, Médulo7 63 ® oara v3 | Negocario e arotragem dos custos de oportunidades perdidos, etc. De outro lado, hé contflitos, a exemplo dos motivados pelo vazamento de uma informagao confidencial, protegida em contrato, que uma ou mesmo ambas as partes nao desejam que seja do conhecimento de terceiros desconhecidos, como seria inevitdvel se o proceso tramitasse na via judiciéria. O prejuizo causado pelo dominio puiblico dessa informacao pode ser muito maior do que o dano material em si; suponha 0 dano causado & imagem de uma instituicao financeira em litigio com a empresa responsavel pelo seu sistema de seguranga de acesso a informagao (banco de dados das transagées, cadastros, etc.) Quer de direito ptiblico quer de direito privado: ha controvérsias quanto & possibilidade de entre as partes figurar um ente de direito piiblico. Conforme sabido, diz-se que o agente puiblico nao possui vontade propria, submisso que é ao principio da legalidade, isto &, s6 pode fazer 0 que explicitamente dispée a lel, Ora, como entao permitir que 0 agente puiblico, representando uma estatal, negocie e chegue, ainda que a bom termo com as partes, sobre assuntos que nao tenham sido previamente explicitados no aparato normativo? Uma segunda linha de argumentacao aponta que, em que pese o marco legal instituido no Brasil, a Lei n. 9.307/96 (CARMONA, 2004) nao poderia, 58 que lei ordindria, contrariar disposigéo constitucional que, conforme visto no artigo 5°, inciso XXXV, afirma: “a lei ndo excluiré da apreciagao do Poder Judiciério lesao ou ameaca a direito”. Assim, independentemente do mérito do acordo, se algum agente da sociedade entender que foram feridas as hipéteses dos artigos 30 e 33 da Lei n. 9.307/96 podera contesté-lo em juizo, hipétese que abre espago para que 0 Judiciério nao reconheca determinados termos, demandando ajustes no que havia sido, de comurm, acordo, ajustado entre as partes. De outro lado, conforme esclarece Egger (2005), sem excegdo, os Tribunais Civeis € comerciais brasileiros tém rejeitado qualquer recurso impetrado sob essa alegagao, a excecdo persistia na drea do direito do trabalho, a qual também vem reconhecendo a constitucionalidade da arbitragem. Conforme visto, uma Unidad 3 ~Acbitragem: hstéricoeprocesso das primeiras iniciativas entre as partes é 0 compromisso arbitral, isto é, arendincia (facultativa ede livre e espontanea vontade) ao Judiciétio como esfera de solugao de conflitos, todavia, conforme o texto constitucional enuncia a lei no pode excluir da apreciacao do Poder Judiciério a leso ou ameaca de direito. Em que pese desde 2001, no Agravo Regimental em sentenca estrangeira de n. 5.206, do Reino de Espanha, haver pronunciamento do Supremo ‘Tribunal Federal em sentido amplo da constitucionalidade da Lei, a sua inconstitucionalidade ainda é apontada como sendo um dos obstéculos, por exemplo, ao avanco dos empreendimentos no ambito das Parcerias Piiblico- Privadas — caracterizando risco regulatério, parte de uma condicéo mais ampla, a de inseguranga juridica. Vale lembrar que, doutrinariamente, 0 agente piiblico age em nome da sociedade, a qual nao Ihe delegou poderes (carta- branca) para negociar ¢ acordar independentemente dos termos. Por analogia, temos as Convengées ¢ Acordos Internacionais firmados pelos representantes politicos, eleitos ou nao, mas que para validade no territério nacional necesita, previamente, da ratificacao do Congresso Nacional Vocé recorda da invasdo da subsididria da PETROBRAS pelas forcas militares ¢ pelos quadros técnicos da Bolivia em 2006? Certamente que sim! E do argumento juridico? E provavel que ndo; mas a midia informou que havia questionamento quanto 4 legalidade do acordo assinado, pois, como prevé a Constituigéo, ele ndo havia sido referendado pelo Congreso Nacional Boliviano. Conforme dito, tema nao é livre de controvérsias; Carmona, (2004, p. 62), entre outros, defende que: Quando 0 Estado atua fora de sua condigéo de entida- de publica, praticando atos de natureza privada - onde Médulo7 65 ® oara v3 | Negocario e arotragem poderia ser substtuido por um particular na relagéo Juridica negocial ~ ndo se pode pretender aplicéveis as normas préprias dos contratos administratives, ancora- das no direito publico. Se a premissa desta constatacdo 6 de que 0 Estado pode contratar na érbita privada, a conseqiléncia natural é de que pode também firmar um compromisso arbitral para decidir os liigios que possam decorrer da contratagéo, Em concluséo, quando o Estado pratica atos de gestio, desveste-se da supremacia que caracteriza sua atividade tipica (exercicio de autoridade, conde a Administracao pratica atos impondo aos admi- nistrados seu. obrigatério atendimento), igualando se 0s particulares: os aios, portanto, “tomnam-se vinculan- tes, geram direitos subjetivos e permanecem imodificd- veis pela Administragéo, salvo quando precios por sua propria natureza’ » dulgador nao pertencente a jurisdicao normal: trata-se de formulagao autoexplicativa, todavia, cabe um esclarecimento adicional: embora 0 arbitra nao seja um juiz togado, por vezes é conveniente que seja, pela pratica e experiéncia que a atividade profissional Ihe confere, senéo por outros dominios, pelo do rito processual; e finalmente. > Uma justica privada a fazer o que faria a justica piiblica: hé, também, questionamentos doutrinérios acerca dessa afirmativa. Entre outros, o de que o Estado (diga-se: 0s agentes piblicos) seria insubstituivel nas suas fungées porque a sua razao de ser o distingue, de maneira inconfundivel, dos demais arranjos sociais, a exemplo das organizacées corporativas: histérico, forma de criacdo, objetivos, escolha dos representantes, obediéncia & legalidade, etc.; daf, néo poder se esperar que a justica privada faca o que faria a justica piiblica, Alude-se, por exemplo, que em havendo assimetria acentuada entre as partes (quanto ao porte: grandes corporagées x micro e pequenas empresas; & elevada especializagéo em algum campo de conhecimento, etc.) € pouco provavel que a arbitragem leve a uma justica equitativa, pois até mesmo Unidad 3 ~Acbitragem: hstéricoeprocesso na escolha do arbitro uma das partes j& poderia deixar manifesta a sua hipossuficiéncia, comprometendo, assim, 05 futuros desdobramentos, daf que, em tese, somente 0 poder estatal, no comprometido com as partes, poderia assegurar 0 tratamento isonémico. Imagine uma grande corporacéo multinacional e cliente expressivo {por exemplo, em volume de compras) de uma pequena empresa local: & época da renovacdo contratual, a primeira sugere & segunda a cléusula compromisséria; seré que esta decidirs porlivre e espontinea vontade? Efetivamente, o que marco regulatério arbitral privado pretende é, apropriando-se de uma prerrogativa estatal, a da decisao final do Judiciério (que, como voce sabe, deve antes ser cumprida e, depois discutida), encerrar, com celeridade, uma disputa. Finalmente, Carmona (2004, p. 33) esclarece que: ue tecebem sus poderes de ura conven prvade, & decidindo com base nesta convengao sem intervengao Destarte, apesar das controvérsias, tanto no cenétio in- ternacional, como no ambiente nacional e, sobretudo entre as or- ganizacées privadas e corporativas, o instituto da arbitragem vem experimentando acentuado crescimento. Por fim, vale lembrar que a pratica da arbitragem traz ao ambiente institucional, ao lado do direito legislado, o direito dos costumes (por vezes referido como con- suetudinério), possibilitando que uma mesma questo que se apre- sente em lugares diferenciados, com tradicées, problemas, recursos e toda a sorte de diversidade, experimente solucao igualmente diversa. Portanto, é destituido de sentido algo assemelhado a uma stimula vinculante, pois inexiste, ao contrario da via judicial, a formacao de jurisprudéncia, Isto é praticamente uma decorréncia natural do sigilo que envolve o processo e os termos finais do acordo. Assim, o insti- tuto da arbitragem tem sido utilizado, também, para a celebracao de Médulo7 67 sect Aen Ge @ nana se | Negocario e arotragem Enquanto init le: regulamentando a Medio, embara desde 1998 ramite no Congresso Nacional o Proto de Lei no 4827 que versa sobre a matérs, 0 processo de mesiagio se vealza parte de estudos © pesquisas sobre a prixis as enidaes (empresas, assoragbes) locals quese edizam a esse método de resolusio de controvérsia, ‘bem come pelos costumes as diversas nettles pacionas#internagonais acordes sobre conflitos de menor gravidade, a exemplo dos surgidos entre a vizinhanga (condéminos), fornecedores e consumidores, entre outros. MEDIACAO E ARBITRAGEM: PROCEDIMENTOS O Marco Regulatério da Arbitragem, no Brasil, é a Lei n. 9,307/96 (BRASIL, 2009a) e, segundo Magro e Baeta (2004, p. 102), as principais inovagées foram: O arligo 7° da let diz que “existindo cléusula compromis séria e havendo resisténcia quanto a instituigao da arbi- tragem, poderd a parte interessada requerer a citagdo da ‘outra parte para comparecer em juizo a fim de lavrar-se 0 compromisso, designando 0 juiz audiéncia especial para tal fim’ artigo 41 da lei modificou 0 artigo 267 do Cédigo de Processo Civil, incluindo a convengao de arbitragem no rol das situacées que causam a extingdo do processo judi- ial sem julgamento de mérit. artigo 584 do CPC também foi modificado para inctuir ‘a sentenga arbitral e a sentenga homologatéria de tran- sagdo ou concliagao entre os titulos executivs judiciais. Nao obstante, nem todas as questées podem ser resolvidas a0 amparo do Marco Regulatério da Arbitragem, somente as referentes a direitos patrimoniais disponiveis: que podem ter seu valor definido. em dinheiro e ser negociados, transacionados, cedidos ow renun- ciados. Assim, nao podem ser levadas para a arbitragem: questoes criminais, de familia, tributérias, faléncia, entre outras, De outro lado, a arbitragem, pelas suas caracteristicas (rapidez, sigilo, relativa informalidade, flexibilidade, entre outras), tem se revelado um ambiente efetivo para a solugao de conflitos pertinentes s disputas societérias, no setor imobilidrio, sobre os direitos do con- sumidor, questées comerciais ¢ de prestagao de servicos. Unidad 3 ~Acbitragem: hstéricoeprocesso Martinelli e Guisi (2006, p. 195) enumeram os procedimentos da mediagéo: 1) primeiro as partes escolhem o mediador, que pode ser ou nao profissional; 2) 0 mediador estabelece com as partes as regras do processo, incluindo o ato de ouvir-se ‘mutuuamente; 3) hé a fase de identificagao dos interesses, prioridades e desejos das partes; 4) as possiveis alterna- tivas de solugao so exploradas e discutidas pelas partes; finalmente, chega-se a um acordo. Na sequéncia, os mesmos autores esclarecem e distinguem o processo de arbitragem, no qual “as partes apresentam suas posig6es a0 atbitro, que estabelece as regras, podendo utilizar ou néo suas sugestoes” Embora o marco regulatério brasileiro seja recente, a mediacao € a arbitragem deixaram de ser alternativas teéricas, sendo hoje praticas consagradas com um niimero crescente de adeptos, tendo surgido um novo ramo de negécio — 0 das empresas especializadas em mediacéo e arbitragem que, assim, acumulam experiéncia, ins- tituem cédigos de ética, aprofundam conhecimentos e desenvolvem regras e metodologias que tendem a qualificar os processos. Ademais, pela experiéncia e conhecimento acumulado conseguem antecipar e, assim, evitar possiveis zonas de conflito em cada tipo de negécio. Proliferam, também, as estruturas organizacionais vincu- ladas ao setor e especializadas na mediagao de litigios especficos, a exemplo da Camara de Arbitragem da Associagao Nacional das Instituig6es do Mercado Financeiro (ANDIMA) mais um férum es- pecializado voltado para a resolugao de conflitos dentro do sistema financeiro. Destarte, embora persistam a mediacao e a arbitragem ad hoe, isto €, caso a caso (com equipe, procedimentos, regras, etc.), pouco a pouco o setor ganha institucionalizagdo. Embora se tenha dito que é desprovido de sentido falar de jurisprudéncia na via ex- trajudicial, algumas Camaras, a exemplo da Associacdo Americana de Arbitragem (nos Estados Unidos), da Corte Internacional de Ar- Méduio7 69 Negocario e arotragem Para saber male sabre Caras Consendg de axbitragem recomendaiios Vista 208 seguintes ses: ; cw conim org b>, «wow. cortecatarinense.o7 8 ‘Acesss em: 9 ab. 2022 bitragem da Camara de Comércio Internacional (na Franga) e, no Brasil, a Confederacao das Associagées Comerciais e Empresariais do Brasil, ao instituir 2 Camara Brasileira de Mediagao e Arbitragem Empresarial, disponibilizam bancos de jurisprudéncia. Todavia, nao ha, como na via judicial, forga vinculante. Magro e Baeta (2004, p. 39) ilustram com um fluxograma a sequéncia de etapas de um proceso arbitral mediado pelas camaras: Figura 5: Fluxograma bsiconos processes de abitagern Fonte: Magro e Baeta (2004, p. 39) Conforme jé salientado, no Brasil, embora jé amplamente difundido, © marco regulatério da arbitragem ainda provoca ques- tionamentos, sendo possivel que um caso concreto levado & Corte Maior provoque uma reinterpretacao da sua constitucionalidade jé estabelecida, Por isso 0 cuidado necessdrio na conducao de todas as etapas. Um dos pontos mais importantes é 0 respeito ao principio do contraditério (alegacao de defesa), bem como de ser observada a igualdade das partes, a imparcialidade do érbitro e do seu livre convencimento. Se, seguramente mais célere ¢ flexivel nos procedimentos, a solugao de conflitos pela via extrajudicial, do ponto de vista eco- némico, ndo necessariamente é a menos onerosa, até o contrério; Unidad 3 ~Acbitragem: hstéricoeprocesso ademais, pela rapidez com que se desenvolve, é provavel que surja a necessidade de desembolsos no curto prazo. Hé taxas administrativas, honoratios fixos ou varidveis em funcao dos valores em questao e da complexidade (técnica, pericias, etc.) intrinseca ao processo espect- fico. Como de resto ocorre em vérias circunstancias no ambiente de negécios, é recomendavel a constituicao de provisoes para eventuais futuras necessidades. Finalmente, embora nao seja indispensdvel, 0 acompanhamento de um advogado pode se revelar de grande im- portancia as partes ~ mais custo (!) -, igualando-se, nesse aspecto, aos encaminhamentos via judicial Méduio7 Negecuco Argon Mol Grains 72 & 71

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