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1871: o ano que nao terminou’ Marcio Ferrema pa Siva resume Em 1871, com a publicagio de Six temas de Consanguinidade e Afnidade da Familia Humana, de Lewis Henry Morgan, a antopologia do parentesca defini pela primeira ver uma Sxbita prépria,livee do campo gravitacional da histéra, do dlirico da flologia. Neste livro, Morgan prope ‘um objeto, um método © uma ténica de abservacio dos fendmenos casificados soba rubrca “‘parentes- co, que autor define como a expressio formal co seconhecimento socal das relacSes natursis entre os Individuos (1871, p.10). Esta definigioesté no cen- tuo de um dos debates mais antgos da ancropologa, a relagio entre parentesoe genealogia, que ataves- sa.cento e quatenta anos da disciplinae, a ulgar por seus desdobramentos mais recentes, promete ainda ‘muitos anos de polémica palavras-chave Parentesco. Método Gene- aldgico. Lewis H. Morgan, William H.R. Rivers. Historia da Antropologia. Meyer Fortes conta uma histéria engracada de seus tempos de estudante de antropologia na London School of Economics. Diz.que a primeira vex que ouviu falar de Morgan foi em 1931, nos seminarios do Professor Malinowski, que 0 apresentava como um “falso profeta’, a “perso- nifieagio do Reino do Erro na antropologia que © funcionalismo jo derrotar” eum “exemplo Iamentével de génio enganador". O carismati- co argonauta de nossa disciplina dizia também a seus jovens estudantes que Rivers era a “bes- ta negra” atris da qual 0 espectro de Morgan ressurgia como “inspirador da enganosa énfase causal das formas de casamento nas instituig6es do parentesco”, Fortes conchui: “Morgan era para mim —, suspcito, para todos os alunos de ‘Malinowski — um dos principais anti-herdis de nossa disciplina” (Fortes, [1969] 2006, p. 4-5). E provivel que, passados oitenta anos, ecos dlessas aulas ainda se propaguem no ar. Recen- temente, em tuma daquclas disciplinas obrigats- rias de antropologia do curso de cigncias sociais, cis que um jovem estudante, diante do adjetivo da expressio “trés sociedades primitivas", que tinha lido na introdugio de um texto famoso de Margaret Mead, exclamou com olhar indig- nado: “Mas, professor, isto nao é Morgan’”. As pegadas do velhote inimigo tinham sido mais uma ver flagradas na cena do crime. O curioso é que este aluno havia aprendido que o evolucio- nismo jazia no cemitério de uma disciplina cujo desenvolvimento tinha sido a cle apresentado como uma evolugio linear, uma histéria pro- sressista das idcias do Ocidente sobre os Ou- tos, um grande desfile de escolas, com graus crescentes de complexidade, separadas umas das outras por saltos revolucionsios. Nesta es- calada, seu pass mais notivel tera sido aquele, na virada do século XX, que defxou para crés as trevas de sua origem evoluci sobre suas cinzas um novo edificio diseiplinar, que 96 recentemente, com a crise das represen- tages, passaria por uma ampla reforma. (© que vem a seguir faz parte de outra his- fem que a marcha progressista da crono- logia da lugar ao tempo reversive! dos mitos, em torno de um certo problema antropolégico proposto pelo “falso profeta” em 1871, retoma- do pela “besta negra” alguns anos depois, que atravessou o séeulo XX e ressurgiu na era da 164 cadernos de campo, S80 Paulo, n. 19, p. 1-384, 2010, 324] Mincio Faauin oa Suva informatica e dos bebés de proveta, por antro- pélogos que, se Malinowski tivessetido a opor- tunidade de conhecer, certamente também teria. a eles reservado outros epitetos pitorescos. Na década de 1860, ts obras notiveis inaue uram os estudos de parentesco ¢, através dees, a antropologia social, definindo uma pauta de onga duragio, com t6picos como casamento, familia, filiagio, descendéncia, sucessio, residén- cia, atitudese assim por diante. Sio elas, O Direi- 10 Materno (1861), de Johann Jakob Bachofen, Lei Antiga (1861), de Henry Sumner Maine, © Casamento Primitivo (1865), de John Ferguson ‘MeLennan, Mas s6 em 1871, com a publicagio de Sistemas de Consanguinidade e Afinidade da Familia Humana, de Lewis Henry Morgan, aan tropologia do parentesco definiria pela primeira ver uma étbita pripria, livre do campo gravita- cional da histria, do direito e da filologia’. Neste liv, Morgan propée um objeto, um ‘métedoc uma iéenica de observagio dos fendme- ros clasificados sob a rubrica parentexo!, que 0 autor define como a “expressio formal” ¢ 0 “re= cconhecimento social” das “relages narurais’ en- te os individuos (1871, p.10). Sua reflexio tem ‘como fulero a comparagao de padroes seminti- 05 que conferem ao parentesco a tal expresso formal. Como tema privilegiado, Morgan elege a 1 entre os padrics, depreendidos dos woes bulitios, ¢ correlatos matrimoniais. Sua pesquisa parciu da constatagio de que os modos como os parentes designavam uns aos outros em culturas indigenas norte-americanas com as quais tinha contato dircto cram suficentemente consistentes parascrem legitimamente tomados como sistemas que podiam ser desctitos ¢ comparades enquan- to ais, Esta premissa levou Morgan i elaboragio de um minucioso roteiro para a coleta de dados de parentesco, com pequenas instrugbes de pre- enchimento, reunindo mais de duas centenas de posicses gencalégicas. Este questionitio, que cm principio circulou em uma pequena rede de do mundo, gragas aos bons io Smithsoniana c do servigo consular norte-americano. Para além da ambicio teérica, a pesquisa de Morgan corresponde a um extraordindrio forgo de sintese de materiais de campo prodi zidos pelo proprio autor entre os iroqueses, as tribos de Michigan, os pucblos do Novo Mex 0 © 0s Beaver, que se somaram as informagies coletadas por uma grande legiio de colabora- dores sob sua supervisio, reunindo dados sobre nada menos que cento ¢ trinta de parentesco (Tooker, 1997, p ‘A comparagio dos materiais provenientes da India, recolhidos entre as populagses tamil « telugo, com aqueles por ele mesmo coletados ove sistemas entre os Séncea, Ojibwa € outros paves indi= genas norte-americanos revelou. semelhangas estrururais tio nocveis que, para Morgan, de monstravam conclusivamente a tese da origem asidtica dos povos do Novo Mundo. Enquanco isso, 0 confronto de todo esse material com os da Europa ¢ Oriente Médio revelava a recorréne cia de um principio semantico que acabou por merecer atencio especial. Alguns sistemas de parentesco continham sermos primérios, que se referiam a um ntimero muito limitado de posi cies genealdgicas, como os vocibulos do por tugués “pai”, “mae”, “avd, ete. Outros sistemas parcciam conter cxclusivamente vocdbulos que denoravam clases de parentes, que remetiam a ‘uma quantidade virtualmente infinita de posi bes gencalégicas. A oposigdo entre termos pri- ndris ¢ clases € 0 que esti na base da célebre distingio de Morgan entre sistemas desritivos «© classfcatérios (1871, p.143-144). Dos pari- metros enunciados pelo autos, cuja variagio instaura os dois tipos de sistemas, destacam-se a oposigio entre parentes lincares ¢ colaterais, que esti presente nos decritivos © neutralizada cademos de campo, Sao Paulo, n. 19, p. 323-336, 2010 Begs of aisiy ne Bae fhe Fig I: pagina do Questoniio de Morgan (ratmann, 1987, 100-100. nos clasifcitérios, € a oposigio entre parentes paralclos ¢ cruzados que, a0 contritio da pri- imeira, estd presente nos clasificatérios e neutra lizada nos descritivos. A distingio entre termes primérios¢ clases serviu também para apontar 0 cariter analitico dos sistemas descritivos versus © cariter sintético dos sistemas classificat6rios. O livro de Morgan traz por fim uma hipé tese sobre a origem do sistema classifiearério (Op. cits p-486) ¢ sobre sua anterioridade his- {6rica em relagio aos sistemas descritives (Op. cit. p.493), além de uma “solugio conjetural” do desenvolvimento histérico de seus correlae tos socioligicos mais importantes, aqui res ‘ida: intercurso promiscuo > intercasamento ou coabitagio de irméos ¢ irmas > familia comunal > costume havaiano > sistema malaio > orga- nizagéo tribal > sistema tunariano > easamento 1871: 0aN0 que mio runasou | 35 centre pares > familia bérbare > poligamia > familia patriarcal > poliandria > emergéncia da pro- priedade e da sucessio linear do Estado > familia cvilizada (Op. cit., p.487-493).. A solusio conjetunil de Mor- gan € certamente 0 ponto mais frigil de scu modelo. Mas é justo assinalar também que ocupa um expaco relativamente discreto na economia de scu livre, em que Jum ters das seiscentas pigi- ras so tabelas © boa parte das quatrocentas paginas restantes so dedicadas & anslise sistémica dos dados coletados. © famoso cxorcismo da histéria conjetural ros estudos de parentesco pro- movido por Radeliffe-Brown, por ocasiao dos setenta anos dos Sistemas de Consanguinidade ¢ Afinidade nio deixa pedra s0- bre pedra ((1941] 1973, p.67-69). Por outro lado, convém notar que a correlagio funcional entre vocabulirios de parentesco € instituigies sociais, outro aspecto fundamental do modelo cde Morgan, no parece uma mé ideia a Radcli ffe-Brown, que a “toma emprestado” naquele mesmo texto sobre 0 estudo dos sistemas de parentesco, que inicia com um voto de censue 1a Morgan ¢ seus contemporineos, mas que logo a seguir propde que as enigmaticas pro- jecses obliquas do tipo “mie = filha do irmio da mac = filha do filho do irméo da mac", ete. dos sistemas crow/omaha sejam interpretadas como inflexies dos regimes de descendéncia ‘nos vocabulérios (Op. eit, p.73-114). Contudo,oaspecto maisdurdvel daandlise de ‘Morgan nfo éa meu ver esse que Radcliffe-Bro- ‘wn “toma emprestado”, mas outro sobre 0 qual repousa sua célebre dicotomia, Deixemos claro este ponto: para o autor, os sistemas de paren- cadernos de campo, Sa0 Paulo, n. 19, p. 323-336, 2010 526 Manco Faasina os Siva tesco sio descritivos ou classificasrios em relado aos fitos genealigicos a gue eles se referer, como nao deixa diividas sua definicio de parentesco, evocada acima. Dizer “o aspecto mais durivel da anilise de Morgan” no significa, entretanto, afirmar sua entronizagio como dogma sagrado da disciplina. Ao contririo, a polémica em torno da relagio entre parentesco © genealogia, desde sua primeira erupgio em 1871, é um daqueles vyuledes em atividade da antropologia. Contr buindo decisivamente para garantir aos estudos de parcntesco um lugar de destaque na discipli- za, com sismos de maior ou menor magnitude 1s tilkimos cento © quarenta anos, o debate em. tomo da relacio cntre parentesco ¢ gencalogia, a julgar por suas erupgSes mais recentes, promete ida muita lava fluxos pirockisticos. primeito atague a modelo de Morgan vycio do outto lado do Atlintico, cinco anos depois da publicagio de seu livro. Para John Ferguson McLennan, a anslise de Morgan gra- vitava em torno de dois erros crassos. Para int cio de conversa, nfo procurava “a origem do sistema na provivel origem da classificagio” ©, 0 que era mais grave, conferia aos vocabue os uma importincia sociolégiea que cles nao tinham, j& que nao passavam de férmulas de boas-maneiras selvagens ou, em suas pri prias palavras, “sistemas de saudagées miituas” (McLennan, 1876, p.366). Resumindo, para McLennan, contribuigio de Morgan corres pondia a um monumental exercicio de erudie ‘s40 em tomo de fendmenos ierclevantes. Em sua réplica a McLennan, publicada no ano seguinte, Morgan reage com a mesma contundéncia: (Os ataques de Met.canan explicam-se pea sim ples rario de esses quadros,na medida em que ex- primem sistemas de afinidad e consnguinidade, contradierem e reftarem as principas hipSteses € teorias apresentadas em Castmento Primitio. Seria de exper, pois, que @ autor de Casemento Primitivo acudisse em defesa das suas ideas pre- concebidas. (Morgan, [1877] 1978, p.257) Rivigre (1970, pai), cm sua introdugao editorial a Casamento Primitive, actedita que 0 agravamento do estado de satide de MeLennan cexplica por que o primeiro debate da antropolo- gia ficou sem uma tréplica. Os dois rivais mor reram logo depois da troca de farpas, no mesmo ano de 1881, mas a polémica por eles iniciada, go, embora tenha entrado em um periodo de hhibernagio por mais de trés décadas, até que Rivers a chamasse de volta ao centro do ringue. io conhego nenhuma descoberta, em texlo 0 especto da cignca, que poss ser mais creditada um homem que aquela dos sistemas casifca- trios por Lewis Morgan. Quero dizer com iso 1a somente que ele fio primeiro a apontar cla- ramente a exiséncia deste modo de denotarrea- cionamentos, mas que fo ele que coletou a vasta smassa de matetais pelos quais os caracteres esea- ciais dos sistemas foram demonsteados que foi cleo primeira areconhecer a grande importincia tebrica de sua descoberta (Rivers, 1914, p45) A repercussio da reflexdo de Morgan sobre os sistemas classificat6rios na Gri-Bretanha, provavelmence gragas & resenha de McLennan € ao prestigio de sua teoria do easamento por rapto eda poliandria, foi praticamente nula até sua retomada por Rivers, no inicio do século XX. Nesse sentido, Langham (1981, p.9) cha- ‘ma a atengio para um dado curioso da hist6- tia dos estudos de parentesco, flagrado nas trés primciras edigies das Noter and Queries, publi cadas no fim do periodo vitoriano. A primeira edigio, de 1874, inclui uma tabela de posigées gencalégicas que, Langham faz questio de as- sinalat, foi retirada do questiondtio de Mor gan sem reconhecimento de autoria © nao ve acompanhada das instrugées © observacies cxplicativas que a tornasscm minimamente cademos de campo, Sao Paulo, n. 19, p. 323-336, 2010 compreensivel aos eventuais interessados. Esta tabela desaparcce nas duas edighes seguintes, de 1892 ¢ 1899, surgindo em seu lugar um pe- queno texto, aparentemente irrelevante, sobre algumas dificuldades inerentes a0 estudo dos yocabulisios de parentesco de povos exiticos. Mas se a atmosfera na metrépole vitoriana era francamente hostil ao método de Morgan, tudo se passava de outra mancira nas longti «quas possessbes do império bricinico, Um mis siondrio wesleyano, L. Fison, ¢ um explorador naturalista, A. W. Howit, publicam, em 1880, uma coletinea, em coautoria, intitulada Kae ilaroi e Kurnai, prefaciada por Morgan. Esta coletinca é hoje tomada como o marco inicial dos estudos de parentesco australiano. A premissa de Morgan de que os sistemas de parentesco correspondiam a vias de acesso direto 4s instituigées sociais foi, no entanto, vie gorosamente criticada em sua prépria terra por A. Krocber, na primeira década do século XX, em um texto que, embora no evoque a me: méria de McLennan, fez, certamente a balanga pender para seu lado, Para © autor, a distingio de Morgan entre sistemas clasificatdrios © descrtivos era equie vocada, uma ver que em todos as sistemas de parentesco hi termos que elasificam. Assim, por cexemplo, a palavra “cousin”, de um sistema des- czitivo como o da lingua inglesa, compreende trinta e dois tipos de primos apenas de primeiro grau. Projetada aos primos de segundo e tercciro grau, 0 ntimero de tipos cobertos pela palavra aumenta em progressio geométrica. Kroeber Jembra ainda, com razéo, que nenhuma lingua dispéc de termos diferentes para todas as possi bilidades genealégicas , portanto, nenhum sis tema seria propriamente descritivo. Além disso, contra outro aspecto fundamental do modelo de ‘Morgan, a relagio entre sistema de parentesco e instituigdes sociais, o autor chama a atengio de ue 0s vocabulirios, enquanto fatos da lingua- gem que sio, “relletem a Psicologia, nio a So- 1871: 04N0 que mio runasou | 327 ciologia. Sio determinados, antes de mais nada, pela lingua” (Krocber, [1909] 1969, p.25). Enfim, parece que 0 aluuno de Boas dis- corda de Morgan em tudo. Na verdade, po: rém, discorda de tudo menos do essencial: a interpretagio gencalégica do parentesco. Os ito Famosos principios ou categorias, que para Krocber favorecem a comparabilidade dos vo- cabulirios, posteriormente retomados pelas pologias de R. Lowie (1928) e de G. Murdock (1949), assim como pelas anélises formais de W. Goodenough ¢ F. Lounsbury nas décadas de 1950 ¢ 60, nio escondem os ecos daqucles parimetros genealégicos que estio na base da distingao entre sistemas classificatérios ¢ des- eritivos (Morgan, 1871, p.145-149). Kroeber nao fica, entretanto, com a iltima palavea no debate. Quatro anos depois da pu- blicagio de seu artigo, W. Rivers, em defesa das teses de Morgan, acerta as contas, em primeiro lugar, com MeLennan ¢ seus seguidores, sobre fos quais, em uma conferéncia proferida em 1913, Rivers diz.o seguinte:, Aqueles que adotaram [as ideias le McLennan] geralmente se contentam em repetir a conclusio de que o sistema clasificatério nao é nada mais que um corpo de saudagies munuas ¢ formas de tratamento, Fles nio conseguem pereeber que, ainda asim, permanece necessiio expicar como 10s termos do sistema clasificatério passaram a ser usados em saudagBesreciproca,falhando em reconhecer que estio rjeitando 0 principio do deceeminismo na socilogia, ou apenas colocan- ddo a uma distancia conveniente a consideragio do problema de como e por que os termes elas- sifcarios passaram 2 ser utilizados por tantos povos da Tera [..]. Una ds diversas consequ- éncias fiestas da crenga de McLennan sobte a imporcincia da poliandeia na histria da socieda- dde humana foi a incapacidade, por parte de seus sepuidores, de perceber a importincia do sistema clasificat6ro... Rivers [1913] 1991, p.75-7). cadernos de campo, Sa0 Paulo, n. 19, p. 323-336, 2010 528 | Manco Faasina oa Siva Mas Rivers nio gasta toda sua munigio em MeLennan e scus seguidores. Uma bala de pra ta estava guardada para a hipétese de Krocber de que os termos de parentesco refletiam a psi cologia, no a sociologia. Entrincheirado em sua propria experigncia ctnogrifica adquirida em Fiji, Novas Hel idas e Guadalcanal, em po- vos cujo sistema de parentesco se caracterizava, por exemplo, por definir um mesmo vocdbulo para dizer “tio materno e sogeo” ou “ti ce sogra’, chega a hora do acerto de contas: paterna Se nio fosse pelo matriménio entre primes crue zaddos, 0 que pode ex mic uma maior semelhanca psicoldgica com 0 sogro do que 0 iemio do pai, ou & irma do pai tuma maior semethanga psicol6giea com a sogra lo que a rma da mie? [.] como & possivel que 1s termos das relagées de parentesco nao refltam para dar ao irmio da asociologia, se tis similaridades ps clas mesmas 0 resultado do matriménio de pri- ‘mos cruzados? (Rivers, [1913] 1991, p.88-89] igicassio Fica assim demonstrado que as preocupa- cies do Professor Malinoswki, manifestadas a seus alunos, nfo eram infundadas. De fito, 0 fantasma do “falso profeta’s “inspirador da en- ganosa énfase causal das formas de casamenco nas instituigdes do parentesco”, tinha acabado de migrar para a Gri-Bretanha € se escondia atris da “besta negra’ A continuidade do projeto de Morgan recla- ‘mava, contudo, a invengio de uma nova ferra- ‘menta de campo, mais égil que 0 pesado rotciro de duzentos ¢ trinta e quatro posigies genealé- gicas, cujo preenchimento requetia razodvel ha- iade para a abstracio e boa dose de paciéncia tanto do informante quanto do pesquisador. O ‘método gencalégico, descavolvido por W. H. R. Rivers, com a colaboragio de A.C. Haddon, due ante a eélebre expedicio ao Estreito de Torres, realizada em 1898, vem responder essa deman- da. A nova ferramenta cra capaz. de produzit, com precisio © rapider, as informagées chave para os estudas de parentesco. No lugar da co- leta de vocdbulos de parentesco de linguas exs- ticas fora de seu contexto de uso, com base em posicies de parentesco abstratas, Rivers prope partir de uma genealogia real, sobre a qual um informante forneceria com exatidio as elasifiea ces de seus parentes. Nelas, os individuos vivos fou mortos de sua rede scriam identificados por scus nomes préprios em diagramas que garantie riam a coleta eficiente e controlada de um dado vocabulério de parentesco, akém de informagses sobre prefertncias macrimoniais, regimes de des cendéncia ¢ de transmissio de bens, migragies, dircitos, deveres, paptis cerimoniais, padsocs conomdsticos e assim por diante A invengio do método atendia a0 interesse de estabclecer uma base cientifica para a nova disciplina e & necessidade de assegurar um ins trumental adequado para a compreensio da- quelas organizagies socials de pequena escala ameagadas de desaparceimento pela expansio do Ocidente (Langham, 1981, p.66-9)”. Rivers observa, no contato com as pequenas popula cies égrafas do Estreito de Torres, que as infor mages genealégicas li coletadas podiam recuar a muitas geragoes. Além disso, cram produzidas com notivel acuidade, além de serem muito valorizadas pelos nativos. Apresentado 3 comue nidade cientifica nos anos subsequentes (1900 € 1910), 0 métado & incorporado is Notes and Queries on Anthropology, a partir de sua 4 ed sao, de 1912. Em poucos anos, o método de Rivers consagra-se como ferramenta indispen- savel da pesquisa etnogrifica, 0 “stock-in-tnide” do antropélogo (Bares, 1967, p.104), comoo cinzel & do escultor. Nas palavras de R. Lara a quem devemos a publicagio de sua primeira tradugao brasileira, o método € “0 instrumento minimo de trabalho do antropélogo (..., © ale cademos de campo, Sao Paulo, n. 19, p. 323-336, 2010 fabeto que permite a transcrigéo da linguagem do parenteseo” (Laraia, 1969, p.9). ‘Mas, propriamente falando, Rivers nao énven- 1a0 metodo genealégico. O que faz é tansformé- -locem ferramenta analitica da antropologia social muito especialmente, dos estudos de paren- tesco. Versies arcaicas do método se perdem no tempo. Hi scculos, a aristocracia curopeia iio apenas 0 cultiva fervorosamente”, mas ainda a cle consagra suas formas plistcas mais caracteristicas, ‘como as que evocam érvores frondosas ou as pe- gadas de um grou, © vocibulo inglés “pedigree” & ‘uma corruptela da locueio francesa “pied de gra” que é na origem, rigorosamente sinénima de “genealogia”. No entanto, alguns autores, como Bares (1967, p.103), propéem uma distingio entre os dois vocibulos: genealogia seria oartefato produzido pela anilise etnogrifica, em formato padrio, a partirde um método rigoroso; pedigree, ‘um conjunto de informagies fornecidas pelo nae tivo nos termos de sua prépria cultura, Outros autores, com 05 quais tendo a concordar, como Bamard ¢ Good (1984, p.21), lembram, entre- tanto, que tal distingo € apenas relativa, uma vez que se, por um lado, pedigree é 0 modo come um native concebe uma genealogia, por outro lado, uma genelogia nao € outra coisa senio 0 modo como um ancropélogo concebe um pedigree Até 1910, Rivers acreditava na confiabilida- de do mécodo gencalégico no apenas para 0 registro das relagdes sociais, mas também para a producio de dados sobre os vinculos naturais (genéticos) entre os individuos nos quais se ba- seavam as “estaistcas vita’, como a proporgio dos sexos em uma populagio, tamanho médio da familia, cocficientes de nascimento ¢ dbito, cte., contribuindo também para o estudo de te- mas da antropologia biolégica, como a heredi- tariedade, por excmplo, Para o autor, um corpus genealdgico trazia informagbes sobre relagies entre individuos que eram ao mesmo tempo sociais © naturais, fuendo eco \ concepgio de pparentesco de Morgan. Assim, Rivers, por um 1871: 04N0 que mio runasov | 329 lado, nio ignora que a relagio de fliagio é de ‘muitas manciras definida nas sociedades pris tivasc, nesse caso, 0 que estd em jogo é um mo- delo native, que o antropélogo deve observar e descrever, No entanto, na pequena genealogia coletada nas ilhas Salomao, apresentada no texto de 1910 como cxemplo do emprego do método, © autor procura “deixar claro” a seu informante, Karka ou Artur, localizado no lado dircito do dliagrama, que desejava saber “os nomes de seus pais biolégicos¢ nao de alguma outra pessoa que cle assim chamasse, devido ao sistema classifica (Rivers, [1910] 1969, p.28). Rivers infelizmente nio nos di pistas de como consegue “deixar claro” para Kurka 0 que cle de faro quer saber. Nos contextos eulturais fem que muitas mulheres sio classificadas como macs de um mesmo individuo, pode ser rela- tivamente simples eselareeer que aquilo que se t6rio de relagiec quer saber é de que barriga Kurka saiu, Mas como fazer Kurka entender que 0 que se dese- ja de faro registrar & 0 nome de quem efetiva: mente contribu com 0 espermatordide que inseminou um dado dvulo de sua mae, cerca de nove meses antes de seu nascimento? Mesmo que o pesquisador lograsse éxito nesse expinho- so ato de comunicasao intercultural, nao teria rnenhuma garantia de que, novamente para Kurka, os fttos naturais da concepgio fossem codificados da mesma forma na definigio de paternidade. Em suma, biologias nossas e nati vas, para Rivers, estavam embaralhadas em um, corpus gencalégico, pelo menos até 1910. vale rae ‘abs [fae A Tak andes ogagrssalae bg moa co ae [ear iaat rhage feed 2 Fig 2:0 diagrama de Rivers, cadernos de campo, Sa0 Paulo, n. 19, p. 323-336, 2010 330] MiacioFaauin oa Suva Alguns anos depois, Rivers se livra deste embaralhamento 20 se debrucar sobre © mae terial etnogrifico coletado em Mota, nas Ilhas Banks. Af passa a opor nitidamente 0s con cxitos de parentesco © consanguinidade, para 0 autor entendidos como fendmenos da cultura © naturesa, respectivamente. Nas Ihas Banks, diz.o autor, (..) arelagio de pai/mae ndo pass a exist pelos fats da procriagio e da parturigo (.). S40 atos como o pagamento da parteira, sua primeira smamada ou o plantio de uma drvore por ocasiio de seu nascimento que vio determinar quem x io, para todos os fins saciais, os pais da crianga (Rivers, 1915, p-700), Desta forma, suas idcias passam a coincidir com as de Durkheim, como veremos logo a se- guir. Contudo, Rivers continua insistindo em seu ponto principal: a pesquisa gencalégica “Eo que fornece o método mais exato e convenien- te de definir o parentesco” (Op. cits p.701)- Osestudos de parentescodevema Durkheim (1898) a definigio de corpus gencaligico como artefato da cultura € nio como dado da natue rera, Em um artigo publicado exatamente no ‘mesmo ano em que Rivers e Haddon realizam a expedigio ao Estreito de Torres, Durkheim nos alerta que uma gencalogia, como objeto da ciéncia social, de maneira nenhuma se reporta a fendmenos bioligicos, mas essencialmente 20 universo das representagées. Segundo 0 autor, © lago genealdgico, como fato social irreduti vel, corresponde & presungio da relagio de pa- rentesco tal como é estabelecida pelo nativo, © isso € 0 que tem importincia. Como assinala Schneider (1984, p.100), com Durkheim, a biologia ocidental comega a dar lugar is gas nativas. Mas, de uma forma ou de outra, prossegue Schneider, 0 fantasma da biologia, qualquer que seja cla, sempre estard Id na tradi- io dos estudos de parenteseo?, Com um texto provocative, publicado em 1930, B. Malinowski entra no ringue dos estu- dos de parentesco. Embora suas ideias de certa forma reverberem o ceticismo de McLennan «em relagio &s propostas de Morgan, nem ele & poupado, Para Malinowski, todos estio errados. IAs] teoris conjeturas do parentesco simples- ‘mente inundaram a literatura antropoligica dos tempos de Bachofen, Morgan e McLennan 20 revival recente encabesado por Rivers sua es- cola, A. R. Radclife-Brown e ultimamente A. Bernard Beacon, ‘:T: Barnard, Sra. Hoernle, Sea. BZ. Seligman, para nio mencionar a mim ‘mesmo e & trindade californiana do parentesco, Kroeber, Lowie ¢ Gifford — todos influenciados por Rivers. (Malinowski, [1930] 1971, p.95) Para Malinowski, era preciso oferecer uma ale temativa i tilha por onde seguia Rivers e sua corte amestrada em patinar no formalismo ecm “memo- rizar longas lisas de termos nativs, seguir persis tentemente diagramas formulas complicadas, soar sobre documentos drides, aturar longos debates dedutivos co empilhamento de hipéteses sobre hi péteses”. Segundo o autor, 0 “antropélogo médio, tembora mistiicado ctalvez.com um pouco de hos- tilidade, ficou de fora daquelecirculo de iniciades” « tinha dividas mais que justficadas se “os esforgos nccessvios para dominar algebra bastarda do pa- rentesco valiam mesmo a pena” (Op. cit, p95). De acordo com Malinowski, © caminho a seguir era outro ¢ deveria partir do problema funcional do parentesco. Neste novo quadro, (0 mais importante era entender caso a caso, 0 que o parentesco realmente significava para os nnativos, isto é, 0 modo como uma dada culeue 1a, organicamente integrada, 0 define € © pratie ca no contexto de suas instituigdes, © que, em certo sentido, retoma a posigio de Durkheim. {PJor mais primidva que seja uma comunidade, 1s Fatos da concepsio, gestagio e parto nie so cademos de campo, Sao Paulo, n. 19, p. 323-336, 2010 relegados & Naturera, mas reinterpretados pela tradigio cultural: em todas as comunidades, temos uma teoria sobre @ natureza e causas da concepslo, um sistema de padsdes costumei- ros, religisos, mégicos ou legas, que definem © comportamento da mic ¢ as veres também do pa, temos especifcamente um niimero de tabus observados por ambos durante a gestago (Op. cits 1930, p.99). Segundo Malinowski, © parentesco tem como cena inicial © modo como uma cultura interpreta a producto de uma crianga por um casal ¢ se desenvolve com base em dois pro cess0s distintos ¢ complementares: um dees & © de extensio dos lagos instaurados entre pais ¢ fillos, a partir da (¢ que fundam a) familia nuclear. Este processo produziria a parcntela, a fami ‘como 0s sistemas clasificatdrios de Morgan. O outro processo envolvido no parentesco, com plemento sécio-légico do primeito, seria 0 de sua distorgdo, com a valorizagio do cileulo uni- linear, agnitico ou uterino segundo 0 €as0, ge- rando os grupos politica (clas, linhagens, et) (Op. cit. p.102). Convém chamar a atengio de que sobre tais processos de distorgdo ¢ extensdo cintilam as duas jdias da coroa antropolégica britinica da primeira metade do século XX, respectivar mente, os conccitos de descent e filiation (For- tes, 1953), que ressurgem criunfalmente na Africa entre os Nuer, como bush © mar (Evans- Pritchard, 1940), opondo os sistemas politicos a0s sistemas de parenteco ¢ casamento e, ateavés deles, as esferas do priblico © do privade nas so- ciedades primitivas. Mas, antes de prosseguis, & preciso deixar claro o que aqui esté em jogo: processos de dis- torgio ¢ extensio do qué? De lagos gencalégi- cos. Ai parece que estio todos de acordo, ‘extensa ¢ fendmenos a cla relacionados, 1871:04y0 questo runanou [334 Enfim, © método gencaldgico consigra-se como ferramenta indispensivel a0 oficio ane tropoldgico, como mostram as pesquisas do proprio Rivers © também as de Malinowski entre os trobriandeses, Fortes entre os Tallensi, Evans-Pritchard entre os Nucs, H. Kuper entre os Swazi, Shapera entre os Tswana, Gluckman entre os Lozi e os Zulu, Forde entre os Yak, Nadel entre os Nuba, Firth entre os Tikopia, ‘Turner entre os Ndembu, Leach entre os Ka: chin, Krocber entre os Yurok, Lowie entre os Shoshone ¢ os Crow, Margaret Mead em Ma- thus, Radeliffe-Brown entre os andamaneses, cte.. Uma lista exaustiva dos usuirios do méto- do gencaldgico é um Who is Who da Antropo- logia Social da primeira metade do século XX. [Nas duas pesquisas que inauguram o periodo ‘modcino da etnologia sul-americana, nos anos 1960, consigrando um padrio para as geragies scguintes, o método de Rivers é vigorosimente retomado por D. Maybury-Lewis (1967) entre os Xavantee por P Riviere (1969) entre os Trio. Suas colegbes de genealogias sobre as quai se basciam izagies estio Li em apéndice a suas -monografas pionciras. Nas décadas seguintes, 0 suas genet método é retomado com 0 mesmo rigor por J.C. ‘Melardi (19770) entre os Krahé, A. Seeger (1981) entre os Suyd, Viveiros de Castro entre os Arawe- 16 (1985) ctantas outros. A lista é longa’ Nao obstante, a partir da década de 1960, © debate sobre parentesco ¢ genealogia, como tum vuleio que se julgava extinto, entra em um. novo perfodo de atividade que, a rigor, até hoje ino cessou, com debates que ficaram conhe dos como o da natureza do parenteso (E. Gell- nes, 1963; HLM. Beattic, 1964), da relagio centre genealogie categoria (D. Maybury-Lewis, 1965; H. Scheffler € E. Lounsbury, 1971), do nascimento virgen (E. Leach, 1966; M. Spiro, 1972) e assim por diante. E nesse periodo de novos abalos sismicos que, nos anos oitenta, D. Schneider (1984) provoca um terremoto de grande magnitude na tradigio riveriana cadernos de campo, Sa0 Paulo, n. 19, p. 323-336, 2010 332 | Mincio Fannin oa Suva Em um dos livros de maior impacto nos estudos de parentesco das iltimas décadas do século XX, 0 autor chama a atengio de que a tradigéo ancropolégica esti ancorada no que denomina “Doutrina da Unidade Genealogica da Humanidade” (1984, p.188). Tal ernocpis- temologia europeid — a expressio também é do autor ~ é 0 que teria garantido, desde os pric mérdios da disciplina, a comparabilidade das anilises © a pripria ideia de parentesco como ‘um universal substantive das culturas. Mas, atengio! Schneider certamente no supde que todos os seus colegas estio equivocados porque olham para as culturas exéticas através de lentes ceropeias, Isso, cle (sabe que) também faz. Sem modelos, europeus ou de outras procedéncias, a mirada etnogrifica nao encontra um rumo a soguit, Para o autor, © problema nio estaria, portanto, no continente em que tais lentes for tam fabricadas, mas no fato de indurirem uma interpretagio crrdnea ¢ etocéntrica do dado, justamente porque se baseiam na erenga de que © parentesco existe em toda parte como um sis tema € que, em toda parte, representa, reflete, simboliza, organiza, ete. relagdes fundadas na reprodugio sexuada © em processos a ela cone comitantes. Tais pressupostos, para Schncider, no sio outta coisa que 0 surrado senso co: mum do Ocidente (Op. cit, p-4). Nao hi dhivida de que a critica de Schneider foi fundamental. Contudo, devemos perguntar a autor, que outro caminho seguir? Ou, para nna metéfora éptica por cle proposta, quais seriam entio as boas lentes para o est: do do parentesco? Passemos & sua profissio de f& (Op. cit, p-196), Para Schneides, a ancro- pologia ¢ 0 estudo das culturas particulares insist Sua primeira tarefa, pré-requisito de todas as outras, é entender ¢ formular os simbolos, as, configuragées ¢ os sentidos nos quais uma cul: tura particular consiste. Até af, nao hi desacor do. Mas como lembra F. Hétitics, “dito desta forma, o pensamento culturalista ou relativista no € jamais false” (1996, p.35). Quanto is ou- ‘nts tarefas da disciplina antropolégica, 0 livro de Schneider nao di pistas a0 leitor. Algm disso, curiosamente, seu liveo se cala diante da outra Doutrina do parentesco, que yeio A luz em 1949. Tudo se passa como se, para o autor, o modelo estruturalista também. se baseasse naquela mesma Doutrina da Unidae cde Gencalégica da Humanidade. Nesse sem do, o autor flagra na obra lévi-straussiana duas derrapagens comprometedoras. Em uma delas, Lévi-Strauss afirma que “a micologia € um pro- duto puro ¢ desembaracado da mente humana, de tal mancira que 0 parentesco nio 0 (apud Schneider, 1984, p.141). Em outra, diz-que 0 “valor da troca nio ¢ simplesmente aquele dos bens trocados, uma ver que ele prové os meios de ligar os homens uns aos outros ede sobrepor aos lagos naturais do parentesco os lagos artfic ciais da alianga” (Op. cit., 1984, p.173). Nio obstante, Schneider lembra que Lévi-Strauss, em outro momento da obra, diz também que tum sistema de parentesco no consiste naqueles “Lagos objetivos de filiag3o ou consanguinidade dados entre os individuos”, mas “existe apenas na consciéncia humana ¢ constitui um sistema arbitritio de representagées, nao o desenvolvi ‘mento espontineo de uma situagio factual”. Schneider entio conclui: “Eu posso entao estar cerrado cm atribuir esta posigio a Lévi-Strauss. Ou pode ser que Lévi-Strauss nio seja inteirae mente consistente” (Op. cit, 1984, p.141) Se Lévi-Strauss tivesse escrito 36 essas frases sobre parenteseo, seria possivel concordar com tal opinido de Schneider. Mas a tradigao ina gurada por Lévi-Strauss correspond a uma ver dadeira mudanga de paradigma. E.0 impenttivo da troca— € ni 0 império da biologia ~ 0 que segundo o autor Funda as estruturas do paren- tesco (Lévi-Strauss, [1949] 1967). Nesse novo quadro, a fangio de um sistema de parentes- co no € tanto representar, refleti, simbolizar, organizar ete. relagdes fundadas na reprodugio cademos de campo, Sao Paulo, n. 19, p. 323-336, 2010 sexuada, mas definie imposiilidadese possbili= dades matrimoniais (Lévi-Strauss [1965] 1969, 127), Para além da pretensio de universali- dade que ambas manifestam, no hé outras semelhangas importantes entre as duas Doutri- tas. A hipétese com a qual operamos aqui pode ser assim resumida: © modelo lévistraussiano autoriza uma reinterpretagio das _genealogias como registros de uma historia infletida, entre outras coisas, por tais possiblidades e impossi bilidades, © nao mais (ow nao somente) como registros de uma historia das relagées naturais entre os individuos ou de representagies nativas sobre os fatos da reproducio sustentadas pelo melanésio de tal ou tal ilha, O que nao quer dizer que tais representagées no sejam fun- damentais para o estudo do parentesco em tal ou tal ilha, jf que estio diretamente implicadas zo tal “conjunto complexo de creneas, de eos tumes, de estipulagies e de instituigées que se designa sumariamente sob o nome de proibigio do incesto” (Lévi-Strauss, (1949] 1967, p.10). CConyém lembrar também que, na mesma época em que Schneider formula sua criti- 2, pesquisas pionciras como as de B. Hétiticr (1974; 1981) sobre © funcionamento real das redes matrimoniais dos Samo de Burquina Faso e de M. Segalen (1985; 1991) sobre a alianga de casamento no Pais Bigouden, Bre- tanha, abrem caminho para as notiveis contri buigées reeentes de D. White, M. Houseman € outros, descortinando uma rca experimental de estudos de parenteseo ¢ computagio que as- segura muitos anos de vida ao velho método genealégico. Nos iiltimos cinquenta anos, 0 dislogo com a informética e com a teoria dos grafos, ramo da matematiea que estuda as re= laces entre as coisas, conferiu ao método de Rivers avangos sem precedentes, Tal aproxima- Gio se inicia exatamente na mesma época em que 0 tema das genealogias entrava na tal zona de turbuléncia a que me referi acima, com a publicacio, em 1960, de um pionciro artigo do 1871: 0aNo que io rutasou | 333 matemitico norucgués @. Ore (1960), intitu- lado com humor “Sexo nos Grafos”. De qualquer mancira, & preciso reconhecer aque a critica de Schneider teve 0 mérito de con: tribuir dexsivamente para que os estudos de pa- rentesco desembareassem na contemporancidade, perlodo marcado pelo fim das grandes narrtivas «, consequentement, pela suspeigio em relagio 3s doutinas de pretensio universal como a da uni- dade gencalégica da humanidade (apesar do Pro- jeto Genoma) ¢ a do imperativo da troca. Hoje, para um circulo expressive de antropéloges ul traschneiderianos, o método centenirio de Rivers ‘morren ¢ jd vai tande, depois de tanto desservigo prestado A disciplina pela modelagem gencalégica do parentesco. Enquanto iss, para outro cfrculo, do qual, se estivese vivo, talvez.0 priprio Schnei- der cendgrafo dos Yap, fizesse parte'!, a modela- gem poderia ser eventualmente ditil para fornecer ao etnégrafo pistas sobre as redes de relacionalidae dea serem retomadas pela anslise. Uma coletinca aque acaba de vir luz, organizada por S. Bamford « J. Leach (2009), com um titulo impossivel de taduzis em portugués mantendo a elegincia do original, Kinship and Beyond, raz textos muito ine teressantes, que representam diversos matizes do spectro de posigdes aqui resumidas, Esta colts rea exprossa seu espirico no subtiulo: “O método geneal6gioo reconsiderado”. Na dirego oposta, entretanto, acaba de ser publicado um niimero especial dos Annales de demographic historique, organizado por Cyril Grange © Michael Houseman (2008). Aq ino se trata de reconsiderar 0 mécodo genealé gico, mas de refindi-lo no século XX1, como revela o proprio titulo do volume: “As redes de parentesco, refundar a anilise”. Com textos tio instigantes quanto os da coletinea de Bamford © Leach, scus autores apresentam pesquisas baseadas em rigoroso tratamento inform: de dados gencaldgicos, além de oferecer uma ferramenta computacional clegante (www.kin- tip.net). Seus autores atualmente integram um, cadernos de campo, Sa0 Paulo, n. 19, p. 323-336, 2010 334] Mincio Faun oa Suva projeto de “Simulagies de Parentesco” (0 Sim- Ps, 2009-2012), sediado em Paris, que redine antropélogos, cientistas da computacao, de- _mégrafos, estatisticos, mateméticos, engenhei ros ¢ historiadores, todos a anos-luz de 1871. ‘Mas a premissa deste megaprojeto é com todas, as letras, a seguinte: as redex de parentesco evo em como sistemas dindmicos. Complemento idiossincritico Em uma passagem de sua Critica... a0 cen surar a homologia entre os vocabulirios das cores ¢ os de parentesco, D. Schneider ponde- a com ironia que “se as cores consistem em. ondas percebidas pelo olho, mensuriveis por espectroscépios, as gencalogias no consistem em algo do mesmo tipo e nao existem genealo- goscépios" (1984, p.125). Schneider esté certo, Genealogoscépios, que trazem % mente aquclas engenhocas inventadas pelo Professor Pardal, de fato nao existiam nos anos oitenta € hoje continuam no existindo. Mas, talvez, com 0 pasar dos anos, gracas a projetos como o Sim= Pa, 0s genealagoscdpios migrem dos horizontes das histérias em quadrinhos para 0 do faturo dos estudos de parentesco. 4874: The Year That Never Ended act In 1871, with the publication of Lewis Henry Morgan’ Sptems of Consanguinity and Afinity of te Ftuman Family, the anthropology of Kinship broke fiee from the gravitational pull of History, Law and Philology to become established asa field in its own right. Along witha field of study ‘Morgan proposed a method and techniques of data collection of phenomena grouped under the rubric of kinship Csystem of consanguinity”). He defined “Kinship” asa formal expression and social recog- nition of natural relations between individuals of given collectivity (1871, p.10). This definition has been ar the center of one of the most longstanding anthropological debates. ‘The relationship between Kinship and genealogy has generated. controversy for some 140 years and, to judge by the most recent developments, promises to continue to incite deba- te far into the farue, keywords Kinship and Marriage. Genealogical Method. Lewis H. Morgan. William H. R. Rivers. History of Anthropology. Notas 1. Sou grata aos comentirios de Fernanda Peioto, Be- atviePerrone-Moisés¢ Edson Tosta Mataizio Filho A prima versio deste aga a0 apoio da FAPESP (Proc. 20081533523) 2. A biografia de Resck (1960) ©o guia de Tnutmann (1987) so leituras fundamentais para acompreensio do projeto eda arquitsurs de Soma de Coming ide eAfnidade da Familia Famana 5. Consanguinity, no original [io me parce convincente a argumentasso de Lan- ham (1981, p90), reterada por Cardoso de veira (1991, p.19), de que “as descobertas de Rivers uardam expresva independéncia em relasio ie de Morgan”. Esta opiniio se basia, entre outa coisas, ro fto de no haverevidencias que comprovem que Rivers, ao embarcar pars expedigso a0 Esto de “Torres, tenha ido contaro com as ideas daqucle a tor. No entanto, no foese a infiuéncia das idee de “Mogan, que mais poder expliae seu interse pelos ‘ocabulrioe de parenteso, enn tm cenirio marcado pea critica de McLennan? Convém lembrarainds que Rivers fiz questi de assinalar que “oprimeito © mas brio” (1969 ({1910], p30) uso do mérado genes i é preisimente pars oemtudo dos vocsbulirios de prentesco. Como procuro argumentar, 9 méodo de Rivers roma um legado deisado por Morgan, 0 que 1 retira um miner de sua imporinca, 5. Os interesados no desenvolvimento desta “inven 86" encontrario muitas infoemagses interssanes em Langham (1981, p.50-93). 6. Aversio de 1910 €a que ficou eélebre. No Brasil, ha dduss tadugbee do texto em questio. A primi foi publicada em 1969, em uma coletinea de textos de pprenteso, omganizads por Roque Lars. A segunda cademos de campo, Sao Paulo, n. 19, p. 323-336, 2010 veo 3 luz em 1991, na coletinea de textos de Rivers conganizada por Roberto Cardoso de Olive. 7. Mas no se pense que tal culivo fervoroso & cosa dd pasado, como, por exemplo,revela 0 cuidadoso estudo de A. Lima (2003) sobre a elite econémica portuguesa no limiar do século XXL, eom suas gran. des familias e grandes empreendimencos. 8. Em portugues felizmente, ew dia ~ 0 ermo pe. dgree, cutiosameme dicionaivado sem qualquer adapracio ortogréfica (Cf. Aulio), se consagrou ex clusivamente na efera dos anima de eragio. 9. Observes que a oposigio biologie acidensl versus ologie narias éigorosamente homloga quel en we genealogae pedigree proposta por Bares (1967). 110, Nosanosotenta quando era aluno do Museu Nacio ral, © emprego do mécodo rveriano na pesquisa de campo fazia pare do que os profesores denomina ‘am “dever de cas" da pesquisa aneopolégica. Nao € por outa rio queo rencontramos nas diseragies «tees de emologia indigena daguee period: V. Lea (1986) emtre as Kayape, Teixeira Pinto (1989) ene os Arara,C, Faust (1991) ent os Parakand, A. Vil «4(1992) enreos Paka Nova M. Siva (1993) ence (8 Waimit-Attoai et 11, Esta parece sera opinio de Bamford e Leach (2009, pla) Referéncias bibliogréficas BACHOFEN, J.J. Das Mlurerech. (versio norte ameri= cana: Myth religion and moaber righ, selectes writings of ff. Bacofen. Marx, R. (ed) [1954] 1967). Prince ton: Princeton University Press, 1861 BAMFORD, S. & LEACH, J. (Eds). Kinship and Beyond: The Gonetlgical Model Reconsidered. Oxford Berghahn Books, 2009. BARNARD, As GOOD, A. Recarch Practice in the Sindy of Kinship. ASA Research Methods in Social ‘Anthropology, No.2. London: Academic Press, 1984 BARNES, J. A. Agnation Among the Ena: A Review Article. Oeanit, 38, p.33-43, 1967. BEATTIE, J.H.M. Kinship and Social Anthropology. ‘Man, 64, p 101-3, 1966 CARDOSO DE OLIVEIRA, R. (Ong). 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