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GUY FOURQUIN HISTORIA EVO Te UU TA aD MEDIEVAL De qualquer forma, ninguém em decorrer da primeira Idade Média, Pepaeaeas Goan hegre sempre demasiado fraca, e, Portanto, incapaz de explorar a fundo as Suas riquezas e de promover um minimo de divisio do trabalho, Cada regiao, cada cantio, cada ville procura produzir praticamente toda a gama de produtos alimentares: a frequente inseguranca, o Prego elevado dos transportes (que C. Cipolla supde) ¢ a propria ‘estrutura mental» (dominada pelo medo da fome) impediram, excepto relativamente a algumas culturas (vinha, oliveira. 2, uma Sve do ‘trabalho no espago. Apesar de a divisio vertical e ‘orizontal no ser desconhecida (dado que sempre houve, por exem- plo, mercadores Profissionais), a verdade é que os homens surgem frequentemente como «homens de sete offcios». E chegou mesmo a escrever-se que a organizacio dominial «era em suma apenas uma Ultima tentativa de remediar—de uma maneira aliés muito primi- tiva —as desastrosas consequéncias dessa auséncia de raiz de qual- quer divisio do trabalho» (C, Cipolla). 70 Capitulo 4 A TERRA E A ECONOMIA RURAL Embora nao tenha sido o unico elemento da actividade econd- mica da primeira Idade Média, a agricultura foi, de longe, o seu elemento preponderante. «A terra é tudo», ou pelo menos quase tudo. Quase todas as cidades eram ento menos activas do que antes de meados do século III ¢ os préprios Barbaros das grandes migragées eram tio camponeses quanto guerreiros. ‘A civilizag3o continuou portanto a refluir largamente para os campos. Mas ter-se-A a economia rural modificado’ com a instala- gio dos Germanos, sob a forma de hospitalitas, nos sectores onde estes foram bastante numerosos, principalmente nos ocupados, num Primeiro periodo, pelos Francos, pelos Alamanos...? Este problema encontra-se na realidade ligado a um outro: o «dominio classicos,| a villa, tal como no-lo dio a conhecer as fontes carolingias, sera o resultado de uma pequena modificacdo operada num organismo exis- tente desde a Baixo Império, ou a conclusic de uma evolugio| menos longa que seria uma consequéncia da relativa «barbarizacaon) dos campos do Ocidente? ui que reside o problema da continuidade da vida ¢ das i i io divergentes, Para 8 no teriam provecado qualquer modificag! r exemplo, todo © territério da Gilia, excepgliofeitn para as cidades © os burgos existen numero, ter-yeeia tido eoberto de villae, que ‘acteristics que 1 as suas antes de 400; «No séer dominio é ainda © mesmo do do séeulo TV, Tem a mesma extensio, ox mesmos limites, Muitas vezes ter o mesmo nome, que the foi dado por um antigo proprieth noe Outros historiadores aceltaram a continuidade ¢ a identidade de pelo menos algumas Ville, desde a época galo-romanica até aos tem- pos _carolingion, Max Mire Mook @ A, Déléage foram mais longe, estrutu: Fustel de Coul: a = | | vendo no grande dominio do século [X_um_prolongamento da orga- nizagao d social, fortemente fechado em torno de um Seen ie facto de a organizagao“domi- ‘nial _ter_apresentai regio para _outra smoto de uma villa ila terem. pertencido..a. -scinilizagiies, agrariase distintas. a_expressao, bastante. vaga,..¢.quase. indefinivel. .“Ed. Perrin retomou um ponto de vista mais seguro e mais prudente, baseando-se_nos. polipticas ©.nos. s da Média. Perrin pés em destaque as anomalias do regime domi «cléssicop, chamando a aiengdo para um facto que os seus anteces- sores tinham de bom grado negligenciado: ndo houve estruturas agricolas simultaneamente uniformes ¢ estdveis ao longo dos sé- culos, mas, pelo contrario, essas estruturas evoluiram conti mente. Isto nao impede no entanto que, também para ele, alguns dos elementos essenciais deste regime «classicon datem do Baixi Tmpério: assim, a villa de Palaiseay, a alguns quilémetros ao sul de Paris, entregue, em 754, por Pepino o Breve a Saint-Germain-des- -Prés, era uma antiga villa galo-romanica Alguns trabalhos, na maior parte dos casos muito recentes mas sempre largamente fundaméntados nos de Cli-Ed-“Pertin, precisa- ram melhor determinados aspectos, apresentando novos cambiantes para o problema da extensio ao mesmc grafica do «dominio classico». Estes iltimos trabalhos debrugam-se sobre regiées meridionais (Rouergue, Baixa Auvergne) ou, pelo menos, em geral~exteriores A Bacia de Paris (Maine, regitio de Gand, ctc.). Para os seus autores, os dominios carolingios, conheci- dos através dos polipticos, ¢ nomeadamente os da regifio parisiense, seriam apenas «0 resultado momentdneo de uma evolucio essencial- mente medieval». Este «regime de exploracio nfo representa o re- gime : normal da organizacio da propriedade em toda a Franca na- quela-época,” constituindo. sobretudo uma excepgiio, cuja aplicagao se limitava a algumas regides da Franca» (A.-E. Verhulst). Antes da época carolingia Independentemente das origens_do_dominio_ carolingio, devemos Preocupar-nos com dois tipos de questées. Por um lado, se nao | sa ‘unani emente réconhecidd que a villa carolingia_seja_filha da ‘omiinica, € preciso “investigar se, 88, no periodo intermédio, rovingios, é possivel ter conhecimento de algo ies ‘68 grandes dominios da altura, sem se thes colar em cima a documentagiio, que sé.é.verdadeiramente existente para o periodo carolingio. Por outro lado, seria a. yilla—merovingia ou. caro- * fg o.tipo-dominante,- quase nea, “di exploragio agricola da 72 mpo cronoldgica ¢ geo- Alta Idade Média, facto ‘que_se_pode_imaginar | com demasiada faci- £,.0. limco tipo conhecido através ? “a par destas grandes propriedades reais, Taicas, eclesidsticas, um mimero talvez consideravel de pequenas exploragdes absolutamente livres, que representariam, portanto, um fraccionamento maior do solo e exigiriam, para a sua valorizagao, técnicas talvez diferentes das da «economia dominial», como pensava A. Dopsch e como R. Latouche estaria bastante tentado a acreditar? Uma villa carolingia «classica», do tipo das que se encontravam em grande numero nas regides de entre_o Loire médio ¢ o Reno dos anos 750 até 4 segunda metade do século IX, tem uma ie e¢ um modo de exploragio claramente conhecidos — pelo_ men: na_generalidade —gracas aos Em. Principio de um unit senhor, goincidindo frequentemente com a area de uma ‘paroquia medieval e moderna, reserva “(terras_araveis, prados, vinhas, quando as havia, e também terrenos incultos), pelo outro, os manses ou-ténures formados quase unicamente por campos cultivados. O regime de exploragiio caracteriza-se pela participagao dos foreiros, sob a forma de «servigos#, na valorizagfio da reserva (que produz valores que sféo beneficio directo do dominus ou grande proprie- tario). O contribute. romano_para_.o.arroteamento_ do Ocidente nao mediterranico tinha sido massivo. Testemunham-no em Franca o grande numero dé topénimos em -acus ou em -anus. Testemu- nham-no também os vestigios de numerosos fundi (termo utilizado antes do termo vil/g). Em face destes wltimos, o vicus (= aldeia), de origem pré-romana, conforme testemunha César, sofrera o con- tragolpe do poder de absorefio dos grandes dominios: durante o Baixo Império, muitos aristocratas que Praticavam o W i das aldeias» tinham ciando da obra de quat-vinkha”a¢ esce desaparecer todos os _yici. Isto foi evic e @ Auver niio _podemos esquecer que Gregério_de_ Tours urupos de | abanilicns. Posteriormente, nem todos estes vici iriam desaparecer 6, fOr exemplo na diocese do Mans, eles eram ainda numerosos ne Ix wleremes, portanto, interrogar-nos sobre a relagao existente entre a8 Aldelis © ay villae. A imprecisio extrema do vocabuldrio alo (Me ie ® conhegamos bem 73 No entanto, é significativo que um bispo de Mans, no comego do século VII, para localizar trés villae, refira © nome do vicus mais proximo de cada uma delas. E tante possivel que, em diversas provincias, exista um certo tipo de subordinacao da villa em relagio ao vicus (R. La- touche). Facto que se pode explicar facilmente, se se quiser admitir que uma villa apenas podia ter uma extensio média, muito inferior & de um terreno inteiro e ser ainda pobre em terras araveis por falta de arroteamento. O facto de, entre o século V e meados do século VIII, o nimero das villae ter indiscutivelmente aumentado um pouco por toda a parte pode explicar-se de duas formas. © territério de todo um grande dominio pode ter sido conquistado aos bosques ¢ aos baldios: IY conhecem-se alguns casos através da toponimia (ex.: Le Breuil, de breuil — reserva de caga), ou através de textos, muitas vezes hagio-\ graficos (Vidas de eremitas ou de fundadores de mosteiros). Ou ent&o tinha prosseguido, podendo mesmo ter-se acelerado, a evo- Iucdo iniciada pelo menos a partir do século IV: os grandes laicos ou as abadias tinham conseguido, nas suas zonas de acco, trans formar os vici em villae. Este «fenédmeno de integragdo» foi facili- 9 tado pela desordem ambiente e pela ruina do «Estado» merovingio. “* Os antigos pequenos proprietarios, desarmados em face da pressio dos poderosos cuja proteccio Ihes era por outro lado necesséria, continuaram a explorar as suas terras, mas em troca de rendas e - servigos, pois passaram a ser apenas usufrutudrios das terras. Parece, portanto, que nfo se pode dizer que a pequena propric- dade tenha verdadeiramente recuado; foi sobretudo a grande pro- priedade — por vezes a grande exploragiio— que se desenvolveu, || entre og séculos Ve VIII, nag regides que ha mais tempo pertenciam | aos. Merovingios. Masisto_ndo-é..verdade relativamente 20 Sul. da” Galia, visto que a Aquitania_conseryou_um. parcelamento bastante grande das terras € apenas conheceu raros dominios importantes. Ressalvemos o caso dis réegides gérmanicas conquistadas pelos Mero- | vingios. A histéria agraria da Itdlia, dos Ostrogodos, dos Lombardos, | ‘ou dos Bizantinos, é bastante mal conhecida, mas o regime das terras parece ter sido aqui original ¢ o fraccionamento da propric- dade — ou mesmo da exploragio — nitidamente mais acentuado do qué noutras regides. Sem duvida que o mesmo aconteceu na parte mediterranica da Espanha e da Gélia. Mais romanizadas do que as outras, as regides mediterrdnicas tiveram, na Idade Média, uma historia rural diferente da do Ocidente nfo mediterrdnico. Em todo o caso, a villa merovingia tem dimensées menos va do que o dominio carolingio, Ainda que, por yezes, a superficie total seja pra npreende menos terras art vein, Vejamos edores nul de Paris; no século VI, onto villa engonivese ainda largamente coherta por uma parte da va (poneses? Era, evidentemente, o rei_¢ també grande floresta de Yveline; ao passo que, por volta de 800, apenas inclufa trinta hectares de bosque. Menos vasta, mais arborizada, a villa merovingia engloba também menos fenures. Pelo menos, ¢ esta a hipdétese—nio ousamos dizer a demonstragéo— mais recente. Enquanto, por volta de 800, a reserva representava apenas 20 a 40 por cento da superficie ardvel total do grande dominio, no dominio merovingio cla fora «frequentemente a sua fracgdo mais impor- tante». Antes do século VIL, esta reserva parece ainda principalmente valorizada por escravos e outros nao livres ligados ao centro de exploragdo, © portanto nfio casados (os casados ou casati io aqueles a-quem © dominus atribuid uma fenure). O primeiro servigo gra- tuito, do ponto~de vista cronoldégico, exigido a todos os foreiros teria sido a riga, ou cultura de um pedago de terra determinado por cada foreiro: as mais antigas mengdes deste servigo encontram-se na lei dos. Bavaros ¢ na dos.Alamanos. A partir, talvez, do sé culo VIII, foram impostas aos foreiros novas corveias agricols: isto tornara-se_necessirio devido ao esgotamento das fontes i nte num «vasto movimento de arroteamento» que_ter a evolucio da villa entre 68 séculos V ec VIII, nio se pode no entanto por éifi diivida que Os arroteamentos (c a secagem de pan- tanos como nos Paises Baixos) explicu s facilmente a forma- 80 de novas tenures, a extensio das e das reservas (em numeros absolutos, néo em niiiieroe relatives e em percentagem da superficie total das villae). Mas dispomos ainda de poucos exemplos Seguros desses arroteamentos, idénticos aos anteriores a 825 (mas anteriores até que ponto?), testemunhados pelo poliptico de Mon- tigrender. Uma outra hipdtese, mais «ageral», diz-nos que as culturas se teriam desenvolvido a custa da escrayatura, entre os séculos VII eX. ‘y Quem detinha o direito de comando mais eficaz sobre os cant), afidivy, OVW i denniduale elevada da «implantagio real e¢ monisticaw: de coldnias~germanicas” bastante “denisas ser abundancia” de" sufixos toponimicos.em -cour! ¢ em vill’ zonas, 0 solo é geralmente bom; era aqui que se MiliAyalll Wy FApiialy da_Néustria assim como as da Austrisia; now stele Vie Vil havia aqui mais nao livres ec menos pequenin PpTelAtiie i ine ao sul do Loire-ou a-Oeste--O rele on tlelieratne jiaderana, jr tanto, muito mais facilmente impor HOVON eHeryiyHas, He Henin tempo que aspiravam_para” a sun WOhIiie PRUNES @aplirayhes " _aaiiizzsiiti de rurais livres ¢ proprietdrios. Uns e outros fundaram, nestas regides, diversas abadias, que continuaram e ampliaram o movi- mento de expansio da villa. Tanto mais que, entre 0 médio Loire ¢ o Reno, predominam os solos atractivos, e os terrenos repulsivos nfo conheceram uma tio densa implantagao de villae. A «villa classicas da época carolingia No que respeita a alguns dos seus elementos essenciais, o regime dominial carolingio teria, portanto, surgido no decorrer dos sé- | culos VIL e¢ VIII, na maior parte das regides de entre o Loire eo Reno. Este regime ter-se-ia mais ou menos generalizado, com relativa rapidez, segundo formas frequentemente aabastardadas», a partir_destas regides — novo centro de gravidade do Ocidente. Essa generalizacao nfo foi completa, a despeito dos esforgos dos reis (capitular De villis; Brevium exemple) ¢ dos eclesidsticos no sentido dé-uniformizar o reginié™das suas propriedades, quando estas se cacontravam—dispersis por varias provincias, por vezes afastadas umas_das_outras. ; E nesta regio de eleigo da grande «propriedade» que s¢ encon- tram os imensos dominios temporais das abadias célebres. A despeito das espoliacdes de Carlos Martel, a despeito da necessidade em que se viram de conceder consideraveis fracgdes das suas villae como «beneficioy a alguns laicos, as abadias exploravam ainda vastas extensdes (aumentadas pelas doacdes e pelos legados), Vejamos alguns exemplos significativos: —0o poliptico de Inminon (comegos do século IX), que apenas foi conservado de forma incompleta, enumera, rela- tivamente a Saint-Germain-des-Prés, cerca de 25 dominios, que cobriam cerca de 30 000 ha. —a abadia de Saint-Bertin (préximo_da futura cidade de Saint-Omer) possuia, por volta de 750, cerca de qua- renta villae espalhadas entre o Boulannais ¢ o Vermandois. Por volta de 850, 0 manse conventual (porgao do dominio temporal destinado as necessidades gerais ¢ 4 manuten¢iio dos monges) compreendia, por si sé, dez dominios que ocupavam aproximadamente 10000 ha. E quase garantido que a grande aristocracia laica detinha tu bém conjuntos muito vastos, dispersos por uma regilio que po ser muito extensa, Quando um grande doava & Igreja uma villa de um milhar de h en, ¢ evidente que conservaya virias outros familia © para ai peopel Je O8 KOberanoR caro obretilo Ho comiega, Unhain om meu) ahaa Hale “a yd Vejamos alguns exemplos—que nao sdo casos «mé- dios — de superficies de uma villa ou de um «fisco». Come- cemos por uma villa cujo caso é aparentemente excepcional. No século [X, uma dama chamada Angéle doou 4 catedral de Colénia um imenso dominio a sul da actual Bruxelas: era um vasto rectingulo de 2 a 5 km de largura por cerca de 25km de comprimento, cobrindo uma extensio de 18 600ha, incluindo uma importante superficie de bosque, do qual subsiste nos nossos dias a floresta de Soignes. Veja- mos seguidamente alguns «fiscos» reais. Os cinco fiscos cujo inventério bem pormenorizado se pode ler num dos Brevium exempla e dos quais quatro se situaram entre o Artois, Tournai e a actual Lille (o quinto seria Triel, na regido iense) devemm ter constituido o dote de Gisela, filha de ais o Pio. Ora, cada um parece comportar uma grande villa © anexos bastante reduzidos, — Annapes (antigas comunas de Annapes ¢ de Flers) * mais trés dependéncias: 2800 a 2900 ha, — Cysoing (comuna do mesmo nome, mais uma parte de duas comunas vizinhas entre as quais Bouvines): 1867 ha. —Somain (comuna deste nome, mais uma parte de trés outras comunas): 1406 ha. — Vitry-en-Artois: 1855 ha. Partindo destes exemplos, seria initil calcular a superficie média. Isso dar-nos-ia uma ideia falsa, visto que essa superficie variava de uma mane¢ira inacreditavel de um dominio para outro. Nio é raro que a villa carolingia tenha coincidido com uma paréquia do Antigo Regime e, portanto, com uma comuna do século XIX. No entanto, © caso dos fiscos deve ser considerado A parte, porque cada dominio principal tinha alguns outros de menor envergadura sob a sua depen- déncia: os fiscos do Norte da Franga estendiam-se a diversas paré- quias, mas poder-se-4 dizer que cada um deles era habitado apenas por uma comunidade rural? De qualquer modo, a villa de Annapes ultrapassava os 2000 ha, enquanto cada um dos seus trés anexos (Gruson, Noyelles e Wattiessart) no atingia mais de 200 ha (tal como as actuais comunas). F notavel o facto de também noutros Jocais se encontrarem villae igualmente pequenas, que dariam origem @ pequenas pardéquias ou comunas: entre o Loire e o Sena, alguns dominios de Saint-Germain-des-Prés eram igualmente reduzidos. E havia outros ainda mais pequenos. E o caso das villae muito infe- riores a 50ha, o das duas reservas da abadia de Lobbes que, no conjunto, ndo chegavam a atingir 40 ha, ou o da villa de cerca de 20ha sobre a qual foi edificado o mosteiro de Saint-Pierre-au- -Mont-Blandin. Estas villae de pequenissima envergadura nfio com- Pportavam, evidentemente, sendo alguns manses. Numa das extremidades do leque, ficavam portanto estas mansio- niles ou villulae, e, na outra, as villae gigantescas como as de Lecuw- Saint-Pierre (18 600 ha), Os pequenos dominios, tal como os médios ou os mais vastos, podiam pertencer a um unico senhor ou estar a7 divididos em numerosos pedagos. Esta nitida variedade de extensdes, a possivel fragilidade de algumas villae (por partilhas de sucessdo ou concesstes em «beneficion, que podem conduzir 4 anexagGo das porciones que pertenciam a dominios vizinhos, assim como 4 divisiio entre dois proprietarios, recebendo um os manses ¢ oO outro con- servando a reserva), o contexto geogrifico (regido nova ou povoada desde ha muito tempo; terreno rico ou mediocre, etc.) podem con- duzir a diferengas consideraveis de estrutura. O que vai scguir-se simplificard, portanto, demasiado a realidade, ou podera mesmo falsed-la. Os elementos constituintes da «villaw: a reserva © termo reserva ¢ moderna, Os homens do_século IX cham; vam-lhe mansus indominicatus, terra_indominicata (dominicatus = que pertence ac dominus, portanto a0 dono da villa a que mais tarde se chamara senhor), ou ainda ferra salica (nas regides ger- manicas). No centro, um conjunto de construgdes qualificadas de curtis (em alemao: Fronhof), rodeado por muros. E aqui que se encontra a casa de habitacio (casa, sala dominica}, em principio equipada com uma adega. Além dela, as construgdes de exploragao (granjas, estbulos, cavalaricas, chiqueiros..., cozinhas, fornos de pao; oficinas para os artesios, chamadas gineceus quando cram mulheres que nelas trabalhavam). Casas para os escravos. Um horto ¢ um pomar, também cles muitas vezes rodeados de muros, apoiam a curtis. Era pelo menos este o caso de uma grande villa como Annapes, que dispunha também de um lagar (a despeito da latitude seten- trional, em Annapes cultivava-se também um pouco de vinha). Nos dominios mais pequenos, a curtis era muito menos importante, mas havia sempre nas suas proximidades um pomar e uma horta. Desta curtis dependiam bens diversos, Em primeiro lugar, as terras araveis que podiam ser compostas por parcelas (campelli) mais ou menos numerosas ¢ misturadas com os campos dos foreiros nos diversos sectores do terreno, mas que, na maior parte dos casos, compreendiam apenas algumas extensGes bastante grandes (as culturae, mais tarde as «costuras» ou condamines), cada uma delas com 30 a 90ha no dominio temporal de Saint-Germain-des- -Prés. Havia geralmente um prado, chamado pratum ou brolium (fr: breuil; al. Brith). E uma vinha ou clausum (Fr: clos) caso fosse possivel: ainda mais a norte do que Annapes, mas encostas do Monte Blandin, a abadia de Saint-Pierre possufa uma no meio da sua miniscula reserva. No entanto, quase sempre a parte mais importante da reserva € constituida por bosques. Trata-se nfo ape- nas de bosques verdadeiros, mas de charnecas ¢ de terrenos baldios, 78 ‘0s pascua: € a estas pastagens (dado que os prados sio sempre demasiado pequenos por se limitarem as. margens dos ribeiros e aos fundos himidos) que se vai buscar o sustento principal do gado. E muito raro haver, como em Coyecques en Artois, villa de Saint- -Bertin, cinquenta hectares de prados, correspondentes a 20% da superficie em exploracio. Que parte pertence a ferra arabilis (campos e vinhas) da reserva no conjunto do territério da villa? Isto varia em proporgées enormes e 9 termo mansus indominicatus nao deve dar lugar a ilusdes. © poliptico de Irminon permite, relativamente a Saint- -Germain-des-Prés, «comparagies precisas de superficies ‘ (Ch.-Ed. Perrin). Em muitos casos, a reserva —incluindo © bosque — tem uma extensdo idéntica 4 dos manses tribu- tarios da villa, Reduzida & serra arabilis, a reserva representa ainda entre um quarto e a metade do espaco cultivado no conjunto do dominio, ou seja, correntemente, varias cen- tenas de hectares, E um caso frequente em Saint-Germain ¢ em Saint-Bertin (em Coyecques: 255 ha, incluindo os prados}), ou ainda na abadia de Lobbes (Leernes em Bra- bant: 194-ha de terras e 3 ha de prados). Mas, também aqui, os casos extremos no eram raros. Como o da pequena villa de Bousignies (Norte), que dependia do mosteiro de Saint-Amand e cuja unica reserva cra uma «costuray de 14 ha, ou seja, com a superficie bastante corrente para uma exploragéo camponesa, No extremo oposto, ocupando uma extensio de conjunto de cerca de 2800ha, Annapes ¢ as suas trés mansioniles reuniam um milhar de hectares de terra arabilis que compunha a ou as reservas. Uma villa das Ardenas belgas, Allance, curiosa por ser formada por elementos dispersos, tinha uma reserva de sete blocos de cultura, totalizando mais de 430 ha. Tratava-se, portanto, de uma verdadeira amostragem ¢, muitas vezes, no préprio scio de um grande dominio temporal: os dominios da abadia de Lobbes, em Hainaut, dispunham de reservas cujas terras gultivadas se escalonavam entre mais de 450ha e apenas a. Daqui s¢ conclui que um terreno ocupado por uma importante villa faz frequentemente cocxistir parcelas muito grandes, as «cos- turas» da reserva, e outras de fracas dimensdes, correspondentes aos manses camponeses. As costuras agrupam-se geralmente perto do centro do dominio: € absolutamente excepcional (dois casos apenas no temporal de Saint-Germain-des-Prés) os elementos da reserva distarem do centro 15 a 20km. ; Sao diversos os anexos da exploragdo que também fazem parte integrante da reserva: um ou varios moinhos (cinco em Annapes) situados ao longo dos cursos de 4gua, por vezes bastante insigni- ficantes, pelo que o seu rendimento é irregular e incerto. Nas regides vinicolas, um pisociro e, nas outras, uma unidade de pro- ducSo de cerveja. B importante notar que os moinhos, pisoeiros ou 79 f Produtoras de cerveja podiam ser administrados com a reserva, portanto ligados A exploragio desta Ultima, ou «arrendados» por exemplo a um foreiro, contra pagamento anual de uma renda em géneros. Pelo contrario, todo o resto da reserva encontrava-se, sem exceppio, submetido ao regime de exploragdo directa. Para valorizar essa reserva em proveito do dominus, era neces- saria uma mdo-de-obra abundante. Mas onde encontra-la fora da familia? Nio era de modo algum possivel recorrer aos traba- Thadores agricolas, pagos A tarefa ou ao dia, porque os bragos deso- cupados e as espécies monetdrias cram bastante raros. Houve, evi- dentemente, trabalhadores agricolas, mas estes apenas parecem ter sido numerosos na Italia. Era preciso, na maior parte dos casos, recorrer aos foreiros, facto de que resulta a unido organica entre a reserva ¢ as fenures para cada um dos trabalhos agricolas do ano, © fazer trabalhar nela um grande numero, devido ao caracter que s¢ mantinha primitivo das técnicas agrarias. ‘Os elementos constitutivos da «villaw: os manses © conjunto das tenures camponesas de um dominio carolingio € designado nos polipticos pela expressiio terra_mansionaria: «a tenure dominial por exceléncia da época carolingia» é com efeito © mansus. A partir de Benjamin Guérard, primeiro editor e admi- ravel comentador do poliptico de Irminon, os historiadores adqui- riram o habito de usar o termo manse, criado a partir do latim e indispensavel na medida em que nao se presta & ambiguidade. A palavra miansus surge nos textos no comego do século VII, Difundiu-se em quase todo o Império carolingio ¢ mesmo fora dele: na lingua germanica, o termo correspondente é Hoba ou Hova (Hufe em alemao moderno), Encontramo-lo entre os Anglo-Saxdcs, onde a fenure tipo do camponés, tanto quanto se sabe, de cardcter © ¢xlensio comparaveis, se chama Aida. Os proprios paises escan- dinavos conheceram a palavra e o que Ihe corresponde. O manse € uma cunidade fiscaly—¢ «o conjunto das terras que pagam determinadas prestagées em proveito do dominuss —e «aQ mesmo tempo, uma unidade de exploragio», pois normal- mente 0 manse é ocupado por uma tnica familia de exploradores, compreendendo a familia o pai, a mae e os filhos; a superficie do manse parece ser «calculada de forma a prover as necessidades de uma nica familia» (Ch.-Ed. Perrin). Mas esta definigéo, vali para a época carolingia, sé-lo-A também para um passado mais recuado? Pode ter acontecido que, originalmente, mansus (cf. o latim: mtanere, mansio, de onde demeure, manoir...) tenha designado espe- cialmente a casa de habitagio ¢ as construgdes de exploragio 80 (estabulo, celeiro...), assim como a parcela onde se situavam esses edificios © cujo excedente servia de patio, de horto e« pomar (nao se sublinha suficientemente o contributo alimentar que o horto dava ao foreiro): alias, é este o significado que reaparecerd, por exemplo, na Ile-de-France, por volta do século XII ou XIII. Depois, o termo deve ter passado rapidamente a englobar o con- junto_da tenure: do mansus, centro da_exploragio camponesa, dependem as terras ardvels, muitas vezes uma parcela do prado, da_vinha, € mais raramente um pedago de bosque ou _de arbustos de fraca qualidade. Por outro lado, encontram-se muitas vezes ligados ao manse os direitos de_utilizagio comunitiri ito de enviar os porcos comer bolotas nos bosques do senhor e de retirar do bosque Jenha e madeira; direito de mandart pastar o gado para as vastas extensées de charnecas ¢ terrenos alagadigos da reserva; direito de pastagem depois da colheita nas terras nfo vedadas ou na parte em pousio, quando este existe (mas estes ultimos direitos nao sio ainda generalizados). E errado pensar que o manse tenha sido, por toda a parte, uma «uni topograficay bem clara, FE certo que, em muitas das regioes do Oeste (na medida em que a mata estava j4 parcialmente constituida) ¢ do Sul (onde domi- navam j4 os campos de forma irregular), 0 manse podia ser, de uma manecira geral ¢ mais segura nas regides de habitat ja disperso, uma exploragdo de um unico foreiro: uma fotografia aérea permitiu deste modo reconstituir os contornos exactos de um manse «fdssil» do Rouergue. Pelo contrario, nas regiGes, geralmente setentrionais, de habitat aglomerado, as construgoes encontravam-se reunidas na aldeia, enquanto os campos estavam disseminados pelos diversos «quartéis» (trés ou quatro) do terreno. Na maior parte dos dominios, encontram-se diversas cafegorias de manses: manses ingénuiles, serviles, lidiles (estes tltimos fre- quentes sobretudo na Francia orientalis). Otiginalmente, os pri- meiros (que cram muitas vezes os mais numerosos, excepto na Germania) deviam ter sido concedidos a homens «livres», os marnses serviles a oniio_livresy ja entdo casati (portanio possuidores de uma exploragio em vez de continuarem 4 ser alojados, alimentados, man- tidos na casa do dominus), e os manses lidiles a «libertos» segundo. o direito germanico (portanto, de estatuto intermédio entre o dos livres & 0 dos ndo livres). Mas, no século IX, ja nfo ha uma cor- respondéncia constante entre a qualidade do manse e a daquele que 6 €xplora: & frequente (como acontece no temporal de Saint- le&Prés), segundo parece, «as famflias de servi terem-se extinguido, ¢ um grande mimero de familias de “golonos” (= livres) terem aflufdo aos manses serviles», O facto de a distingao entre as duas categorias de manses (livres © servis) ter persistido verifica-se él “Sewn porque a superficie e os encargos eram nitidamente diferentes entre uns © outros, A partir do poliptico de Irminon, que apresenta a superficie de cada pedago, B. Guérard calculara a superficie média do manse ingénuile no conjunto dos dominios de Saint-Germain, que era de 10 ha a 59a, € a do manse servile, que atingia apenas de 7ha a 43a. Trata-se apenas de médias e dizem respeito, ao mesmo tempo, a diversas regides (Saint-Germain-des-Prés tinha pos- sessGes também fora da regido parisicnse); ¢, mesmo que o manse tivesse uma «superficie habitual» —coisa bastante discutida e bas- tante discutivel —, esta variava de uma regifio para outra. Contudo, subsiste um facto: o manse servile era mais reduzido do que o mance ingénuile. E estava sujeito a encargos mais pesados do que este Ultimo: servigos de bragos exigidos durante todo o ano, muitas vezes A razio de trés dias por semana, Enquanto 0 manse ingé- nuile exigia principalmente charruas e servigos sasonais nos periodos de trabalho intensivo da terra (ayoura, ceifa, colheita, vindimas, carreto de madeira no Inverno...). BE impossivel determo-nos muito tempo sobre o problema da origem do manse em geral. O acordo & claro quanto a um ponto: esta renure tipo era tio complexa no tempo dos Carolingios que ja lhe devia ser muito anterior. Chegande a este ponte, romanistas © germanistas assu- mem posi¢des diametralmente opostas. Para os primeiros, o manse € o descendente do jugum; a difusdo tanto de um como do outro atingiu quase todos os territérios do Oci- dente romano. O jugum era a tenure tipo do colono (era a extensio explordvel com um sé jugo, ou seja, uma sé parelha): depois, durante o Baixo Império, foi a unidade fiscal ficticia. Assumindo a posigiio contraria, os germa- nistas véem no mansus uma forma de fenure germanica: a prova reside no facto de o manse niio ter existido ou ter desaparecido precocemente nas regides mediterranicas, que eram indiscutivelmente as mais romanizadas, Isto explicaria o facto de, pelo contrario, o encontrarmos nos sectores que nunca foram romanizados: as leis anglo-saxénicas dio-nos a conhecer a hide desde o século VII; por seu turno, a Hufe alem& é bem conhecida através dos textos a partir dos séculos IX-X. As duas, que sdo equivalentes, teriam sido originalmente o lote possuido pelo germano livre: tra-- tar-se-ia de exploracGes familiares de uma «charruadas, sendo esta ultima ao mesmo tempo uma unidade fiscal. A partir dos anos 400, os Germanos teriam difundido a instituigao em todas as regiées invadidas ¢ ocupadas dura- doiramente. Ultrapassando este confronto entre romanistas © germanistas, Marc Bloch yira no mansus a oeste © na Aufe a leste duas instifuigser muito mais antigas, datando de uma apropriacio do solo por atribuigio de um lote a cada familia. 82 Se imaginarmos—sem provas—uma divisio global em lotes numa época extremamente recuada, se encararmos 0 manse ¢ OS seus diversos sinénimos como uma unidade de tenure familiar, estamos a atribuir-lhe uma superficie mais ou menos constante. Mas ninguém se contenta j4 com as médias de extensdo calculadas por B. Guérard e depois por outros historiadores: na maior parte dos casos, trata-se apenas de médias aritméticas, sem base real, e que nao representam uma norma. Se essa média é de 10,5ha na Ile-de-France ¢ apenas de 7ha na Borgonha, contra 15ha na Baviera ¢ 20 hectares na Galia do Norte, € porque —dizia-se — a Borgonha era pevoada havia muito mais tempo do que a Tle- -de-France, enquanto a Baviera ¢ a Galia do Norte continuavam quase despravidas de homens. As diferencas regionais explicar-se- -iam, portanto, sobretudo através das diferengas de densidade de povoamento. E as diferengas locais (nem todos os manses de uma mesma villa tm a mesma superficie) justificar-se-iam através das diferengas entre os bons ¢ maus solos, Estas construgtes do espirito negligenciam um facto (cf. pp, 73-74%: alguns manses sdo antigas pequenas propriedades que os camponeses, de livre vontade ou & forca, tiveram que deixar absorver pela villa vizinha e pelo seu senhor. Os iltimos trabalhos—colocando-se em primeiro lugar os de Ch.-Ed. Perrin —sublinham as intimeras irregularidades do sistema dos manses, a auséncia de «médias» validas ¢ o grande nimero de casos singulares. Nas quatro villae de Saint-Germain-des-Prés ao sul de Paris, a superficie média varia j4, de uma para outra, entre 9ha ¢ menos de Sha. Os casos individuais mostram extraordindrias diferencas: os manses serviles variam de 1 (0,25 ha) a 37 (9,25 ha) € os ingénuiles de 1 (1,350 ha) a 10 (um pouco mais de 15 ha). Perguntamo-nos como podia viver uma familia — uma vez satisfeitos os encargos — com um hectare ou mesmo menos. Pelo contrario, nas regides mais sclentrionais; @ leque era muito menos aberta (de 1a 3 ou a 4) e os manses sempre mais vastos (15ha para os menos favorecidos, 30 ha e pms para os mais benefi- ciados). Acontece que, aqui, os povoamentos, e pertanto os dominios, eram mais recentes e, por conseguinte, menos densos, Pode acontecer que estas enormes divergéncias no seio de muitas villae se expliquem através das alienacdes de parcelas em detri- mento dos mais pobres rurais e em proveito dos mais habeis e dos mais econémicos, ou através dos «arroteamentos internoss, no seio de um dominio, ¢ dos quais alguns manses aproveitaram e outros nio, Mas o manse parece ter rapidamente deixado de ser sempre uma unidade de tenure. Ainda antes de Carlos Magno, na Ile-de- 83

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