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In Nicos Poulantas, (19751977) O Estado em Crise, Rio de Jancio, Graal:3-41 As transformacées atuais do Estado, a crise politica e a crise do Estado. NICOS POULANTZAS. Oe Este texto tem como objetivo precisar certos pontos me- todol6gicos, cujo esclarecimento aparece como o preambulo essencial de uma anilise tanto das transformacées do Estado capitalista na fase_atual do capitalismo monopolista, como da crise do Estado na situacao presente de crise do capita- lismo. Colocarei assim alguns problemas desta andlise ¢ es- bocarei algumas linhas de pesquisa. Este enunciado de apresentacio coloca de safda um Primeiro problema, tragando j4 uma linha tedrica na pes- quisa: com efeito, as transformacdes considerdveis que afe- tam os aparelhos de Estado dos paises capitalistas desenvol- vidos, e que permitem falar, em relagdo a estes patses, de uma forma nova efetiva d ‘tado capitalista, nao se redu- zem aos caracterés espectfiess da crise do Estado, que marca igualmente alguns destes Estados no contexto da crise atual do capitalismo, Algumas destas transformacdes explicitam, de maneira mais geral, caracteristicas préprias da fase que a reprodugdo do capitalismo atravessa: 0 que significa que, no caso de uma reabsorcio eventual da crise do capitalismo © da crise do Estado, as modificagdes profundas dos apare- Ihos de Estado nfo deixario de persistir. O que significa também que, por outro lado ¢ na medida em que se assiste igualmente a uma crise de alguns destes Estados, esta crise se articula as transformagdes mais gerais relativas A forma de Estado na fase atual do capitalismo monopolista, e que Os caracteres préprios da crise do Estado que afetam estes Estados estéo inscritos nestas transformagdes mais gerais, A piopdsito do conceito de crise Esta distingiio entre a fase de reprodugio do capitalis- mo ¢ a crise do capitalismo, do mesmo modo que a distin- cio consecutiva entre as transformagoes do Estado derivadas desta fase e aquelas derivadas da crise do Estado exigem j& uma definigio mais precisa do conceito de “crise”. De- finigdo necessdria diante da inflagéo atual do termo crise € que concerne, num primeiro nivel, ao mesmo tempo & crise econédmica, a crise politica, A crise ideolégica e As re- Iagdes entre estas crises, mas que, mais além, nos leva a interrogacbes sobre as diversas espécies de crise do capita- lismo e, mais particularmente, sobre as caracteristicas pro- prias e as modalidades da crise politica e da crise do Estado atuais. 1 Pode-se delimitar 0 conceito_de crise, ja no nivel do gue se designa como crise econémica, assinalando que é ne- cessério conseguir evitar, a este respeito, uma dupla arma- dith: a) A concepgio da economia e da sociologia burguesas da crise, que corre atualmente as ruas, a saber finalmente a crise como momento ou instante “disfuncional” que rom- pe, de modo siibito senfio por um golpe do destino, o fun- cionamento de outro modo harmonioso do “sistema”, mo- mento forcgosamente sempre passageiro (um mau momento que passard) até o restabelecimento necessirio do “equili- brio”. Concepedo estreitamente soliddria a uma visio que oculta as contradigées e as Iutas de classes inerentes A re- produg&o mesma do capitalismo, e vé assim na crise uma ruptura radical do equilibrio quase natural de um sistema de outro modo “integrado” e que, nas condigdes “normais” (de no-crise), marcha de alguma forma sozinho, por auto- regulagiio devida as “leis econémicas”. Ora, sabe-se, com efeito, que as crises econémicas, devidas.em iiltima andlise ao funcionamento histérico da tendéncia A queda do lucro médio — naquilo que esta tendéncia remete a reprodugio das relagdes de produgao capitalistas e as lutas de classes 4 em torno da exploracio — estdo nao apenas inscritas no seio da contradicio fundamental capital/trabalho, mas pre- enchem igualmente um papel orginico na reprodugio mesma do capital. Estas crises funcionam também como purgacdes periédicas. do capitalismo, quer dizer, como o desencadea- mento concentrado e “selvagem” das contratendéncias A bai- xa tendencial da taxa de lucro (desvalorizacio macica de partes do capital constante, reestruturacdes permitindo a elevacio da produtividade do trabalho e da taxa de explora cao, coisas que remetem todas & taxa de lucro médio do capital social). Isto quer dizer, por um lado, que as crises econémicas, longe de serem momentos de desarticulagao (dis- funco) do “sistema” econdmico, em suma um tempo morto, so de algum modo, e sob um certo Angulo, necessarias & sobrevivéncia e A reprodugio mesmas do capitalismo (nao € uma crise econdmica qualquer que poderd automaticamen- te abater 0 capitalismo), sob a condigio de que nao se tra- duzam em crises politicas, cujo resultado poderia ser a der- rubada do capitalismo. Isto quer dizer também, por outro lado, que as crises nao constituem um momento acidental no qual explodem elementos anémalos ou heterogéncos ao funcionamento normal, equilibrado e harmonioso do sistema, mas que os elementos genéricos de crise (devidos A luta de classes) esto constantemente em acio na teprodugio da ca- pitalismo; b) A concepgao mecanicista, evolucionista e econo- micista da crise que, ao final de uma certa época , foi do- minante, com algumas excecdes, na Internacional comunis- ta entre as duas guerras, cujas repercussdes se fazem sem- pre sentir, e que deu lugar a um catastrofismo economicis- ta (suas implicagSes politicas, diga-se de passagem, foram muito graves). Esta concepcio, partindo do fato justo de que a reprodugdo das relacdes capitalistas, em particular no est4gio imperialista-capitalista monopolista, em razio das novas contradigées de classes mundiais e da acentuacio da tendéncia 4 queda de lucro, inclui organicamente, e de modo intensificado, elementos de crise chega & atualidade sempre presente da crise. Esta concepcio chega assim a estender © conceito de crise a ponto de fazé-lo recobrir todo um es- tagio, ou uma fase de reprodugio do capitalismo: parta_ II Internacional, foi a concepcio do estégio do capitalis- 5 mo monopolista como crise sempre_atual do capitalismo que Ievou & nogio de “crise geral do capitalismo” © a0 em- prego que se fez dela. Sob sua forma contemporanea, esta concep¢io eva a considerar a reprodugio atual do capita lismo monopolista como, ela também ¢ por sua vez, fase da “crise geral” ao longo de toda sua duracdo eventual até o fim do capitalismo, quer dizer, como crise praticamente sem- pre presente e aberta do capitalismo. Brevemente, conside- rando de modo economicista, e evolucionista, que, na me- dida em que se d4 sua reprodugio, o capitalismo acentua automaticamente seu “apodrecimento” e que ele est viven- do sua tltima fase, chega-se A consideragio de que uma fase de sua reprodugio (que 6 sempre, como por acaso, aquela na qual nos encontramos), coincide todo tempo com uma crise permanente e, de um modo ou de outro, sempre presente. Crise que € desta vez (um “desta vez” que depois de algum tempo comeca a tornar-se algo repetitivo) a ver- dadeira crise geral, a crise final e apocalitica, quando deve- ria ser evidente que o capitalismo pode sempre (como ele nao o pode, isto depende da luta de classes) reabsorver suas crises e prolongar sua reproducio. O que importa re- ter aqui € que esta_concepcio termina por dissolver a es- pecificidade mesma do conceito de crise pois, neste sentt- do, pode-se dizer dd mesnio im6dO que O" capitalismo esteve sempre em crise. Pode-se, a partir destes alertas, situar j4 o primeiro problema subjacente & constitui¢do do conceito de crise: se € verdade que os elementos genéricos de crise estio Ppresentes e€ permanentemente em acao na produgio das relagées capitalistas, muito particularmente em sua fase atual, nio € menos necessério reservar a este conceito o campo de uma situagdo particular “de condensacdo das contradicées. © que quer dizer que os elementos da crise existentes per- manentemente na reprodugao do capitalismo devem ser to- mados em funcSo das transformagées préprias ao estigio e a fase que atravessa o capitalismo, mas que no interior des- ta periodizagio dispdem-se as situagées de condensacio das contradicbes que podemos designar como crises. Estas cri- ses trazem assim a marca dos perfodos que o capitalismo atravessa, sem por isso se diluirem neles: isto vale igual- mente para a crise atual, mesmo se, em funcao da acentua- 6 '

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