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O oficio da Historia e novos espacos de atuacao profissional' Zita Rosane Possamai Resumo: Nas ultimas décadas, 0 campo de atuagio do profissional da drea de Historia tem-sealargada. Museus,arquivos, memoriais,centros de documentacio, jo histérico,agéncas de politica eulturaisedetrismo rgios de geste do pat sto alguns exemplos de esparosabertos ao ofico do histerladr. Esse novo especro deposits de trabalho apresentandagagdesedesafios de vrs ordens rea de Historia o que essasinstulesesperam do profislonal de Hstria que nelas atu? Como terse dado essaatario? Que obsticuos os profisionals enfrentan? Come deve se sua formagio? Que habldadesdever possul/?O que os dstngue le outros profisionais que aruam ma rea de patriménio? Qual papel da Associa Nacional de Histria em Ambito nacional regional ~ emrelagho aos profisionais de Historia que tua nessa rea? Qual amportanla da regulamenagiodaprofissio dehistoriador para atuacto nas inthis volnds ao patriennohistéo-caral? Esse texto pretende sondar de forma bastante prelinar essas quest, Palavras-chave: Patsimoniohistric. Regulamentagio Profisional. Ofcio do historiador. Esta mesa-redonda tem por objetivo discutir os desafios apre- sentados aos profissionais da drea de Histéria no que se refere, especificamente, a sua atuagio em instituigées ligadas & preservacio de acervos, seja museus, arquivos, memoriais, Grgios de gestéo do patriménio edificado ou imateria, centros de documentacio, * Doutora em Histéria Professora da UFRGS, E-mall:zitapossamal@gmall.com ‘Anos 90, Porto Alegre, v.16, n.28, p.201-218, dez. 2008 202 0 oficio da Histéria e novos espagos de atuacao profissional escritérios de turismo, entre tantos outros espagos. Assim, as ponde- rages que me inspiram aqui so fruto, fundamentalmente, da minha trajetérla como historladora e profissional atuando em alguns desses espacos, ¢ da forma como percebo as vérias indagacées aqui propos: tas para discussio. A pauta dessa mesa sugere algumas questdes as quais procurei reportar-me para conduzir minha exposigio: 0 que ‘essas instituigdes esperam do profissional de Histéria que nelas atua? Como tem se dado essa atuacio? Que obsticulos esses profissionais: enfrentam? Como deve ser sua formacio? Que habilidades ele deve possuir? O que o distingue de outros profissionais que atuam na area do patimonio histrio-eultural? Qual ¢ o papel da ANPUH ito cional e regional ~ em relagio Qual a importinia da regulamentagso da profissio de historiador para a atuagio em cultural? E bom enfatizar que nfo tenho a pretensio de esgotar cessas quest6es, pois as considero como desafios para a rellexio sobre a inserco profissional dos historiadores na atualidade. Antes de mais nada, cumpre dizer que, em duas décadas de contato com a area de histéria — seja como estudante ou, posterior- mente, como profissional -, percebo uma mudanca bastante positiva fem nosso campo de atuacio. Quando fiz minha graduacio, na segun- dda metade da década de 1980, as duas tinicas possibilidades de atua- ‘0 que se apresentavam para o gracuaclo em hist6ria eram o ensino ou a pesquisa; essa ultima, no entanto, exclusivamente vinculada A academia, acessivel a poucos. Atualmente, pode-se constatar um eque aberto de alternativas e possibilidades. Convém ressaltar que {sso se deu por nossa atuacio e também, certamente, pela dimensio social e cultural alcancada pelas iniciativas voltadas a valorizacéo «da meméria e, por conseqiiéncia, pela eriagio de insti variadas tematicas, preocupadas com a guarda e a preservacéo de documentos histéricos em seni A parti desse rapido intr6ito, passo para as indagagSes propos- tas A mesa, ses profissior histérico- stituigdes voltadas ao patriméni igdes, das mais, jo amplo, ‘Anos 90, Porto Alegre, v. 15, n. 28, p. 201-218, dez. 2008 Zita Rosane Possamai A expectativa das instituicées As primeiras indagages re se as expectativas das inst tuigdes em relacio ao profissional de Histéria que nelas atua e, por outro lado, como essa atuagao tem ocorrido e quais os obstéculos enfrentados pelos profissionais. A primeira indagacdo 6 bastante complexa tendo em vista certa variedade entre as instituigées que lidam com os acervos docu- mentais ¢, muitas vezes, porque as institulgbes nao possuem clareza em relagao a0 que se possa ou se deva esperar do profissional de Historia, Entdo, imagino que a abordagem dessa indagagso deva se focalizar no préprio repertério de conhecimento adquirido pelo histo- rlador e na sua conduta ética diante de questées que se apresentam, Assim, et perguntaria: qual 0 papel que (em 0 profissional, cujo objeto de estudo e investigagio é © passado, em institulcées «que lidam com documentos sobre esse passato? Fa partir das respos tas a esses questionamentos que teremos condigées para pensar as contribuigées do historiador nas insttuigées de preservacio do patrt ‘ménio histérico-cultural, mesmo que elas préprias ainda nao tenham clareza sobre a importincia de tal profissional no trabalho que devem realizar. Tomo o exemplo de museus e drgios de gestio do patriménio edificado para particularizar melhor a questéo. Os érgios de preser- vacio do patrims dedicam-se, tradicionalmente, a preservacio dos bens culturais edificados, embora, recentemente, venham também iri il ou int do sua atengio a0 denominado patriménio ima givel. Considerando, sobretudo, o primeiro cas0 ~ o de preservacio de bens cultura aados ~, 0 historiador seré aquele responsével pela pesquisa histérica sobre os bens arquitet6nicos, os quais sio, fem sua maioria, preservados a partir do seu valor histérico. Sendo assim, nao havendo historiador nesses drgios, a pesquisa “dita histérica” ¢ realizada por outros profissionais, Por outro lado, nao raras vezes, quando ha a presenca de historiadores, as instituig6es, ‘Anos 90, Porto Alegre, v. 15, n. 28, p. 201-218, dez. 2008 203 204 0 oficio da Histéria e novos espagos de atuacao profissional desconhecendo a riqueza e a complexidade do saber hist6rico, dese- Jam que © profissional atue de forma subsidiéria a outros olhares, como o da arquitetura, € que a pesquisa contemple unicamente um viés cronolégico e factual que privilegia os grandes vultos, Nao 6,certamente, por acaso, que a maioria dos exemplares do patriménio tombado no Rio Grande do Sul, e mesmo no Brasil, quando nio foram privileglados por seu valor arquitetonico, foram-no por estarem relacionados a fatos memoréveis ou a personagens histéricos. Ass to, diga-se de passagem, que vem sendo objeto de investigacdo por historiadores. Nese caso particular, caberia aos historiadores atenderem cio com um olhar diferenciado na compreensio do patriménio. Sem a espe fem ruinas mudas, sem significacao para a sociedade. Reside justa- mente afa grande contribuicio dos historiadores aos érgios de gestio do patriménio edificado no sentido de que o olhar da Histéria como operagao critica contribul para ver além da pedra, da materialidade © do estilo estético, dando conta das relacées sociais, quase sempre ausentes das abordagens patrimoniais. Sao tantos os exemplos de ‘marcos edificados que recebem um tratamento mitificado e sacralizante Justamente porque falta a desconstrucdo e andlise de discursos, os quais, por serem tio repetidos, ja se tornaram senso comum. Ha ainda aqueles casos em que sao apresentadas visées parcializadas, incorrecdes ou mesmo auséncia total de pesquisa que dé conta de informagdes minimas sobre os objetos de preservacio. A partir do exposto, é necessaria a seguinte indagacao: como tem se dado a atuagio dos historiadores nesses 6rgios? Partirel das realidades de que tenho conhecimento, O Instituto do Patrimonio Histérico Nacional (IPHAN), recentemente, realizou um concurso para o cargo de “historiador”, para o qual era possivel candidatar-se profissionais graduados em diversas éreas afins. A partir desse dado, tenho pelo menos duas perguntas que nio querem calar: como um 6rgio dessa importancia desconhece a producio historiografica ‘tucional? Légico que nio. Ao contrério, devem contiby iicidade da F (éria, © patrimdnio arquitetGnico const ‘Anos 90, Porto Alegre, v. 15, n. 28, p. 201-218, dez. 2008 Zita Rosane Possamai brasileira, liderada pelo campo dos historladores? E como um érgio importante realiza um concurso dessa forma, sem 0 protesto da comunidade dos historladores e, mais especificamente, sem 0 pro- testo da ANPUH? Por que estou mencionando essa situacio? Porque ela, de algu- ‘ma forma, jé responde ao questionamento dessa mesa em relagio a como tem se dado a atuacéo dos historiadores nesses lugares. Ou seja, ha auséncia dos profissionais nesses drgios ~ museus coordenadorias regionais — ligados ao IPHAN. Cito 0 caso da 12* Coordenadoria Regional do Rio Grande do Sul, temente, passou a atuar uma historiadora vinda do Rio de Janeiro. Ela diz, com todas as letras, que ant no 6rgio e que os processos de tombamento eram instruidos de forma bastante lat apenas recen- dela néo havia historiados 2, principal ratava da afe cio do seu valor histérico. Assim, essa situacio gerou prejuizos & compreensio do valor histérico dos bens que foram tombados como patriménio nacional. Nao imagino que a situacio em outras regides do pais seja distinta Nos museus histéricos, 0 historiador serd responsével, ao lado de outros profissionais, pela pesquisa de acervos, pela elaboracdo de sistemas de documentacio, pela concepcio e montagem de expo- sides, pela elaboracdo de projetos educativos e culturais. Em qual- quer dessas atividades, 0 profissional da Historia contribuira com seu olhar particular, que nao se confunde com o olhar de outros profissionais. Os museus sao instituicées multidisciplinares e nas uals o trabalho em equipe é uma marca de suas atividades. Dessa forma, por exemplo, na concepeio e montagem de uma exposicio ‘museogrifica interagem historladores, arquitetos ou designers, progra- madores visuais, musedlogos, conservadores, educadores, entre wwe quando se outros técnicos. O que muitas vezes pode ocorrer nos museus histéricos sobretudo naquelas regides e realidades carentes de profissionais nessa perspectiva multidisciplis seja obrigado a assumir de forma precéria essas diversas funcées. iF ~ € que o profissional de histéria ‘Anos 90, Porto Alegre, v. 15, n. 28, p. 201-218, dez. 2008 205 206 0 oficio da Histéria e novos espagos de atuacao profissional Nao se pode negar o papel relevante que tem desempenhado int- rmeros historiadores que atuam em nossos museus. Se fossemos esperar essa situagdo ideal, nao existiriam mais de 300 museus no estado do Rio Grande do Sul e aproximadamente 2.500 museus espalhados pelas regiées brasileiras. Mas nao se pode deixar de frisar 0 prejuizo para a politica cultural desses museus a auséncia dessa diversidade de olhares que a instituicio deveria conter. O resultado dessa situagio 6, néo raras vezes, museus impossibilitados de atender a contento as fung6es para as quais foram criados. Esse quadro deve alterar-se de forma significativa nas préximas ddécadas em funcio da Politica Nacional de Museus, devido a sua preacupagio com a criagio de Cursos de Graduagao em Museolo, nas regides do Brasil, nas quais ainda nao havia essa formacio cespeeifica, Essas formagées deverio propiciar 0 incremento do carn- po museolégico brasileiro, fazendo com que, em alguns estados da federagio, delineie-se uma nova configuraéo profissional no interior dos museus. O novo desenho exigiré que os profissionais de Histéria redefinam seu papel nas instituigées, compartihando seus saberes ‘com outros profissionais. Isso permitiré aos historiadores focarem sua atengio naqueles saberes que thes so particulares © que, de for- ‘ma alguma, podem ser substituidos por outros profissionais. Os desafios da formagao Um segundo grupo de questées concerne & formagio dos histo- riadores, bem como &s habilidades que estes deveriam possuir para atuar na érea do patsimOnio e, ainda, a delimitacao das fronteiras com outros profissionais desse campo. No que se refere & formacio pro fissional, pode-se dizer que houve certo avanco nos limos anos no sentido da preparacio dos historiadores para esses novos espacos de atuacio. As novas dietrizes curticulares para os cursos de Historia, aprovadas pelo Parecer CNE/CES 492/2001, trou xeram para 0 debate académico a necessidade de incluso da nova ‘Anos 90, Porto Alegre, v. 15, n. 28, p. 201-218, dez. 2008 Zita Rosane Possamai realidade profissional, jd vivenciada por muitos historiadores brast- Ieiros, conforme texto abai A mesma ampliagdo se dava quanto as ocupagées funcio- nals dos profissionais formados em Histéria no Brasil. Se a tradicional dicotomia entre Bacharelado ¢ Licenciatura pa- recia bastar no comeco da década de 1960, ela parece cada vez mais limitada ou acanhada numa época como a nossa, quando, além das tradicionals destinagdes (ensino de pri meio ¢ segundo grau, por um lado; ensino universitirio a0 qual se vinculava a pesquisa, por outro), pessoas formadas cem Histéria atuam crescentemente (ea listaa seguir ¢seletiva, incompleta): em institutos de pesquisa que no desenvolvem atividades de ensino; ralizando pesquisasligadas a questdes vinculadas a0 patriménio artistico e cultural, cultura mate rial (associagio Arqueologla/ Historia, atuagdo em museus) ‘ou a servigo dos meios de comunicacio de massa (imprensa, televisdo etc}; funcionando em assessorias culturas e politicas também; trabalhando na constituicio e gestio de bancos de dados, na organizagao de arquivos ¢ em outrasdreas de um ‘modo geralligadas & reunio e preservagio da informagio.® Dessa forma, a legislagdo alavancou essas mudancas, fazendo ‘com que os cursos de graduacao se adaptassem as novas exigéncias curriculares. Convém ressaltar, no entanto, que essas alteragées nao se deram, exclusivamente, por imposi 6 claborada a partir do cenério ja existente no campo profissional da Histéria, Contudo, salvo raras exeegées entre nés? 0 historiador deixava as cadeiras universitérias sem se deparar com tematicas que pode do ponto de vista hist6rico, como o patriménio; menos ainda havia se deparado com instituigées que gerenci _memoriais, museus ou centros de referéncia. A nica excecio com certeza eram os arquivos; afinal de contas, na sua trajetéria, 0 histo- riador pouco aprende a explorar fontes que nao as escritas, deixando de lado um manancial de documentos histéricos compreendidos da Iei, visto que ela mesma +r colocadas como problemas a s sm investigados vos, tals como ‘Anos 90, Porto Alegre, v. 15, n. 28, p. 201-218, dez. 2008 207 208 0 oficio da Histéria e novos espagos de atuacao profissional pela cultura material e visual no seu sentido mais amplo, artefatos, imagens, prédios, obras de arte, ete Se o estudante no tomou contato com essas questdes apenas do ponto de vista da possibilidade de investigagéo, menos ainda tomaria como seu 0 problema de compreender como as sociedades retinem, guardam e decidem preservar este ou aquele conjunto de documentos, esta ou aquela colecio de obras de arte, este ou aquele préai ‘monumento ou ainda criar um museu. Essas instituigBes ou marcos so, multas vezes, concebidos como tum arquivo em busca de fontes escritas sobre o tema que deseja investigar, mas nem sequer pergunta-se como essa dacumentagio, que hoje é sua tarefa crticar e analisar, foi parar naquele lugar. Ou de ; ou como e por que as sociedades decidem erigit um dado os. Um historiador vai a serd que ele protesta quando un Yinada coleg! de jornais no 6 colocada a sua disposico por estar em mau estado de conser- vacio? Tenho conhecimento de varias pesquisas frustradas por di- ficuldades de acesso a documentacao historica para elaboracdo de teses ou dissertagées, mas esse parece ndo ser um assunto perti- nente a reflexio dos estudos histéricos. Felizmente, os diversos cursos de graduacio em Histéria no estado incluiram, ao reformularem seus curriculos, disciplinas ati- nentes a essa problemética, tais como: Meméria e Patriménio no Estudo de Historia, Educacao para o Patrimonio, Teoria e Pratica de Arquivos e de Museus, Conservagao de Bens Culturais, Educacéo Patrimonial, entre outras. Varios cursos incluiram experiéncias de estigios em algumas instituig6es, prineipalmente em arquivos museus. Esses estigios vém propi indo @ insercéo dos estudantes nas institulgdes através da elaboracao ¢ execucio de um projeto especifico orientado pelo docente. , em outros casos, 0 discente labora e coloca em pritica seu proprio projeto na instituicao de estigio. O curso da UFRGS remeteu a formacao especifica nessa rea a énfase no bacharelado, diferenciando-a da licenciatura como formacio bisica, Dessa forma, as formacées universitérias vem ‘Anos 90, Porto Alegre, v. 15, n. 28, p. 201-218, dez. 2008 Zita Rosane Possamai contemplando minimamente os conhecimentos necessérios a0 pro- fissional de Histéria que deseje enveredar pela aluagao nessa érea, ddevendo buscar formagées complementares, apés sua formatura, Uma situagéo que merece ser mencionada é a dificuldade de conhecimento docente sobre esses diversos campos de atuacio do historiador e a auséncia de estudos publicados, o que interpée obsticulos a formacao dos noves profissionais. Esta sendo exigido um movimento por parte dos docentes de nivel superior na busca de informagGes, tal como vem se operando na abordagem das tematicas de hist6ria e cultura da Africa, cuja obrigatoriedade do ensino tam bem é objeto de legislagdo especifica. Por outro I sitam os e museus, por exemplo, preparar-se para acolher esses estudantes, tornando sua estada pro- veitosa para a aprendizagem profissional, Precisam compreender que © estudante de Histéria esta realizando estagio para desenvolver ati- vidades especificas em seu campo, nio para cumprir demandas tarefeiras do cotidiano de trabalho da instituicio. Além disso, os docentes tém sentido certa dificuldade em encontrar projetos em andamento nesses espacos que permitam a proficua participacao dos alunos. esse novo quattro de possibilidades profissionais que se apre- senta para o historiador, quais aspectos sua formacio deveria con- templar? Para tentar responder essa questo, vou-me valer de um docu- mento, elaborado por uma Comissio de Especialistas do MEC, composta pelo Prof. Dr. Ciro Flamarion Cardoso, ¢ pelas Profas. Dras. Elizabeth Cancelli e Luiza Margareth Rago, para a definicio das diretrizes curriculares dos cursos de histéria, © qual antecedeu o parecer aprovado, anteriormente mencionado. Nesse documento, € considerado como perfil profissional: O graduado deveré estar capacitado a0 exercicio do trabalho de Historiador, em todas as suas dimensées, o que supe pleno dominio da natureza do conhecimento histérico € ‘Anos 90, Porto Alegre, v. 15, n. 28, p. 201-218, dez. 2008 209 210 0 oficio da Histéria e novos espagos de atuacao profissional das pritcas essencials de sua producto e difusio. Atendidas esas exigénetas bésicas ¢ conforme as possbilidades, necess- dades ¢ interesses das IES, com formagao complementar interdisciplinar, 0 profissional estara em condlicées de suprit ddemandas sociaisrelativas ao seu campo de conhecimento (magistério em todos os graus, preservacao do patriménio, assessoriasa entidades piblicas ¢ privadas nos setoresculturais, artistic, lurisicos ee), uma vez que a formacio do profis- sional de Histéria se fundamenta no exereicio da pesquisa E como competéncias ¢ habilidades: 1, Dominar as diferentes concepgées metodoligicas que referenciam a construgio de categorias para a investigacao € a anilise das relagdes s6cio-historicas; 2. Problematizar, nas miltiplas dimensdes das experiéncias, dos sujitos histéricos, a constituicio de diferentes relagées de tempo € espaco; 3. Conhecer as interpretagdes propostas peas principals esco- las historlogréficas, de modo a distinguir diferentes narrativas, metodologi 4. Transitar pelas fronteiras entre a Hist6ria e outras éreas do conhecimento, sendo capaz. de demarcar seus campos especificos e, sobretudo, de qualificar 0 que ¢ préprio do conhecimento histérico: 5. Desenvolver a pesquisa, a produgio do conhecimento ¢ sua difusio néo $6 no ambito académico, mas também em insti- tuigdes de ensino, em drgios de preservagio de documentos € no desenvolvimento de politicas e projetos de gestdo do patriménio cultural.‘ © teort Segundo o documento, a investigagio e a produgio do conhe- cimento hist6rico seriam a base sobre a qual se assenta 0 offcio do profissional de histérla, A pesquisa é, dessa forma, a formacio ‘minima para atu tes, incluindo sua atuagdo na area de gestio do patriménio cultural. 10 do profissional de Histéria em diferentes fr ‘Anos 90, Porto Alegre, v. 15, n. 28, p. 201-218, dez. 2008 Zita Rosane Possamai AA partir desse pressuposto, quals as habilidades especificas que esse novo profissional deveria ter © que nio esto contempladas acima? Antes de mais nada, 0 historiador necessita apropriar-se de conceitos minimos, fais como memeéria, patriménio, documento, ‘museu, arquivo, situando historicamente o surgimento e o desenvol- vimento dessas nogées no contexto internacional e brasileiro. Im: porta, sobretudo, ver esses conceitos como construgdes socials no tempo, profundamente ligadas ao contexto histérico e ao jogo das relagées socials, rompendo com visdes mitificadoras. Nesse sentido, a discusséo epistemolégica da Histéria - e sua diferenciagao da ‘meméria ~ ¢ extremamente ttl como forma de situar, no campo do conhecit \orias (6rico, os processos de constragio das n pelos diferentes grupos sociais, Por outro lado, © historiador ne ita conhecer as formas de protesio juridica do patriménio, tais como tombamento, inventérios, as legislagdes atinentes a essa problemaética, percebendo sua evor lucio ao longo do tempo. Nesse caso, caber-se-iam conhecer as declaragées da UNESCO, as legislagées de alguns paises e, principal- ‘mente, apropriar-se da legislacéo brasileira, tais como Decreto de 1937, Lei de Sambaquis, Constituicao de 1988, Decreto do Patri- ‘ménio Imaterial, leis estaduais e mecanismos juridicos de protecio municipais. Particularizando, © historiador ainda necesita compreender como se dao trimite para a preservacio, por exemplo, do patriménio edificado, apropriando-se das varias instancias de investigacio, discussio e deliberago. O profissional necessita ter cléncia das suas alribuigGes e dos seus limites nessa questo. Ele participa da Investigagio ¢ da discussio através da contribulgdo do conheck mento histérico, mas nem sempre tem 0 poder decis6rio sobre a preservaglo ou nio preservagio, pols isso pode ocorrer em instancias politicas nas quais pode nao ter Continuando na paricularizagio, €necessério que o historiador conhesa o funcionamento de fi tituigdes como museus arquivos, ‘Anos 90, Porto Alegre, v. 15, n. 28, p. 201-218, dez. 2008 2u 212 0 oficio da Histéria e novos espagos de atuacao profissional tomando conhecimento de suas areas especificas (documentagio, conservacao, expografia, setor educative). F, importante que 0 profisional perceba a especificidade de suas atribulgées, respeltando as de outros colegas profissionais e, sobretudo, é necessério que desenvolva a habilidade de trabalhar em equipe. E importante que a formagio em Historia preocupe-se em habilitar 0 profissional a investigar outros documentos além dos escritos ou oni, introduzindo-o no estudo da cultura visual e mate- rial. Essa habilidade, que deverd ser desenvolvida na formacio, em muito o auxiliard quando necessitar trabalhar em um museu, por exemplo, onde lidara quase que exclusivamente com objetos, arte- fatos imagens. ‘Assim como as fontes de investigacio devem se multiplicar, 6 historiador ins do, prineipalmen com outras formas de linguagem para comunicar e divulgar o conheci- mento histérico. Uma situagao bastante comum —jé folelérica entre 6s profissionais de museus ~ é a inaptidéo que possuem muitos profissionais de Histéria na montagem de exposig&es, nas quals por “deformacio de oficio” escrevem livros de pernas ou livros nas paredes. Assim, as monografias, teses, dissertagSes ¢ artigos de texto, nao raro longos, enfadonhos, herméticos e destinados a tum puiblico académico seleto, precisam dar lugar a textos curtos, agradaveis ¢ acessiveis a um piiblico diverso, O historiador que aprendeu apenas a comunicar seu conhecimento através da Kngua- gem escrita, necessitaré comunicar-se através da expogratia, dispo: siglo de objetos e imagens em um determinado espago. Sua escrita da historia passa a ser visual. Atuando nessas instituicdes, o historiador precisaré estar instru- ‘mentalizado para a concepsio e elaboracio de projetos culturais, a fim de que possa buscar recursos materials e humanos para a reali zagio de suas atividades. Nesse sentido, precisa ter habilidade para ‘uma atuacdo pré-ativa, buscando agénclas de fomento, linhas de financiamento e m: nos museus, pre sndo-se em rede com outros profissionais da rea cultural, ‘Anos 90, Porto Alegre, v. 15, n. 28, p. 201-218, dez. 2008 Zita Rosane Possamai Sera que estamos preparando os futuros historiadores para is A discussio sobre a formacio dos historiadores perpassa, neces sariamente, pela sua atuagio profisional e pela sua insergS0 no mer- cado de trabalho. Um dos nossos maiores desafios é estabelecermos tum didlogo entre as partes, em, contudo, subordinarmos a educagio © a formago a necessidades efémeras, Nos iltimos anos, os cursos de licenciatura se viram reduzidos a um tempo diminuto, a partir do qual mesmo a formago tradicional do historiador fot bastante prejudicada, Muitas Instituigées de Ensino Superior (IES) aprov. (aram a legislagio favordvel para vender a ilusto do tio almejado diploma de nivel superior, crando graduagées aligeiradas. De que essaslimilagbes com 0s desafios tradicionais e novos forma con para os profissionais de Histéria? Nesse percurso, acredito que 0 Jf esté sendo dado, ou sej discut import sional de Histéria para além de suas fung6es de educadar e pesqui- sador. O novo profissional de Histérla, se assim se pode nominé-lo, esté assentado sobre um tripé: pesquisa, ensino e aco cultural. A formagio na graduagio é apenas o inicio de uma jornada de apren- dizagem e busca de conhecimento, que nao se interrompe jamais. um profis- AANPUH € 0s novos espagos de atuagao profissional que se espera de uma associagio profissional ~ em nosso caso a ANPUH ~ em relacio aos profissionais de Histéria que 2 Uma das questées mais prementes 6 0 reconhecimento desse campo de atuacio por parte da Associacio, Digo isso porque essa nio é uma situaglo t8o trangiila assim. Tradicionalmente, as diretorias tanto da ANPUH nacional quanto do niicleo regional do Rio Grande do Sul sio oriun- das do ambiente académico; sio docentes que, muitas vezes, no atuam na area de preservagdo histérico-cultu tém qualquer tipo de contato com a érea em questi. Vale lembrar que apenas recentemente essa preocupacao esté senclo objeto tam bem dos cursos de graduacéo, como visto anterlormente. Assim, ‘Anos 90, Porto Alegre, v. 15, n. 28, p. 201-218, dez. 2008 213 214 0 oficio da Histéria e novos espagos de atuacao profissional ‘muitas das problematicas enfrentadas por esses profissionais acabam nao entrando na pauta das discussdes da Associagao, Exemplo claro disso foi a omissio completa da ANPUH em relagio ao con- curso do IPHAN, citado anteriormente. ‘No entanto, exemplos positives da Associacio preocupando-se com essas dreas também podem ser citados. E tradicéo, em nosso Encontro Estadual, a presenca de uma mesa-redonda que discuta as questées relativas ao oficio do historiador nesse campo; 0 nosso nniicleo tem-se preocupado em fazer-se representar em diversos colegiados na érea da cultura, como o FUMPROARTE, o Consetho Estadual de Cultura, o Fundo Monumenta; a ANPUH discutiu 10 do Rio com o Férum de Coordenadores de Cursos de Graduag Grande do Sul as novas mudangas curriculaes, incluindo as proble- maticas relativas & form o nessa area. Além disso, o Rio Grande do Sul mantém 0 Grupo de Trabalho “Acervos: histéria, meméria € patriménio”, que comemorou, em 2007, 10 anos de atuagio, En- fim, os exemplos positives so varios e isso demonstra o quanto @ Associagio, a0 menos no Ambito regional, esté atenta para essa rea de atuacio dos historiadores. corolirio da situaco anterior refere-se & nio discussio sobre a regulamentacio da profissio de historiador. Esse é um assunto que est presente em conversas informais, mas que a Asso~ ciagao nao tem trazido para o debate sério e fundamentado, E como se 0 assunto estivesse hibernando num sono letargico e aguardasse seu despertar na comunidade dos historiadores. Por enquanto, ¢ incomum tocar-se no assunto, Essa é uma das raras oportunidades «que vejo sua presenca. Vou tentar sondlé-lo, pois convém nao acordar ‘um urso em hibernacao, sem riscos. campo académico da Historia esta consolidado no Brasil a partir dos cursos de graduacio e pés-graduacio. As revistas virias criundas dos PPGS, asseguram a qualidade do que merece ser publi cado. Nesse ambito, posso talvez afirmar que é dispensivel a regu- lamentagio do profissional de Histéria, O saber académico eriou seus mecanismos de afericéo e controle do que possa ser considerado ‘Anos 90, Porto Alegre, v. 15, n. 28, p. 201-218, dez. 2008 Zita Rosane Possamai tum trabalho de estudo hist6rico e, a partir dos mesmos, concede a Litulacao Aqueles que aleangarem os pré-requisitos. A insercio dos profissionals na carreira académica publica também se da pelos mesmos critérios, a partir da realizagio dos concursos puiblicos. Os requisitos exigidos nessas selegdes esto em sintonia com a deli rilag3o do campo académico. No Ambito editorial, a situacdo nao ocorre da mesma maneira, pols a finalidade das empresas 6 a comercializagdo final de seus pro- ddutos, 0s livros. Dessa forma, obras e textos com boa aceitacio de ppblica serdo editados, independe ser escrita ou nfo por historiadores. As editoras ~ salvo as univer- siti smente de sua temitica histérica ~ ndo se preocupam com os critérios que norteiam o campo da Historia e seria, provavelmente, um contra-senso exigir isso delas. Nessa esfera, depe fem, a0 menos, no se autodenominarem historiadores. A regula- mentacio profissional nessa esfera nio viria a exercer qualquer tipo de ingeréncia. Onde, entio, teria algum sentido a regulamentagao profissio- os apenas da honestidade dos autores nal? Justamente naqueles drgaos mencionados anteriormente e nos quais os historiadores vém, precariamente ou competentemente, exercendo seus oficios. No entanto, 0 profissional de Histéria no esté presente nesses espacos. A regulamentacao poderia assegurar 1 presenga dos historiadores em museus, arquivos, érgios de gestdo do patriménio, escritérios de turismo, memoriais, centros de docu mentacdo e pesquisa, acervos das mais variadas tipologias, a exemplo do que ocorre com outras profissées, como arquivista, bibliotecério © museélogo. Certamente a regulamentacio profissional nao possibilitar, num passe de magica, a insercao do historiador em todos esses <6rgios, A maioria dessas instituigdes ¢ publica e depend da criagio de cargos ¢ vagas, bem como da aprova¢io de concursos piiblicos. No poder publico, a regulamentagao poderia surtir efeitos a médio © a longo prazo, enquanto na esfera privada, posso estar enganada, ‘Anos 90, Porto Alegre, v. 15, n. 28, p. 201-218, dez. 2008 215 216 0 oficio da Histéria e novos espagos de atuacao profissional imagino que a regulamentacao gere efeitos a curto prazo. Seja qual for a instincia, 6 somente com a regulamentacio que se pode exereer pressio no sentido de contemplar a insercao desses profissionais nessas areas. Finalmente, cumpre dizer que a opcio pela regulamentacio © a conseqiiente presenga dos profissionais de Historia nas insti tuigdes gerenciadoras do patrimOnio hist6rico-cultural é mais do que uma reivindicagio corporativa e esté fundamentada nos prejut 20s compreensio do patriménio brasileiro ao abdicar-se do olhar particular da Historia, Ne se, sem confundir-se, a diversos outros oficios atuantes no campo do patriménio. M: ‘© maior ganho, sem diivida, viré para 0 patriménio brasileiro que sera mais bem investigado, estudado, comp: apropriado por todos. sentido, 0 oficio dos historiadores soma- los historiadores, do que para a comunidad ndido, conhecido e The activity of History and new spaces for its professionals Abstract: The Reld of History professionals hus been enlanged throughout the ast, decades. Museums, memorial, documentation centers, management centers of bistorc heritage, and agencies of culural and tourism polcesare some ofthe exarpes of open spaces for histarlans, Nevertheless, this new spectrum of possbllies presents variety of questions and challenges concerning the arca of History: what do these institutions expect from the professional who works for them? How has thisactivty been happening? What obstacles are faced by these professionals? How should their training be held? What abilities should they have? What distinguishes them from other professionals who work inthis field? What is the role of the [National Association of History — nationally and regionally speaking —fn relation to the historians who workin this feld? What i the Importance ofthe regulation of that profession for those who work a institutions working with to cultual- historic heritage? This text intends to find these questions out on a preliminary basis Keywords: Historic Heritage - Profession regulation - Historian trade ‘Anos 90, Porto Alegre, v. 15, n. 28, p. 201-218, dez. 2008 Zita Rosane Possamai Notas Esse texto fol originalmente apresentado nia Mesa-Redondla Os histeriadars¢ os serves documentas¢ musagcas nove espaes de atuaioprofisinal, do IX Encontro Estadual de Historia - ANPUH-RS, realizado em julho de 2008, na Universidade Federal do Rio Grande do Su *Documento disponivel em_http://portalmec.govbe/ene/arquivos/pa/ (CHS0492,par,acesso em 02/09/2008, 2A graduagio em Historia das Faculdades Porto-Alegrenses é mantinha em seu ccurriculo as dseipinas de Muscologiae Arquivologia, * Documento disponivel em hitp://wwwanpuhsp.org.be/pdts/DOC%20 INICIAL%20ANPUH%20%20DIRETRIZES pat, acesso em 02/09/2008, Referéncias CCHOAY, Frangots L'Atioriedupaimsne. Pris Sout, 1996, GARCIA CANCLINI Néstor. Caltras ied esatéls para entrar y sal dea ‘moderna, Buenos Aires: Eaitral Sudamericana, 195. GONCALVES Jose Reinaldo Santos. A rtrd pos discursos do patel cultural no Brasil Ro de Jancto:Ettora UFRJ/MINC IPHAN, 196, GOURARIER, Zee, Le musée entre le monde des morts Etna fama «14,1 . 67-76, jw. /mars. 1984 LE GOFF Jacques. Histriaememéria, Campinas: Ed, UNICAMP, 1994, MENESES, Upiano Bezera de, Aeris da meri histriae dacument! reflexes para um tempo de tansformagses In: SILVA, Za Lopes da (Org). Argus, patriménic nema, Sto Palo: Editors Unesp/FAPESP, 1999. 11-28. Fontes visuais, cultura visual, Histéria visual, Balango proviséro, propostas cautelares, Revista brasihira de Hiséria, Sto Paulo, v 23, n. 45, p. 11-36, 2008. NORA, Piere, Entrememdsia ehistéra:a problematiea dos gates. PraeoHiséea, 1.10, p. 7-28, dez, 1993 POULOT, Dominique. Mas, natin, patinoin: 1789-1815, Pais: Gallimard, 1997, RICOEUR, Paul, La mémoire, hist, Fou. Paris: Seull, 2001 ‘Anos 90, Porto Alegre, v. 15, n. 28, p. 201-218, dez. 2008 217 218 0 oficio da Histéria e novos espagos de atuacao profissional SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés de. Bens elturaseprotadojuridica. 2. ed Porto Alegre: EU/Porto Alegre, 1999, p. 22 Recebido em 12/09/2008 Aprovado em 14/11/2008 ‘Anos 90, Porto Alegre, v. 15, n. 28, p. 201-218, dez. 2008

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