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A MORAL E O DIREITO SOBA OPTICA DE EMILE DURKHEIM (MORALITY AND LAW FROM THE STANDPOINT OF EMILE DURKHEIM) Rachel Capucio de Paula e Silva! RESUMO O presente artigo tem como objeto de anilise a concepgao moral ¢ juridica sob a éptica do socidlogo francés Emile Durkheim. O texto aborda a sociologia, os conceitos pressupostos fundamentais, as se~ ‘melhangas entre Moral e Direito, a partir do pensamento de Durkheim nas suas principais obras. O artigo destaca, ainda, como conclusao, a importancia das regras morais e juridicas para 0 controle social, Palavras-chave: Sociologia. Emile Durkheim. Concepgdo moral. Concepgao juridica ABSTRACT The present article has as object of analysis the moral and le- gal conception from the standpoint of the French sociologist Emile Durkheim. The text discusses the topics of sociology, concepts and fundamental assumptions, the parallelisms between Morality and Law, from the thought of Durkheim in his main publications. The article also proposes, as a conclusion, the importance of Morality and Law for social control 'E advogada, graduada no Centro Universitério de Belo Horizonte (Uni-BH), pés-graduada em Direito do Estado (Universidade Anhanguera/Uniderp) ¢ em Cigneias Criminais (Faculdade de Direito Padre Arnaldo Janssen), 0 RACHEL, CAPUCIO DE PAULA ESILVA Keywords: Sociology. Emile Durkheim. Moral conception. Legal conception. SUMARIO: | Introdugao; 2 Sociologia de Durkheim; 3 Conceitos pressupostos fundamentais do pensamento sociolégico de Durkheim; 4 Moral e direito no pensamento de Durkheim; 5 Conclusio; 6 Referén- INTRODUCAO O artigo ora proposto tem como tema a Moral ¢ 0 Direito no pen- samento do sociélogo francés Emile Durkheim. Durkheim considerava que Direito ¢ a Moral sdo inseparaveis, pois 0 Direito nada mais é do que o sistema institucionalizado de re- gras que garante o cumprimento dos deveres morais, Ademais, a for- magio moral do sujeito é que garante o cumprimento espontineo das regras juridicas. Hoje, em virtude, principalmente, do positivismo juridico identi- fica-se cisio teérica, talvez irrecuperivel, entre Direito ¢ Moral. En- tende-se que essa separagao radical nao é salutar para o bom funcio- namento do Direito na vida social, Assim, pretende-se analisar a Moral e o Direito, a partir da teoria de Durkheim, ou seja, considerando 0 Direito no contexto de cons- trugdo da vida social, bem como, seus elementos constitutivos que se encontram emaranhados na teoria moral daquele pensador. SOCIOLOGIA DE DURKHEIM Para entender a filosofia e os pensamentos de Emile Durkheim & necessario que se entenda o periodo histérico em que ele viveu e tragar, ainda que brevemente, sua biografia David F'mile Durkheim nasceu no dia 15 de abril de 1858, em Epinal, localizada no nordeste da Franga, entre a Alsacia e a Lorena, vindo a falecer em 15 de novembro de 1917, em Paris. @ Ci TT | ro Son ade Foi o fundador da escola francesa, mesclando a pesquisa empirica com a teoria sociolégica. Nao obstante, foi considerado o pai da So- ciologia moderna. E reconhecido como grande teérico no conceito da coergao social © 0 seu trabalho estava preocupado com a forma como as sociedades poderiam manter sua integridade e coeréneia na modernidade, uma era em que tradicionais lagos sociais ¢ religiosos no so mais assu- midos ¢ em que novas instituigdes sociais tém surgido. Durkheim é um autor do final do século XIX ¢ inicio do século XX, ou scja, um contemporaneo, Esse perfodo é mareado por grandes, conturbagdes, pois ocorria a transigdo do feudalismo europeu para 0 capitalismo, que se arrasta do século XVI até o século XX. Nesse in- tervalo, aconteceram varias mudangas econémicas, politicas e sociais que tiveram consequéncias também no pensar Na visio de Durkheim, a sociedade europeia encontrava-se pouco integrada; a familia e a religido tocavam os seus alarmes, a fim de de- monstrar 0 seu enfraquecimento, no que diz respeito as suas fungdes Para ele, essa era a hora de procurar novas alternativas, novas fontes de solidariedade e de consenso entre os individuos da sociedade, para fortalecer, assim, a unio coletiva. ‘esse periodo, a Franca passava por iniimeras mudancas. Sur giam as lutas de classes e o questionamento da moral religiosa que abria espago para a ciéneia e a educago como meios de formagio do espirito humano. E uma das primeiras coisas que ele fez, foi propor regras de ob- servagio e de procedimentos de investigagZo que fizessem com que a Sociologia fosse capaz de estudar os acontecimentos sociais. Foi nesse contexto, que Emile Durkheim passou a buscar novas opgdes de conduta para os individuos, como forma de neutralizagzo das crises econdmicas e politicas que viviam & época. Mas para Durkheim, os problemas que a sociedade desse perio- do enfrentava eram de cunho moral e nao econémico. A andlise das questdes morais de uma coletividade necessitava de metodologia nova cacclas apropriada? 2 DURKHEIM, sdb, | roocatanssvansrons 9 e sone tsa) 92 RACHEL, CAPUCIO DE PAULA ESILVA Sobre tal problema manifestou-se Durkheim: [..J E tempo de entrar mais diretamente em relago com 0s fatos, ‘de adquirir com seu contato 0 sentimento de sua diversidade € sua especiticidade, a fim de diversificar os préprios problemas, de determinar e aplicar-Thes um método que seja imediatamente apropriado a natureza especial das coisas coletivas.’ A consciéncia coletiva, segundo Emile Durkheim, é a forga cole- tiva exereida sobre um individuo, que faz com que este aja e viva de acordo com as normas da sociedade na qual esta inserido. Assim como na vida mental, a conscigncia coletiva ¢ feita de re- presentagdes que transcendem a esfera individual, por sua superiori- dade ¢ atua com forga sobre as consciéneias individuais. A conscién- cia coletiva é fruto de pequenas contribuigdes individuais, que juntas, formam 0 todo, nao sendo fruto de teorias metafisicas, mas de fatos sociais reais Segundo o pensador francés, existem duas consciéncias distintas em cada individuo: uma é aquela que se confunde com o todo da sociedade e ajuda a formé-la, a outra é a que cada pessoa tem de par- ticular e que a faz um individuo diferente dos demais, apesar de fazer parte do todo. Nessa concepgdo, fica claro que em uma sociedade 0 todo no & apenas o resultado da soma de cada uma de suas partes, mas, algo distinto delas. 0 individuo se submete a sociedade ¢ é nessa submissio que ele encontra abrigo. A sociedade que o forga a seguir determinados pa- drdes, & a mesma que o protege eo faz sentir-se como parte de um todo estruturado e coeso. Essa dependéncia da sociedade traz consigo 0 conforto de pertencer a um grupo, um povo, um pais. sa formagdo social do eu, ocorre pela interiorizagao dos fatos sociais, ou seja, dos padrées de agir e pensar do grupo em que se in- sere 0 sujeito, Nem toda ago de um grupo ¢ fato social, Para ser considerado fato social, uma agdo precisa preencher trés requisitos: a generalidade, a exterioridade e a coercitividade, ou seja, ‘0 que as pessoas pensam, sentem e fazem independentemente da von- tade individual, é um comportamento estipulado pela sociedade ¢ no imposto a alguém em especial. > DURKHEIM, sida. @ Ci TT | AMORAL 0 DIREITO SoH A GPTU yURKHEIM 93 E éna investigagdo da vida e da ago do ser humano em socieda- de, segundo os fatos sociais, que Durkheim correlaciona a Sociologia, © Direito € a Moral Hoje, para os aplicadores do Direito, & piblico e notério que am- bas as ordens normativas apresentem estrutura complexa e organica, dotadas de regras ¢ leis, cada qual com a sua sangao, regendo, a sim, a vida em sociedade para cada individuo. Entretanto, & época de Durkheim, essa clareza quanto as esferas de atuagdo desses conjuntos de regras na soviedade no havia ainda se formado. ‘No pensamento de Durkheim, tanto o Direito quanto a Moral so considerados instrumentos de coagao social, ou seja, mantenedores da ordem social. Em locais em que existem varios individuos dividindo ‘© mesmo espago, & necessério que se desenvolva forma de controlar jtuagdes existentes ou que estdo por vir. Cada individuo possui uma esfera de ago que & 0 limite da ago do outro ¢ que deve ser respeitado. ‘A partir do momento que essa limitagao é ultrapassada, o indivi- duo infringe os preceitos basicos de convivéncia de uma determinada sociedade e, dessa forma, deverd ser submetido a algum tipo de san- ‘cdo. Sé assim é possivel 0 convivio social harmonioso. Para Durkheim, as [..] ao mesmo tempo em que as instituigSes se impéem a nbs, aderimos a elas; elas comandam e nés as queremos; elas nos constrangem, € nés encontramos vantagens em seu funciona- ‘mento ¢ no préprio constrangimento. [..] talvez nao existam pri ticas coletivas que deixem de exercer sobre nés esta ago dupla, ‘a qual, além do mais, ndo & contraditéria seni na aparéncia.* ‘A sociedade precisa ter regras claras, valores e limites para fazer com que 0 individuo se sinta seguro e protegido em relagdo ao com= portamento do outro. Para Durkheim, o importante é que o individuo se sinta parte do todo e que necessite realmente da sociedade ¢ contribua para a sua manutengao. © QUINTANEIRO, 2002, p. 76 96 RA 3. CONCEITOS E PRESSUPOSTOS FUNDAMENTAIS DO PENSAMENTO SOCIOLOGICO DE DURKHEIM 1.CAPUCIO DE PAULA E-SILVA Durkheim define a sociologia como: “a ciéneia das instituigdes sociais, da sua génese e do seu funcionamento”, ¢ as instituiges so- ciais sao, para ele, “toda crenga, todo comportamento instituido pela coletividade”.s ja Quintaneiro explicita que: [..] as conseigncias particulares, unindo-se, agindo ¢ reagindo uumas sobre as outras, fundindo-se, dio origem a uma realidade nova que é a consciéncia social [..] Uma coletividade tem as suas formas especificas de pensar e de sentir, as quais os seus mem- bros se sujeitam, mas que diferem das que eles praticariam se fossem abandonados a si mesmos. Jamais o individuo, por si s6, poderia ter constituido o que quer que fosse que se assemelhasse A idéia dos deuses, ao mito e aos dogmas das religides, idéia do dever e da disciplina moral, etc.’ Segundo Durkheim, instituigdo ou fato social “é toda a manei- ra de agir fixa ou ndo, suscetivel de exercer sobre o individuo uma coagio exterior, ou ainda, que é geral na extenso de uma sociedade dada, apresentando uma existéncia prépria, independente das mani- festagdes individuais”? Para se identificar os fatos sociais na realidade, é necessirio que sejam observadas suas caracteristicas basicas. As caracteristicas dos fatos sociais podem ser identificadas por quatro dimensdes: + Exterioridade: 0 fato social é considerado exterior a cada indi« viduo, formando uma realidade especial, “porque consistem em idéias, normas ou regras de conduta que no sio criadas isolada- mente pelos individuos, mas foram criadas pela coletividade que jé existem fora de nds quando nascemos”* + Generalidade: todos (ou a maioria) os individuos de um deter- minado grupo possuem a mesma forma de pensar e agir, ou seja, © comportamento torna-se padronizado. 5” QUINTANEIRO, 1995,p. 17 * QUINTANEIRO, 2002, p. 69-70. * DURKHEIM, 2002, p. 68-69, * TUDO, 2003,p..2. @ Ci TT | AMORAL #0 DIREITO SOW A OPTICA DE EMILE DURKHEIM 95 + Anterioridade: o fato social é percebido, seja por sua existéncia anterior ao individuo, seja pela coergdo exercida, ou mesmo pela existéncia no outro, fora do sujeito e, desta forma, como algo externo e independente dele, + Coercitividade: obrigagdo de obedecer a determinada norma ou orientago preestabelecida por uma dada sociedade ¢ ou Es- tado, Pode-se dizer, portanto, que o fato social se resume nas crengas, costumes e tendéncias que se apresentam de forma coletiva, Durkheim jd mencionava: “O homem é um animal que sé se humaniza pela so- cializagao”? Para Emile Durkheim, a consciéncia coletiva nada mais é que: “O conjunto de crengas ¢ de sentimentos comuns entre os membros de uma mesma sociedade forma um sistema determinado que tem sua vida prépria; podemos chamé-la de consciéncia colectiva ou co- mum" Qualquer desvio dos padrdes dessa sociedade pode provocar 0 isolamento do individuo, comparavel a uma pena imposta por lei. Essa presso € a sociedade tentando moldé-la sua imagem e semelhanga. Para Durkheim, o vinculo comum que une os individuos entre si © 0 seu grupo é a solidariedade social, segundo 0 autor, pode ser or ganica e mecdnica e varia de acordo com os contextos que as pessoas esto inseridas, © autor assim se manifesta a respeito da solidariedade social: | é forte, inclina fortemente os homens entre si, coloca-os em freqiiente contato, multiplica as ocasides que tém de se relacio- narem. [..] Quanto mais solidérios sio os membros de uma socie- dade, mais relagdes diversas sustentam, seja entre si, seja com 0 grupo tomado coletivamente, porque se os seus encontros fossem raros eles nio dependeriam uns dos outros senio de maneira fri gil e intermitente. A solidariedade mecdnica pode ser observada em coletividades ‘menores ¢ que possuem processos produtivos mais simples. Para ele a * VIDA, sd) "© DEFINICAO, sd, ® QUINTANEIRO, 1995, p. 33 | moocatcnssvansrons 9 e sone tsa) 96 RACHEL, CAPUCIO DE PAULA ESILVA solidariedade mecanica é caracteristica das sociedades ditas “primiti- vas” ou “arcaicas”, ou seja, em agrupamentos humanos de tipo tribal formado por clas. Nesses grupos, a fraca individualizagio permite que o padrio moral que se efetiva sobre os individuos seja tio forte que 0 que & valido para um torna-se valido para os demais, quase sem qualquer diferenga ou dissidéncia, Pode-se dizer que qualquer deslize moral significa a punigdo para aquele que desrespeita a consciéncia coletiva. A solidariedade organica, ao contrario, predomina nas sociedades ditas “modernas” ou “complexas” do ponto de vista da maior diferen- ciagdo individual e social (0 conceito deve ser aplicado as socieda- des capitalistas). Além de ndo compartilharem dos mesmos valores © crengas sociais, os interesses individuais so bastante distintos ¢ a consciéneia de cada individuo é mais acentuada. 0 Direito, explica Tania Quintaneiro, “é uma forma estavel ¢ pre- cisa, ¢ serve, portanto, de fator externo e objetivo que simboliza os elementos mais essenciais da solidariedade social”. Por isso, Durkheim utilizou certas normas do Direito como indi- cador do tipo de solidariedade existente em dada sociedade, ja que a solidariedade é considerada um fendmeno moral ¢ deve ser observada de forma indireta, De um modo geral, as sociedades passam por uma fase de transigdo, da solidariedade mecinica para a organica. Na tentativa de se autopreservar, o grupo institui formas de trans- missdo ¢ manutengdo dos padres de comportamento que o caracte- rizam, ou seja, de seus fatos sociais, O autor destaca, nesse sentido, a importancia, entre os fatos sociais, dos padrdes morais ¢ juridicos ¢ das instituigdes responsaveis pela propagacao e aplicagdo das regras morais ¢ juridicas dentro dos grupos sociais. Explica Durkheim: Na nossa cultura, o uso de vestimentas é algo que vem sendo transmitido de geragies para geragses, fazendo com que o indi- viduo tenha essa prética naturalmente, Aquele que por alguma razio nio o fizer, estaré sujcito a ser cxcluido ou discriminado dentro do seu grupo, por ndo enquadrar-se aos padres que a propria sociedade determinou.” ® QUINTANEIRO, 1995, p. 33. » DURKHEIM, 2001 @ Ci TT | AMORAL 0 DIREITO SoH A GPTU yURKHEIM 7 As pessoas passavam a se agrupar em decorréncia das profissdes Durkheim passou a advogar que o ambiente de trabalho deveria ser tornar o espago de educagdo moral dos membros daquele grupo, caso contrario a solidariedade social iria se enfraquecer, progressivamente, podendo chegar ao colapso do coletivo em questo, a anarquia. Co- menta o francés: [.] serd preciso poueo a pouco vincular os homens ds suas vidas profissionsis, constituir fortemente os grupos desse gener, seré preciso que o dever profisional assuma, dentro dos corages, 0 ‘mesmo papel que o dever doméstico desempentiou até agora. Assim, péde-se ver a grande importancia que a Moral e 0 Direito tém para Durkheim na estabilidade da vida social. 4. MORAL E DIREITO NO PENSAM. DURKHEIM TO DE Na concepgao do socidlogo francés: Moral ..]& tudo o que & fonte de solidariedade, tudo o que forga 0 individuo a contar com seu proximo, a regular seus movime tos com base em outra coisa que nfo os impulsos de seu egofsmo, ea moralidade & tanto mais lida quanto mais numerosos e for tes sio estes lagos A Moral tem um papel importante na formagio do respeito aos fa- tos sociais, como também na formagao do habito de seguir os padroes, sociais. A esfera da Moral é vasta, uma vez que abrange todos os tipos de relagdo entre os individuos e as suas diversas formas de compor- tamento, Sao objetos da regulamentagio moral: © amor, a amizade e a solidariedade. © Direito, por sua vez, segundo aquele mesmo Vocabulario Juri- dico ¢ seu autor, pode ser assim conceituado: Direite: Derivado do latim directum, do verbo dirigere (digi, ordenar,endireitar), quer o voesbulo, etimologicamente, signifi car o que é ret, o que nio se desvia, seguindo uma s6 direslo, entendendo-se tudo aquilo que é comforme a razdo, a justiga ea equidade © DURKHEIM, 2001 '’ DURKHEIM, sd oe RACHEL, CAPUCIO DE PAULA ESILVA Mas, ai, se entende o dircito, como o complexo organico, de que se derivam todas as normas e obrigagSes, para serem cumpridas pelos homens, compondo o conjunte de deveres, aos quais ndo podem fugir, sem que sintam a aso coercitiva da forga social organizada, Ha, entanto, o direito, 0 jus romano, na sua idéia de protegdo salvagio, definide como a arte do bom e do equitative (jus est ars oni et aequi), que se apresenta com um conceito bem diverso de norma obrigatéria (norma agendi), para se mostrar uma faculda- de (facultas agendi) ‘Outra acepedo possui ainda o Direito, para revelar aspectos bem diferentes de scu sentido objetivo ou subjctive. Direito em seu sentido objetivo, propriamente derivado do direc: tuum latino, o Direito, a que se diz de norma agendi, apresenta-se como um complexo organico, cujo conteido & constituide pela soma de preceitos, regras c Icis, com as respectivas sangoes, que regem as relagdes do homem, vivendo em sociedade. ‘A caracteristica dominante do Direito, no seu sentido objetivo, estd, portanto, na coagdo social, meio de que se utiliza a propria sociedade para fazer respeitar os deveres juridicos, que el mes- mma instituiu a fim de manter a harmonia dos interesses gerais implantar a ordem juridica, Destarte, © Direito, objetivamente considerado, em qualquer as- pecto em que se apresente, em seu estado pritico ou empirico, em seu estado legal, instintivo, costumeiro ou legislative, ou ainda su estado cientifico, doutrindrio, mostra-se, eminentemente, uum fenémeno de ordem social, sendo assim, em qualquer sen- tido, uma norma de cardter geral, imposta pela sociedade, para ‘ordem e equilibrio de interesses na propria Sociedade. E, com razdo, a Filosofia o coloca entre os ramos da Sociologia, porque nao se admite o Direito sem a existéncia do homem, vi- ‘vendo em sociedade. ‘Onde quer que haja homens reunidos, pois, ha necessariamente 0 Direito, manifestado seja sob que forma for. Nao se compreende sociedade sem ele: Ubi societas, ib jus. ‘iio hi direito sem sociedade, nem sociedade sem direito, [.!* Para Durkheim a definigdo de um fato social especifico, seja eco- némico, politico ou juridico, seré aleangada pe identificagao de sua causa final. Assim, $6 se poder saber o que é 0 Direito caso se saiba © SILVA, 1973, v. 2p. 528-529. @ Ci TT | AMORAL 0 DIREITO SoH A GPTU yURKHEIM 99 qual é a sua finalidade na vida social, qual & o papel que ele pretende cumprir em relagdo existéncia coletiva do ser humano. Qual seria, entdo, a causa pritica que gera 0 Direito? Segundo Durkheim, o Di- reito surge: [. da necessidade de assegurar as condigdes de existéncia da sociedade. Mas & necessirio dar ao termo condiges um signi- ficado muito mais amplo, ‘CondigSes" ndo significar apenas as indispensdveis a sobrevivéncia pura e simples, mas tudo aquilo cuja falta faria a existéncia nos parecer sem valor. [..] Contudo nem todas as condigies de existéncia de uma sociedade geram disposigdes legais, Se as agdes exigidas pelo bem-estar social nio conflitassem com os interesses pessoais, poder-se-ia deixar sua execugio a cargo do egoismo, e a interferéncia do direito rio seria necesséria,[..] O direito & a mio pesada da sociedade sobre o individuo, ¢ onde cla deixa de se fazer sentir, nfo cxis- tem direitos. Tal é a finalidade do direito, © meio que permite atingi-la é a coagdo, Mas existem coagdes de todo tipo: hd as que tum individuo exerce sobre o outro, as que se exercem de forma difusa pelo conjunto da sociedade sob a forma de usos, costumes © da opinio piblica, ¢ as que so estabelecidas e concentradas nas mios do Estado, Festa tiltima forma que assegura a cficicia do direito.” Explica, ainda, o socidlogo: {0 estudante de diteto} passa todo o seu tempo comentando os textos, ese, conseqiientemente, @propésito de cada lei, sua pre cupagio ¢ procurar adivinhar qual teria sido a intensao do legis- lado, ele contraréo habito de ver na vontade legisladora a fonte exclusiva do direito. Ora, isso seria tomar a letra pelo espirito, a aparéncia pela realidade. nas proprias entranhas da sociedade gue 0 direito se elabora,limitando-se o leislador a consagrar um trabalho que fi feito sem ele. F preciso, pois, ensinar ao es- tudante como o dirsito se forma sob a pressdo das necessidades sociais, como se fixa pouco a pouco, por que graus de eristaliza- «90 cle passa sucessivamente, como ele se transforma. E preciso mostrar the, em termos préticos, como nasceram as grandes ins- ‘ituigbesjuridicas, ais como a familia, a propriedade, contrat, qs so suas eausas, como elas variavam e como provavelmen- te vatiarao no futuro:* © DURKHEIM, 2006, p. 56-62. © ALBUQUERQUE, 2004, p. 101 1.CAPUCIO DE PAULA E-SILVA 100 RA Para Durkheim, o papel do Direito & punir os que ndo interiori- zaram bem os valores morais de respeito aos fatos sociais e que os transgridem e, assim, proteger a Moral coletiva. Segundo ele, 0 Di reito nada mais é do que a Moral institucionalizada. Ou seja, a socie- dade cria determinados padrées de comportamento que sio avaliados como necessirios € positivos para a vida coletiva e que, portanto, de- vem ser transmitidos e garantidos. A transmissdo educacional forma © habito e o respeito pelos fatos sociais ¢ garante a formagio moral do sujeito, ou seja, 0 cumprimento espontaneo pela adesio de conscién- cia do individuo aquele dever. As falhas de interiorizacao, bem como 6s naturais desvios serdo punidos pela propria coletividade, de forma difusa, espontinea e nio previsivel. De acordo com Raymond Aron: A forga desta consciéncia coletiva acompanha a sua extensio, Nas sociedades primitivas, ela ndo s6 abrange a maior parte da existéncia individual, como também os sentimentos coletivos tém forga extrema, que se manifesta pelo rigor dos castigos im- postos aos que violam as proibiges sociais. Quanto mais forte a conscigneia coletiva, maior a indignagio com o erime, isto & contra a violagdo do imperativo social.” Entretanto, é necessario que o grupo institucionalize a garantia da moral, ou seja, que transforme os deveres morais em regras jurfdi isso 6, em obrigagdes sociais e nao somente em obrigagdes de consci- Encia, E necessirio, também, que a punigdo dos desvios seja garantida por um érgao especifico e aparelhado para tanto e nao somente pela reprovagdo difusa da opinidio pablica. F assim que surge o Direito, para Durkheim, A relacdo entre o Direito a Moral moderna inverte a concep- G0 durkheimiana, Para os contempordneos, a esfera juridica € mais, extensa, possui forga sancionadora maior e independe, ainda que nao completamente, das concepgdes morais. Ora, porque 0 Direito con- ta com a forga aparelhada do Estado, seu poder de convencimento, ainda que ele nfo pretenda convencer ninguém a cumprir a norma e, sim, obrigar, é mais intenso que o da Moral. Ademais, 0 contetido S. ® ARON, 1999, p. 291 | moocacsssvatsrne se e sone tsa) AMORAL 0 DIREITO SoH A GPTU yURKHEIM 10) das normas juridicas ndo & a total absorgdo dos valores morais de uma sociedade. Ha normas juridicas contrarias a costumes e valores sociais arraigados, bem como normas técnicas que nao se sujeitam & avaliagio moral Nesse sentido, comenta Adolfo Sanchez. Vazquez: A esfera da moral se amplia ds custas do direito, a medida que os homens observam as regras fundamentais da convivéncia volun- tariamente, sem necessidade de coagdo. Esta ampliagdo da esfera da moral com a conseqiiente redugdo da do direito & por sua vez, indice de um progresso social. A passagem para uma organizacio social superior acarreta a substituigdo de certo comportamento Jjuridico por outro, moral, De fato, quando o individuo regula as sua relagSes com os demais néo sob a ameaga de uma pena ou pela pressio da coago externa, mas pela intima conviegio de aque deve agir assim, pode-se afirmar que nos encontramos diante de uma forma de comportamento moral mais elevada J" Para os juristas, o Direito possui uma caracteristica mareante que © difere de todos os outros sistemas normativos. i a chamada coer- cibilidade, ou seja, apenas ele e s6 ele seria capaz de usar da coag’io fisica para se fazer cumprir. Ainda segundo os juristas, a Moral e Direito se diferem também em seu campo de aplicagao. O Direito pode ser classificado como de cariter objetivo. Esta situado em um campo exterior, se confrontado com seus destinatarios. A Moral é de cardter subjetivo, inerente ao ser humano. Sua rea de atuacao esta restrita a vida interior de quem a cumpre. Ressalte-se, ainda, que a Moral é dita individual e 0 Direito, geral, porque os comandos do segundo se dirigem a todos e os da pri- meira somente a consciéncia do sujeito. Entretanto, é possivel refletir sobre a profundidade dessas diferen- gas. Existe certa coexisténcia entre a norma moral e a coercibilidade. Nos grupos sociais em que 0 poder politico se confunde com o poder religioso, os preceitos morais so também coercitivos. O uso da forga € requisito do poder politico e é ele quem decide a quem empresté-la, Portanto, também a Moral pode ser coercitiva. 2 VAZQUEZ, 1998, p. 80-81

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