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MERCADOS DE TRABALHO
Em primeiro lugar cabe perguntar-se o que há de novo no que se entende por globalização da
economia mundial. Desde o início do século temos uma mobilidade e uma integração crescentes
dos capitais a nível mundial, com grandes empresas investindo e construindo instalações
produtivas em várias partes do mundo, inicialmente concentradas nos setores dos serviços
públicos, utilizando muitas vezes o mercado internacional de capitais. Daí disseminou-se o
conceito de imperialismo e o conjunto de teorias e concepções críticas quanto às perspectivas de
concentração/cartelização do capital e monopolização dos mercados. Na verdade, a chamada fase
imperialista sucedeu e aperfeiçou a etapa anterior fundamentada exclusivamente na mobilidade de
produtos, de um lado os produtos primários dos países coloniais para os centrais e, de outro, de
produtos industrializados dos últimos para os primeiros. Esta mobilidade não deixou de constituir
a base material das trocas internacionais na etapa imperialista, ela apenas foi subordinada ao
movimento de capitais altamente concentrados, no geral estruturados na forma de sociedades
anônimas, que foram investidos em setores altamente rentáveis e com rendimentos mais ou
menos assegurados por políticas públicas na periferia do capitalismo mundial: em primeira linha
nos serviços públicos, mas também em grandes plantations voltadas para a exportação.
Desde tempos coloniais o movimento de mercadorias, comandado pelas metrópoles, sempre foi
acompanhado por e determinou movimentos migratórios, canalizando excedentes populacionais
existentes em regiões pauperizadas ou não dos países centrais ou periféricos. Durante a fase
imperialista essas migrações continuaram sendo a contrapartida de movimentos de capitais
controlados pelos centros do capitalismo mundial. De um lado parte das camadas que deveria
gerir os processos de produção nos países periféricos vinha dos países de origem dos capitais
investidos. Por outro lado, todo esse processo de intensificação de trocas internacionais, com ou
sem investimento diretamente na produção e nos serviços básicos, tinha seu sustentáculo e sua
1
Professor Titular do Departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ.
2
Já antes das duas guerras mundiais e de modo mais marcante no pós-guerra o investimento de
capitais também em países menos desenvolvidos se dirigiu, de início apenas marginalmente, para
a produção industrial. O objetivo inicial era via de regra o de suprir o mercado local com
produtos que encontravam pouca concorrência e traziam altos lucros. O fim da reconstrução das
economias européias nos anos 50 permitiu canalizar maior quantidade de capital para o
investimento em atividades produtivas, agora não necessariamente em atividades primárias, em
países do terceiro mundo. As prioridades eram então as de suprir os maiores mercados locais
que, no geral, apresentavam também condições mais adequadas de produção e de infrastrutura,
incluindo a existência de mercados de trabalho asssalariado suficientemente estabelecidos.
A etapa atual vem sendo caracterizada pela globalização crescente, embora este termo seja
utilizado e entendido de modos muito variados e até contraditórios. O seu uso corrente
subentende atividades de empresas em geral de maior envergadura, que são coordenadas e
planejadas globalmente, quer dizer, levando em conta os investimentos realizados em diferentes
países.
Mas talvez em nenhum outro setor o avanço tenha sido mais contundente do que nos meios de
comunicação. A dissseminação da telefonia internacional via satélite e mais recentemente a
integração mundial através da rede INTERNET tornaram as comunicações, decisões e
transferências sobretudo de valores praticamente instantâneas. Por isto, é antes de mais nada na
área das conexões e transferências financeiras que podemos falar de uma verdadeira globalização.
A transferência de valores e de aplicações financeiras, cuja existência é meramente contábil e
indepente de transposição no espaço físico, tornou-se tão rápida e fácil seja dentro da mesma
cidade ou com o outro lado do planeta. Em todos os demais setores e campos de atividade
seguem atuando, mais ou menos fortemente, as limitações espaciais e territoriais para a
transposição de bens e serviços. Em outras palavras, em todas as demais áreas das relações
internacionais podemos falar apenas de uma globalização mais ou menos relativa.
Não se pode perder de vista o fato de que as condições de valorização do capital financeiro
continua atrelada, embora com grande autonomia, às condições materiais de produção e de
valorização, que dependem do consumo e das taxas de lucro no setor produtivo e de serviços,
fortemente condicionadas pelas circunstâncias e conjunturas locais. A possibilidade de combinar
investimentos financeiros em diversos setores e países e de modificar rapidamente essas
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combinações permite ampliar ainda mais a autonomia relativa dos investimentos nas áreas
financeiras, o que além de aumentar a volatilidade de investimentos nos setores financeiros
aprofunda a dependência de ondas especulativas que agora se espraiam quase instantaneamente.
É bem verdade que, inicialmente, os migrantes entram pela porta dos fundos, para fazer os
trabalhos mais pesados, muitas vezes nos setores que apresentam rápido aumento de demanda
por trabalhadores, inclusive ramos emergentes da indústria. Logo, no entanto, a importância dos
migrantes deixa de ser marginal, para assumir papel determinante para ramos e setores-chave. É o
caso da agricultura californiana, mas também dos turcos nas indústrias siderúrgicas e mesmo de
automóveis alemãs. Nos serviços industriais e públicos em países como a França e a Inglaterra a
presença de migrantes é também marcante.
A discussão sobre globalização da economia mundial hoje centra no que se poderia designar um
novo nível de complementariedade entre empresas e dentro das empresas internacionais, no
âmbito regional e mundial, fruto de uma concorrência internacional extremamente acirrada, que
inclui também a disputa dos mercados emergentes pelos grandes grupos industriais que produzem
para escalas supra-nacional, regional e mundial. A expansão industrial do Japão, invadindo os
países industrializados com seus produtos e dizimando ramos industriais inteiros, criou sem
dúvida toda uma nova configuração nas condições da concorrência entre os capitais.
O Brasil, assim como outros países em vias de industrialização, é atingido por estas novas
imposições da concorrência em vários níveis. Em primeiro lugar mencione-se a entrada de
produtos novos ou diferenciados, via importação, para o qual a ideologia do chamado neo-
Victor Hugo Klagsbrunn - Globalização e Mercados de Trabalho - 5
liberalismo faz o trabalho de convencimento, que ele mesmo não consegue fazer nos países
centrais, em grande parte ainda marcados pelo protecionismo. Um outro caminho que volta a se
apresentar é a abertura de novas fábricas no país, por parte de capitais estrangeiros, antevendo
uma grande expansão dos mercados para certos produtos, cujo consumo ainda é baixo, como é o
caso dos automóveis no Brasil e na América Latina de modo geral.
Longe de constituir exceção, a expansão de empregos menos exigentes e com remuneração mais
baixa se insere dentro da mesma lógica da diferenciação crescente dos mercados de trabalho dos
países industrializados. É por esta brecha que migrantes internacionais, entre eles os
trabalhadores brasileiros, têm logrado penetrar no mercado de trabalho dos países
industrializados.3
De modo geral, os governos dos países industrializados já não podem mais ignorar o problema
do desemprego. Desde pelo menos a crise de 1974/75 suas economias têm apresentado
dinamismo menor, com crises mais pronunciadas e mais longas. A fase relativamente mais longa
de crescimento durante o governo Reagan constituiu uma exceção no período, durante a qual o
2
Veja-se um quadro alarmante do desemprego e da menor qualidade do emprego nos países
industrializados, p.ex. em OCDE (1994).
3
Uma visão sobre as tendências atuais de internacionalização do mercado de trabalho pode ser
encontrada em Van DIJK (1995) e SIMAI (1995). Uma boa seleção de teorias explicativas para as
migrações internacionais e sobre a forma de inserção dos emigrantes brasileiros nos Estados Unidos
encontra-se, por exempl, em SALES, T. (1995), p. 126 e segs. e 132-134.
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crescimento foi fortemente impulsionado por uma política de déficit spending conservadora: ao
mesmo tempo que cortava impostos e gastos sociais, o governo dos Estados Unidos aumentou
em muito as despesas militares. Mesmo com o ciclo relativamente mais longo da era Reagan,
podemos reconhecer, sobretudo, desde meados da década der 70, com crises pronunciadas e
periódicas - que sempre incluíram diminuição da produção e do emprego.
4
Lembremos que para MARX a contituição do que ele designa por exército industrial de reserva
constitui a lei geral da acumulação capitalista. Veja-se MARX,K. (1985), Livro I, Cap. 23.
Victor Hugo Klagsbrunn - Globalização e Mercados de Trabalho - 7
tendência geral.5 Esta ênfase justifica-se plenamente pela exigência de se verificar o que seria
novo no horizonte e se preparar para ele. A relação com o progresso científico-técnico é evidente
e imediata. Este tem sido responsável pela racionalização da produção, tendo o desemprego
como uma de suas consequências. Mas não esqueçamos que o “modelo industrial japonês” não
existiria sem os empregos mal pagos e não regulamentados nas empresas fornecedoras e o
desemprego seriam bem maior se a agricultura do país fosse exposta aos ventos da concorrência
internacional e boa parte das mulheres não se retirassem do mercado do trabalho após o
casamento.
Nos Estados Unidos e em boa parte da Europa as últimas décadas assistem a uma maior
concentração de renda devido a dois movimentos: por um lado, os trabalhadores com mais
qualificação, inseridos nos processos mais modernos de produção, e camadas médias com
especializações requeridas pelos novos avanços tecnológicos passam a ganhar mais e aumentam
sua participação no consumo. Por outro lado, uma proporção cada vez maior da população
economicamente ativa fica excluída destes avanços e passa a ocupar empregos pouco exigentes.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o nível de renda dos 10 % mais pobres baixou sensivelmente
no mesmo período, talvez por se empregar mais no setor de serviços 6. Esta desigualdade,
própria do sistema, deixou de ser compensada pelo menos em parte, como vinha sendo tentado
no pós-guerra, devido ao desmonte progressivo de serviços públicos voltados para as camadas
5
Isto é verdadeiro tanto na discussão sobre o assim chamado Modelo Japonês de Gestão Industrial quanto
no que se refere a estudos mais globais como o da OCDE sobre o emprego (ver OCDE, 1994, L´Ètude de
l`OCDE sur l´Émploi - Données et Explications, Parties I et II, Paris. Sobre as novas tendência da
organização do trabalho, veja-se p.ex. KLAGSBRUNN (1994).
6
Ver OCDE, 1994, p.22 e seguintes.
8
menos afortunadas, resultado de políticas econômicas de cunho neoliberal. Com isto, as camadas
de poder aquisitivo crescente passaram a demandar mais serviços pessoais, diretamente ou
através de pequenas empresas como clínicas, restaurantes, lavanderias, táxis, engraxates, etc.
Estes são aparentemente os campos de trabalho que se expandem na área de serviços, nos quais
os migrantes, incluindo os brasileiros, vêm encontrando emprego, por exemplo nos Estados
Unidos.
Muito tem sido enfatizado, com razão, que as novas formas de produção e de organização do
trabalho exigem trabalhadores com características diferentes. Vejamos a seguir como se coloca a
exigência do “novo” tipo de trabalhador em função dos últimos avanços tecnológicos,
especialmente na indústria.
O trabalho vivo movimenta cada vez mais trabalho morto. Há a tendência de se substituir
trabalho e máquinas por sistemas de máquinas cada vez mais complexos, mas elas em si não
precisam ser em conjunto sempre mais dispendiosas. A microeletrônica permite reprogramar os
equipamentos e, até certo ponto, utilizá-los para processos produtivos diferentes 8, o que implica
em barateamento relativo.
O equipamento com elementos microeletrônicos apresenta outra vantagem essencial: no geral ele
se controla a si mesmo e permite fácil reprogramação. Deste modo, a tendência que vinha sendo
observada, de restringir progressivamente a atividade do trabalhador fabril a mero controlador de
máquinas, se modifica em muitos casos. Agora o trabalhador é chamado a intervir sobretudo
quando há problemas no processo e estes problemas são denunciados e localizados pelo próprio
equipamento. Sua qualificação tem que ser maior, para resolver problemas de menor gravidade,
evitando assim que o capital investido fique parado por muito tempo. A atividade de manutenção
passa a ser parte integral do trabalho do operador de máquina e a equipe especializada de
manutenção e reparação só precisa ser chamada quando o problema for de solução não imediata.
Esta evolução começou a se consolidar em ramos ditos de processo, como a indústria química,
no qual a produção hoje em dia ocorre em circuitos fechados, mas se consolida aos poucos,
como princípio, nos demais ramos de produção.
Esta é a razão de encontrarmos em tantos setores da indústria moderna uma crescente exigência
quanto à qualificação dos trabalhadores 9. Mesmo que estes ganhem forçosamente mais, seu
custo como parte do custo total torna-se por um lado menor e, por outro, aumenta sua
importância estratégica para manter o capital crescente em funcionamento. Assim entende-se
também a importância redescoberta, creditada ao sistema japonês de gestão, de enfatizar a
capacidade e a autonomia relativa do trabalhador industrial no processo de produção e, até
mesmo, de integrá-lo na fase de projeto de novos investimentos.
8
Sobre as transformaçöes tecnológicas ocorridas nas últimas três décadas, especialmente no Japäo, no
contexto da evoluçäo econômica no período, veja-se por exemplo CORIAT (1990).
9
NEVES (1992) salienta o aumento da qualificaçäo dos trabalhadores em tarefas de manutençäo, negando
a mesma necessidade para os demais trabalhadores operadores.
10
maior preparo e mais confiança em suas opiniões. São qualidades que nas formas de organização
anteriores não eram estimuladas, pelo contrário. Por outro lado, deixa-se em boa parte a escolha
do como trabalhar a critério do próprio grupo, desde que a meta exigida seja alcançada. Como
em qualquer esporte por equipe, ficam apenas os melhores.
Vejamos inicialmente mais de perto a emigração para os Estados Unidos. Por mais que as poucas
pesquisas e a observação enfatizem que a maioria dos migrantes é constituída de indivíduos de
nível de escolaridade bastante elevado e oriundos de famílias de classe média, sua inserção no
mercado de trabalho nos Estados Unidos ocorre, principalmente, em ocupações no âmbito dos
serviços. Margolis10 localizou a maioria dos imigrantes brasileiros em Nova York lavando pratos
em restaurantes, engraxando sapatos (um quase-monopólio dos brasileiros), fazendo faxina e
dirigindo táxi ou como motoristas particulares. SALES (1995) descreve os brasileiros vivendo na
região de Boston ocupados principalmente lavando pratos em restaurantes e bares11. Estes são
ramos que passam ao largo das grandes transformações tecnológicas em curso.
Nos Estados Unidos, o panorama do trabalho ilegal dos brasileiros se complica sobremodo
porque ele se mescla com o imenso turismo, por via aérea, tantas vezes mera forma encoberta de
transporte e comércio de bens para venda no Brasil. Segundo informações internas dos Estados
Unidos, citadas na Revista Veja, o turista brasileiro é o segundo que mais compra em sua estadia
no país, ficando só atrás dos japoneses. É claro que as compras tém sido muito estimuladas pela
10
Ver MARGOLIS,M.(1995)
11
SALES (1995), p. 134 se refere às ocupações principais dos brasileiros vivendo na região,
oriundos em grande medida da cidade mineira de Governador Valadares. MARGOLIS (1995), p. 31/32,
julga ter indícios suficientes de que os migrantes radicados em Newark ,N.J. e em áreas do Estado de
Massachusssetts, próximas a Boston, são em maior proporção operários que, em parte, também se
empregam na construção civil, como motoristas de caminhão, como frentistas ou como empregados de
restaurante.
Victor Hugo Klagsbrunn - Globalização e Mercados de Trabalho - 11
sobrevalorização da moeda brasileira desde julho de 1994, mas o fenômeno é bem anterior, como
veremos. Deste modo, a própria viagem pode ser facilmente financiada, total ou parcialmente,
com a venda de alguns produtos eletrodomésticos. Além disto, como os Estados Unidos exigem,
para conceder o visto de entrada, uma passagem de ida e volta, o trecho da volta é passado
adiante, para algum migrante que queira passar “férias” no Brasil, por preço abaixo do custo
normal e, assim, todo este mixto de migração-turismo-comércio se torna ainda mais atraente.
Esta intrincada rede impossibilita, além disto, todo e qualquer controle de quanto os migrantes
trazem ou mandam para suas famílias no Brasil. Sempre há algum conhecido, amigo, parente ou
vizinho disposto a trazer algum dinheiro. Os dólares que assim entram no país fogem de qualquer
controle por parte do Banco Central e alimentam o mercado paralelo de divisas no Brasil.
Em todos os casos de emigração, uma das poucas vantagens dos imigrantes, frente aos naturais
do país, é que, nos primeiros tempos, quando predomina a idéia de uma migração temporária, o
migrante está disposto a aceitar qualquer tipo de trabalho, muitas vezes fazendo coisas que não
aceitaria fazer em seu próprio país. O caso dos migrantes estrangeiros talvez corresponda à tão
decantada e nunca encontrada mobilidade completa do fator de produção trabalho. O que os leva
a este tipo de decisão é o diferencial de rendimentos: uma faxina em Nova Iorque pode significar
até 60 dólares por dia.
É o mesmo espírito de tudo sacrificar, por pouco tempo, que leva os migrantes a aceitarem
empregos que os naturais não aceitam e a viver sob condições muito precárias, dividindo espaço
com muitos companheiros em quartos apertados de pensões ou em apartamentos minúsculos. Os
naturais do país têm além disto acesso, embora cada vez mais restrito, a assistência social e a
outros programas sociais que lhes permitem não ser forçados a aceitar qualquer tipo de emprego
pouco qualificado e mal visto.
Estes empregos podem ser tanto na área de serviços, quanto na indústria. O que os caracteriza,
de modo semelhante ao caso dos brasileiros nos Estados Unidos, é que em muitos casos são
empregos pouco cobiçados pelos nacionais e que não contam, no geral, entre os que vêm
sofrendo grandes transformações tecnológicas. Nem a qualificação anterior e nem os
conhecimentos do idioma japonês dos migrantes brasileiros os qualificariam para assumir postos
de trabalho mais exigentes.
Os dados expostos no ítem seguinte indicam que o auge da emigração para o Japão teria
ocorrido no período 89-92, quando ocorreu uma saída líquida significativa para aquele país.
Segundo as informações veiculadas em revistas, o tempo de permanência no Japão não passa, no
geral, de três anos. É o tempo suficiente para economizar alguma reserva e com ela comprar
casa ou automóvel e tentar estabelecer-se em uma atividade autônoma no Brasil, nos ramos que
exigem menor capital inicial, como o comércio e os serviços. Como se vê, como muitas vezes
acontece nas migrações por razões econômicas, seu caráter é eminentemente temporário, com
alta rotatividade. Não se sabe como a emigração evoluirá em função de uma diminuição da
demanda por trabalhadores no Japão. Se se confirmar o aumento do desemprego também no
Japão, aquele país poderá adotar medidas de controle de imigração de brasileiros. A provável
consequência poderá ser, por um lado, uma certa diminuição da emigração de brasileiros, mas
sobretudo a mudança de seu caráter temporário para algo mais permanente. Se alguma limitação
à imigração for introduzida, muitos tentarão esticar sua estadia, com medo de perder a
possibilidade de algum dia retornar para outra temporada. Algo semelhante ocorreu com a
limitação da imigração de mexicanos nos Estados Unidos e dos turcos na Alemanha.
O incentivo para os próprios emigrantes nisseis e sanseis para o Japão não deve ter diminuído,
em 1994 e 95, mesmo com a menor demanda por trabalhadores naquele país. Isto porque a
valorização do ien frente ao dólar - de 20 % só no primeiro semestre de 1995 - e por
conseguinte com relação ao real, compensa possíveis perdas de salários decorrentes da pior
situação no mercado de trabalho japonês.
É difícil reconhecer uma correlação direta e imediata entre a conjuntura econômica e o nível de
emprego geral na economia, por um lado, e a capacidade de absorção de imigrantes brasileiros
jornal Notícias do Japão, editado em S.Paulo e da leitura de material publicado em vários órgãos de
imprensa brasileiros. Quanto a algumas diferenças entre a migração para o Japão e os Estados Unidos
veja-se também SALES (1995), p. 131-135.
Victor Hugo Klagsbrunn - Globalização e Mercados de Trabalho - 13
nos Estados Unidos e mesmo no Japão, por outro. No primeiro caso a primeira dificuldade já
começa com a própria estimativa da quantidade e das formas de emprego dos emigrantes
brasileiros. Tanto a estadia quanto o trabalho são ilegais e/ou informais. A conjuntura da demanda
industrial se reflete de modo atenuado na demanda por trabalhadores formalmente empregados
no setor. Podemos inferir que a parte informalmente empregada em serviços prestados às
indústrias, como por exemplo os de limpeza, também é afetada mais diretamente pela conjuntura
geral. Mas já é difícil concluir se o reflexo se dá na mesma direção ou em sentido contrário. Por
exemplo, uma indústria pode decidir cortar custos, passando alguns serviços a subcontratantes
que empreguem força-de-trabalho ilegal e, assim, possam oferecer o mesmo serviço mais barato.
Já para os serviços pessoais, a relação do emprego informal dos brasileiros com a conjuntura
geral de emprego é mais indireta e difícil de precisar. As camadas sociais que necessitam de
faxineiras, p.ex., só deixam de empregá-las se perderem o emprego. Mas mesmo assim não
imediatamente, pois precisam seguir procurando trabalho. No entanto, não há nenhum indício de
que os que mais contratam serviços pessoais têm estado entre os primeiros a perder emprego
quando a crise ocorre. Ao contrário, o longo processo de seleção tecnológica, ao qual estiveram
expostos nas últimas décadas, deixou-os muito preparados para adaptar-se a mudanças nos
ambientes e nos processos de trabalho.
Embora quase não tenham sido pesquisados, também por ser fenômeno dos mais recentes, a
emigração brasileira para os países industrializados compõe-se em sua maior parte, segundo as
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A forte emigração de brasileiros para países industrializados, desde meados dos anos 80, tem
certamente componentes conjunturais, mas já hoje se apresenta com características de
continuidade. O excesso de população em nossas cidades leva os brasileiros a procurar formas de
sobrevivência as mais variadas, inclusive a emigração. Por outro lado, esta acarreta efeitos
importantes quanto aos hábitos de consumo e a cultura em nossas cidades e ao “turismo”
internacional. Este se apresenta crescentemente combinado com o comércio informal e a
migração mais ou menos temporária. O excedente crescente de trabalhadores com níveis altos de
escolaridade, sem ocupação correspondente nas cidades grandes e médias, tem encontrado no
exterior uma válvula de escape, nem sempre condigna com sua formação pessoal e profissional.
Na discussão recente o aspecto da globalização dos mercados de trabalho tem sido pouco
focalizado. Trata-se de fenômeno mais antigo, que hoje perde interesse para outros como o da
globalização dos mercados financeiros. A evolução tecnológica recente impulsiona a globalização
Victor Hugo Klagsbrunn - Globalização e Mercados de Trabalho - 15
destes últimos e a maior mobilidade dos trabalhadores também é muito facilitada pela
massificação dos meios de transporte internacionais especialmente do transporte aéreo.
A globalização crescente encontra na formação de blocos econômicos regionais sua forma mais
adequada para o atual nível de concorrência internacional. A formação de mercados comuns
permite ampliar a escala de produção e de distribuição de bens e serviços para fazer frente à
crescente concorrência externa e a integração dos mercados.
Por mais que a circulação de indivíduos seja sempre um dos últimos ítens a serem
regulamentados pelos blocos regionais, a migração interna aos blocos começa a se incrementar
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quase que paralelamente ao maior comércio de bens e serviços. O conhecimento mútuo dos
respectivos mercados por parte das empresas dos países integrados e a maior divulgação das
condições imperantes nos demais países incentivam por si só uma maior circulação de indivíduos
em busca de regiões e setores onde possam melhor vender sua força de trabalho. Por exemplo,
não são apenas os professores brasileiros de português que migram para a Argentina, mas
também todos os profissionais que enxergam melhores condições de competir no mercado de
trabalho respectivo no outro país. O mesmo é verdadeiro para os profissionais argentinos. Deste
ponto de vista, quando os blocos regionais caminham no sentido de regulamentar também a
circulação de indivíduos, o emprego de trabalhadores estrangeiros e até a conciliação de sistemas
diferentes de previdência social, não se faz mais do que acompanhar uma tendência que já se
observa nos vários segmentos dos mercados de trabalho respectivos.
Da mesma forma, maior desigualdade social e mais desemprego demandam mais atendimento
social aos necessitados e não menos. As propostas de Estado mínimo começam por isto a serem
substituídas por novas propostas de programas sociais e sobretudo de geração de emprego e
renda. O papel das organizações não governamentais vem sendo também constantemente
revalorizado.
pífio do consumo final, mesmo com as novas formas de crédito pessoal e de previdência privada
que, por sua vez, também pressupõem níveis aceitáveis de rendimento.
Referências bibliográficas
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United Nations University, London, N.Jersey and Tokyo, 1995.
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(Ed.), Global Employment - An investigation into the future of work, Vol. I, United
Nations University, London, N.Jersey and Tokyo, 1995.
VEJA, 19/7/95, p.41-42
YOSHIOKA, Reimei (1994), Por que Migramos do e para o Japão - Os exemplos dos bairros
das Alianças e dos atuais dekasseguis. Tese de Doutoramento apresentada ao Dpto. de
Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade deSão
Paulo, São Paulo, 1994.