You are on page 1of 15
3 Comunicando incerteza e complexidade Maria Adélia Mingheti Pig, Mailton Vasconceiog Incerteza e complexidade na ciéncia certeza pode ser definida como conhecimeny, limitado sobre eventos futuros, passados ou atuais (Walker et al., 2003), ¢ estado incerto nos deixa desconfortaveis porque, quando no estamos sep, ros do que esperar, pode ser dificil saber como nos preparar (Kampourakis g McCain, 2020). Nao é & toa que as pessoas tém se esforgado para ter certeza a0 longo dos séculos por meio de oréculos, hordscopos e outros empreendi Em um sentido amplo, in mentos supersticiosos. ‘A ideia de que ciéncia tem a ver com certeza, de que a boa ciéncia deve ser certa e de que tudo 0 que estd cheio de incertezas néio deve ser considerado bom é um grande mal-entendido (Rovelli, 2014). Pensa-se que a ciéncia deve fornecer um conhecimento que nao seja marcado pela incerteza, ao contrétio das nossas crencas da vida cotidiana (Kampourakis & McCain, 2020), Na verdade, ciéncia nao é sobre certeza (Rovelli, 2014). Muito pelo contré- rio, aincerteza é inerente & propria natureza da ciéncia (Kuhn, 1962). Em sua esséncia, o conhecimento cientifico é experimental e provisério, pois as afir magées cientificas podem somente ser garantidas pelo melhor conhecimen to atual disponivel (Friedman et al., 1999). Tradicionalmente, as afirmagées cientificas podem ser refutadas por evidéncias ou teorias futuras, em qualquer tempo (Popper, 1961). A ciéncia movese relativamente devagar para encon- trar respostas e atualiza, bem como muda, suas respostas ao longo do tempo, porque estd tentando encontrar respostas melhores, menos tendenciosas ¢ mais precisas (Howell & Brossard, 2021). Sempre haverd incerteza na cién- cia, independentemente dos avangos na construgdo de teorias cada vez me- Ihores e no desenvolvimento de tecnologias e dispositivos superiores (Kam- pourakis & McCain, 2020). Desse modo, reconhecer que a ciéncia é incerta ¢ importante para a sua compreensio, Nao podemos, realmente, entender 0 3.Comnianio incre compte 49) eee ee cee eee erreeNe que € a ciéncia, a menos que apreciemos sua incerteza, Faz parte da literacia cientifica - compreender o que torna algo cientifico (Trench & Bucchi, 2021) ~ saber por que existe uma incerteza complexa na ciéncia e o que os cientistas fazem para lidar com essa incerteza (Howell & Brossard, 2021). Aciéncia é feita por pessoas... A ciéncia envolve muito mais do que fazer experimentos ou testar hipéte- ses (Ritchie, 2020). Bla ¢, inerentemente, social. O mero fato de que a ciéncia € feita por seres humanos introduz incerteza no quadro (Kampourakis & Mc- Cain, 2020). Todos os humanos sao faliveis. E 0s cientistas so suscetiveis aos mesmos preconceitos de todos nds. Por exemplo, a dificuldade que temos de apreciar as evidéncias que vio contra as nossas opiniées ¢ a tendéncia a in- terpretélas conforme nossas convicgdes anteriores. Mesmo que os cientistas sigam o método cientifico (qual seja, fazer observagées, formular uma hipé- tese, testéla por meio de um experimento e, com base no resultado, aceitar ou rejeitar a hipétese), eles enxergam e interpretam os fendmenos através das lentes de seu paradigma (crencas, valores e técnicas compartilhados com a comunidade) (Kuhn, 1962), Além disso, os cientistas podem desacreditar e desconsiderar intencional- mente as evidéncias disponiveis para chegar a conclusées especificas para fins politicos, ideolégicos, monetérios etc. (Kampourakis & McCain, 2020). Ha casos, na histéria da ciéncia, de cientistas que enganaram o ptiblico sobre a conexio entre o tabaco € o cancer, a redugo da camada de oz6nio, entre ou- tros (Oreskes & Conway, 2011), Por exemplo, a indtstria de tabaco contratou cientistas renomados e bem conceituados, mas que néo eram experts na érea, para questionar as descobertas da ciéncia. Como podemos dizer que fumar tabaco causa cancer de pulmio se a maioria das pessoas que fumam néo desenvolve cdncer nesse drgio? Por que alguns fumantes apresentam cfncer de pulmao, enquanto outros no? A estratégia era usar a incerteza cientifica normal para minar 0 status de conhecimento cientifico real (Kampourakis & McCain, 2020). As incertezas eram retiradas do contexto, criandose a im- pressdo errdnea de que nada se sabia. Também hé casos de cientistas que forjaram evidéncias, como o do psi- cologo Diederik Stapel, que inventou dados e, com base neles, afirmou que as pessoas mostravam mais preconceito - ¢ endossavam mais esteredtipos raciais - quando estavam em um ambiente confuso ou sujo (Ritchie, 2020), 50 _emnseastenrnnermie Essa alegagdo tinha a implicagdo politica clara de diagnosticar a desorden ambiental ¢ intervir nela. que lidam com complexidades Mesmo que 0s centistasfossem completamente imparciais, exist gy tros problemas decorrentes do fato de que o mundo é extremamente com plexo (Potochnik, 2017). Hé uma grande variedade de diferentes fensme nos, e, para qualquer fenémeno, hé uma enorme gama de fatores que s influenciam, Eas influéncias individuais podem afetar os fenémenos de me neta complexa, Por exemplo, a depressio pode ser um transtorno genio, complexo (Kim, 2021). Mutagées em varios genes podem causar esse di trbio, mesmo em individuos relacionados. Fatores no genéticos também, sio importantes causas da depressio. Essa patologia pode ser causada por imteragdes de estresses externos, como divérco, luto ou experiéncias nega sivas na infncia em individuos com vulnerabilidades genéticas ao estresee € por estresses internos, como viroses, derrame e doengas autoimunes, Uy, ‘modelo que combine esses estresses consegue explicar melhor a complex, dade da depressio do que um modelo simplificado de fatores psicossoci « biolégicos. A cigncia & cheia de complexidades (Pollack, 2003). O interessante sobre a complexidade € que ela, em principio, no permite previsdes (Zeyer etal, 2019). No entanto, a previsio é uma ferramenta para testar a validade de ums teoria (RadoviéMarkovi¢ & Vujiéié, 2021), sendo muito importante na cién cia, assim como a explicagio cientifica (Zeyer et al., 2019), Previsées bem-su. cedidas fortalecem a posigdo epistémica dos cientistas, no porque methorem a explicagio, mas pelo fato de que reduzem a incerteza quanto ao que esperar ‘em certas condigdes e fornecem estratégias para intervir nos fendmenos ¢ ‘manipulislos de maneira eficaz (Gessell et al., 2021). Esforgos de superagao A complexidade do mundo ¢ as limitagdes cognitivas dos humanos levam 8 outra essencial caracteristica da ciéncia: é colaborativa (Kampourakis & McCain, 2020). A pesquisa cientifica tende a ser conduzida por uma ou varias equipes de cientistas. Os cientistas colaboram extensivamente, em um esforgo Para superar suas préprias limitagdes, diante da grande complexidade. Mas @ incerteza é uma limitagio que nao é facilmente superada. Como cada colabo- TT ni eee 5.Comuniandonerernecompeinde 51 rador ndo pode estar seguro sobre todas as suas contribuigées, nio se pode ter certeza sobre o produto final da colaboragio. Mesmo uma das estruturas sociais estabelecidas para ajudar a avaliar a confiabilidade das afirmagées cientificas, que ¢ 0 processo de revisiio por pares (especialistas da mesma drea avaliam a qualidade de um estudo - as perguntas feitas, os métodos usados, os dados coletados e as conclusées tira- das - antes de ele ser publicado em uma revista cientifica), ndo pode garantir certeza (Kampourakis & McCain, 2020). As vezes, a revisdo por pares falha em eliminar os resultados produzidos por uma metodologia inadequada. Os revisores também sio faliveis, entdo € sempre possivel que um erro permita que eles aprovem pesquisa de baixa qualidade, Um exemplo € o artigo de Wakefield e colegas, revisado por pares e publicado em 1998, na prestigiosa revista cientifica The Lancet (Eggertson, 2010). O estudo sugeria uma ligagdio entre a vacina contra sarampo, caxumba ¢ rubéola (measles, mumps and ru- bella - MMR) e 0 desenvolvimento de autismo em criangas. Uma investigagio sobre esse trabalho, conduzida mais de dez anos apés sua data de publicago original, concluiu que os dados do artigo nfo apoiavam essa afirmagao, oca- sionando a sua retirada (retratagdo) da revista. Uma observacio importante sobre o periodo de crise da Covid-19 é que © processo de revisio por pares deixou de regular a qualidade de boa par- te da informacao cientifica sobre satide disponivel no inicio da pandemia. A necessidade imediata de informagées confidveis fez com que os resulta- dos de estudos cientificos que néo passaram pelo processo de reviséo por pares fossem compartilhados ~ na forma de preprints -, preenchendo a lacuna de falta de conhecimento e impulsionando o discurso piiblico (Ma- jumder & Mandl, 2020). Os preprints sio geralmente reconhecidos pela comunidade cientifica como ciéncia nao validada ¢ incerta (Fleerackers et al., 2022). Fontes e tipos de incerteza A incerteza, que é intrinseca a ciéncia, deriva, entre outras fontes, de (Guenther et al., 2019; Ratcliff, 2021; van der Bles et al., 2019): + Dados preliminares, lacunas de conhecimento. + Processos complexos dificeis de ser examinados ou compreendidos. + Uso incorreto de suposigdes de pesquisa, 52 iesio da tin teria pon Limitagdes de metodologia (métodos de coleta e andlise de dados, com, amostras pequenas ou ndo representativas). + Resultados contrastantes de pesquisa. + Interpretagdo contrastante do mesmo conjunto de dados. + Pontos de vista conflitantes de pesquisadores. + Diivida de que os dados possam ser aplicados em humanos. + Efeito em humanos néo é claro. + Efeito na natureza ndo é claro. ‘As incertezas podem ser agrupadas nos seguintestipos (Gustafson & Rie, 2020): : + Incerteza cientifica: é a incerteza inerente a ciéncia, a ideia de que as afir- mages cientificas podem ser refutadas por evidéncias ou teorias futures, em qualquer tempo. Frase ilustrativa desse tipo de interteza: “A informa do fornecida & a melhor disponivel no momento, mas as coisas podem mudar no futuro”. « Incerteza por deficiéncia: € a incerteza que decorre de uma lacuna no co- nhecimento. Essa limitago pode ser comunicada da seguinte forma: “Em- bora muito permanega desconhecido € mais pesquisas ainda sejam neces- sdrias...” (Gustafson & Rice, 2019). + Incerteza técnica: é a incerteza relatada nos estudos, resultante de erros de medigdo, de aproximagées de modelagem e de suposigdes estatisticas; para explicar isso e para promover a transparéncia ¢ a preciso, ela é retratada como um intervalo (por exemplo, 7-15 cm), como uma probabilidade (por 5%) ou como um valor estimado com um inter exemplo, uma chance de 6: riabilidade vyalo de confianga ou barras de erro (representagdo gréfica da vat de dados). 1a de consenso: é a incerteza quando + Incertezc especialistas ou dentro do préprio corpo de evi incias. uma discordancia entre Incerteza e evidéncias Jo centrais & ciéncia (Guenther et al 2019). A ciéncia estd sempre buscando as methores evidéncias disponiveis. Evidéncias, de modo geral, podem ser compreendidas como conhecimento derivado de uma variedade de fontes que foi submetido a testes e considerado Com a incerteza, as evidéncias sé pitulo confidvel (Higgs & Jones, 2000). O tema é mais bem explorado no Cal 9 deste livro. i Os critérios de evidéncia geralmente fornecem orientagdo para S¢ avaliar 0 certeza de um resultado cientifico (Guenther et al, 2019). Por exem- fica as revis6es sistematicas € me investigagdes anteriores) como 10 0s estudos de caso € as op grau de plo, a medicina baseada em evidéncias classi tandlises (estudos que acumulam resultados de i ‘os mais altos graus de certeza cientifica, enquant ides de especialistas so percebidos como menos cettos (Atkins tal 2004). vv ciacias humanas - que incluem a psicologia (McManus & Baeta Ne vves, 2021) ~ precisam de uma definigao mais detalhada do que esses poderiam ser e do que significam evidéncias nas suas diferentes disciplinas venntifieas (Guenther et a, 2019). Uma maior clareza nos critérios de evidén- a dessas disciplinas permite que se avalie melhor 0 grau de certeza de seus resultados cientificos. Incerteza e complexidade na ciéncia da psicologia frenta ainda outros problemas, além dos apresentados redibilidade, as vezes chamada de crise ). A psicologia - com outras disciplinas toexame ¢ autoaper- A psicologia ent aqui. Ela sofre uma revolucao de c de reprodutibilidade (Vazire, 2018). cientificas est4 no meio de um periodo de intenso aut feigoamento (Vazire, 2018). Essas atividades so comuns para a ciéncia. Na verdade, a autocorregfio é considerada uma das caracteristicas distintivas da ciéncia (Kuhn, 1962). No entanto, o perfodo atual de autoexame € mais ex- tremo do que o normal e, especificamente na psicologia, atingiu um ponto insustentdvel (Vazire, 2018). Essa tensdo exige mudangas nos padrdes pelos quais a ciéncia psicoldgica € avaliada, incluindo maior transparéncia e abertu- ra, e niveis mais elevados de qualidade e quantidade de evidéncias para fazer afirmagGes cientificas sélidas. Também so necessérias mais reprodugdes de estudos, Para que uma descoberta cientifica possa ser levada a sério, ela deve ser reproduzida (estudos semelhantes devem encontrar resultados parecidos), quer dizer, nfo pode ser algo que ocorreu por acaso (Ritchie, 2020). Essa € ‘uma caracteristica da ciéncia que a diferencia de outras maneiras de saber sobre o mundo. E a proporgao de falhas em reproduzir as descobertas da psicologia é alta (Klein et al., 2018). Como eiéncia empirica, a psicologia depende de métodos cientificos para coletar dados, testar e desenvolver 0s conceitos teéricos, sendo a metodologia Bist etn erp Oe Drees ste her et ‘mais prevalente 0 experimento: uma varidvel de Hinaek é pea pe ‘mentalmente para descobrir como essa alteragao afetard u da ridvel de resultado (Hendriks & Kienhues, 2019). Assim, para se ramiary a cognig&o, as emogdes, 0 comportamento das pessoas on es ligados & mente humana, as varidveis de resultado sio medidas de diferen, formas: autortelato, perguntas de entrevista, protocolos think a loud (pari, pantes pensam em voz alta ao realizarem uma tarefa), metodologia neurops, colégica (por exemplo: eletroencefalograma - EEG; eletromiografia - EMg, imagem por ressonincia magnética funcional - functional magnetic resonance imaging - {MRI ou rastreamento ocular. O comportamento (por exemplo, de criangas pequenas)é frequentemente medido por observagéo. 5 resultados encontrados a partir do uso de determinados métodos ¢ coletas de dados devem ser reproduzidos em estudos similares, para que pos. sam ganhar forga e ser confldveis. E é na capacidade de reproduzir esses achados que a psicologia vem falhando enormemente, causando preocupagio na comunidade cientfica (Yong, 2012). Um exemplo € o estudo de Kral eta. (2022) sobre meditago, com o maior tamanho de amostra até a sua publica ¢f0, que nfo foi capaz de replicar as descobertas anteriores, com amostras menores, de que essa pritica pode reestruturar nossos cérebros (Mesa, 2022). Além disso, a psicologia se encarrega de um trabalho dificil na ciéncia, Ela tenta descrever, ou acertar, um alvo em movimento - comportamento néo linear (Biitz, 1997), As teorias de ndo linearidade indicam que é mais dificil estudar fenémenos néo lineares do que lineares, Os fendmenos nao lineares vém sendo investigados hé décadas na perspectiva da complexidade. A cién- cia da complexidade surgiu de diversas disciplinas académicas como uma for ‘ma de compreender 0 mundo em que viveros (Carroll et al., 2021). Tem sido uusada para examinar as maneiras imprevisiveis, desordenadas, nao lineares ¢ incontrolaveis pelas quais 0s sistemas vivos se comportam. Como incertezae complexidade sao transmitidas? Omissées e exageros Apesar de a incerteza e a complexidade serem inerentes & prépria natu: reza da ciéncia, os comunicadores cientificos voltados para o piiblico muitas vezes evitam retratélas. Por exemplo, os jornalistas costumam apresentar in formagées cientficas complexas ou preliminares como sendo mais certs do ue realmente so (Guenther et a, 2019), fazendo afirmages exageradas ee 5. Comuncand inerezsecomplestase — SD (Post & Maier, 2016). Especificamente na cobertura de questées de satide, a midia, historicamente, omite incdgnitas e incertezas (Dan & Raupp, 2018). Omissdes ¢ exageros ocorrem na comunicagéo cientifica &s vezes para au- mentar a clareza ¢ a simplicidade para o publico leigo (Ebeling, 2008), outras por medo de provocar efeitos adversos (como aumentar a incredibilidade) ou ainda por puro sensacionalismo (Stocking, 1999). s jornalistas omitem a incerteza em textos sobre assuntos cientificos, apresentando a ciéncia como mais sélida e certa do que é, da seguinte forma (Stocking, 1999; Sumner et al., 2014): + No apresentam limitagdes ¢ adverténcias do estudo, transformando con- clusdes provisérias em definitivas. + Fazem afirmagdes causais baseadas em estudos correlacionais. + Exibem poucas fontes, nao oferecendo informagdes que possam equilibrar as afirmagdes individuais de pesquisadores. + Negligenciam o contexto histérico, deixando de mencionar de onde parte 0 estudo, pesquisas anteriores ou futuras sobre 0 tépico. + Enfatizam os resultados (produtos) das pesquisas, em detrimento do pro- cesso pelo qual sdo obtidos (o qual é confuso, interpretativo e social). + Criam expectativas de que o futuro estd garantido, de que os cientistas encontrardo a resposta (por exemplo, desvendatao os mistérios das doen- gas genéticas). Por vezes, ao cobrirem tépicos cientificos, os jornalistas exageram nas in- certezas, fazendo com que o conhecimento cientifico sobre um determinado assunto pareca mais instdvel do que é, do seguinte modo (Stocking, 1999); + Reportam uma descoberta cientifica como mais garantida do que é e, em um momento futuro, relatam, no mesmo tom de certeza, os resultados de outro estudo, que contradizem essa descoberta, ¢ assim sucessivamente, no entanto nao explicam as inconsisténcias encontradas, + Dao 0 mesmo peso as afirmagées de cientistas consagrados (que represen- tam o pensamento da maioria dos especialistas da area) e as de cientistas desconhecidos e dissidentes, assim como as de nao cientistas; as vezes, até mesmo colocam um cientista renomado contra um cientista pouco conhe- cido, fazendo parecer que o debate é equilibrado e tornando a ciéncia mais controversa e incerta do que a comunidade cientifica acredita que seja. 56 divtero de toc era preston Critérios elevantes para avaliar as evidéncias cientificas também rar ‘o um componente da cobertura cientfica da micia, € 0 grau de His lizagio em ciéncia dos jornalistas pode influir em como reportam eviding (Guenther et al, 2019; Hijmans et al, 2003). Por exempl em noticias cientificas so observadas, te si e incerteza ‘Alemanha, referéncias & incerteza i Inaion amero dentro de seqoes dedicadas & clénca,m Comparagig utras segdes (Guenther et al 2019). Péginas de ciéncia muitas vees triadas por jornalistas cientfios experientes, enquanto artigos sobre i, cos cientificos presentes em outras sec6es sto redigidos por generalists, jornalistas com diferentes especializagoes (Hijmans et al, 2003). Como rey tado, esses jornalistas ndo sdo especialistas em ciéncia e provavelmente ty tum conhecimento menos adequado da ciéncia, da linguagem cientifia ed processos cientificos. Esses profssionais acabam relatando menos ein relevantes para o puiblico avaliar as evidéncias cientificas. Acadeia de disseminagao ‘Além dos jornalistas, 08 cientistas e 0s assessores de imprensa também f, tham frequentemente em informar incerteza ao puilico (Adams etal, 2017, Existe uma preocupagdo de que ela acabe sendo progressivamente removids a0 longo da cadeia de disseminagdo das descobertas cientificas, de modo que, quando chegam &s pessoas, as descobertas parecem muito mais certas ¢ a suas implicagdes muito mais significativas do que a as evidéncias sugeren (Guenther et al., 2019). Os préprios cientistas, que esto cientes da norma cientifica de apontar limitagdes, lacunas de pesquisa e outras incertezas em seus textos, quando se comunicam com individuos de fora das comunidades cientificas, omitem a incerteza (Guenther et al., 2019; Post & Maier, 2016). Fazem isso, entre outras raz6es, para reduzir 0 risco de alienar piblicos com ‘compreensao limitada do trabalho cientifico (Stroobant & Raeymaeckers, 2019) ou para promover seus proprios interesses (Oreskes & Conway, 2011; Post & Maier, 2016). ‘A disseminagéo do conhecimento cientifico tradicionalmente comes com pesquisas apresentadas em congresso ou publicadas em revistas cent ficas, em que os cientistas discutem incertezas em torno de suas descoberts (Pollack, 2003). Depois, as universidades (por meio de seus escritérios de midia) ou 0s periédicos cientificos nos quais as pesquisas foram publicads* redigem press releases (comunicados de imprensa) sobre essas investigagaes a fim de atrair a atengao da midia (Ratcliff, 2021; Stryker, 2002). Os press releases institucionais frequentemente simplificam as descobertas dos estu- dos ¢ exageram na sua importincia, e esses relatos so captados pela mf- dia e transmitidos ao publico. Embora os cientistas estejam cada vez mais compartilhando seu préprio trabalho com jornalistas e com o ptiblico, por meio de divulgagdo midia social (Peters et al., 2014), as novas evidéncias cientificas passam com frequéncia da publicagio cientifica ao press release © & cobertura jornalistica (Ratcliff, 2021). E a maioria dos press releases de universidades é redigida em didlogo entre cientistas e assessores de impren- sa, ¢ ndo é divulgada sem a aprovacdo dos cientistas (Woloshin et al., 2009). Portanto, grande parte da responsabilidade pela falha na comunicagao deve recair sobre os cientistas autores dos artigos cientificos originais (Sumner et al., 2014). Na outra ponta da cadeia, os jornalistas tém a responsabilidade continua de verificar suas fontes, mesmo que suas condigdes de trabalho tornem isso cada vez mais dificil. Efeitos no publico Escolhas de saide E importante que os comunicadores cientificos sejam fiéis aos artigos cientificos originais nos quais se baseiam, para que as pessoas nfo sejam en- ganadas e possam tomar decisdes informadas (Adams et al., 2017; Molina & Abadal, 2021), especialmente quando so oferecidos conselhos de satide (Sumner et al,, 2014). Estes ultimos tém o potencial de influir no comporta- mento, assim como as afirmagées causais sobre quais fatores influenciam a satide (Sumner et al., 2014). ‘As noticias cientificas tém, portanto, efeitos profundos na forma como as pessoas fazem escolhas relacionadas a satide (Adams et al., 2017). Por exem- plo, a repercussio na midia do estudo de Wakefield ¢ colegas, que sugeria uma ligagdo entre a vacina contra sarampo, caxumba e rubéola (MMR) e o de- senvolvimento de autismo em criangas, fez com que muitos pais nos Estados Unidos ficassem inclinados a néo vacinar seus flhos (Motta & Stecula, 2021). 0 original Dado o impacto que as matérias cientificas podem ter na satide do puiblico, 6 fundamental que os comunicadores de ciéncia usem uma linguagem que transmita informagdes consistentes com as dos artigos revisados Por pare (Adams, 2017), Nestes tiltimos, os cientistas usam um tom cautelOso, Comyn, cando incerteza por meio de advérbios (por exemplo, “geralmente”, “proy,. velmente”), de verbos (como “parece”, “pode”, “deve”, “implica”, “sugere € de outros termos que expressem tentativa, limitagdo ¢ possibilidade (Hor, 2001; Nanayakkara & Hullman, 2020). Entretanto, geralmente ocorre um desalinhamento entre © que dizem 0 artigos cientificos e a forma como sfo relatados na midia (Adams eta, 2017). Uma hipstese para esse desvio é que os comunicadores cientifieg, esto sob presséo para tornar suas histérias acessiveis ¢ interessantes, ¢, ap fazerem isso, usam uma linguagem que resulta em exagero. Por exemplo, podem tentar evitar 0 jargio cientifico “correlaciona com” e, em vez disso, usar expressdes cotidianas, como “aumenta”. Entéo, “ser amamentado se correlaciona com bom comportamento” torna-se “ser amamentado aumenta © bom comportamento”. Divulgadores da ciéncia também podem tentar va. riar a linguagem para ndo usar a mesma expressio em todos os titulos. Em vez de sempre usarem “vinculado a”, podem utilizar “resulta em”, Finalmen, te, podem escolher descrever um estudo usando expressdes curtas € sucintas em vez de frases mais longas, de forma que no lugar de “esta associado a” utilizem “causa”, Engajando 0 piblico Os comunicadores cientificos também temem que, ao inclufrem advertén- cias ou limitagdes relacionadas ao estudo de origem, desengajem a audiéncia (Bott et al., 2019). E que, para compreender uma noticia cientifica, o piblico deve construir uma representagao ou modelo mental do contetido da histéria, que inclui os protagonistas, o tema, a ago e a relacdo causal, Por exemplo, tomemos a noticia divulgada no jornal Daily Mail Online (Davies, 2015), baseada na pesquisa de Torrey et al. (2015), que gerou man chetes alarmistas na midia (Underwood, 2019): Ter um gato pode causar esquizofrenia? Estudo encontra uma ligagao forte 3.Comunicandoincereaconpiaiiate — SQ) —$____2comnlcnioincrens compte 9S Essa mesma matéria, mais adiante, adverte que “a pesquisa mostra uma ligagdo em vez de uma relagdo de causa e efeito”. Na representacio mental do puiblico (Bott et al., 2019), os protagonistas So os especialistas, o tema ¢ sobre gatos e esquizofrenia, a ago é que um es- tudo foi realizado, ¢ a relacdo causal ¢ a ligagdo entre ter um gato e desenvol- ver esquizofrenia. Os leitores tém que decidir se a representagio resultante & crivel e, em caso afirmativo, atualizar suas crengas anteriores (por exemplo, adicionar proposigdes de que ter gato é um risco para esquizofrenia). A incluso de adverténcias pode alterar qualquer um ou todos esses pro- cessos (Bott et al., 2019). Esses alertas devem alterar a representagio da not ia para que possam ser tteis. Podem reduzir o mimero de ligagdes causais na representacdo (por exemplo, a noticia adverte contra uma ligacdo causal entre ter gato e desenvolver esquizofrenia) ou diminuir a crenca em algumas das roposig6es. Se os elementos individuais de uma histéria nao se conectam de ‘maneira sensata e causal ou se a crenga nas proposigées ¢ baixa, o modelo mental resultante torna-se menos coerente (“Por que eles esto me falando sobre gatos ¢ esquizofrenia se no hé uma relagio causal entre os dois?”). © piiblico, consequentemente, acharia a mensagem mais dificil de entender € menos atraente (talvez isso explique, em parte, por que os comunicadores ientificos acabam fazendo afirmagdes causais sobre estudos correlacionais; ver Summer et al., 2014), ¢ estaria menos propenso a alterar suas crengas ou a agir sobre 0 contetido do comunicado. As adverténcias podem tornar o ma- terial menos persuasivo, impedindo que a audiéncia mude suas crencas como © comunicador pretende (Bott et al., 2019). Portanto, comunicar incerteza sem interromper a coeréncia e desengajar © piblico constitui um desafio para os divulgadores de ciéncia, E esse proble- ma pode ser ainda maior ao informar incerteza na comunicagao cientifica de Pesquisa sobre temas complexos de satide, os quais no permitem previsées €, a0 mesmo tempo, pedem uma ago com base em expectativas de resultados bons ou ruins (Zeyer et al., 2019). Efeitos mistos Mas os efeitos de retratar incerteza no parecem ser somente negativos (diminuigao na credibilidade ou na intengdo de seguir as recomendagdes da mensagem), como também positives (aumento na confianga ou na intengio GO cies da semi e ert pein de seguitassugestdes da comunicagdo) ou nulos,e moderados pea ¢attues anteriores dos indiduos (Gustafion & Rie, 2020), Os gativos io observados com mais frequéncia quando a incerteza& epg na forma de discordincia de espeialistas ou de evidencias (ncttegy,“* senso), Uma poste explcagdo€ qu as pesoaspreferem a ambigiye™ conflito (Smithson, 1999). Elas veriam as imprecis6es implicitas na ‘ince, técnica (erros de medigao), na incerteza por deficiéncia (lacuna no con} mento) e na incerteza cent Ginerente& ciénca) de forma mais aay do que o confltosubentendido na incerteza de consenso.Além dio, gamentos sio frequentemente fitos com base em alguma média pony das opinices dos especialistas (Budescu et al, 2003), 0 que sugere gus representagGes da incerteza de consenso podem afetar os julgamenio ng fluenciarem a média percebida da opiniao dos especialistas. Ademais, gg teza de consenso é 0 tinico tipo de incerteza que fornece evidéncias conti, 2 alegagdo, mostrando que hé especialistas ou evidéncias que assumem un, posigéo oposta (Gustafson & Rice, 2020). Jé 08 efeitos positivos ou nulos de reportar incerteza sio identifcedy mais comumente quando so apontadas limitagdes de estudo (incertera te nica), enquanto as comunicagées de incerteza por deficiéncia e de incer teza cientifica apresentam efeitos positivos e negativos (Gustafson & Rice, 2020). O impacto de fatores individuais precisa ser mais bem compreent do, Possivelmente, 0 raciocinio motivado - 0 processamento de novas infor magées para chegar a uma conclusdo predeterminada e desejada (Bayes & Druckman, 2021) (ver Capitulo 2) - com base em opinides anteriores sobre os tépicos em questio, a ciéncia ¢ os cientistas influenciam como o public percebe diferentes tipos de incerteza. Por exemplo, as pessoas podem inet pretar a incerteza técnica de acordo com as suas visdes de mundo, pois ess imprecisdo deixa margem para tanto (Gustafson & Rice, 2020). Os indivi duos também podem entender que a incerteza sobre um tépico ¢ active enquanto a incerteza acerca de outro assunto é inaceitdvel. E aqueles que veem a ciéncia como um debate em andamento - que sempre teré indefitt ‘ges - podem responder de forma mais positiva a incerteza, em comparagi? com os que enxergam a ciéncia como descobrindo verdades absolutas (Rt binovich & Morton, 2012). Por fim, as pessoas que acreditam nos cientista5 podem ver 0 consenso entre eles como positivo, ao contrério das que nie confiam neles, que podem achar que esses pesquisadores esto de conluio (Gustafson & Rice, 2020). comexiate 61 5. Comunlcando incerters Como comunicar incerteza e complexidade? Recomendacodes Os efeitos observados, quando se reportam incertezas e complexidades da ciéncia, mostram-nos como elas podem ser transmitidas, minimizando possi- veis influéncias negativas no piiblico. As descrigées de incerteza por deficién- cia, incerteza técnica ou incerteza cientifica podem - e geralmente o fazem ~ engendrar respostas positivas ou neutras de piiblicos diversos, em contextos variados (Gustafson & Rice, 2020). Mais especificamente, os comunicadores cientificos devem se sentir confiantes para expressar a incerteza técnica, sem medo de repercussées negativas, mas devem ser cautelosos ao expressarem a incerteza de consenso, informagio que deve ser apropriada ao contexto e aos objetivos da comunicagio, A recomendagdo, portanto, é de que os divulgadores da ciéncia transmi- tam elementos de incerteza (Ratcliff, 2021). Isso inclui incerteza relaciona- da as evidéncias (como dados insuficientes, dados contraditérios, diferentes jerpretagdes de dados), incerteza sobre causalidade, incerteza preditiva ¢ extrapolagées (Friedman et al., 1999). Critérios relevantes para avaliar as evi- déncias também devem ser apontados na comunicagdo cientifica (Guenther etal,, 2019). Guias Mesmo que os cientistas jd estejam acostumados a expressar incerteza aos seus pares, eles enfrentam desafios ao tentarem comunicéla ao puiblico em linguagem leiga (Salita, 2015). Unem-se a eles, nesses entraves, os demais co- municadores cientificos. E geral a dificuldade em encontrar expressées apro- priadas para termos cientificos, e ela se reflete no numero de guias para co- municar ciéncia ao ptiblico - por exemplo, Schwitzer (2010) e Science Media Centre (2012) - (Adams et al., 2017), Por exemplo, entre as Dez orientagdes de melhores praticas para a comunicagdo de ciéncia e de satide do Science Me- dia Centre (2012), estio as seguintes recomendagées: + titulo no deve enganar o leitor sobre 0 contetido do texto (como 0 da matéria “Ter um gato pode causar esquizofrenia?”, que sugeria uma relagdo causal entre possuir gatos e desenvolver esquizofrenia, embora a noticia s6 apresentasse uma ligagdo entre ambos). 2 dimtaro da ceca Herc sca + Especificar o tamanho e a natureza do estudo (por exemplo: “Quem er, participantes e em que numero?” ~ a informagiio sobre o tamanho dg me tra importante -, “Quanto tempo durou a pesquisa? e “O que foi testag.” tratouse de uma observagdo?”) e mencionar as limitagdes da investiga, Quando relatar uma ligagio entre dois elementos, indicar se ha oy evidéncias de que um causou o outro. Quando dois fatos estio liga no se poderd dizer que um causou o outro se nao houver evidéncias indiquem causalidade, jé que é dificil determinar causa a partir de regu, dos correlacionais (ver Sumner et al., 2014). Situar a etapa da pesquisa (se com células em um laboratério, estudo cx animais ou ensaios clinicos com seres humanos) ¢ informar uma expec; va de tempo realista para qualquer novo tratamento ou tecnologia, Em divulgagées cientificas com implicagdes para a satide publica, enqu, drar a nova descoberta no contexto de outras evidéncias (os resultados foram ou contradizem estudos anteriores?); se 0 tema gera preocupacie, cientificas, apresentar outras evidéncias que reforcem ou contradigam o achados do estudo em questo. Saber distinguir 0 que séo achados cientificos do que é interpretagao 0 entdo extrapolacao; néo oferecer conselho de satide se nenhuma recomer dagdo dessas foi feita no estudo. Consideracgées finais ‘A divulgacao cientifica, além de transmitir 0 conhecimento ¢ a satisfagéo das conquistas da ciéncia, deve promover a comunicagdo construtiva, com partilhando com os cidadios a natureza proviséria, a incerteza e 08 riseos latentes da ciéncia, por uma sociedade e um estilo de vida melhores (Trench & Bucchi, 2021), A literacia cientifica torna-se fundamental nesse processo. Uma comunicagao cientifica afim com a literacia cientifica deve estimulat no piiblico uma compreenséo dos seguintes aspectos (Howell & Brossard, 2021): a produgdo de conhecimento cientifico aumenta gradualmente ¢ um tinico estudo raramente pode descobrir os mecanismos por trés de um fe némeno; a nogdo de incerteza em contextos cientificos; as questées de re produtibilidade na ciéncia; os processos relacionados & publicagdo cientfica, incluindo reviséo por pares, retratagdes e 0 que torna uma revista cientifict confidvel; e como os cientistas e os métodos nos quais se baseiam permitem® verificagao das pesquisas uns dos outros.

You might also like