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stado Novo nas ans Como ANTES TIVEMOS OPORTUNIDADE de ver, 0 Portugal do inicio dos anos 30 era uma sociedade periférica, dependente, com peso predominante da agricultura, cujas classes dominantes cram largamente marcadas pela im- portincia econémica e politica dos sectores agririos/rentistas e do comércio internacional/colonial e com uma burguesia industrial em emergéncia, mas ainda débil (Os efeitos quase sucessivos das crises de 1921, da valorizagio do escudo, em 1924, € da Grande Depressio de 1929 tinham afectado gravemente economia, os negécios ¢ as finangas pablicas. Para a oligarquia tradicional, € mesmo para importantes sectores das classes médias, 0 velho Estado republi- cano-liberal, controlado, sem possiblidade real de alternativa, pelos «bon- zos» do PRP, tornara-se sindnimo de «demagogia» ¢ adesordem», isto é, de instabilidade politica e social, de «escdndalos», de incapacidade geral de fi- ver face 2 crise. © 28 de Maio inicion 0 longo ¢ complexo proceso de superacio do Estado liberal. Longo e complexo, como vimos, nao s6 pelas resistencias sexternas» 2 ditadura por parte das forgas republicanistas € democriticas. ‘Também porque na fronda social ¢ politica que suporta 0 novo regime sio distintas ¢ contraditérias as estratégias econdmicas de responder 3 crise € as formas de conceber 0 Estado capaz de as aplicar. Numa oligarquia sem see- tores claramente hegeménicos do ponto de vista da definicio de um «mo- delo» econémico ¢ politico alternative, objectivamente debilitada pelos efei- tos da crise, dividida quanto 3s safdas para ela — o espaco de entendimento, {if antes 0 sugerimos, quase se podia resumir a uma singela ideia geral de tordemy: sordem» nas finangas, pelo equilibrio do orcamento, «ordem nas ruas € nos espiritos», pelo reforco dos poderes do Estado. Mas como? Tudo se prestava a emergéncia de uma autoridade que, agindo super partes, inter- pretasse objectivamente o interesse do conjunto sobre o de cada um dos seus sectores debilitados ¢ desavindos, aplicando- com a forca resultante da autonomia arbitral desse «Estado de toda a burguesia» Na luta que dentro da ditadura se travou acerca do futuro, vimos que © salazarismo se impés © vencen, No essencial, ele revelar-se-ia como um duplo pragmatismo, agindo no quadro das classes dominantes ¢ das forcas politicamente conservadoras. Um pragmatismo econémico e social, arbi- trando autoritariamente, ¢ em nome do sinteresse nacionalx, conflitos de interesses ¢ de estratégias entre os diversos sectores das «forcas vivas», fixando equilibrios e relagdes de forca entre clas e delas com 2s camadas intermédias ou dominadas da sociedade. Um pragmatismo também, jé 0 sabemos, politicamente falando: uma direita das virias dircitas que concor= reram para o derrube do liberalismo e do parlamentarismo. Na segunda metade dos anos 30, apés o perfodo convulso da clarificagio € da institucionalizagio, o Estado Novo afirma-se tanto econémica como politica institucionalmente, assumindo 0 essencial das caracteristicas que © definirao, em muitos aspectos, praticamente até ao scu termo. Assim: —No plano econémico e social, nacionalismo proteccionista, aucarcia ¢ intervencionismo estatal dio as maos. Sobredeterminada, na sua concepcio e alargamento, pelas necessidades de resposta aos efeitos da crise internacio~ nal ou pela pressio dos lobbies de interesses mais influentes, langa-se a orga~ nizagio corporativa e de coordenagio econémica, quase $6 restrita 40s sec~ tores onde se pretende mais premente a intervencio do Estado ¢ fortemente tutelada por este ICE. legends da p. 282, 243 Samer punan (1926-1949) —No campo politico-institucional, 0 regime emerge, no seu funciona- mento politico, como um «ditadura de chefe de Governor, com 0 progres sivo esvaziamento dos poderes do presidente da Repiiblica e da Assembleia Nacional e a anulacio efectiva das concessSes 20 liberalismo resultantes do scompromisso constitucionale de 1933. — Realiza-se, finalmente, a «mio forten do regime sobre as Forgas Ar mada. Iniciado 0 processo'com a atribuicio da pasta da Guerra a Salazar, em 1936, e, depois, com as reformas militares de 1937 € 1938, ele vai tradu- 7ir-se numa modernizacio das Forcas Armadas que o regime fomenta e di rige, mas num contexto de claro reforco do seu controle politico sobre elas. Mesmo com 0 risco de alguma instabilidade ¢ ameacas de reaccio, que che- gam a esbocar-se, sem efeitos priticos, em 1938", — A instituicio militar nao é a tinica'a ser edomesticada». A Concordata entre o Estado portugués ¢ a Santa Sée 0 Acordo Missionatio de 1940, ce Iebrados no quadro da manutencio do principio legal da separacio do Esta- do e das igrejas, consagram uma politica de efectiva subordinacio da lgreja catélica a0 regime. A troco de algumas importantes concessdes nos planos legal, material e do ensino e assisténcia, a Igreja € chamada a fancionar co mo 6 instrumento legitimador por exceléncia do regime ¢ como a institu io privilegiada de enguadramento das massas nos valores fundamentais por ele definidos. — Mas controlar as instituicées tradicionais no parece sutficiente 3 defesa de um regime que vive intensamente a «ameaga vermelha» da Frente Popa lar no pais vizinho e se reforca para Ihe fazer frente. E a crispagio fascizante do Estado Novo, que, em 1936, cria as suas milicias proprias — a Mocida- de Portuguesa ¢ a Legiio Portuguesa —, com o folelore militarista de para das e saudacGes romanas, a0 mesmo tempo que toma medidas dristicas de saneamento politico preventivo e repressivo do funcionalismo pablico civil © militar, — Sio os tempos do império da ideologia ¢ do totalitarismo tendencial de um Estado Novo arvorado, também ele, ainda que mais temperadamen- te que noutras experiéncias fascistas, em «educador das almasr. Através de uma teducacio nacional», reformada e assim crismada pelo ministro Car- neiro Pacheco, em 1936, concebida para moldar os jovens nos valores do nacionalismo, designadamente através da Mocidade’ Portuguesa (e da sta scecio feminina) on da criteriosa sclecgio ¢ formacio politica dos seus edu- cadores. Mas funcio idéntica receberio, para os respectivos destinatarios, os sindicatos nacionais, a Federacio Nacional para a Alegria no Trabalho" ou a Organizagio Nacional das Maes para a Educagio Nacional. Tudo sob 2 orien tacio ideal6gica geral do Secretariado de Propaganda Nacional, criado, logo fem 1933, para tutelar as artes, os espectéculos e todas as formas de expressio. — Mas € também, como condicio viabilizadora bisica de tudo 0 mais, © periodo de desenvolvimento e aperfeigoamento, designadamente sob 0% ventos da Guerra Civil de Espanha, do sistema de justica politica, assente, como veremos, nos quase irrestritos poderes da policia politica, a Policia de Vigilincia e Defesa do Estado, niicleo duro da seguranca do regime. Servie da, igualmente, por uma censura prévia constantemente reforgada, alargada reorientada nas suas fungdes 20 longo dos anos de brasa da Guerra Civil e, depois, do conflito mundial 7 ‘— Sio tempos, igualmente, em que as ameagas externas se impem, aba- Jando o remanso da seguranga autircica ou a integridade do Império. Sob 0 adensar dos factores de crise internacional e dos ventos subversores que so- pram de Espanha, Salazar vai redefinir, a partir de 1935, como veremos, os grandes prineipios de uma politica externa essencialmente defensista, de costas, voltadas para 0 continente curopeu, projectada para 0 Atlintico e as col6nias, sob a sombra protectora da velha alianca com a Gri-Bretanha. A activa inter vvencio do Govemo de Lisboa ao lado dos franquistas na Guerra Civil de Es- panha seri a excepgio a0 distanciamento dos conflitos «continemtaisy Em 1940, quando a Europa era varrida por um conflito onde © nazismo ¢ 0 fascismo levavam tudo de vencida, também o Estado Novo parecia triunfar duradouramente em Portugal, essa «ilha de paz num mundo em guerra Dir-se-ia que tal sistema de valores, de instituicées e de politicas via con- 244 © Estapo Novo Nos aNos 30 firmada na pax portuguesa a sua superioridade e durabilidade. As comemo- rages do eduplo centendrio da nacionalidade» (1140 ¢ 1640) em 1940, vio Ser, neste contexto, 0 pretexto e o momento certos para uma vasta campa- nnha de autoglorificacao do Estado Novo, apresentado como obreiro dese novo vértice histérico da grandeza nacional. E © ponto alto do programa co- memorativo, fixado, em 1938, pelo préprio Salazar, iria ser a Grande Expos do do Mundo Portugués, inaugurada, frente a0 Mosteiro dos Jersnimos, em 2 de Junho de 1940 — 0 ano fureo» da histéria do Estado Novo. Na sua majestosidade de gesso e papelio, na aparéncia de eternidade que celebrava, a Grande Exposicio era como que premonit6ria da precariedade do proprio regime, subitamente ameacado, um ano depois, pelos vendavais da II Guerra Mundial. ‘Mas, antes de If chegarmos, conviri aprofundar um pouco alguns dos t= picos definidores dos principais aspectos da natureza do Estado Novo nos anos 30 € mesmo para além deles 245 D> Salarar e Santos Costa (Grajando 2 civil) asistindo, em 1936, 2 manobras militares da Brigada de Cavalaria reaizadas em Vila Nova da Rank, Nesse so teria nto programa ‘Armada. : Fowre: Forortca, Parkero Foz, Angurvo 0 Skcuro. SapER DURAR (1926-1949) O SISTEMA POLITICO E INSTITUCIONAL Consoupana pounicamente a situagio salazarista e instirucionalmente consagrado 0 Estado Novo, a Constituicio de 1933, cujos tragos principais jf tivemos oportunidade de passar em revista, néo vai conhecer nunca alte- ragdes dramaticas. Nem sequer quanto queles érgios do sistema politico —como a Assembleia Nacional — que Salazar, em 1934, reconhecera pu- blicamente serem ainda imperfeitos e susceptiveis de alteragio futura, & luz de uma progressiva afirmagio da ortodoxia antiparlamentar ¢ corporativa do regime. Isto &, no tocante as dreas onde em 1932-1933 fora preciso ir para 0 com- promisso com o republicanismo conservador, uma vez absorvida ou neutra- lizada a forca de pressio deste sector, Salazar vai preferir a estabilidade e a continuidade institucionais. Melhor, vai manter uma margem de ambigui- dade/elasticidade constitucional que, como bem assinala Manuel de Lucena, miituos: — Extingio da figura institucional dos altos-comissérios, substitut- da pela dos governadores gerais ou de colénia, a quem sio drastica~ mente reduzidos os poderes € a autonomia de decisio, centralizada, em tudo o que era essencial, no ministro das Col6nias ou no Governo de Lisboa; — Fim da autonomia financeira das colinias, cujo orgamento geral edepende da aprovacio expressa do ministro das Colénias», impondo- -se-thes o principio do estrito equilibrio das contas. Igualmente deixam as colonias de poder contrair empréstimos em paises estrangeiros: tais operagées, quando necessérias, passam a ser feitas «exclusivamente de conta da metrdpole», © Ato Colonial define, assim, 0 quadro juridico-institucional geral de uma nova politica para os territérios sob dominacio portuguesa. Dentro da opcio colonial global do Estado portugués, abre-se uma fase «imperial», nacionalista e centralizadora, fruto de uma nova conjuntura externa ¢ inter nna c traduzida numa diferente orientagio geral para 0 aproveitamento das colénias”. Alguns autores (cf. Carlos Fortuna, 1987, vol. u, p. 81 ¢ segs.) tendem a desvalorizar, no contexto da politica colonial do regime, © «corte» simbéli- co do Acto Colonial de 1930, sobretudo devido 20 alegadamente reduzido impacte da nova «politica imperial» no processo de integracio das economias coloniais na metropolitana. Preferem, por isso, situar a fase de mudanga na vviragem econémica para as colsnias africanas apés a Il Guerra Mundial Sem subestimar a importincia politica ¢ econdmica do pés-guerra para politica colonial portuguesa, continua a parecer-nos adequado assinalar 0 marco do Acto Colonial como um momento privilegiado de mudanca de rumo na colonizagio portuguesa do século xx. Nao s6 politica, ideol6gica, institucional e administrativamente esse € um decisivo ponto de alteragao da estratégia colonial vigente, como economicamente ai se iniciam, como a sc= guir vamos ver, os processos de integracio/especializacio dos mercados me- fropoltano e colonial, que conhecent grande desenvolvimento quantitative 10 durante a guerra € no pos-guerra a integracionista e centralizadora estatuida pelo Acto Colonial nio softerd qualquer alteracio significativa com a revisio constitucional de 1945. Nem mesmo com a sua revogacio, na revisio constitucional de 1951, gue transforma o Acto Colonial, com vatias alteragdes, num titulo novo da Constituigio. As mudangas sio sobretudo terminologicas: vio desaparecer 05 termos império colonial» e «col6nias», substituidos por «ultramar por- tuguésr © «provineias ultramarinase, Quanto ao essencial, a revisio cons titucional de 1951 exprime o reforgo € a consagragio da via integrista € centralizadora inaugurada em 1930, em desfavor das timidas reservas auto- nomizantes ¢ descentralizadoras entio surgidas (cf. A. E. Duarte Silva, 1989, pp. 150 € 151), Fa tentativa formal de preservacio de um «impériox cuja fi- losofia essencial permanece, num mundo onde sopram ja, ameagadores, os enovos ventos» da descolonizacio, ‘A 4QUESTAO DO ULTRAMAR» esti, portanto, na ordem do dia das preocu- pagdes governamentais e patronais da época. Os congressos ¢ as exposigées sucedem-se, com vista a discutir como materializar essa politica de «solida- 285 A MIsTICA IMPERIAL Aspecto da Exposicio Colonial ‘do Porto, realizada em 1034 For: Anuvo Nacioxat pe Foroonatin, INsrrruro Posrucufs os Muses SaBER DuRAR (1926-1949) riedade natural» que 0 Acto Colonial consagrara ¢ a que a Carta Orginica do Império Colonial Portugués e a Reforma Administrativa Ultramarina, ambos de 1933'®, tinham dado expressio no plano institucional. Em 1 de Junho de 1933 redine-se a Conferéncia Imperial Colonial; em 1934 abre no Porto a I Exposicio Colonial Portuguesa, decorrendo em simulta neo 0 I Congresso de Intercimbio Comercial com’as Colénias; a 8 de Junho de 1936 retine-se a I Conferéncia Econémica do Império Colonial, ¢ em 1937 a ver de abrir a Exposicio Histérica da ocupagio. Isto para nio falar das conferéncias econémicas realizadas em certas colénias. A nivel privado, celebram-se anualmente as «semanas das colénias», promovidas pela Socic dade de Geografia; ¢ quer 0 | Congreso da Indiistria Portuguesa, em 1933, quer 0 I Congresso da Uniio Nacional, no ano seguinte, dedicam grande atencio a este problema, a par de abundante literatura em jornais ou revistas, ligados 3s actividades econdmicas ¢ nio s6. Sob o impulso de Armindo Monteiro, ministro das Colbnias entre 1931 & 1935 € entio homem de confianga c colaborador préximo de Salazar, 0 regi me lanca uma verdadeira ofensiva ideol6gica em torno do simpério». Ten- tasse dar corpo a uma nova «mistica imperial» como grande componente do discurso nacionalista, inculcando-a a todos os niveis da vida social, desde os programas de ensino aos wserdes para trabalhadores» da Federacio Na- cional para a Alegria no Trabalho. No fundo, retomam-se e aprofundam-se alguns temas caros jé a0 nacio- nalismo republicano, Mais do que de uma ruptura, esté-se perante uma reela- boracio do paradigma colonial, com uma énfase ¢ uma sistematica derivadas da conjuntura intemacional, da crise nas col6nias ¢, sobretudo, das necessi- dades de afirmacio do novo regime ‘A amissio hist6rica de colonizar e civilizar», traduzida numa multissecu- lar xdigspora evangélica e civilizadora», esse +fardo do homem portuguése que constituiria a «esséncia orginica da Nacio Portuguesan, fundamenta e legitima o direito da ocupacio, de «possuir e colonizar dominios ultrama rinos». Sendo que a defesa’desse dircito ¢ da integridade do. patriménio colonial sio reafirmados como condigées indissociaveis da salvaguarda da independéncia nacional: como poderia a pequena faixa continental europeia 286 (© Estapo Novo Nos ANos 30 Interior de um dos pavilhées da Exposigio Colonial do Porto de 1934, Os anos 30 assistiram am rande e diversiicado movimento le propaganda dos valores e reahzagoes da politica colonial Foxre Anguivo NacioNAt DE Forocaania, Instiruro Powrucuts os Museu, tesistir 3 etema pressio anexionista da Espana, sem a forca atkintica e colo- nial do seu simpérion? Ora o pré-requisito politico essencial para salvar ¢ engrandecer este «mundo portuguése sempre cobigado ¢ ameacado, condigio mesma da independén- cia nacional, € 0 Estado Novo. E a forma de o concretizar, retomando 0 fio auténtico das tradigoes e glérias passadas, era a politica de restauragio do simpérioe, Ligar 0 destino das colénias — e, através delas, da propria sobe- tania — a existéncia ¢ manutengio do Estado Novo ¢, consequentemente, da sua «politica imperiale & uma das principais novidades da redefinicio do discurso idcolégico colonial pelo novo regime. © que ter’ como efeito i verso ligar 0 destino do Estado Novo ao das colénias. Colénias, nagio e re- gime confundem-se nesta construcio mitica, que passa, aiés, a ter consa- gracio constitucional. De tudo isto saird esse conceito ontolégico e naturalista/organicista do «im- périov — um corpo com uma cabega, uma familia com um chefe —, que nao deixa de ter, todavia, uma dupla e bem mais concreta dimensio pritica a centralizacio politica, administrativa e financeira, por um lado, c a nacio~ nalizagio da exploragio econémica das coldnias, com a revitalizacio da po- Iitica de spacto colonial», por outro. Vejamos melhor este segundo aspecto. Dscenno DAS ALTURAS OS GRANDES TANCES ret6rico-doutzindrios para A ECONOMIA ‘0s dominios prosaicos da «economia imperial», as realidades mostravam-se DO «IMPERIO” bem mais complexas e as solucGes encontradas razoavelmente mais pragma ticas e menos rigidas, 'No entendimento da nova politica colonial hi, entre os interesses produ- tivos metropolitanos ¢ os do comércio africano, alguma margem de consen- 50, que as conclusées do I Congresso da Indiistria, aliés, cnunciam. Respei- tava ele, por exemplo, & necessidade de flexibilizar a politica de equilibrio orcamental das colénias, permitindo-thes fomento local, para o que deve ria admitir-se 0 financiamento directo do Estado; ao baratcamento dos fre tes do transporte maritimo ¢ modemizacio da frota mercante, a0 reforgo da proteccio da bandeira nacional no comércio colonial; 3 solucio do proble- ima das transferéncias ow 2 intensificagio da emigragio portuguesa para 05 territdrios de Africa. Igualmente todos pareciam juntar-se — ainda que a énfa- se nesta questio fosse mais acentuada em Portigal — no repetido esconjuro do «perigo amarelo» representado pela concorréncia japonesa, ou. dos solhares cobicososs sucessivamente langados na época sobre Angola e Mo- cambique pela Itilia, a Alemanha ou mesmo a Africa do Sul. Mas, quanto 420 resto — quanto 20 essencial —, subsistia 0 equivoco acerca do’ que de- vesse ser a nova politica colonial 287 Cartar do filme Feitigo do Império, realizado por Anténio Lopes Ribeiro cm 1940, O cinema seria também um importante veieulo. de sociabilizagio da nova ideologia ximperial Foxte: Anronto Loris Riaeino, 8. SP. SABER DURAR (1926-1949) Para os industrialistas, «solidariedade econémica» significava «industria lizar a metrdpole ¢ colonizar 0 Ultramar» (Indastria portuguesa, Dezembro Pp. 26): reservar os mercados das colénias is exportagdes metropolita- Gar facilidades is importagdes que delas viessem, desde que fossem ‘matérias-primas necessérias e tteis, em termos de custos, 3 industrializacio metropolitana. ‘Tratava-se de subordinar a economia colonial a0 plano de desenvolvimento industrial portugues. Para os empresirios ¢ exportadores coloniais tal subordinagio era ina- ceitivel. Segundo cles, «2 indkistria metropolitana, para ter autoridade para legitimamente reivindicar a reserva dos mercados ultramarinos, compete comecar por assegurar o consumo as matérias-primas colo niaiss, E nio bastaria «esperar que a produgio do Ultramar, pelas suas, préprias forcas, possa colocar-se em condigdes de concorréncia com a producio dos paises hé muito organizados». Impunha-se, para atingir tal equiparacio, comecar por apoiar a producio colonial, ‘aceitando-a aos seus custos actuais: 4 produgio colonial deveria ter «3 entrada da Metr6- pole, 0 tratamento que lhe cabe como produgio portuguesa que é». Nese sentido se exigia nio s6 maior proteccio pautal para as matérias-primas co- loniais relativamente & concorréncia estrangeita no mercado metropolitano, como 0 estabelecimento de um regime geral de reducio dos direitos de im= portagio metropolitanos para as mercadorias vindas desses territérios que fosse mais generoso do gue aquele que estava em vigor. Também se pedia a obrigatoriedade do uso dos produtos coloniais pela indiistria ou pelos orga- nismos do Estado na metrépole. E, quando assim nio pudesse ser, compe- tia a0 Estado prestar apoio no sentido do cembaratecimento alargamento da producio ultramarinar, nomeadamente assegurando-Ihe mercados alter~ nativos Por outro lado, a reserva dos mercados coloniais 3 produgio metropoli- tana nio podia traduzir-se em «sacrificios excessives ou até cm prejuizos graves» para a economia das colénias: impunha-se que +os fabricantes © exportadores metropolitanos nio persistam no conceito errado de que os mercados africanos compram ado» (N. Simdes, 1933, pp. 34 © Se&S.), obrigando as colénias a adquirir produtos de muito pior qualidade ¢ mais alto prego do que elas poderiam comprar 20 estrangeiro. Mais do que isso: em certos meios coloniais contesta-se a pretensio de «reservar as col6nias ¢ fungio exclusiva de producio de matérias-primas e deixar a cargo da Me- te6pole a funcio transformadoran. Essas seriam «doutrinas do Pacto Colo- nial que jé fizeram a sua épocay. Defendia-se, assim, j neste perfodo, uma acgio «no sentido de ser permitido o estabelecimento de indiistrias nas col6- nias, logo que as suas condigSes econdmicas o possibilitassem. ‘A necessidade da intervencio arbitral do Estado para dirimir este tipo de conflitos é nao s6 entendida como reivindicada. Nos debates do I Congres 288 © Esrapo Novo Nos anos 30 so da Indiistria sobre esta matéria postula-se que «ao Poder Central compe te exercer [...] a arbitragem entre os desejos, necessidades possibilidades da economia metropolitana ¢ da economia ultramarinay (N. Simées, 193 p. 39). Esse papel, aliés reconhecido pelo Estado Novo a si proprio no espi Fito e na letra do Acto Colonial, constituira o essencial da politica econémi ca do regime para o simpérios até 20 fim da Il Guerra Mundial sabemos que o investimento directo do Estado Novo nas colénias ou 0 crédito pablico as actividades coloniais durante 0s anos 30 se mantém quase estagnados e 2 niveis muito baixos. E sobretudo a nivel da regulagio mtitua do. acesso 20s mercados que se fara sentir a intervencio arbitral do Estado. ‘A economia metropolitna seri largamente beneficiada por ela nos anos 30: — Uma série de diplomas agravam sucessivamente as barrciras alfande~ sirias gerais e especificas das col6nias 3 penetragio de artigos estrangeiros susceptiveis de concorrer com os produtos de exportacio. metropolitanos, especialmente os vinhos ¢ 0s tecidos de algodio e de li. Mas também in- diistrias como a cimenteira, a de fibrocimentos, a das limas, a das limpadas eléctricas, etc., véem crescer as suas exportagées coloniais 3 sombra de tal proteccio. — Simultaneamente, a Carta Orginica do Império Colonial Portugués estabelece, em 1933, no seu capitulo vit, 0 principio geral da concessio de uum beneficio de ordem pautal de um minimo de 50 % dos direitos da pauta ima das colénias para as mercadorias produzidas na metr6pole. Disposi- io complementada por muitas outras beneficiagbes suplementares especi camente destinadas a certos produtos ou a certas coldnias. — Em Abril de 1936, 0 Decreto n.° 26 so9 corta as asas 3s pretenses va- gamente industrializantes de certos meios coloniais: proibe a instalagio nes ses territérios de indtistrias que ja existam na metrépole e, mesmo quando esse nio fosse 0 caso, sujeita a autorizagio governamental ou do governador dda col6nia a instalagio ou reabertura de todo e qualquer estabelecimento fa- bil nas colénias. — Também no tocante aos vinhos comuns, as col6nias foram uma verda- ira tibua de salvacio, absorvendo nos anos 30 quase toda a sua producio exeedentiria. Em 1935, por exemplo, os mercados coloniais absorvem mais de merade de toda a produgio vinicola portuguesa. Nao nos esquecamos de que disposicoes antigas proibiam estritamente a producao vinicola colonial. claro que este regime teve as suas contrapartidas, algumas delas bem pesadas para a producio metropolitana, (Os interesses da exploracio € comércio coloniais conseguiram garantir medidas significativas de proteccio 20s seus produtos 20 longo deste pe- rfodo € limitar o alcance da estratégia econémica hegemonizante implicita nas acgdes de defesa da economia metropolitana em geral ¢ da industrial em particular. ‘No plano aduaneiro, vigorava desde a pauta de 1930 um regime geral de bonificagio para todos os produtos coloniais 3 entrada da metrépole de 60 % abaixo da pauta minima, Este bénus era considerado insuficiente, especial~ mente para as matérias-primas, ¢ 0 comércio colonial lograré obter bonificagbes ¢ regimes de proteccio especificos suplementares mui tantes, especialmente para as oleaginosas, o acticar, 0 café e 0 algodio gumas das principais exportagdes coloniais, No caso do agticar, a principal importacio oriunda das colénias neste pe- riodo, Portugal reserva-Ihe 0 seu mercado durante 15 anos a partir de 1930, contingentando para esse efeito a contribuicio de cada colénia. Isto signifi- cou, segundo © geral dos observadores da época, um dristico agravamento do preco deste artigo de consumo essencial, dado que até af o produto es- trangeiro chegava muito mais barato a Portugal. Para nio falar na proibicio que daqui decorreria relativamente ao lancamento da producio nacional do acticar de beterraba, jf entio preconizada por alguns especialistas™, Regime idéntico sera adoptado para as oleaginosas. Para 0 café, a par do regime aduaneiro especial, conseguiram-se fazer adoprar na metrépole disposigées de consumo obrigat6rio nos quartéis, pri- des, hospitais, escolas, tendo-se proibido a venda de café misturado com 0 nome de «café 289) Same DuRAR (1926-1949) ‘Como antes se referiu, € no circuito do algodio colonial que se foi mais Jonge na defesa dos interesses das grandes companhias de exploracio € ex portacio coloniais, mesmo cm manifesto desfavor da influente téxtil algo- docira metropolitana, Sucessivos diplomas publicados entre 1926 ¢ 1937 impOem & inddstria na- ional a proibicio de importar algodio estrangeiro e a obrigatoriedade ge~ nérica de consmir 0 algodio colonial, de m4 qualidade, aos pregos mini- ‘mos tabelados pela Comissio Reguladora do Comércio de Algodio — sera © algodio mais caro do Mundo até 3 Il Guerra Mundial — e segundo quo tas de distribuicio pelas fibricas, arbitradas pelo Grémio dos Importadores. Ji aludimos a0 facto de os industriais serem scompensadose com algumas contrapartidas relevantes: o reforgo da reserva dos mercados coloniais para fs scus artigos ¢ uma indemmizacio pela diferenca de precos minimos do al- ‘godio colonial e do seu equivalente estrangeiro. Noutros casos relativamente importantes 0s exportadores coloniais no conseguiram bonificar os seus produtos. O tabaco, 0 dleool ¢ a aguardente pagam direitos como se fossem artigos estrangeiros. No primeiro caso para proteger a indistria tabaqueira metropolitana (novamente a CUF, desta vez Contra os interesses coloniais...), € nos outros para impedir a concorréncia 3 viticultura Este tipo de xequilibrios» ¢ os que antes apontimos fizeram com que as colénias, quer como mereados, quer como fontes de matérias-primas, tives- sem ficado longe de proporcionar nos anos 30 0 grande salto industrializan~ te da metrépole sobre que os industralistas teorizavam. E, no entanto, indiscutivel que a nova «politica imperial» vai facultar, ainda que cm termos moderados, uma maior integragio das economias co- loniais no processo de desenvolvimento em Portugal. O peso crescente do comércio com as colénias nas trocas externas portuguesas é disso indicio (% quadro xv) Tal fendmeno nio se verifica s6 para a téxtil algodocira, onde, & sombra dos mercados coloniais superprotegidos ¢ do mercado espankiol (providen- cialmente aberto pela Guerra Civil a partir de 1936), se processa, apesar das, condigSes de aquisicdo da matéria-prima que analisimos, uma real expansio da indkstria, a qual estari na base do processo de substituigio de importa- qbes dos tecidos de algodio. Nem se verifica s6 para os vinhos comuns, a cuja situagio j4 nos reféri- Percentagem do comércio especial com as coldnias no comércio externo portugués ox roa HOI —IOASIONT 9 Importades (0) 165 62 10.63 os 104 Exporagees (B) wos at nar 7 ae THE 8 oe sas (Malia sna Rue Eaatati do como exer, INE Quadro xv Importacio de algodio em rama (Unidad: tones) Anes Angels Magainbigue —-ExrangeiroPereentagem de algo ‘colon no total m 1446 19 590 Bt 1857 oss mo 1919 19009 154 189 20457 916 war 15195 a7 is 8 pas ps a7 386 260 409 767 1 Fonte: F Pesca de Moura ci 987. 8 290

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