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Douirina £08696 RT o Regio BIBLIOTECA A ORDEM CONSTITUCIONAL ECONOMICA E 0 TRABALHO PLENO VALERIA ARRUDA DA Ponte Lopes ‘As for¢as sociais que culminaram coma Constituigéo de 1988, coadunaram dois modelos antagoni ico: intervencionismo eneoliberalismo. O intento do legislador foi inserir no bojo da Carta Politicaas diretrizesda chamada ordem econémica, sem deixar de amparar valores eminentemente sociais insculpidos no regramento maior do nosso ordenamento jurtdico.” CONSIDERACOES INICIAIS =e Q=is== Sccrcene = ee a a Sonnets sete ae Sacer. Scots ee eae ee ae Sa Seeericeae ee ——— Se Seeeeenpan See a Saeanerae Saeeeee Saeco area SS ee cerns ‘México (1917) e de Weimar (1919), 6 uma. forma em que o Estado sobrepée 0 inte- caine aa pale once eccoe = AORDEM CONSTITUCIONAL ECONOMICA A presenca do Estado no sistema eco rnémico decotre nao apenas em funcao da Verificagao das falhas ou deficiéncias do mercado, mas também como forma de im- posigao de padrdes de desempenho aos setores piblico e privado, observando-se 08 parémetros do modelo politico-econé: rmico previamente adotado. O sistema econémico capitalista defini do na Constituigao da Republica de 1988 6 misto, dual ou hibrido, no qual atuam o mercado ¢ 0 Estado, No texto desta moder- ra Carta Politica esto presentes, além de ‘garantias individuals e de regras de orge: nizagdio do estado, normas programatioas dostinadas a0 aprimoramento do sistema ‘econdimico, ‘Temnos 0 Direito Econmico como ciéncia jurcica autonoma, da qual decorre a chama- dda "juridicizagao" da economia. Nosso siste ma estabelece regras e principios de carster procedimental/instrumental e diretivo, em coeréncia com os postulados da razoabilide- de eda proporclonalidade. ‘Ao elaborar o texto da CF/88, 0 consti- tuinte originario reservou ao Estado amplo poder de atuagao no dominio econémico @ sobre ole. Ante 0 eterno conflto capital versus trabalho @ a constatada incapaci- dade de auto-regulagao dos mercados, entre outros problemas do liberalismo, 0 Estado passa a desempenhar a fungio de agente normativo, regulador e fiscalizador daeconomia. Contudo, no inicio da década de 90, nova Constituigao foi significativamente allerada polo poder constituinte derivado, mediante a edigo de uma série de emen- as, para restringir 0 poder interventivo do Estado e atender aos anseios neoliberais da Corrente econémica entéo predominante no sgoverno da época. ‘Acorca da implantagso da politica do neoliberalismo, que prioriza a redugao do Estado, o livre mercado, moedas fortes, pr vatizacées, equillro fiscal e competitvida de global, comenta Eugénio Rosa de Araujo (2007:36), verbis: “Taisroformas estruturais¢ institucionais foram implantadas no Brasil dos anos 90, voltadas para a desregulagto dos mercados financeito e do trabalho, prvatizacao de em: presas estatais, supressio de monopélios cstatals e servigos pblicos com ampla aber- turacomercial ‘Sem querer aprofundar a questo, ofatoe ‘quono Brasil aimplantacso desta deologiale- ‘you o pals ao aumento dos encargos piblicos financeiros, queda das taxas de investimento © crescimento, deterioracao das contas ex temas, concentragao de riqueza, redugso da Participagio do sario na renda e aumento do desemprego edo subemprago! Referido autor (Araujo; 2007:43), ccontextualizando a ordem econémica com (8 principios fundamentais da Republica Federativa e do Estado democratico de ireito, pondera que ela é *o conjunto de normas de intervencao protetora ou res- tritiva a atividades econdmicas, em busca do certas finalidades @ por intermédio de cortos meios” 4 dejunho de 2007 24-1173/3 Doutrina Eros Roberto Grau (2000: n* 15, pp. 36-37), colaciona as seguintos conclusbes de Perty Anderson’, a respeito do neolibe- ralismo: "Economicamente, 0 neoliberalismo fracessou, nfo conseguindo nenhuma revi- talizagio bdsica do capitalismo avangado. Sociaimente, a0 contrétio, 0 neoliberalis- mo conseguiu muitos dos seus objetivos, criando sociedades notadamente mais, desiguais, embora nao t4o desestatizadas como queria. Politica e ideologicamente, todavia, o neoliberalismo alcangou éxito hum grau com 0 qual seus fundadores provavelmente jamais sonharam, disse: minando a simples idéia de que nao ha alternativas para os seus principios, que todos, seja confessando ou negando, tém de adaptar-se a suas normas? ALGUNS PRINCIPIOS GERAIS DAATIVIDADEECONOMICA Delimitando 0 ambito deste arrazoado no art. 170 da Constituigde Federal, parcial- mente transcrito abaixo, ede alguns artigos com ele correlacionados, especialmente 0 1%\Ille IV, ¢0 3% lalll, passaremos a en focar os seguintes prinelpios: a dignidade da pessoa humana; os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; a construgao de uma sociedade livre, justa e solidaria, conforme os ditames da justica social; a ‘garantia do dasenvolvimento nacional ¢ a erradicagao da pobreza, através da redu- ‘cdo das desigualdades sociais e regionais: ‘ea busca do pleno emprego ou do trabalho humano produtivo. Eis o enunciado do art 170, Vile Vill, da CF/88 (destacamos): "Art, 170. A ordem econémica, fundada na valorizacdo do trabalho humano e na Jivte iniciativa, tem pot fim assegurar a to- dos existéncia digna, conforme os ditames da justiga social, observados os soguintes princlpios: (.) Vil ~ redugdo das desigualdades regio- Vill~-busca do pleno emprego: at Obrocardo juridico suum cuiquetribue- 0,0 qual se fundamenta o conceito tradi: clonal de justiga ~ dar a cada um o que é ‘sou, norteia os pardmetros da justiga social Nola esta inserida a dignidade da pessoa humana, obtida com o trabalho produtivo, pleno e digno, além de outros fatores. ‘Arespoito da existOncia digna, Araujo (2007: 46) invoca as seguintes palavias de Alexandre de Moraes®: "a dignidade da pessoa humana é um poder espiritual ¢ moral inerente & pessoa, que se manifesta singularmante na autodeterminacao cons- responsavel da propria vida e traz consigo a pretensao ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se om 10 invulneravel que todo estatuto juridico deve assegurar, de modo que ape- nas excepcionalmente possam ser feitas limitagdes 20 exercicio dos direitos funde- montais, mas sempre sem menosprezar a nocessdria estima que merecem todas as pessoas enquanto sereshumanos™ ‘Sob 0 enfoque da justiga social e do respeito & dignidade da pessoa humana, a Igroja Catdlica preocupou-se com a ques- ‘Bodo trabalho em varias Enciclicas: Rerum Novarum, Quadragésimo Anno, Mater et Magistra ¢ Laborem Exercens. O papa Josio Paulo It observou que a sociedade é: "grande encarnagao histérica e social do trabalho de todas as garages" e mais que o trabathador deveria analisar “o seu traba- ho também como algo que iré aumentar © bem comum procurado juntamente com seus compatrictas, dando-se conta assim de que, por este melo, o trabalho serve para multiplicar patriménio da inteira famia, humana, da todas os homens que vivem no mundo"? (realcamos}. Para se chegar ao Estado de bemvestar social, faz-se necesséria a implantagao de politicas publicas direcionadas a erradica- (pho da pobreza e & redugso das desigual dades sociais e regionais, através de uma melhor distribuigto de riquezas. Mas isso no sera alcangado por meio da simples transferéncia de renda (assistencialismo) para os hipossuficientes. DO TRABALHO PLENO Apesar de promover alguma melhoria, uma vez que gera ~ bem ou mal ~ circula- ‘elo de dinheico, o Programa Fome Zero, implomentado ainda no primeiro mandato or} pendentes de aprovacio pelo Congresso ~ criando © chamado Plano de Aceleragio o crescimento ~ PAC. Langado no inicio de marco deste ano, oprojeto 6 visto como uum avango" (Tedeschini; 2007: 58) para a educagdo bésica do pals, ao provera dest ago de ito bhoes de reais para amelho ‘iada qualidade do ensino brasil. ‘nda como parte desse novo plano, a ministra-chote da Casa Civil, Dilma Rous: self, apresentou uma tese que “propoe reduzir 08 juros, no para recuperar a capa: Cidade de investimento do estado ou para gastar no social, mas sim "reduzir 08 juros para poder reduzir o custo do capitl social das empresas’, salienta Stephen Kanitz (2007: 22) Com isso, protendo-se estimular os investidores a se tornar empreendedores, @ a assum rsco da chamada *renda va rive’. Com mais empreendimentos, 6 pos- sivel&criagae de novos postos de trabalho por parte da iniiatva privada, Quanto a0 servigo pico, ¢louvdvel a postura do atual governo em incrementé-lo com pessoal qualficado, selecionado me: eiante concurs, Hénisso uma boa relagao custo x beneficio, uma vez que 08 gastos com folha de pagamento geram emprego @ renda, movimentando a economia, & proporcionam aos enerades contribuintes a contrapartida do bom atendimento nas repartigdes a que acorrem para satistazer suas necessidades ¢ rosolver seus problo- mas nae diversas droas (oducagao, sade, providénciae assisténcia social, seguranca publica, assisténcia judiciaria © servigos esonciais 8 administragao da justiga onto outro). ‘Além dos dispositivos ja mencionados (arts. 1°, 3° © 170), hé na Constituigao ‘outros artigos relacionados @ valorizagto do trabalho humano e da busca do pleno ‘emprego, principio este caracterizado por ‘sor norma programatica, a saber: 8°, Xill@ do Presidente Luiz Inacio Lula da Silva, XLVII,c;6% 7%; 10; 11;179, § 1%, 186, 1V; cfiticade por nao exigir acontraprestagao do p-—- trabalho para quem _ i dole participa, rece: a bendo austlios sociais ¢ financeiros (Bolsa: Familia, Auxilio-Gae, entre outros) que ga- rantem uma renda a: rima aos mais pobres. Para o seu segun do mandato, o Pre: sidente Lula editou uma série de medidas provisérias ~ ainda FO aN E ZERO BRASIL QUE COME AJUDANDO 0 BRASIL QUE TEM FOME 24-1173/4 4 de junho de 2007 Doutrina 18,$3% 187, Vil; 198; 208, 227, caputo§1°,1L Acerca do tema om andlise, segue abaixo uma abordagem do Supremo Tribunal Federal: E certo que a ordem econd mica na Constituicao de 1888 define opcao por ut sistema no qual joga um papel primordial a livee iniciativa. Essa circuns- tancia nao legitima, no entanto, a assertiva de que 0 Estado 96 interviré na economia em situa .96es excepcionais. Mais do que simples instrumento de governo, ‘a nossa Constituigéo enuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado © pela sociedade, Postula um pla- node acto global normativo para © Estado e para a sociedade, informado pelos preceitos voi ‘culados pelos seus arts. 1°, 3° 170. Alivre iniciativa é expresso de liberdade titulada nfo apenas pela empresa, mas também pelo trabalho. Por isso a Consituigao, a0 con- tomplé-la, cogita também da ‘iniciativa do Estado’; nao a privilogia, portanto, como bom pertinente apenas & empresa. Se de uum lado a Constituigao assegura a livre iniciativa, de outro determina ao Estado a adogao de todas ae providencias tenden- tes a garantiro efetivo exercicio do direito educagdo, & cultura © a0 desporto (arts. 28, inciso V, 205, 208, 215 ¢ 217, § 3°, da Constituigdo). Na composicao entre esses principios e regras ha de ser preservado 0 interesse da coletividade, interesse puiblico primério. O direito a0 acesso & cultura, ao esporte @ ao lazer sio meios de complementar a formagao dos estudan- tes" (ADI n° 1.950, Rel. Min. Eros Grau, DJ 02/06/06). No mesmo sentido: ADI n* 3.612, D! 29.06.06. A busca do pleno emprego 6 uma ‘expressdo que, na ilustre opinio de Eros Grau (2000: 267), conota.o ideal keynosia~ ‘no de emprego pleno de todos os recursos ¢ fatores da produgao, sendo uma norma: diretriz ou norma-objetivo que reivindica a realizacao de pollicas piblicas. Paraa materializagao desse principio, 6 preciso garantiro respeito &s normas constitucionais que valorizam 0 traba- lho humano, com manifesto repidio ao trabalho escravo e as formas andlogas, ‘cujas condigdes de trabalho degradan- tes poem em risco a vida e a sade dos trabalhadores. cconflte ideotégico. O intento do legislador {oi inserirno bojo da Carta Politica as dire trizes da chamada ordem econémica, sem doixar de amparar valores eminentemente socials insculpidos no regramento maior donoseo ordenamentojuridico. Contudo, diante das vicissitudes das diversas correntes politicas e filoséficas dos detentores do poder econdmico ~ gru pos aos quais esta sujeita a maior parte dos parlamentares ~ @ om face da desre- gulamentagao da economia por meio de reformas constitucionais, é mais prudente que 0 modelo do intervencionismo estatal ‘seja prosarvado, abem da sociedade. No Brasil, pode-se dizer que o discurso baseado quase exclusivamente em torno da estabilidade monetaria e do arrocho fiscal est4 sendo parcialmente superado. A capacidade do governo, agora menos t ‘ida, de investi em polticas sociais, © sua preacupagto como exército de reserva de mercado deixado pelas privatizagdes ocor- ridae na década de 90 sinalizam melhoras para a conquista da chamada efetividade ‘material dos ditames constitucionais. Para equilibrar interesses dos agentes econdmicos (Estado, trabalhadores, con- ‘CONSIDERACOES FINAIS As forgas sociais que culminaram com ‘a Constituigao de 1988, coadunaram dois ‘modelos antag6nicos: intervencionismo e neoliberalismo. Alguns identificam nisso uma aparente contradigao ou um falso sumidores @ empresérios) om busca do ideal do Estado do born estar social 6 pr ciao percorrerum caminho no quale tutelo 0 trabalho produtvo, também chamado de trabalhopleno ouemprego plone. NOTAS 1 Apud Balango do Neoliberalismo, in Pés-Neoliberalismo, org. de Emir Sader e Pablo Gentil, Paze Tera, io Paulo, 1995, p.23, 2 Apu Eugenio Rosa de Araujo. Resumo de Direito Economico, Colecio Sintese Judea, Nite OLR), Impetus, 2007, 3 Balera, Wagner Justiea Socta, n Revista Prétia Juridica, Ed. Consulex, anoV, n° 47,28 defev, 2006, pp. 32-40. BIBLIOGRAFIA ‘rato, Eugécio Rosado. Resume de Dirt Econdmico Coleoto Shtse uica, Nits: pet, 2007 ‘Boler, Wagner. Justipa Soci, n Revista Préic uric, Consuex,anoV.n* 47,28 deeverio de 2006, pp.92-40, (CaratoFiho, Jet dos Santee, Manualde Dirt Adminitatvo 8a, Rode ani, Lumen Jars 2001 Const da Replica Federatva co Bras 406d, Sto Paulo, Saraiva, 2007, Grau, E08 Roberta. Ordem Ezonémica ne Consiuigfo de 1988 (ntrpretseto e erties), 5, ed, S40 Paulo, Maths, 2000 Kant, Stephen A Tse de Dif, nRovista Veja, Abi 2000, ano 40,1" 1,21 domargo de 2007.22 Maurano, Adriana. Sistema e Modelo Ecandmico na Consiuigso de 1989, lus Navigant, Tessin, ano 10,0" 818, 7 de janairo de 2006, Disponte om: Cit: /ue2olcam bridoutina/tentoasptid=7707>, ‘Avosso om 20 demaryo de2007, Moraes, Alexandre de, Constii¢do do Bras Intorprotada, Sto Paulo, Aas, 2002 apud Arai, Eugenio Rosado. Resume de Divito Econdmice, Colao Sntee rca, Nter-R pet, 2007, Todeschii, Marcos, Enfin um Bom Pacote, in Revista Voja od. 2000, ano 40, n° 11,21 demercode 2007p. ‘VALERIA/ARRUDA DA PONTE LOPES 6 Advogada em Sobral (C8); pés-graduanda no Curso de Especlalizagloe Dieta ProcessoConsttuclonal pea Universidade Estadual Vale do Acaral-UVA,om convénlocom a Fundagéo Escola Superior de Advocacia do Ceard ~FESAC/OAB-CE. 4 de junho de 2007 24-1173/5

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