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Q FIM QUE JUSTIFIQUE OS MEIOS* A analise dos analistas: o que devemos exigir de seu fim? por estarmos falando da psicanélise ha mais de cem anos, acabamos por “bem dizer”, aqui e acola, o que ela é e a que veio. E isso apesar da ciéncia e de seu sucesso esmagador, e da Lei que nao cessa de querer se meter nesse jogo que escapa a sua razao. Apesar da ciéncia e da lei, que se obstinam em reduzir 0 real a seu saber, insistimos no “bem dizer”. Por estarmos falando da psicandlise ha mais de cem anos, deveriamos finalmente saber dizer alguma coisa que preste sobre 0 que € um psicanalista que valha. Q que é um psicanalista que valha sufici- entemente para nao conduzir o humano rumo a besteira ou a canalhice? O que é um psicanalista que valha suficientemente para nao conduzir a psicandlise para onde a ciéncia e a lei a precipitariam se os psicanalistas no se provassem a alfura da manutengtio de suas vias e de sua logica? : Ent&o digamo-lo um pouco, na medida do possivel, porque seria Qetmulo se o principio da operagao analitica permanecesse ineft O que diz Freud? O que diz Lacan? O que dizem 0S uns € os outros? ener? Provocsstio introdutéria nio nos permite recorrer a no0ssos Como, ma ostumeiros para tomar partido e responder a indagagao. » Na ocasiao do ato que nos faz psicanalistas, estamos sds € Texto ori naigg 3elmente publicado na Revista Literal n. 8 (Transmissao da psica- formagao do analista). Sdo Paulo: Literal, 2005. D OMINIQUE Fi sustentar 0 que é que “faz 0 analista”! OU sej essa para na pressa para S| Anata da As “Ja, 9 produz um analista em consequéncia da experiéncia de sua que autoriza afirmar que, a0 fim das contas, ela se atestou como anal Qual “exigéncia”? quanto a analise do analista nossa clinica e nossos dispositivos institucionais para psicanalise nao seja uma ilusao, ou, infelizmente, limi QUE 0 futur tado pelo efeiy de nossa negligéncia? : 0 O que baliza, mais uma vez, Nossa intervencao é g Clinica Nao porque saibamos de nossos analisantes que se metem a “fazer 5 analista”, ja que de nosso lugar ndo podemos saber, por Causa do ato: ; da sua estrutura, como eles operam, como eles “fazem o PSicanalistg» No entanto, a pratica da supervisto, frequentemente nos esclareo, sobre o que faz com que um sujeito se embarace com @ neurose. quando, justamente, ele deveria se por £m posicéo de suporiar , psicanalise. O que as supervisdes nos indicam precisamente é como alguns se embaracam com a pulséo e suas vicissitudes, com a fantasia, ou seja, com o que disso se manifesta no dispositivo analitico pela transferéncia, - Se sabemos que, ao final das contas, apés miultiplas voltas e revi- ravoltas, a andlise pode conduzir a seu fim, como cingir e transmitir que 0 que se conclui nesse ponto, faz o analisante Ppassar a analista, ou seja, lhe permite suportar a andlise dos outros, lhe permite nao se embaragar com a neurose (a pulsao, a fantasia, a transferéncia)? Suportar a psicandlise é, a cada vez, reinventa-la — essa declaragao no € um mero efeito retorico, é umacposigéo éfica, Nao ha continuidade entre o psicanalisante e o psicanalista que ele pode " FACAN, Jacques (1968-69). © semingrio. Livro 16: De um Outro 20 oul? a Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. Na aula de 4/6/1969, Lacan coment@ 5 anblguidade da expressao “faire l'analyste". fala d@ Palavra “exigéncia” é usada indmeras vezes por Freud quando ele formag%o dos analistas, i ise leiga”. » © €M particul “Aandlise leiga’. 3; LOMBARDI, Gabriel (200 Particular no texto “A an tique dans rp, ( 1). 2001: résultats des analyses et form ; ‘Seminario i i 10 de 2! das Diagonaleg de foptio Pronunciado em Paris em marg! icado Pel Dy = bli F Nn de internationale des Forums @ Pu! ract® cman an Ne ogee ye analyste & son tour avete Qui pourra dire comment son patien ation fa 001 aan 67 AANALISE DOS ANALISTAS se tornar, nfio hé reprodugao. da experiencia, nem prolongagao, nem identificagao. O que se inicia, a cada vez, é um momento inaugural que recomega a psicandlise e comega pela transferéncia. é—acada vez, de novo, ainda — su-_ Suportar a sicandlise a transferéncia, Devemos exigir da andlise de um analista que ato que ela produz portar f justifique oS meios, que 0 até poder tirar seu fim possibilite ¢ J sustente a tarefa, o trabalho € at transferéncia até o fim, is que fazem uma psicandlise tomar um fim. duas questdes: oO deles as consequéncia: E necessario, portanto, nesse ponto, precisar ossibilidade de suportd-la produzida ue é a. transferéncia? Como a pelo fim de uma andlise que poe termo a transferénci ‘A transferéncia 6 a transposigao — Ubertragung — € a trans- feréncia da estrutura, ou seja, do “aparelho psiquico”, dentro do dispositivo analitico em decorréncia da demanda dirigida a um analista. E um trabalho, uma dinamica, diz Freud: 0 deslocamento das “representagdes” e de seus “investimentos”, OU seja, a transferéncia dos significantes de que a associagao livre da testemunho. Esse trabalho tem como efeito um produto, efeito “quantitativo”, diria Freud, que toma “forma” em decorréncia “da regressao topica”. Como no trabalho do sonho, 0 que nao tem vez nem lugar (0 gozo) toma forma e figuragdo nas representagoes ao alcance da libido. A transferéncia, precisa Lacan, em ato da realidade é “a colocagao sexual do inconsciente”.* Ha, no dispositivo freudiano, transposi¢a0 da satisfagao pulsional. Ela s ar e transfere ai, tal como @ neurose a fixa, e faz disso seu destino atado pela fantasia que hic et nunc implica 0 analista que se mete nessa parada. prods ortar a transferéncia é dar um SU ort meee dizer, trata-se de suportar essa inclusdo sem se enrascar saber nated topando com sua contratransferenci®s E preciso anata esse enlace pela satisfagdo pulsional, maneja-lo, mano- ° analista esvaziilo do sentido que Ihe da a neurose. Trata-se, para implicarce le saber se aproveitar da ocasido, e fazer uso dela para na estrutura do sujeito, sabendo manter af seu lugar, 0 e ao trabalho € a0 LACAN P. 137," Jacques (1963). Le séminaire Les noms du pére. Paris: Seuil, 1964, 68 ___D —MMQUE Far a Many, que vai ai mesmo produzir um certo espago, um espacam, “« os agame intervalo, um “ab-sens”. M0, A experiéncia da transf réncia é a experiéncig como Experiment, mas também Erfahrung — trave etl, Erlebnis — 0 “vivimento”’ —, que a anilise do analista Ihe Ambém, suportar na medida em que ela Ihe deu acesso, de i emi nei. tangivel, a um certo lugar (a vaga, 0 intervalo, 0 espagamente, | : vazio que possibilita 0 ato). gay Como entao? Como se produz o fim da experiéncia que dé | Ugar ao ato? No fim, o analisante nao se encontra mais com 0 analista, qj 4 diz simplesmente Freud.’ Nao 6, no entanto, assim tao simples; Passase alguma coisa na transferéncia que faz isso, que produz isso: ele nao encontra mais 0 analista no encontro marcado de sua fantasia, e nao ha mais encontro com aquele suposto suportar o saber do inconsciente. Nesse ponto irremediavel de nao encontro, produz-se uma modificacao profunda, um remanejamento do destino pulsional que faz passar da “realidade sexual” do inconsciente atualizada na transferéncia onde se encontra o analista ao pulsional colocado em ato pelo desejo do analista, que vai permitir ao sujeito o encontro sem adiamento nem meios-termos com sua divisaio subjetiva. No lugar do encontro necessario com 0 analista, ha um encontro com o real. No lugar da neurose de transferéncia (um sintoma que nio cessa de escrever a relag&o sexual), um destino pulsional outro, um inthome” que nao cessa de escrever a nao relacao. Com suas pantomimas e artimanhas, a transferéncia convoca? analista a “fazer relagao”, isto é, de diversas formas, fazer cola part i no 5. Ab-sens: neologismo usado por Lacan em “Etourdit” para sia Real a auséncia de sentido propria ao significante e que seu equi 0 lage? mental indica. Esse ab-sens confirma 0 ab-sexe, ou S61 9 iscantes sexual, que fomenta a procura do sentido sexual em todas as $10 como Freud bem destacou ‘ Ji 6. ROSA, Guimardes (1956). Grande Sertéo: Veredes. Rio 4° Fronteira, 1983, | 7. FREUD, Sigmund (1937). Andlise terminavel @ interminay? i standard brasileira das obras psicolégicas completas. Rio oe S/d (verséo eletronica), v. XXIII. 3 janeio: Nov in: 260" 0? ALise 00S ANALISTAS . AA pulsao, colaborar com a fantasia e colmatar o objeto. “Encontrar 0 Festal é isso: é quando a transferéncia encontra o analista para colaborar com a satisfagdo pulsional de substituigao que a neurose se deu como destino. O lugar onde o analisante “encontra o analista” situa 0 ponto onde se trata de responder com o que Freud nomeava “Die Versagung”, 0 fracasso, 0 impedimento dessa satisfacao, tra- duzido, em geral, por “frustragdo” e que podemos traduzir com Lacan como “Dizer-que-nao”. No lugar da satisfagao esperada, 0 analista faz siléncio, faz um lugar, abre um espa¢o, 0 espago onde se alojara o destino pulsional chamado por Lacan de “desejo do psicanalista”. O desejo do analista &0 destino pulsional que opera na andlise dando suporte para sua operacdo, & pode, eventualmente — acaso do destino e da logica —, constituir também o seu produto. Se a transferéncia € a atualizagao da “pantomima” neurotica, 0 desejo do analista é 0 lance e o langar mao do analista com 0 objetivo de “um remanejamento possivel do eu”? por causa da pulsao, em pro! da pulsdo e de seu resto incuravel: “soll Ich werden, wo es war”. O desejo do analista é um destino pulsional que permite nao mais se embaragar com a neurose, mas qualifica o analista para des- concerta-la. O analista desconcerta a neurose quando pée sua estrutura pelo avesso: passando da légica da fantasia a légica do ato: (

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