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A discussão acerca da complexidade das narrativas indígenas e de sua

classificação em gêneros é um dos motivos para que elas ocupem uma espécie
de deslugar dentro dos estudos literários. Outro motivo por vezes apontado é o
fato destas narrativas serem engendradas no cerne de culturas que não
conceberam o conceito de literatura, como o entendemos. Contudo, nunca é
bastante relembrar, principalmente no caso do povo Macuxi, que o contato com
o “branco” que dispõe desse conceito e dessa sistematização já se faz desde o
século XVIII. Além do que os povos reunidos sob a designação pemon, como os
Macuxi, dispõem de uma concepção que reúne, como nós nomeamos, as
narrativas de caráter mítico, lendário, fabular e mesmo histórico: panton.

Na língua indígena macuxi a palavra panton designa história, como


declara Severino Barbosa, habitante da comunidade indígena São Jorge,
quando interpelado a contar os mitos e lendas de sua comunidade (FIOROTTI,
2015, no prelo) “Ahn, panton, história, nós chamamos panton, panton” e também
como já indicado por Paulo Santilli (2001, p. 16), Frei Cesáreo Armellada nas
obras Tauron Panton (2012; 2013) e já dicionarizado (AMÓDIO & PIRA, 2007;
RAPOSO, 2008). Panton também é o que nomeia o projeto Panton Piá: Registro
e Análise na Terra Indígena do Alto São Marcos e Raposa Serra do Sol no qual
foram coletadas narrativas de 37 indígenas da região da TI Raposa Serra do Sol
e São Marcos. Desde 2007 o projeto é financiado pelo CNPq e vinculado à
Universidade Estadual de Roraima - UERR. A metodologia de coleta e trato com
as narrativas sustenta-se principalmente na História Oral (ALBERTI, 2004).
Projeto coordenado pelo prof. Dr. Devair Fiorotti e no qual foram coletadas as
oito narrativas do Jabuti de Caetano, objeto de análise desse trabalho.
A partir da concepção de panton e das relações contextuais literárias e
sócio-históricas estabelecidas pelas narrativas do Jabuti, ou Wayamurî pantonî
em língua Macuxi, é que desenvolve-se este trabalho, relações essas
destacadas, em especial, na utilização do termo “compadre” pelo narrador.
A dimensão de compadrio presente na palavra compadre surge ao longo
das oito narrativas contadas por Seu Caetano. O termo “compadre” é utilizado
pelo Jabuti ao referir-se à Onça e a derrotando. Presente na narrativa de
Raposo, o termo mobiliza toda uma gama de relações sócio-históricas e de
poder estabelecidas a partir do contato entre não-índios e índios que
reconfigurou não apenas a divisão e estabelecimento de produtividade de terras
a partir da criação do gado, mas aspectos culturais pela introdução de dogmas
cristãos, como o batismo. Com a derrocada da Onça, do compadre, numa leitura
simbólica, invertem-se as relações historicamente estabelecidas entre não-
índios e índios de predatismo e exploração.

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