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Filozofická fakulta
.....................................................
Na tomto mieste by som sa rada poďakovala vedúcej práce Mgr. et
Mgr. Lenke Kroupovej za venovaný čas, podnetné rady a pomoc pri písaní
bakalárskej diplomovej práce a ďalej ďakujem za pomoc a za poskytnutie
knižných materiálov Mgr. Silvii Špánkovej, Ph.D.
Índice
Introdução ........................................................................................................................... 1
Personalidade de Fernando Pessoa ..................................................................................... 2
Definição de ocultismo ....................................................................................................... 4
Tendências ocultistas em Fernando Pessoa ........................................................................ 8
4.1 Juventude ..................................................................................................................... 8
4.2 Astrologia .................................................................................................................. 11
4.3 Profecias .................................................................................................................... 17
4.4 Alquimia .................................................................................................................... 23
4.5 Ordens secretas .......................................................................................................... 27
4.6 Magia ......................................................................................................................... 32
Conclusão .......................................................................................................................... 37
Bibliografia ....................................................................................................................... 39
6.1 Fontes primárias ........................................................................................................ 39
6.2 Fontes secundárias ..................................................................................................... 40
Introdução
O meu objetivo neste trabalho é descrever áreas principais do ocultismo, nas quais Fernando
Pessoa estava interessado durante a sua vida. O meu estudo trabalhará para apoiar as minhas
conclusões com escolha de trechos de obras prosaicas bem como com a análise de poemas
escolhidos do escritor.
O trabalho é constituído por dois capítulos introdutórios seguidos pela parte analítica
centrada em tendências ocultistas na vida e obra do autor. Primeiro, introduzirei Fernando
Pessoa e, em seguida, apresentarei o conceito de ocultismo em geral visto que a definição das
artes ocultistas é importante para a compreensão da obra pessoana. Focarei o conceito
principalmente desde uma perspetiva histórica, descreverei o seu significado, a ocorrência e a
sua utilização no passado. Continuando, espero dividir este tema em diversas áreas, que estão
diretamente ligadas ao ocultismo. Segundo elas, os capítulos individuais são chamados.
Delimitarei características da cada categoria e mostrarei como se manifestam em F. Pessoa.
O texto discutirá também figuras importantes, com as quais Fernando Pessoa estava em
contato e que tiveram um impacto sobre ele e sobretudo influência na formação das suas
opiniões. Por exemplo, apontarei para a figura do bruxo inglês, Aleister Crowley, com o qual
Fernando Pessoa discutiu o tema da magia e astrologia. Também não omitirei os amigos
próximos do escritor, Mário de Sá-Carneiro e João Gaspar Simões, enquanto a correspondência
entre eles é uma fonte de informações interessante que revela a quantidade de manifestações de
tendências e ideias ocultistas de Pessoa.
1
Personalidade de Fernando Pessoa
Em 1894 Pessoa cria «Chevalier de Pas», o seu primeiro heterónimo, que lhe escreve
cartas.2 Para definirmos este substantivo podemos recorrer ao Dicionário Priberam da língua
portuguesa:
“Heterónimo, substantivo masculino
Nome e personagem inventados por um autor para assinar obras com estilos
literários diferentes.” 3
Há múltiplas personagens fictícias inventadas por Pessoa das quais mais conhecidas são
Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Alberto Caeiro. Pessoa deu a cada heterónimo a sua própria
vida e personalidade como se fosse real. Cada personagem tinha o seu próprio estilo de escrita
e diferiram um do outro. Mas, na realidade, Fernando Pessoa estava escondido sob estes nomes.
No ano 1905 Fernando Pessoa retornou a Lisboa. Deixou os seus estudos, começou a
trabalhar e estava ativamente envolvido na vida cultural. Pertencia a um grupo saudosista, a
Renascença Portuguesa. Depois outras correntes entraram na sua poesia, nomeadamente o
futurismo e o cubismo. Na primavera de 1915 colaborou na publicação da primeira revista
modernista, Orpheu. Além disso, também escrevia para a revista Portugal Futurista,
Contemporânea, Presença e fundou a revista Athena. Além disso, é autor do denominado
«paulismo», um estilo artístico intitulado pela sua coleção poética Pauis. Usava também estilo
chamado «interseccionismo», influenciado pelo cubismo que é caracterizado por cruzamento
1
Burianová, Zuzana. Slovník spisovatelů Španělska a Portugalska: baskická literatura, galicijská literatura,
katalánská literatura, portugalská literatura, španělská literatura. Praha: Libri, 1999. ISBN 80-85983-54-0.
p.470.
2
Monteiro, George. Fernando Pessoa and Nineteenth-century Anglo-American Literature. Chronology of
Fernando Pessoa’s Life and Work. [online]. Lexington: The University Press of Kentucky, 2000. [cit. 2015-03-
17]. Disponível em:
https://books.google.cz/books?id=5TLLwMasVPUC&printsec=frontcover&hl=sk#v=onepage&q&f=false.
3
Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. [online]. 2008-2013. [cit. 2014-03-17]. Disponível em:
http://www.priberam.pt/dlpo/heter%C3%B3nimo.
2
dos planos, por exemplo o passado e o presente, e decomposição da realidade como no poema
conhecido “Chuva oblíqua” onde dois planos diferentes, o sonho e a realidade, ocorrem
simultaneamente. Durante a sua vida, publicou apenas as coleções de poemas Antinous, 35
Sonnets e English poems I-III escritas em inglês e uma obra poética Mensagem em português.
Também é conhecido pelas suas cartas de amor para Ofélia Queiroz.4
O fascínio pelo transcendente, pelas ordens secretas e a sua sede de conhecimento levou-
o à viagem ocultística, ou mais precisamente levou-o a estudar o caminho iniciático, alquímico,
as tradições esotéricas, a filosofia hermética, a astrologia, a magia, a profecia e outras artes
relacionadas.6 Portanto, podemos concluir que a vida de Fernando Pessoa era uma procura
constante do entendimento e da verdade oculta.
4
Burianová, Zuzana. Slovník spisovatelů Španělska a Portugalska: baskická literatura, galicijská literatura,
katalánská literatura, portugalská literatura, španělská literatura. Op. cit. p. 470 e 471.
5
Pessoa, Fernando. Escritos íntimos, cartas e páginas autobiográficas. [online]. Edição António Quadros.
Lisboa: Publicações Europa-América, 1986. [cit. 2015-03-19]. Disponível em:
http://gnosisportugal.blogspot.cz/2010/09/luso-gnosticos_07.html. p.252.
6
Quadros, António. Estruturas simbólicas do imaginário na literatura portuguesa. Fernando Pessoa, Gnose,
mito e profecia. Lisboa: Átrio, 1992. ISBN 972-599-040-4. p. 93.
3
Definição de ocultismo
Homem desde tempos imemoriais tentava usar a natureza, manipulá-la e dominá-la. Queria
compreender o funcionamento dela e usá-la para seu próprio benefício. Para ganhar o poder da
natureza, ou, eventualmente, o poder dos deuses, praticava várias práticas mágicas. De acordo
com o historiador Richard Cavendish já em culturas antigas pessoas costumavam recorrer a
uma variedade de rituais. Utilizavam a magia para assegurar boas colheitas e fertilidade do seu
gado. Executavam as danças rituais, bem como várias cerimónias durante as quais davam a
oferta aos deuses, por exemplo, na forma de comida ou animal e pediam-lhes para uma boa
colheita. No antigo Egito, os faraós tinham uma parte importante porque se acreditava que
podiam controlar a chuva e assim afetavam a colheita. Além disso, a magia dos egípcios
manifestava-se ao mesmo tempo nos rios relacionados com a vida após a morte. Faraós
falecidos tinham vida feliz depois da morte, se os seus corpos tivessem sido mumificados. Itens
raros e caros foram inseridos nos seus túmulos para manter a sua riqueza depois da morte.
Ademais estátuas de servos ou trabalhadores foram adicionadas ao túmulo para servir no mundo
vindouro. Era um ritual frequente não só no Egito, mas também em outras áreas do mundo.7
Rituais ocultistas continuaram a ser utilizados para se defender contra o mal e diversas
doenças. Pessoas usavam vários amuletos e objetos mágicos destinados a protegê-las dos maus
espíritos e demônios. Era comum fabricar amuletos, talismãs e estatuetas para proteção. Desde
que se acreditava que as doenças eram causadas por maus espíritos, havia curandeiros, mais
tarde chamados exorcistas, quais expulsavam os espíritos do corpo do paciente. Como explica
o autor R. Cavendish, foram, principalmente, indivíduos mentalmente doentes, porque tal
pessoa age como se fosse obcecada. Os curandeiros usavam também muitas plantas medicinais
e durante a coleta das ervas exerciam rituais especiais e recitavam orações. O doente podia
tomar as drogas viciantes para melhorar o seu estado ou era frequente um corte da veia. Em
tempos pré-históricos, o xamã costumava dançar ao redor do paciente, cantar e recitar
encantamentos. Com a chegada do cristianismo começou-se a usar a água benta para o
tratamento. Considerava-se que os ossos e túmulos de santos, relíquias e imagens também
tinham o poder curativo.8
7
Cavendish, Richard. Dějiny magie. Praha: Odeon, 1994. ISBN 80-207-0509-0. p.7- 13.
8
Ibid., p. 40-65.
4
por exemplo, interpretar os sonhos, ler o futuro das estrelas ou fazer várias cerimônias. Alguns
deles eram altamente estimados na sociedade. Aconselhavam o rei ou eram responsáveis pela
educação da família real. No entanto, nem todos os apreciavam. Alguns tinham medo que a sua
magia poderia ser prejudicial e perigoso. Segundo o estudo de Richard Cavendish, acreditava-
se que os bruxos podiam tornar a terra infértil, invocar uma tempestade, chuva ou seca ou evocar
doença. Os eventos infelizes foram atribuídas à ação de magia prejudicial que foi caracterizada
pela maldição, vingança contra o inimigo, doença ou exantema. Além disso, magia era
conhecida pelo uso de estatuetas que imitavam pessoas. A figura feita à mão foi torturada e
queimada para ferir o homem a qual se quis fazer mal. Na Idade Média, bruxas eram acusadas
de tais atos durante a Inquisição. Dizia-se que podiam matar seres humanos ou gado, destruir
colheita, infligir loucura e influenciar o amor e a beleza. Além do mais, sabiam lidar com
venenos e preparar poções do amor. Mesmo invocavam espíritos para revelar-lhes o seu futuro.9
9
Ibid., p. 44.
10
The Brill Dictionary of Religion. [online]. Vol. 3. Edição Kocku von Stuckrad. Leiden: Brill, 2006. [cit. 2015-
02-17]. Disponível em: https://www.academia.edu/1984053/Occultism. p. 1364-1368.
11
Ibid., p. 1365.
5
como uma corrente, que apareceu na segunda metade do século XIX em relação a Eliphas
Lévi.12 O ocultismo é, portanto, o estudo das propriedades e forças escondidas da natureza e
este termo abrange as práticas e rituais usados para manipular essas forças.13
A investigação oculta pode ser dividida em várias áreas básicas de interesse. Uma delas
é a astrologia, que estuda a influência dos planetas e estrelas sobre a vida humana. Tenta revelar
o destino através dos sinais celestiais e observa a posição dos corpos celestes que afetam não
só a natureza, mas também cada indivíduo. O uso mais comum da astrologia é a criação de
horóscopos que avaliam a saúde, a riqueza, a felicidade da família ou o sucesso profissional e
contêm previsões para o futuro. Já os babilónios formaram o zodíaco dividido em doze partes
representando os doze signos.14
Outra área importante, a alquimia, apareceu na Idade Média na Península Ibérica. Foi
baseada na manipulação de substâncias para alcançar mudanças e consequentemente obter
novas substâncias, por exemplo, o ouro. Acreditava-se que tudo era constituído por quatro
elementos- ar, água, fogo e terra e os alquimistas combinaram os para causar modificações
fundamentais na composição do material. Em seguida recriaram esse material alterado como
nova forma desejada. Além disso, outro objetivo dos alquimistas era criar um elixir da vida que
proporcionasse imortalidade.15
Este assunto está relacionado com muitas organizações, cultos, religiões e ordens como
a Maçonaria, organização Golden Dawn, cabala e Templarismo. O seu objetivo principal era
aprofundar o conhecimento do oculto. Outra das organizações que lidam com o ocultismo é a
Sociedade Teosófica fundada em 1875 por Helena Blavatsky. A sua intenção era estudar e
ensinar filosofias e ciências antigas, principalmente gregas, e religiões do mundo, por exemplo,
budismo, para adquirir conhecimento do oculto, de Deus e coisas divinas. Isso inclui o
autoconhecimento, a consciência da sua alma, o contato com o transcendente e, em fim, a união
com a entidade divina. A palavra Teosofia é um termo derivado do grego «theos», que é deus,
e «sophos», ou seja, sábio e significa literalmente sabedoria divina.16
12
Faivre, Antoine. Access to Western Esotericism. [online]. Albany: State University of New York Press, 1994.
eBook Collection. [cit. 2015-02-19]. Disponível em: EBSCOhost. p. 34.
13
Golden, Richard M. Encyclopedia of Witchcraft : The Western Tradition. [online]. Santa Barbara, Calif.:
ABC-CLIO, 2006. eBook Collection. [cit. 2015-02-19]. Disponível em: EBSCOhost. p. 846.
14
Ibid., p. 64 e 65.
15
Ibid., p. 27 e 28.
16
Blavatsky, Helena P. “O que é Teosofia?” Theosophical Articles. [online]. Los Angeles: Theosophy Company,
1981. [cit. 2015-03-25]. Disponível em: http://www.filosofiaesoterica.com/ler.php?id=801#.VRKgWY6G-JQ.
p. 39-47.
6
É interessante notar que algumas das práticas ocultistas foram preservadas até hoje.
Ainda hoje muitas pessoas recorrem aos oráculos e videntes. A sua prática de adivinhação inclui
leitura de cartas de tarô, interpretação dos sonhos ou quiromancia, que é a leitura das linhas da
mão. Muita gente confia em astrólogos e lê regularmente o seu horóscopo. Além disso,
preservou-se a crença que os planetas afetam a vida na Terra. Acredita-se, por exemplo, que a
Lua tem um efeito sobre o crescimento das plantas e, portanto, alguns usam o calendário lunar
em horticultura para saber quando é o momento certo para plantar. Algumas pessoas voltam
também para curandeiros naturais semelhantes a xamãs que utilizam métodos não
convencionais. No passado principalmente curavam os doentes e expulsavam demônios. Mas
pessoas tentam também conectar-se com os espíritos dos mortos e comunicar com eles.
Realizam sessões espíritas para comunicar com os seres sobrenaturais ou intencionalmente
perdem a consciência para entrarem em transe. Tudo isso mostra que o ocultismo não
permaneceu esquecido e continua aos dias de hoje.
7
Tendências ocultistas em Fernando Pessoa
4.1 Juventude
É um fato que o interesse de Fernando Pessoa pelo ocultismo nasceu muito cedo. Já durante os
seus estudos apareceu um dos primeiros heterónimos Alexander Search, a quem a maioria da
criação poética escrita em inglês é atribuída. Entre 1903 e 1909 criou poemas ingleses nos quais
manifestou-se o tópico de ocultismo e espiritismo e é considerado o seu heterónimo inglês
principal.
Em 1915 Pessoa recebeu uma encomenda da Livraria Clássica Editora de Lisboa para
traduzir duas obras de C. W. Leadbeater e Annie Besant, a líder da Escola Teosófica, para a
língua portuguesa. Foram os livros teosóficos intitulados Compêndio de Theosophia e Os
Ideaes da Theosophia.17 Fernando Pessoa confidenciou ao seu amigo muito próximo que outra
razão para a sua crise intelectual eram os livros teosóficos. Escreveu-lhe na carta datada de 6
de dezembro de 1915 sobre este assunto:
“A primeira parte da crise intelectual, já você sabe o que é; a que apareceu agora
deriva da circunstância de eu ter tomado conhecimento com as doutrinas
teosóficas. O modo como as conheci foi, como você sabe, banalíssimo. Tive de
traduzir livros teosóficos. Eu nada, absolutamente nada, conhecia do assunto.
Agora, como é natural, conheço a essência do sistema.”18
Embora no início não entendia a teoria e não tinha experiência nesse campo, a Teosofia
chamou a sua atenção. Pessoa continua na carta escrevendo: “A possibilidade de que ali, na
Teosofia, esteja a verdade real me «hante».”19, que confirma o seu interesse pelo assunto. No
entanto, critica a semelhança da Teosofia com a religião e descreve-a como uma «religião-
filosofia». Rejeita todas as ideias cristãs porque, como diz na carta, são incompatíveis com o
seu paganismo essencial. Apavora-lhe não só o mistério da Teosofia, mas também o
humanitarismo e apostolismo presente nela.20
17
Monteiro, George. Fernando Pessoa and Nineteenth-century Anglo-American Literature. Op. cit.
18
Pessoa, Fernando. Obra essencial de Fernando Pessoa. Cartas. Edição Richard Zenith. Rio de Mouro: Círculo
de Leitores, 2007. ISBN 978-972-42-4099-2. p. 139 e 140.
19
Ibid., p. 140.
20
Ibid.
8
Fernando Pessoa foi iniciado nas artes ocultas pela sua tia, Ana Luísa Pinheiro Nogueira
de Freitas, com quem viveu por algum tempo em Lisboa. Ela foi a única irmã da mãe de Pessoa,
uma espiritualista e médium. Pessoa participava em sessões espíritas na casa dela.
Na carta à tia Anica de 24 de junho de 1916 descreve o seu primeiro encontro com a
escrita automática:
“Aí por afins de Março (se não me engano) comecei a ser médium. Imagine!
Eu, que (como deve recordar-se) era um elemento atrasador nas sessões
semiespíritas que fazíamos, comecei, de repente, com a escrita automática.
Estava uma vez em casa, de noite, tendo vindo da Brasileira, quando senti a
vontade de, literalmente, pegar numa pena e pô-la sobre o papel.”21
Depois de voltar do Café Brasileira para casa, sentiu a necessidade de escrever. Durante
esta experiência noturna Fernando Pessoa escreveu, inconscientemente, a assinatura do seu tio
Manuel Gualdino da Cunha, que parecia uma assinatura manuscrita do próprio tio. Como ele
afirma, não tinha nenhum motivo para fazer isso nem estava pensando no tio Cunha. Naquela
noite continuou escrevendo mas o que produziu foi insignificativo. Isso lhe aconteceu muitas
vezes depois. Desta maneira comunicava com os espíritos. Às vezes as comunicações não foram
claras e por vezes foram compreensíveis. Fez perguntas aos seres misteriosos que lhe
responderam através do seu papel e a caneta. A resposta era, usualmente, na forma de número
ou desenho, respetivamente, era um rabisco. Como Fernando Pessoa declara, não foram
desenhos de coisas, mas de sinais cabalísticos e maçónicos, símbolos do ocultismo quais
considerou como muito misteriosos. Perguntando «Quem é que fala?» o espírito fez-lhe
desenhos ou escreveu-lhe números. Consultou estes acontecimentos com o seu bom amigo
(segundo o editor do livro Richard Zenith o nome de amigo era provavelmente Mariano
Santana), ocultista e magnetizador. Sabia explicar o simbolismo dos números, com a exceção
de apenas três dígitos. Não obstante, Pessoa não menciona a explicação na carta à tia.22
21
Ibid., p. 146.
22
Ibid., p. 146 e 147.
9
Lisboa, mas não o realizou. No entanto, fez numerosos estudos baseando se na data do seu
nascimento e criou o seu mapa astrológico mesmo como mapas de alguns dos seus heterónimos.
Encontramos menções sobre a astrologia mesmo na carta à tia: “Como eu tinha previsto,
pela astrologia, a situação do Mário não só melhorou mas parece tender para melhorar cada vez mais.”23
Isso é mais uma prova de que, Pessoa estava ativamente interessado na astrologia. Após a morte
do escritor foram encontradas cartas astrais no seu espólio e esta tendência reflete-se também
na sua poesia, o que podemos observar no capítulo 4.3 “Astrologia”.
A carta à tia Anica revela também outras capacidades ocultistas que adquiriu. Uma delas
é mediunidade, ou seja, a capacidade de sentir almas e espíritos em si mesmo. Descreve que
sentiu o estado emocional e mental do seu amigo Mário de Sá-Carneiro:
“Descobri uma outra espécie de qualidade mediúnica, que até aqui eu não só
nunca sentira, mas que, por assim dizer, só sentira negativamente. Quando o Sá-
Carneiro atravessava em Paris a grande crise mental, que o havia de levar ao
suicídio, eu senti a crise aqui, caiu sobre mim uma súbita depressão vinda do
exterior, que eu, ao momento, não consegui explicar-me.”24
23
Ibid., p. 146.
24
Ibid., p. 147.
25
Biderman, Sol. “Mount Abiegnos and the masks. A study of occult imagery in William Butler Yeats and
Fernando Pessoa”. Alfa, revista de linguística [online]. Vol. 10, 1966. [cit. 2015-3-9]. Disponível em:
http://piwik.seer.fclar.unesp.br/alfa/article/viewFile/3282/3009. p. 39.
26
Monteiro, George. Fernando Pessoa and Nineteenth-century Anglo-American Literature. Chronology of
Fernando Pessoa’s Life and Work. Op. cit.
10
4.2 Astrologia
Os astrólogos lidam com a influência dos astros e os movimentos dos planetas sobre a
vida humana. Observam como os corpos celestes afetam a natureza. Por exemplo, acreditava-
se, que Marte causa calor e a Lua traz chuva. Na Idade Média esta arte foi chamada astrologia
natural. Além disso, naquela época foi criada mais uma área, astrologia judicial, que, com base
em mapas do céu chegava-se a conclusões específicas sobre a saúde, o sucesso profissional ou
a riqueza. Mais, os astrólogos tentaram fazer previsões baseadas na data e a hora exata de
nascimento e a posição dos planetas no determinado dia. Também analisavam história e eventos
passados através dos planetas. Por último, mas não menos importante é de salientar que os
astrólogos tentavam responder às questões relacionadas com o futuro, prestavam atenção aos
sinais e presságios no céu estrelado e tentavam interpretar o destino. Por conseguinte, muitas
vezes tentavam influenciar o futuro utilizando magia ou amuletos planetários. Por volta do
século XVIII a astrologia foi usada também para detetar bruxas. Usando um mapa astral foi
possível determinar se a pessoa acusada era uma bruxa ou não. Isso foi evidenciado pela
presença de planetas Saturno e Marte no mapa astral, que foi a prova de que a pessoa tende à
bruxaria, enquanto Vénus e Júpiter provavam o contrário.28
27
Golden, Richard M. Encyclopedia of Witchcraft : The Western Tradition. Op. cit. p. 64 e 65.
28
Ibid.
11
para a manutenção da astrologia foram feitos pela Sociedade Teosófica e o movimento New
Age.29
Fernando Pessoa estava interessado na prática da astrologia quase toda a sua vida.
Estudou muitos textos, por exemplo os manuais do astrólogo inglês Alan Leo. Pessoa foi um
teórico e também um praticante desta arte, criava mapas astrais e horóscopos. Segundo escritos
de Pessoa o horóscopo é definido de seguinte modo:
É interessante que Pessoa escrevia horóscopos e mapas astrais mesmo antes de ter
inventado o astrólogo R. Baldaya. Este fato é comprovado pelos pedidos escritos de diferentes
pessoas. Essas ordens incluíram o nome, a data e a hora de nascimento do cliente. A partir
destes dados Pessoa foi capaz de determinar a posição dos planetas e criar uma previsão do
29
Ibid.
30
Pessoa, Fernando. A procura da verdade oculta: textos filosóficos e esotéricos. [online]. 2.a edição. António
Quadros. Lisboa: Publicações Europa-América, 1986. Coleção “Livros de Bolso Europa-América”. [cit. 2015-
3-7]. Disponível em: http://books.google.cz/books?id=V43uAAAAMAAJ. p. 158.
31
Pessoa, Fernando Cartas Astrológicas de Fenando Pessoa. [online]. Edição de Paulo Cardoso com a
colaboração de Jerónimo Pizarro. Lisboa: Bertrand Editora, 2011. ISBN: 978-972-25-2261-8. [cit. 2015-3-12].
Disponível em: https://www.academia.edu/1830141/Cartas_Astrol%C3%B3gicas. p. 21-23.
12
futuro. Também costumava horoscopar para si mesmo. Esboçou o seu mapa astrológico, os
mapas de alguns dos seus heterónimos e também de personalidades conhecidas como por
exemplo o décimo sexto rei de Portugal, D. Sebastião, como evidencia Figura 1.32
Paulo Cardoso, o renomado astrólogo português, teve acesso ao material vasto que
Fernando Pessoa deixou após a morte na célebre arca. Eram cerca de 27000 documentos que
estão atualmente na Biblioteca Nacional de Portugal. Encontrou um total de 318 horóscopos
feitos para os heterónimos poéticos de Pessoa e múltiplas pessoas entre os quais eram mesmo
32
Ibid., p. 23,24 e 94.
33
Ibid., p. 94.
34
Synesius. A astrologia: a astromancia kabalistica ; A astrologia scientifica judiciária e esférica. [online].
Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1917. Coleção “Psicologia Experimental”- XI. [cit. 2015-03-26]. Disponível
em: http://casafernandopessoa.cm-lisboa.pt/bdigital/1-148. p. 19 e 46.
13
personalidades mundiais como artistas e políticos. Junto com o doutor Jerónimo Pizzaro, quem
explora a obra pessoana, publicou o livro Cartas astrológicas sobre todo esse material
astrológico incluindo interpretações dos horóscopos feitos pelo próprio Pessoa. No entanto,
como Paulo Cardoso confessou na entrevista do ano 2010, o grande problema era a dificuldade
de leitura dos manuscritos porque eram escritos a lápis e alguns deles continham frases
praticamente ilegíveis.35
Na entrevista conduzida por George Jorge e Márcia Bernardo, ambos astrólogos, Paulo
Cardoso definiu Fernando Pessoa como um astrólogo muito avançado. Disse que “os seus
conhecimentos eram tão profundos que ele realizava técnicas bastante complexas tais como:
progressões, direções primárias e secundárias, trânsitos, revoluções solares e lunares. Isto dá uma ideia
do tipo de relação e de profundidade com que ela trabalhava com a Astrologia.”36 O trabalho
astrológico de Pessoa juntamente com os cálculos complexos podemos ver na Figura 2.
35
Jorge, George e Márcia Bernardo. “Entrevista: Paulo Cardoso, astrólogo português”. Escola Santista de
ASTROLOGIA. [online]. [cit. 2015-03-26]. Disponível em:
http://www.escolasantistadeastrologia.com.br/ent_Paulo_Cardoso.asp.
36
Ibid.
37
Ibid.
14
A mera interpretação do próprio horóscopo de Pessoa foi apresentada por muitos, desde
astrólogos e pesquisadores para leigos que estavam interessados. Além disso, hoje em dia estão
disponíveis também programas de computador, que criam a imagem astrológica com base nos
dados pessoais. Para este efeito recorremos à interpretação de Robert Hand no sítio
www.astro.com. Para os cálculos astrológicos, é necessário saber a data e a hora exata do
nascimento e o nome completo. De acordo com a data de nascimento de Pessoa, 13 de junho
de 1888, o seu signo do zodíaco é Gêmeos (de 21 de maio a 20 de junho). Portanto, não é
surpreendente, que tendia a criar outras personalidades, respetivamente heterónimos. Pelo fato
de que nasceu às 15h13m, embora na sua certidão de nascimento consta 15h20m38, o seu signo
ascendente é Escorpião. O ascendente revela aspetos da personalidade de Fernando Pessoa
como a sensibilidade, a introversão e a teimosia. Planetas Vénus, Sol e Plutão na casa oito
mostram o interesse de Pessoa pela dimensão oculta, o seu amor de investigar e o desejo de
crescimento pessoal.39
Fernando Pessoa usou o tema da astrologia também na sua criação poética. No seu único
trabalho lançado em português, Mensagem, publicou poemas para cada signo do zodíaco. O
livro é composto por três partes. A segunda parte intitulada “Mar Português” contém doze
poemas e cada um deles corresponde a um signo. Para demonstrar este fato nos podemos
concentrar no poema VII, chamado “Ocidente”, que de acordo com as teorias astrológicas tem
uma notável relação com o signo Libra:
38
Hipólito, Nuno. “Fernando Pessoa, Uma biografia do íntimo”. Um Fernando Pessoa. [online]. 2012/2013. [cit.
2015-03-30]. Disponível em: http://www.umfernandopessoa.com/uploads/1/6/1/3/16136746/fernando-pessoa-
biografia.pdf. p. 9.
39
Hand, Robert. “AstroClick Portrait for Fernando Pessoa”. [online]. Astrodienst AG 2006 [cit. 2015-03-31].
Disponível em: http://www.astro.com/cgi/aclch.cgi?btyp=ack&lang=e&nhor=3#cid=denfilec7xob3-
u1427791163&lang=e&btyp=ack&uniq=123643_22943&sx1=1&adult=1&AstroClick.x=8&AstroClick.y= 221
40
Blanco, José. “Fernando Pessoa ainda é o homem mais moderno do Mundo”. Correio de Manhã. [online].
2006. [cit. 2015-03-30]. Disponível em: http://www.cmjornal.xl.pt/domingo/detalhe/fernando-pessoa-ainda-e-
o-homem-mais-moderno-do-mundo.html.
15
“Com duas mãos – o Acto e o Destino -
Desvendámos. No mesmo gesto, ao céu
Uma ergue o fecho trémulo e divino
E a outra afasta o véu.
O poema refere-se à era das Grandes Navegações. Como indica o título, trata-se da
viagem para o ocidente durante a qual o Brasil foi descoberto. Como esclarece o professor
António A. Cirurgião, a Ciência e a Ousadia na segunda estrofe simbolizam as propriedades
necessárias para a descoberta bem-sucedida de novos mundos.44 Na última estrofe Fernando
Pessoa diz que durante a época das descobertas marítimas “Foi Deus a alma e corpo Portugal”45,
significando que a nação portuguesa foi predestinada por Deus a chegar às terras do Ocidente.
41
Pessoa, Fernando. Mensagem e outros poemas afins. Introdução, organização e biobibliografia de António
Quadros. 2.a edição. Mem Martins: Publicações Europa-América, 1986. p. 112.
42
Sousa, Vitorino de. “Astrologia e Fernando Pessoa II”. Espaço Astrológico. [online]. 2011. [cit. 2015-03-31].
Disponível em: http://espacoastrologico.org/a-astrologia-e-fernando-pessoa-ii/.
43
Ibid.
44
Cirurgião, António. O «olhar esfíngico» da Mensagem de Pessoa. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua
Portuguesa, 1990. ISBN 972-566-115-X. p. 175.
45
Pessoa, Fernando. Mensagem e outros poemas afins. Op. cit. p. 112.
16
4.3 Profecias
Várias previsões sobre o futuro do mundo apareceram na história. Uma delas é a profecia que
fala do retorno do rei de Portugal perdido, Dom Sebastião I, e deu origem a fé chamada
sebastianismo. Outra das muitas hipóteses ou mitos bem conhecida fala sobre o Quinto Império,
o império, cujo estabelecimento criará uma nova era. Não é apenas um território terrestre
comum. Inclui todo o mundo, seja material, bem como espiritual. Esta crença na forma da
unificação do mundo mais alta e final é baseada numa previsão do segundo capítulo do Livro
de Daniel. Foi desenvolvida pelo jesuíta português António Vieira no século XVII. O conceito
é frequentemente associado com Portugal. Tornou-se conhecido graças ao trabalho poético
Mensagem do autor português, Fernando Pessoa, no qual não só a gloriosa época das grandes
navegações dos portugueses é retratada, mas também esperanças para o futuro, sebastianismo
e a esperança de renovação do país estagnado. As ideias são mais desenvolvidas por Pessoa no
livro Sobre Portugal- Introdução ao problema nacional.
46
The Bible, Douay-Rheims: Book 32: Daniel. [online]. Etext n. 8332. Edição 10. Preparado por David Widger.
Project Gutenberg, 2005. [cit. 2014-12-30]. Disponível em:
http://www.gutenberg.org/cache/epub/8332/pg8332.txt. Sem paginação.
17
Nabucodonosor, representa Babilônia, também os restantes três substâncias simbolizam três
impérios. Eles ocorreram após a queda do império anterior, mas foram mais fracos do que o
Império Babilônico, que estava condenado a queda. Por último o quarto reino de ferro surgiu,
mas a mistura de ferro e de barro simboliza a incongruidade e incoerência do império. Naquela
época, virá o reino criado por Deus, mais forte do que todos os outros. Destruirá e substituirá
os impérios na terra e durará para sempre,47 quer dizer, o Quinto Império.
Os quatro animais que saíram do mar, representam, assim como as partes do corpo da
escultura no segundo capítulo, quatro reinos. O último deles engoliu e pisoteou o mundo inteiro.
Os dez chifres simbolizam dez reis do reino. No entanto, três deles, como três chifres na cabeça
da besta, deporá um outro rei. Fará guerra contra os santos, mas Deus dará um julgamento que
destruirá o seu poder e atribuirá os reinos ao povo santo para sempre. 49 O corno com boca
representa, portanto, o último governante antes de estabelecimento do Reino de Deus eterno na
terra.
47
Ibid.
48
Ibid.
49
Ibid.
18
império foi liderado por Nabucodonosor, Império Assírio ou Babilónico. O segundo reino foi
Pérsia sob o domínio do rei e fundador do Império Persa, Ciro II, o Grande. Para o terceiro
considerava o Império Grego. Como o quarto menciona César, ou seja, o Império Romano.
Ponderava que após os quatro governos terrestres ocorrerá quinto, império de Deus, que será
implementado através de Portugal.50
O escritor e pregador barroco deixou depois da sua morte uma obra inacabada, Clavis
prophetarum, cuja edição e tradução do latim ainda não está completa. O seu próximo livro
intitulado História de Futuro publicado no século XVIII é escrito em português porque foi
dedicado à nação portuguesa e serviu não só como uma celebração do povo português e a sua
história, mas também como uma guia de como o país deve reconstruir-se para poder realizar o
sonho do Quinto Império. Ambos os livros tratam de estabelecimento do império, que seria
liderado pelo rei português. P. Vieira começou a trabalhar com esta questão escatológica pela
primeira vez já numa carta de 1659, que foi enviada ao seu amigo, bispo do Japão.51
As suas teorias e também as ideias de Fernando Pessoa foram inspiradas, sem dúvida,
num escritor português do século XVI, António Gonçalves de Bandarra. Pessoa dedicou-lhe
um poema intitulado “O Bandarra” que prova o seu interesse pelas teorias proféticas dele. No
poema Pessoa fala sobre este “plebeu”, o sapateiro de Trancoso:
50
Marques, João Francisco. “A utopia do Quinto Império em Vieira e nos pregadores da Restauração”. E-topia:
Revista Electrónica de Estudos sobre a Utopia. [online]. Porto: Universidade do Porto, 2004. [cit. 2015-04-
02]. Disponível em: http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/artigo10551.pdf. p. 3.
51
Valdez, M. Ana Travassos. Historical Interpretations of the „Fifth Empire“: The Dynamics of Periodization
from Daniel to António Vieira, S. J. [online]. Leiden: Brill, 2011. [cit. 2015-04-02]. Disponível em:
https://books.google.cz/books?id=6mLKZ9tuLzUC&printsec=frontcover&hl=sk#v=onepage&q&f=false. p. 39.
52
Pessoa, Fernando. Mensagem e outros poemas afins. Op. cit. p. 119.
19
retorno, que se espalhou sob o nome de sebastianismo. O rei desapareceu a 4 de agosto de 1578
no norte de Marrocos durante a Batalha de Alcácer- Quibir.53 O que é interessante é que António
G. de Bandarra morreu em 1556, antes do desaparecimento de D. Sebastião. Embora a perda
do rei de Portugal, Sebastião I, marque o fim de dinastia de Avis, deu origem a este novo culto,
a crença que o monarca retornará para salvar o país e trá-lo-á ao Quinto Império próspero.
António Vieira acreditava na profecia de António de Bandarra e também no sebastianismo, o
que se refletiu na sua obra.
No livro Sobre Portugal Pessoa dedica uns capítulos inteiros à crença sebastianista.
Explica os princípios essenciais da fé, apresenta uma definição de religião e depois concentra-
se na nação. Após esta introdução desenvolve a sua teoria sebastianista:
D. Sebastião voltará, diz a lenda, por uma manhã de névoa, no seu cavalo
branco, vindo da ilha longínqua onde esteve esperando a hora da volta.”54
António Vieira no seu livro utópico a História do Futuro afirma, que o quarto e assim
último império, antes de formação do Quinto Império de Deus, é o Império Romano. Retratou
este país como decadente, que incentiva a teoria de um outro reino, que seguirá depois do fim
53
Ibid., p. 25 e 26.
54
Pessoa, Fernando. Sobre Portugal: introdução ao problema Nacional. [online] Lisboa: Ática, 1978. [cit. 2015-
1-2]. Disponível em: http://minhateca.com.br/tetykelly/Livros/Fernando+Pessoa+-
+Sobre+Portugal*2c+Introducao+Ao+Problema+Nacional,3847381.rtf. p. 162.
55
Ibid. p. 149.
56
Pessoa, Fernando. Mensagem e outros poemas afins. Op. cit. p. 127.
20
inevitável dos Romanos e representará o passo seguinte na história do mundo. No entanto, o
império novamente formado será superior a todos os reis da terra e terá duração eterna. Ainda
define o significado de termo eternidade e afirma que deveria ser entendido mais como a
continuidade. O poder do império será nas mãos de Cristo, que reinará através de seus vigários-
o papa e o imperador. O Papa representará o poder espiritual e o imperador a autoridade sobre
todas as nações. Mas não menciona a necessidade da segunda vinda de Cristo na terra. Este
império será, sem dúvida, um país de cristãos, os quais reunirá como unirá o mundo inteiro
através do evangelismo.57 Portanto, podemos dizer que é uma continuação da Igreja Católica.
57
Valdez, Maria Ana T. Rethinking the Fifth Empire: António Vieira and the Clavis Prophetarum. [online].
SciELO- A Scientific Electronic Library Online. 2012. ISSN 1645-6432. [cit. 2015-1-1]. Disponível em:
http://www.scielo.gpeari.mctes.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1645-
64322012000200003&lng=pt&nrm=iso&tlng=en.
58
Ibid.
59
“Lenda do Milagre de Ourique”. Lendarium. [online]. [cit. 2015-1-2]. Disponível em:
http://www.lendarium.org/narrative/lenda-do-milagre-de-ourique/.
21
impérios são o grego, o romano, o cristão ou medieval, o europeu, e ainda falta
o quinto, que deverá ser o Universal.”60
Pessoa anunciou esta divisão também na sua obra poética Mensagem, onde incluiu três
poemas sobre os profetas António Gonçalves de Bandarra, Padre António Vieira e o último
possivelmente ele próprio. Passemos à terceira parte chamada “O Encoberto”, o segundo poema
intitulado “O Quinto Império”:
O autor da Mensagem apresentou o seu ponto de vista não só na sua obra. Durante a
entrevista para a Revista Portuguesa respondeu à pergunta, qual é na sua opinião o futuro da
raça portuguesa:
“O Quinto Império. O futuro de Portugal- que não calculo, mas sei- está escrito
já, para quem saiba lê-lo, nas trovas do Bandarra, e também nas quadras de
Nostradamus.”62
Vemos assim que refletindo a partir de António Bandarra e outros profetas apresenta o
seu interesse em sebastianismo e Quinto Império, sobretudo no trabalho Sobre Portugal:
introdução ao problema nacional. Segundo ele, todo o império é baseado na criação da
civilização espiritual. Não é mais uma forma terrestre, mas o mundo espiritual localizado fora
do material, que subjugará o povo na terra porque, como diz Pessoa, contra a força do espírito
não há resistência. Isto acontecerá sob a liderança da nação portuguesa, porque só ela tem um
poder espiritual suficiente e, além disso, já tinha mostrado este poder durante o período dos
Descobrimentos. 63
60
Uribe, Jorge e Pedro Sepúlveda. “Sebastianismo e quinto império: o nacionalismo pessoano à luz de um novo
corpus”. Pessoa Plural. [online]. Nº 1. 2012. Disponível em:
https://www.academia.edu/1948338/Sebastianismo_e_Quinto_Imp%C3%A9rio_O_nacionalismo_pessoano_%
C3%A0_luz_de_um_novo_corpus. p. 14.
61
Pessoa, Fernando. Mensagem e outros poemas afins. Op. cit. p. 117.
62
Pessoa, Fernando. Prosa Publicada em Vida. Rio de Mouro: Círculo de Leitores, 2006. ISBN 978-972-42-
3897-5. p. 201.
63
Pessoa, Fernando. Sobre Portugal: introdução ao problema Nacional. Op. cit. p. 162.
22
4.4 Alquimia
As raízes da alquimia podem ser encontradas na China antiga, e a sua origem está intimamente
relacionada com o desenvolvimento da metalurgia. Esta alquimia do Oriente concentrava-se
sobretudo na criação de um elixir da longa vida que proporcionasse a saúde, a regeneração, a
longevidade ou até mesmo a imortalidade. Subsequentemente a alquimia evoluiu na Europa
Ocidental. Passou para Alexandria, Bizâncio, Egito, Pérsia, Grécia, Roma e após a conquista
do Egito e da Pérsia, a arte se espalhou também entre os árabes. Consequentemente foi
introduzida na península Ibérica pela nação árabe.
O objetivo dos alquimistas mais conhecido era conseguir ouro de metais inferiores.
Portanto, tentavam obter uma substância chamada pedra filosofal, com qual seria possível
transmutar qualquer metal em ouro. Manipulavam matéria para provocar modificações e por
conseguinte produzir novas substâncias. O processo frequente foi a douração e a coloração.
64
Lima, Tania Andrade. “Alquimia, Ocultismo, Maçonaria: o ouro e o simbolismo hermético dos cadinhos
(Séculos XVIII e XIX)”. [online]. SciELO- A Scientific Electronic Library Online, 2001. [cit. 2015-03-04].
Disponível em
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-47142001000100002. p. 22.
65
Golden, Richard M. Encyclopedia of Witchcraft : The Western Tradition. Op. cit. p. 28.
23
Os processos de operação não foram muito diferentes de química moderna, mas o que
foi diferente é o entendimento da composição da matéria. Como Fernando Pessoa escreve:
Acreditava-se que existiam quatro elementos principais a partir dos quais tudo foi
construído. Os alquimistas trabalharam com estes elementos, fogo, terra, ar e água,
combinaram-nos e mudaram-nos para alcançar as mudanças desejadas. Cada um dos elementos
tem certas características. O fogo é quente e seco mas a água é fria e húmida. A terra é fria e
seca e o ar é quente e ao mesmo tempo húmido. O fogo e o ar são, portanto, em harmonia,
porque compartilham a mesma qualidade, o calor, enquanto ambos os elementos, a terra e a
água, são frios.67
O processo alquímico tinha várias etapas principais: a primeira foi a purificação,
também chamado enegrecimento, quando o alquimista tomou a sua matéria-prima e purificou-
a. Em seguida, o material resultante foi separado e subsequentemente unido novamente na
forma alterada. Foi uma série de operações complexas incluindo o aquecimento do material, a
destilação e outras alterações repetidas tantas vezes quanto foi necessário.68 Desta maneira
tentaram criar metais preciosos de metais considerados de menor qualidade. Devido a esse
processo, surgiu a ideia de que os próprios alquimistas podem submeter-se à transformação
espiritual. Fernando Pessoa ocupava-se desta ideia e acreditava que a própria personalidade
podia ser transformada, o que observamos na carta a Adolfo Casais Monteiro de 1935:
“Há três caminhos para o oculto: o caminho mágico (incluindo práticas como
as do espiritismo, intelectualmente ao nível da bruxaria, que é magia também),
caminho esse extremamente perigoso, em todos os sentidos; o caminho místico,
que não tem propriamente perigos, mas é incerto e lento; e o que se chama o
caminho alquímico, o mais difícil e o mais perfeito de todos, porque envolve
66
Centeno, Y. K.. Fernando Pessoa, o amor, a morte, a iniciação. [online]. Lisboa: Regra do Jogo, 1985. [cit.
2015-3-6]. Disponível em: https://books.google.cz/books?id=kjATAQAAMAAJ. p. 125.
67
Golden, Richard M. Encyclopedia of Witchcraft : The Western Tradition. Op. cit. p. 28.
68
Ibid.
24
uma transmutação da própria personalidade que a prepara, sem grandes riscos,
antes com defesas que os outros caminhos não têm.” 69
No estudo de Mathias Rogério Ribeiro podemos ver que Fernando Pessoa tende para a
ideia de transformação através da poesia:
O autor explica que de acordo com Fernando Pessoa há o corpo, ou seja, o «eu terrestre»,
e o «eu verdadeiro», profundo, que permanece oculto. O poeta deve aproximar-se do seu eu
verdadeiro por meio da alquimia e assim alcançar o autoconhecimento libertando-se do seu eu
terrestre. É um caminho de purificação espiritual, no fim do qual o corpo volta ao seu estado de
pureza, ao eu profundo. Durante esta viagem o homem toma consciência das suas imperfeições,
percebe as suas deficiências e, por conseguinte, pode aperfeiçoar-se e transformar-se. Fernando
Pessoa estava convencido de que as transformações podem ser obtidas pela alquimia que seria
feita pela sua criação poética. O autor do estudo considera que a heteronímia pessoana pode ser
uma via alquímica e um método para obtenção de ouro, o mais perfeito de todos metais, que
neste sentido representa a perfeição e a inteligência: 72
69
Pessoa, Fernando. Obra essencial de Fernando Pessoa. Cartas. Op. cit. p. 425.
70
Quadros, António. Fernando Pessoa, vida, personalidade e génio. [online]. Lisboa: Publicações Dom
Quixote, 1984. [cit. 2015-3-6]. Disponível em: https://books.google.cz/books?id=f-obAQAAMAAJ. p. 283.
71
Ribeiro, Mathias Rogério. Esoterismo e ocultismo em Fernando Pessoa. [online]. Dissertação (Mestrado).
Instituto de Letras. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2009. [cit. 2015-3-7]. Disponível em:
http://www.bdtd.ndc.uff.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=3709. p. 20.
72
Ibid., p. 68 e 69.
25
“Para Fernando Pessoa, o desdobramento da personalidade em diversos
heterônimos será algo necessário; somente depois de sentir tudo de todas as
maneiras, de ser vários, ele poderia chegar a uma unidade. Esse desdobramento
pode estar ligado ao caminho alquímico, seria um processo alquímico, um
desenvolvimento e um caminho evolutivo, (…)”73
73
Ibid., p. 69.
74
Centeno, Y. K.. Fernando Pessoa, o amor, a morte, a iniciação. Op. cit. p. 125 e 126.
75
Oliveira, Anderson Amaral. A alquimia da palavra: Fernando Pessoa e as ciências ocultas. [online].
Dissertação (Mestrado). Centro de Artes e Letras. Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria, 2011.
Disponível em: http://cascavel.cpd.ufsm.br/tede/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=4264. p. 35
26
4.5 Ordens secretas
Com um interesse crescente nas artes ocultas durante a história, pessoas começaram a agrupar-
se e formar várias associações secretas. Entre os grupos mais significativos, que atraíram
interesse público não só em Portugal, entram a Maçonaria, a Ordem Templária e a Ordem Rosa-
Cruz. O seu objetivo principal era preservar os ensinamentos e proteger os membros das Ordens
às hostilidades dos não envolvidos. As associações formaram Mestres para transmitirem os
ensinamentos e as suas tradições. O papel do Mestre era iniciar candidatos que desejaram
tornar-se membros e revelar-lhes segredos e simbologia secreta. A compreensão da simbologia
comprovava eventualmente a filiação do membro na ordem e distinguia-o dos não-iniciados.76
Para compreendermos melhor o significado da palavra iniciação, podemos recorrer ao
Dicionário Priberam da língua portuguesa:
76
Lima, Tania Andrade. Alquimia, Ocultismo, Maçonaria: o ouro e o simbolismo hermético dos cadinhos
(Séculos XVIII e XIX). Op cit. p. 40.
77
Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. [online]. 2008-2013. [cit. 2014-04-14]. Disponível em:
http://www.priberam.pt/dlpo/inicia%C3%A7%C3%A3o.
78
Centeno, Y. K.. Fernando Pessoa, o amor, a morte, a iniciação. Op. cit. p. 69.
79
Rodrigues, Rubi. “A missão permanente da Maçonaria: Um sacerdócio maçónico”. Revista Ciência &
Maçonaria. [online]. Vol. 2, n. 2, 2014. ISSN 2318-0129. [cit. 2015-4-9]. Disponível em:
http://www.cienciaemaconaria.com.br/index.php/ce/article/view/36/30. p. 116.
27
conhecimento. Há três graus básicos da Maçonaria: Aprendiz, Companheiro e Mestre e além
disso existem graus filosóficos, de número 4 a 33.80 Os Mestres Maçons ensinam os seus
conhecimentos, que estão escondidos na simbologia específica, ou como Pessoa escreveu: “Ora
os dirigentes superiores da Maçonaria forçosamente são aqueles que entendem e usam o que está contido
nesses símbolos.”81
“Começo por uma referência pessoal, que cuido, por necessária, não dever
evitar. Não sou maçon, nem pertenço a qualquer outra Ordem, semelhante ou
diferente. Não sou porém antimaçon, pois o que sei do assunto me leva a ter
uma ideia absolutamente favorável da Ordem Maçónica.”82
No artigo manifesta o seu desacordo com a lei e considera-a inútil e um malefício para
o país. Além disso usa adjetivos como improfícuo, injusto e cruel. Argumenta, que o Sr. José
Cabral não possui os conhecimentos suficientes sobre a Ordem e por isso a critica injustamente.
Explica, que a Maçonaria é na realidade uma ordem tolerante que respeita diversas culturas e
religiões. O ensinamento e o foco principal da Ordem difere em cada país segundo a
mentalidade de Maçons individuais, que, como cita Fernando Pessoa, são cerca de seis milhões
no mundo. Portanto, o espírito maçónico não pode ser definido nem caraterizado em geral. A
Maçonaria em cada país toma aspetos diferentes, de política até a rituais.83
O fato que Pessoa publicou o artigo para defender as associações secretas no ano 1935,
o ano da sua morte, é uma prova que se dedicou à Maçonaria até o fim da sua vida. Isso é
evidenciado também pela carta de 1935 enviada a Adolfo Casais Monteiro. Na carta descreve
a maneira pela qual os Maçons conceberam a teoria de Deus:
80
Lima, Tania Andrade. Alquimia, Ocultismo, Maçonaria: o ouro e o simbolismo hermético dos cadinhos
(Séculos XVIII e XIX. 2001). Op. cit. p. 40.
81
Pessoa, Valdenir Araújo. O Pensamento Maçônico De Fernando Pessoa. [online]. Santarém: Clube de
Autores, 2014. [cit. 2015-4-10] Disponível em:
https://books.google.cz/books?id=01NRBQAAQBAJ&pg=PA9&dq#v=snippet&q=os%20dirigentes%20superi
ores&f=false. p. 110.
82
Pessoa, Fernando. Prosa Publicada em Vida. Op. cit. p. 412.
83
Ibid. p. 415- 419.
28
“(…) a Ordem Externa do ocultismo, ou seja, a Maçonaria, evita (excepto a
Maçonaria anglo-saxónica) a expressão «Deus», dadas as suas implicações
teológicas e populares, e prefere dizer «Grande Arquitecto do Universo»,
expressão que deixa em branco o problema de se Ele é Criador, ou simples
Governador, do mundo.84
“Não tínhamos ainda visto o cadáver do nosso Pai prudente e sábio. Por isso
afastamos para um lado o atar. Então pudemos levantar uma chapa forte de
metal amarelo, e ali estava um belo corpo célebre, inteiro e incorrupto…, e tinha
na mão um pequeno livro em pergaminho, escrito a oiro, intitulado T., que é,
depois da Bíblia, o nosso mais alto tesouro nem deve ser facilmente submetido
à censura do mundo.
fama Fraternitatis Rosas Crucis”87
84
Pessoa, Fernando. Obra essencial de Fernando Pessoa. Cartas. Op. cit. p. 424 e 425.
85
Ibid., p. 140.
86
McIntosh, Christopher. The Rose Cross and the Age of Reason : Eighteenth-century Rosicrucianism in Central
Europe and Its Relationship to the Enlightenment. [online]. Albany: State University of New York Press, 2011.
eBook Collection. ISBN 9781438435596. [cit. 2015-4-12]. Disponível em: EBSCOhost. p. 23 e 24.
87
Pessoa, Fernando. Poemas Ocultistas. [online]. Belo Horizonte: Livraria Garnier, 2004. [cit. 2015-4-12].
Disponível em: https://www.academia.edu/7882332/fernando_pessoa. p. 39.
29
Rosacrucianistas o sentido básico da Rosa é o amor e a pureza, enquanto a Cruz representa o
corpo humano. A simbologia pode ser interpretada do seguinte modo. Neste mundo todos os
seres vivos, representados pelo símbolo da Cruz, morrerão um dia. A vida é efêmera mas a
Rosa, ou seja, o amor, pureza, justiça e outras virtudes, são eternas.88
Neste caso, Pessoa usa o conceito da Rosa e a Cruz para enfatizar dois opostos- a morte
e a vida. A Cruz simboliza o povo e a sua predestinação a morrer. A Rosa permanecerá para
sempre porque representa Jesus Cristo. Ele personifica o amor e bondade e também a vontade
de Deus. O Encoberto voltará graças a Deus e Portugal estagnado restabelecerá o seu lugar
entre as outras nações no mundo.90 Mas primeiro é necessário, de acordo com os ensinamentos
rosacrucianos, aceitar que a nossa existência não é infinita.
Na Ordem Rosa-Cruz como nas outras ordens, rituais especiais usados variam de acordo
com o grau de entendimento. Os ritos e procedimentos para aperfeiçoamento espiritual são
88
Suárez, José I. “Pessoa's "O Encoberto" in Mensagem: The Sebastianist Facet of his Occultism”. Romance
Notes [online]. Vol. 47, n. 1. 2006. Academic Search Complete. ISSN 00357995. [cit. 2015-04-14]. Disponível
em: EBSCOhost. p. 74.
89
Pessoa, Fernando. Mensagem e outros poemas afins. Op. cit. p. 118.
90
Suárez, José I. “Pessoa's "O Encoberto" in Mensagem: The Sebastianist Facet of his Occultism”. Romance
Notes. Op. cit. p. 74.
30
sempre protegidos pelo segredo. Fernando Pessoa conhecia alguns dos rituais secretos e usou-
os na sua obra poética. Na epígrafe do poema “Eros e Psique” menciona rituais templários:
“… E assim vedes, meu Irmão, que as verdades que vos foram dadas no Grau
de Neófito, e aquelas que vos foram dadas no Grau de adepto Menor, são, ainda
que opostas, a mesma verdade.
Do Ritual do grau de Mestre do Átrio
Na Ordem templária de Portugal”91
“Quanto a «iniciação» ou não, posso dizer-lhe só isto, que não sei se responde
à sua pergunta: não pertenço a Ordem Iniciática nenhuma. A citação, epígrafe
ao meu poema «Eros e Psique», de um trecho (traduzido, pois o Ritual é em
latim) do Ritual do Terceiro Grau da Ordem Templária de Portugal, indica
simplesmente – o que é facto – que me foi permitido folhear os Rituais dos três
primeiros graus dessa Ordem, extinta, ou em dormência, desde cerca de 1888.”93
Não nos surpreenda que Pessoa negou a sua ligação às ordens. Como Mathias Rogério
Ribeiro apontou no seu estudo, Pessoa podia haver duas razões sérias. Em primeiro lugar, nessa
época o estado impôs sanções fortes a cada membro de alguma associação secreta. Isso foi
devido à lei do deputado José Cabral proibindo o funcionamento das sociedades secretas. Em
segundo lugar, não foi permitido a um membro admitir a sua participação na ordem a ninguém.
Portanto, é ainda questionável se Fernando Pessoa foi ou não foi um membro ativo ou só estava
interessado no assunto.94 Mas não há dúvida nenhuma que Pessoa tinha conhecimentos sobre o
funcionamento das associações secretas e os rituais.
91
Pessoa, Fernando. Poemas Ocultistas. Op. cit. p. 13.
92
Ribeiro, Mathias Rogério. Esoterismo e ocultismo em Fernando Pessoa. Op. cit. p. 31-34.
93
Pessoa, Fernando. Obra essencial de Fernando Pessoa. Cartas. Op. cit. p. 425.
94
Ribeiro, Mathias Rogério. Esoterismo e ocultismo em Fernando Pessoa. Op. cit. p. 33.
31
4.6 Magia
Permanece a dúvida se Pessoa foi um iniciado ou não. O fato é que participou em alguns rituais
mas como é possível que isso lhe foi permitido? O pesquisador Jorge de Matos assume que
Fernando Pessoa foi iniciado através do mago inglês, Aleister Crowley.95 O bruxo que usava o
pseudónimo Mestre Therion foi um membro da Ordem Hermética da Aurora Dourada mais
conhecida como Hermetic Order of Golden Dawn. Esta associação secreta criada na Inglaterra
foi focalizada principalmente na elevação de personalidade para entrar em contato com o
divino.96 Talvez Pessoa pertencesse à Aurora Dourada pelo fato de que estava em contato
próximo com Aleister Crowley.
“Como sou astrólogo, estudei atentamente esse horóscopo, e, quando remeti aos
editores a importância do volume, pus na minha carta uma nota final: disse-lhes
que comunicassem ao sr. Crowley que o seu horóscopo estava errado, devendo
ele ter nascido um pouco antes da hora que supunha. De aí a dias recebi uma
carta de Crowley, agradecendo a minha indicação e achando-a muito aceitável.
Assim começaram, à distância, as nossas relações.”97
95
Ibid., p. 34.
96
Oliveira, Anderson Amaral. A alquimia da palavra: Fernando Pessoa e as ciências ocultas. Op. cit. p. 40- 41.
97
Pessoa, Fernando. Prosa Publicada em Vida. Op. cit. p. 381.
98
Ibid.
99
Pessoa, Fernando. Obra essencial de Fernando Pessoa. Cartas. Op. cit. p. 307, 317 e 324.
32
“À parte tudo isso, razões astrológicas aconselham-me a sugerir Março; de
facto, é o próprio sentido da direcção, que torna Janeiro e Fevereiro meses
impeditivos, que faz de Março um mês propício, especialmente para me
encontrar consigo, estando a direcção solar de base (pro. Sol * Júpiter) em
notável harmonia com a circunstância.”100
No entanto, este plano não foi realizado em março. Como afirmou Fernando Pessoa,
tornou-se realidade alguns meses mais tarde. Porque os escritores desejavam conhecer-se,
combinaram encontrar-se em Lisboa. O mago inglês chegou a 2 de setembro de 1930 na
companhia de uma senhora jovem da Alemanha, Miss Hanni Larissa Jaeger. Fernando Pessoa
encontrou-os depois só duas vezes- no dia 7 e no dia 9. A 17 de setembro a assistente de Crowley
desapareceu, deixando apenas uma nota: “voltava em breve”. No dia seguinte, Pessoa recebeu
uma carta do seu amigo inglês. Aleister Crowley estava preocupado com o desaparecimento de
Miss Jaeger porque sabia que ela tinha tendências suicidas. Na carta a Pessoa disse que, na noite
de 16 Miss Jaeger tivera um ataque histérico. Por conseguinte, Pessoa decidiu ir à polícia e
pediu ajuda ao seu amigo o Segundo-Comandante, Major Joaquim Marques. Mas não
conseguiram encontrar a desaparecida.101
A 23 de setembro Pessoa encontrou-se com Aleister Crowley pela última vez. O mago
foi para Sintra onde supostamente se demoraria até ao fim de semana. No entanto, uma carta de
suicídio de Crowley do dia 23 foi encontrada na Boca do Inferno em Cascais102:
Não posso viver sem ti. «A outra Boca do Infierno» apanhar-me-á - não
será tão quente como a tua.
Hisos Tu Li Yu.”103
100
Ibid. p. 308.
101
Pessoa, Fernando. Prosa Publicada em Vida. Op. cit. p. 381 e 382.
102
Ibid., p. 382 e 383.
103
Ibid., p. 383.
104
Ibid., p. 383 e 384.
33
“Ora o Sol entrou no signo de Balança às 18 horas e 36 minutos do dia 23 de
Setembro; nesse signo permanece até cerca de 22 de Outubro. Essa carta foi
portanto escrita entre essa hora do dia 23 e a hora em que foi encontrada.”105
Na revista Girassol mais uma teoria apareceu dizendo que Aleister Crowley tinha sido
assassinado. A alegação foi apoiada por um recorte do diário Oxford Mail que Fernando Pessoa
proporcionou durante a entrevista. O artigo falava sobre um médium inglês, A. V. Peters.
Alegou que tinha entrado em transe e viu como Aleister Crowley foi assassinado por um agente
da Igreja Católica Romana. Pessoa continuou esclarecendo que essa presunção é justificada
porque os católicos já tinham atacado Crowley no passado.107 Mas foi apenas uma das
conjeturas e investigações não encontraram evidências que a podiam apoiar.
105
Ibid., p. 384.
106
Ibid., p. 382 e 383.
107
Ibid., p. 386- 390.
108
Ibid., p. 387 e 388.
109
Pessoa, Fernando. Obra essencial de Fernando Pessoa. Cartas. Op. cit. p. 375.
34
com o Inglês e sabia sobre a sua partida de Portugal. É questionável se colaborou com o mago
e se todo o mistério do suicídio criaram intencionalmente.
Fernando Pessoa admirava a obra de Crowley que mesmo traduziu os seus versos
ingleses para a sua língua materna. Depois do desaparecimento do mago enviou o poema “Hino
a Pã”, originalmente “Hymn to Pan” de prefácio do livro Magick in Theory and Practice, a João
Gaspar Simões. O editor inicialmente considerava que o autor do poema Mestre Therion podia
ser mais um heterónimo de Pessoa. Na carta a Gaspar Simões de janeiro 1931 Pessoa esclarece
a dúvida do seu amigo:
“O Mestre Therion não é heterónimo meu; é esse simplesmente o «nome
supremo» do poeta, mago, astrólogo e «mistério» inglês que em vulgar se chama
(ou chamava) Aleister Crowley, que também se designava por «A Besta
666».”110
Alguns meses antes Pessoa escreveu um poema semelhante com o tema do ocultismo
intitulado “O Último Sortilégio”. No dia 16 de outubro 1930 descreveu recursos básicos do
poema a João Gaspar Simões. Marcou o poema como uma interpretação dramática da «magia
de transgressão». O sujeito lírico era uma mulher, por isso os adjetivos se referem a ela. Esta
mulher era uma bruxa111, sublinhando o tema evidente da magia. Na primeira estrofe a feiticeira
recita um encanto mas sem sucesso:
Nas estrofes seguintes a bruxa lamenta que perdeu as suas habilidades mágicas. No
verso: “Já, se o círculo traço, não há nada”113 descreve a situação durante o ritual quando a maga
desenha o círculo mágico mas nada acontece. E continua lamentando que o seu dom da magia
está a desaparecer: “Já me falece o dom com que me amavam.”114
110
Ibid., p. 364.
111
Ibid., p. 351.
112
Pessoa, Fernando. Poemas Ocultistas. Op. cit. p. 43.
113
Ibid.
114
Ibid.
35
No final fala com o Sol e a Lua para a ajudarem a libertar-se do corpo físico e
transformar-se. O símbolo de ouro colocado no primeiro verso incentiva a ideia que o trecho
trata do processo alquímico:
115
Ibid., p. 44.
116
Pessoa, Fernando. Obra essencial de Fernando Pessoa. Cartas. Op. cit. p. 350.
117
Ibid., p. 364.
36
Conclusão
Entendemos que o campo das artes ocultistas é vasto. Para percebermos melhor a obra
pessoana começamos pela definição geral do ocultismo com uma breve descrição das suas áreas
como a alquimia e a astrologia. Este capítulo fornece uma introdução ao assunto e descreve
quais práticas ocultistas foram utilizadas não só no passado mas também hoje em dia.
37
O trabalho mostra que Fernando Pessoa sempre tentava aperfeiçoar-se. Na sua prosa
observamos que se dedicava à alquimia buscando o caminho para a transformação da sua
própria personalidade. Descobrimos que o escritor estava inclinado para a ideia de
aperfeiçoamento através da criação poética e a sua poesia é, portanto, vista como um processo
alquímico.
38
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