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Farmacologia I – UNIRIO 1

MÓDULO I
CAPÍTULO 1
Introdução

INTRODUÇÃO Quadro 1.1 Farmacodinâmica

A farmacologia pode ser definida como o estudo das Receptores


substâncias que interagem com sistemas vivos por meio de
processos químicos, particularmente mediante sua ligação a agonistas
moléculas reguladoras e ativação ou inibição dos processos Interações droga-receptor antagonistas
orgânicos normais. Essas substâncias podem ser compostos
químicos administrados com a finalidade de obter um efeito
terapêutico benéfico sobre algum processo no paciente, ou eficácia
pelos seus efeitos tóxicos sobre processos reguladores em Curva dose-resposta potência
parasitas que infectam o paciente. Essas aplicações
terapêuticas deliberadas podem ser consideradas como o
papel fundamental da farmacologia médica, que é
freqüentemente definida como a ciência das substâncias
utilizadas na profilaxia, diagnóstico e tratamento das doenças. Quadro 1.2 Farmacocinética

INTERAÇÕES ENTRE DROGAS E CORPO vias de administração


Absorção permeação*
As interações entre uma droga e o corpo são
convenientemente divididas em duas classes. As ações da Distribuição
droga sobre o organismo são conhecidas como processos Fase I
farmacodinâmicos, cujos princípios são apresentados no Cap. Biotransformação Fase II
2. Essas propriedades determinam o grupo em que a droga é
classificada e, com freqüência, desempenham o principal Excreção
papel na decisão de qual dos grupos constitui a forma
apropriada de terapia para determinado sintoma ou doença. *A permeação consiste na passagem da droga através das membranas
As ações do corpo sobre a droga são denominadas processos biológicas. Ocorre segundo: (1) difusão aquosa; (2) difusão lipídica; (3)
farmacocinéticos, que são descritos nos Caps. 3 a 7. os transportadores especiais e (4) endocitose e exocitose.
processos farmacocinéticos controlam a absorção,
distribuição e eliminação de drogas e são de grande
importância prática na escolha e administração de uma droga
específica a determinado paciente, como, por exemplo, um
paciente com comprometimento da função renal.

Referências
Katzung, Bertram G. et al: Basic and Clinical Pharmacology. 9ª ed.,
The McGraw-Hill Companies, Inc., 2004 (trad. pt. Rio de Janeiro,
Editora Guanabara Koogan S.A., 2006).
2 Farmacologia I – UNIRIO

CAPÍTULO 2
Farmacodinâmica

INTRODUÇÃO Cada um desses receptores, que são chamados nicotínicos,


é parte de um canal na membrana pós-sináptica que controla o
A farmacodinâmica pode ser definida como o estudo dos movimento intracelular de íons Na+. Em repouso, esta
efeitos bioquímicos e fisiológicos das drogas e de seus membrana pós-sináptica é relativamente impermeável ao Na+.
mecanismos de ação. Como mencionado, são, grosso modo, Contudo, quando o nervo é estimulado, ele libera, na placa
as ações da droga sobre o organismo. Neste capítulo, terminal, acetilcolina que combina-se com os receptores
trataremos dos receptores, das interações das drogas com os nicotínicos e modifica-os de tal forma que os canais se abrem
receptores e da interpretação dessa interação por meio das e o Na+ flui para o interior da célula muscular. Quanto mais
curvas dose-resposta. acetilcolina existir na região da placa terminal, mais
receptores serão ativados e mais canais se abrirão. Quando o
número de canais abertos atinge um nível crítico e o Na+ entra
RECEPTORES com rapidez suficiente para perturbar o equilíbrio iônico da
membrana, ocorre uma despolarização localizada. Essa
Um conceito fundamental em farmacologia é que, para se despolarização localizada dispara a ativação de grande
iniciar um efeito em qualquer célula, a maioria dos fármacos número de canais de Na+ dependentes de voltagem e gera a
combina-se com alguma estrutura molecular na superfície ou despolarização conduzida, conhecida como potencial de ação.
no interior da célula. Esta estrutura molecular é denominada O potencial de ação provoca a liberação – para o citosol – de
receptor. A combinação do fármaco com o receptor resulta Ca+2 a partir de seus locais de ligação intracelular
em modificações moleculares no receptor que desencadeiam (particularmente, retículos endoplasmáticos e mitocôndrias).
uma série de eventos que levam a uma resposta. Isso também Este Ca+2 interage com proteínas contráteis, gerando um
é válido para substâncias endógenas como hormônios e encurtamento da célula muscular.
neurotransmissores. Assume-se que todos os receptores aos
quais as drogas se combinam existam para atuar como Sítio de ligação da acetilcolina (subunidade α)
receptores para substâncias endógenas. É por isso que a
descoberta de um receptor para determinado fármaco leva à γ β
busca da substância endógena que utiliza estes receptores.
Em 1973, descobriu-se que drogas opióides como a
morfina atuavam sobre um receptor específico. Essa α α
descoberta levou à busca da substância endógena, cuja função δ
fisiológica dependesse da interação com tais receptores. Em
1975, identificaram-se peptídeos endógenos com atividade
semelhante à da morfina. Hoje, sabe-se de uma família de
peptídeos que são denominados encefalinas ou endorfinas. A
morfina, simplesmente, simula a ação dessas substâncias.
Figura 2.1 Receptor Nicotínico

O receptor nicotínico, por exemplo, é composto de 5


FISIOLOGIA DA PLACA TERMINAL
subunidades (duas α, uma β, uma γ e uma δ) que circundam
uma depressão central, que corresponde ao canal
Receptores são macromoléculas (proteínas, em sua maioria)
transmembranoso de Na+. Quando a acetilcolina se liga ao
presentes nos tecidos e que se combinam quimicamente com
receptor (na subunidades α), o canal central é aberto,
os fármacos de maneira relativamente específica. Isto é,
permitindo a passagem de Na+.
fármacos interagem apenas com alguns receptores e vice-
Outros receptores – que não são canais iônicos –
versa. A placa terminal de uma fibra muscular esquelética,
desencadeiam uma cascata de eventos graças à ação de
por exemplo, contém uma grande quantidade de receptores
segundos mensageiros. Os fatores chave em muitos desses
com afinidade para o neurotransmissor acetilcolina.
sistemas de segundos mensageiros são as proteínas G (há
Farmacologia I – UNIRIO 3

vários tipos). Essas proteínas hidrolizam o trifosfato de acetilcolina e, desta forma, levar à contração muscular. A
guanosina (GTP) a difosfato de guanosina (GDP). As nicotina, por exemplo, age desta forma. As substâncias que
proteínas G transmitem a ativação de vários receptores a uma interagem com um receptor e, com isso, desencadeiam uma
etapa seguinte em uma série de reações. Em muitos casos, a resposta celular, são chamadas agonistas. Assim, a
etapa seguinte envolve a enzima adenilciclase. Vários acetilcolina e a nicotina são agonistas dos receptores da placa
hormônios, fármacos etc. estimulam ou inibem a terminal muscular esquelética (receptores nicotínicos). Por
adenilciclase em vários tipos de receptores através das outro lado, há substâncias que, apesar de serem semelhantes à
proteínas G diversas (inibitória ou estimulatória). A acetilcolina, o são em menor grau. Essas substâncias
adenilciclase catalisa a transformação de ATP em AMPc. interagem com o receptor, mas não são capazes de induzir
O AMPc ativa enzimas chamadas quinases que irão uma alteração no receptor necessária para provocar a entrada
fosforilar diversas proteínas, resultando na resposta celular de Na+ na célula. Com isso, a contração da fibra não é
como abertura de canais Ca+2 e ativação de outras enzimas. desencadeada. Mas, por ocupar o sítio ativo do receptor, a
As proteínas G podem, também, ativar outras enzimas ou agir substância inibe a interação da acetilcolina com o mesmo.
diretamente em canais iônicos. Os receptores para adrenalina Este tipo de fármaco é chamado de antagonista.
e noradrenalina são acoplados à proteína G.

VARIÁVEIS DA FARMACODINÂMICA
LIGAÇÕES QUÍMICAS
Afinidade. Mede a força de ligação entre droga e receptor e é
Os fármacos combinam-se com os receptores de várias determinada pelos tipos e número de ligações químicas.
formas e diversos tipos de ligações químicas participam na Reflete a tendência de um fármaco se ligar ao receptor.
formação inicial do complexo fármaco-receptor. Entre elas,
ligações covalentes, iônicas, de pontes de hidrogênio e van Eficácia. Ou “efeito máximo”, é a resposta máxima produzida
der Waals. pelo fármaco. Depende de quantos complexos fármaco-
A ligação covalente é forte e estável. É responsável pela receptor são formados e da eficiência com que o receptor
estabilidade na maioria das moléculas orgânicas. É ativado produz a ação celular. Ou seja, enquanto a afinidade é
irreversível à temperatura corporal e só pode ser desfeita com a tendência de um fármaco se ligar ao receptor, a eficácia é a
muita energia ou na presença de um agente catalítico, como tendência de, uma vez ligado, esse fármaco modificar a
uma enzima. Estão presentes em ligações de certos fármacos função do receptor desencadeando uma resposta.
anticancerígenos e quelantes. Independentemente da concentração do fármaco, atinge-se um
A ligação iônica resulta da atração eletrostática que ponto além do qual não ocorre mais nenhum incremento na
ocorre entre íons de cargas opostas. A força dessa ligação é resposta. Tem-se, aí, resposta ou efeito máximo.
bem menor que a da ligação covalente. A maioria dos
receptores macromoleculares apresenta vários grupamentos Potência. Ou sensibilidade, é a medida de quanto fármaco é
que se ionizam e interagem com fármacos ionizados. necessário para desencadear uma determinada resposta.
A ligação de pontes de hidrogênio é muito positiva, Quanto menor a dose necessária para gerar tal resposta, mais
podendo se ligar a um átomo fortemente negativo e, ainda potente é o fármaco. É calculada pela dose de fármaco que
assim, aceitar mais um elétron de outro átomo doador desencadeia 50% da resposta máxima (EC50 [effective
eletronegativo como o nitrogênio ou oxigênio. Forma-se, concentration 50%] ou DE50). Em geral, os fármacos de alta
assim, uma ponte com esses átomos doadores. São forças potência apresentam alta afinidade pelos receptores, ocupando
fracas mas, se muitas, podem estabelecer uma reação estável uma proporção significativa destes, mesmo em baixas
– embora reversível – entre o fármaco e o receptor. Parece concentrações.
desempenhar um papel importante na definição da
seletividade e especificidade das ligações fármaco-receptor.
As forças de van der Waals são muito fracas, mas AGONISMO
parecem ser importantes na determinação da especificidade
fármaco-receptor. Com base na resposta farmacológica máxima (eficácia) que
Inicialmente, o fármaco forma ligações iônicas com o ocorre quando todos os receptores estão ocupados, os
receptor que conferem certa estabilidade ao complexo. Essa agonistas podem ser divididos em três classes:
ligação é reforçada por ligações do tipo van der Waals e
pontes de hidrogênio antes que ocorra uma ativação Agonistas integrais. Ou agonistas plenos, constituem os
significativa do receptor. A não ser que tenham sido agonistas clássicos que, quando em concentrações suficientes,
formadas ligações covalentes, o complexo fármaco-receptor provocam a resposta máxima desencadeada pelo receptor.
dissocia-se. Neste momento, a ação do fármaco cessa.
Agonistas parciais. Mesmo com uma ocupação total dos
receptores, produzem uma resposta menor do que os agonistas
INTERAÇÕES FÁRMACO-RECEPTOR integrais. Além disso, por competirem com os agonistas
integrais, desviam a curva para a direita.
Uma substância química semelhante à acetilcolina pode ser
quimicamente atraída ao receptor da mesma forma que a
4 Farmacologia I – UNIRIO

Se tivermos várias curvas – a primeira sem antagonista e


100 agonista integral as outras com concentrações crescentes de antagonista –
paralelas e cujo efeito máximo se iguala, temos um
antagonismo reversível. Ou seja, o antagonista desvia a curva
Resposta (% max.)

ambos agonistas
para a direita, mas o efeito máximo continua a ser possível.
Contudo, é necessária uma concentração maior de agonista
agonista parcial para alcançá-lo. A atropina (ver Cap. 12) é um exemplo de
antagonista reversível da acetilcolina.

A B C
EC50 EC50 EC50
100
log [agonista]

Resposta (% max.)
Figura 2.2 Agonista Parcial 50

Agonistas inversos. A princípio paradoxalmente, há


exemplos em que pode-se verificar um nível de ativação de
receptores mesmo na ausência de ligantes (p. ex., receptores
canabinóides e de dopamina). Uma explicação para tal, é que EC50 EC50 EC50
mutações podem ocorrer – espontaneamente ou em processos log [agonista]
patológicos – e resultar nessa ativação. Temos, nesses casos,
uma ativação constitutiva. Os agonistas inversos podem ser
considerados como drogas de eficácia negativa para Figura 2.4 Antagonista Reversível
diferenciá-los dos agonistas (eficácia positiva) e dos A: agonista isolado;
antagonistas (eficácia nula). B: agonista em presença de antagonista reversível;
C: agonista em presença de mais antagonista irreversível.

100 agonista Antagonismo competitivo irreversível*. Se a ligação é


covalente (firme), a combinação do antagonista com o
receptor não é desfeita com facilidade e o antagonista é
Resposta (% max.)

denominado “competitivo de não equilíbrio” ou


Ativação “irreversível”. Nas curvas dose-resposta, mesmo aumentando
Constitutiva a concentração do agonista, doses crescentes deste antagonista
agonista inverso
diminuem a resposta máxima. Chega-se, então, a uma
concentração de antagonista na qual não existe quantidade de
agonista capaz de desencadear qualquer resposta. Inibidores
da colinesterase (ver Cap. 11) são exemplos desse tipo de
log [agonista]
antagonismo.

Figura 2.3 Agonista Inverso * Esse tipo de antagonismo é, por alguns autores, denominado não-
competitivo. Todavia, nesta apostila, consoante Rang et al., o termo “não-
competitivo” se reserva para o antagonismo que não envolve a ocupação do
sítio receptor. Ou seja, o antagonista não-competitivo não compete pelo sítio
ANTAGONISMO de ligação do agonista (comparar Figs. 2.5 e 2.6).

O antagonismo entre fármacos mais encontrado na prática


clínica é o competitivo. Esses antagonistas se ligam aos 100 agonista integral
receptores, mas, ao contrário dos agonistas, não os ativam.
Ou seja, apresentam eficácia pequena ou nula. Exercem seus
Resposta (% max.)

efeitos ao impedir a ligação do agonista ao receptor. Pode ser


de dois tipos:
agonista
+
Antagonismo competitivo reversível. Se a ligação é frouxa, antagonista
denomina-se “competitivo de equilíbrio” ou “competitivo irreversível
reversível”. O antagonismo aumenta à medida que a
concentração do antagonista aumenta. Contudo, a ação deste EC50 EC50 EC50
antagonista pode ser superada aumentando-se a concentração log [agonista]
do agonista na biofase (região onde se encontram os
receptores). A melhor forma de avaliar esta relação é por
meio do exame de curvas dose-resposta (ver Fig. 2.4). Figura 2.5 Antagonista Irreversível
Farmacologia I – UNIRIO 5

Antagonismo não-competitivo. Ocorre quando o dimercaprol se liga ao mercúrio e o composto inativo é


antagonista bloqueia, em algum ponto, a cadeia de eventos da excretado na urina.
resposta desencadeada pelo agonista. Dessa forma, o
antagonista não compete com o agonista pelo sítio de ligação Antagonismo fisiológico. Ou funcional, é usado para indicar
no receptor, mas bloqueia o sinal que o agonista desencadeia. a interação entre dois fármacos agonistas que atuam de forma
Contudo, a curva dose-resposta não é desviada para a direita independente, mas que geram efeitos opostos. Cada um tende
com esse tipo de antagonista e a concentração para se atingir a cancelar ou reduzir o efeito do outro. O exemplo clássico é
metade da resposta máxima (potência) mantém-se a mesma. representado por acetilcolina e adrenalina que apresentam
efeitos opostos em várias funções corporais. A acetilcolina
desacelera o coração, enquanto a adrenalina o acelera. A
100 agonista isolado acetilcolina estimula os movimentos intestinais e a adrenalina
os inibe. A acetilcolina gera constrição pupilar e a adrenalina
dilatação etc.
Resposta (% max.)

agonista
FARMACODINÂMICA CLÍNICA
+
antagonista não
competitivo Índice terapêutico. É a razão entre a dose que produz
toxicidade e a dose que produz a resposta clinicamente
EC50
desejada. É uma medida de segurança do fármaco, calculada
log [agonista] em termos da relação enter a média das doses mínimas
eficazes e a média das doses máximas toleradas em
determinado grupo de indivíduos.
Figura 2.6 Antagonista Não-Competitivo
Quadro 2.2 Fórmula do Índice Terapêutico

Quadro 2.1 Variáveis Quanto À Competição


Dose máxima não-tóxica
Índice Terapêutico =
Reversíveis Dose efixaz mínima
(só afetam a potência)
Competitivos
ANTAGONISTAS

A Varfarina é um anticoagulante (duplica o tempo de


protrombina – uma medida da coagulação sangüínea) que
Irreversíveis
(afetam potência e eficácia) apresenta baixo índice terapêutico. Aumentando-se a dose de
Varfarina, mais pacientes respondem, até que mesmo os que
Não-Competitivos não respondiam, começam a produzir a anticoagulação
(só afetam a eficácia)
esperada. O problema é que, em doses elevadas, a Varfarina
provoca muita anticoagulação e, portanto, hemorragia.
Quando o índice terapêutico é baixo, há sobreposição de
efeitos terapêuticos e tóxicos (ver Quadro 2.2). A mesma dose
Nem todos os mecanismos de antagonismo envolvem
de Varfarina que leva pacientes a duplicarem seu tempo de
interações de drogas – ou ligantes endógenos – a receptores,
protrombina, faz com que outros pacientes entrem em
ou a um único tipo de receptor. Temos, dessa forma, duas
hemorragia.
outras formas importantes de antagonismo:
A penicilina, por outro lado, possui um elevado índice
terapêutico. Com isso, pode-se administrar doses em excesso
Antagonismo químico. Envolve uma interação química
sem maiores preocupações com efeitos adversos. Até mesmo,
direta entre o antagonista e o agonista de forma a tornar o
doses dez vezes maiores do que a necessária para obtenção da
agonista farmacologicamente inativo. Um bom exemplo está resposta esperada.
no emprego de agentes quelantes que se ligam a metais
pesados e, assim, reduzem sua toxicidade. Por exemplo, o

Referências
Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone, 2004
(trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).
Katzung, Bertram G. et al: Basic and Clinical Pharmacology. 9th ed.,
The McGraw-Hill Companies, Inc., 2004 (trad. pt. Rio de Janeiro,
Editora Guanabara Koogan S.A., 2006).
Hardman, Joel G. & Limbird, Lee E.: Goodman & Gilman’s The
Basic Pharmacological Basis Of Therapeutics. 9th ed., The
McGraw-Hill Companies, Inc, 1996.
6 Farmacologia I – UNIRIO

CAPÍTULO 3
Absorção

INTRODUÇÃO Os fármacos ácidos HA liberam H+, levando à formação


de um ânion A- (forma ionizada):
Neste capítulo, trataremos da absorção e dos fatores que a
afetam. Os demais princípios da farmacocinética serão HA H+ + A-
tratados nos capítulos seguintes. Vale lembrar que a
farmacocinética descreve as relações entre a administração de As bases fracas também podem liberar H+. A diferença é
um fármaco, o tempo de distribuição, sua concentração que, com isso, liberam uma base neutra B, não uma ionizada:
obtida nas diferentes regiões do corpo e sua posterior
eliminação. BH+ H+ + B
Esses princípios básicos da farmacocinética – absorção,
distribuição, metabolismo e excreção – envolvem a passagem Dessa forma, HA e B atravessam a membrana. Portanto, a
do fármaco através de membranas. Os mecanismos distribuição de um eletrólito fraco através da membrana é
envolvidos na passagem do fármaco e as características determinada pelo gradiente de pH através da membrana e por
físico-químicas das moléculas e membranas irão influenciar seu pKa (uma força de interação do composto com um
todos esses processos. A membrana plasmática representa a próton). Quanto mais baixo for o pKa, mais forte é o ácido, e
barreira comum entre todos os tipos de difusão e transporte quanto mais alto, mais forte é a base. Isso pois o pKa é o pH
de fármacos. em que as concentrações das formas ionizada e não-ionizada
são iguais.
Assim, um fármaco ácido irá, em equilíbrio, se acumular
ABSORÇÃO no lado mais básico da membrana. O oposto serve para as
bases. Esse fenômeno é chamado “aprisionamento iônico”.
Absorção é a ida de um fármaco desde seu local de
administração até a corrente sangüínea. Portanto, é Solubilidade. Para que um fármaco possa ser absorvido com
importante para todas as vias de administração (menos a facilidade, é necessário que ele seja lipossolúvel. Porém, com
venosa e a arterial). Há casos, como na inalação de um alguma hidrossolubilidade para que possa ser dissolvido em
broncodilatador, em que a absorção, como foi definida, não é soluções aquosas.
necessária para a ação do fármaco. Na maioria dos casos, no
entanto, o fármaco necessita penetrar no plasma para alcançar Estabilidade química. Certos fármacos, como as penicilinas,
o seu local de ação. A velocidade e a eficiência da absorção são instáveis no pH gástrico. Outros, como a insulina, são
dependem da via de administração. Na via intravenosa, por destruídos por enzimas digestivas.
exemplo, a absorção “já ocorreu”. Ou seja, a dose total do
fármaco alcança a circulação sistêmica. Por outras vias, pode Tipos de formulação do medicamento. O tamanho das
ocorrer absorção apenas parcial, o que diminui sua partículas e a forma farmacêutica em que a droga é
biodisponibilidade (fração do fármaco que atinge a administrada influem na facilidade da dissolução. Portanto, na
circulação). velocidade de absorção.

Concentração. Os fármacos administrados em soluções


FATORES QUE ALTERAM A ABSORÇÃO altamente concentradas são absorvidos mais rapidamente do
que aqueles em soluções de baixa concentração.
Polaridade do fármaco e pH do meio. A maior parte dos
fármacos são bases ou ácidos fracos presentes em solução na Circulação no local da administração. O aumento do fluxo
forma ionizada e não-ionizada. Geralmente, a forma não- sangüíneo potencializa a velocidade de absorção.
ionizada é lipossolúvel e pode atravessar a membrana, o que
não acontece com a forma ionizada.
Farmacologia I – UNIRIO 7

MODALIDADES DE ABSORÇÃO FATORES QUE ALTERAM A BIODISPONIBILIDADE

Nos processos passivos, não há interferência ativa das O percentual de biodisponibilidade depende da taxa de
membranas e nem gasto de energia. São exemplos: absorção do fármaco e quanto do mesmo é metabolizado antes
de chegar à circulação sistêmica. Dessa forma, a
Difusão lipídica. É o processo mais freqüente de absorção. biodisponibilidade leva em consideração fatores de absorção e
As moléculas do soluto se distribuem a partir de qualquer metabolização. Para penetrar da luz do intestino delgado para
região em que estejam mais concentradas para as regiões em a circulação, o fármaco deve passar não só pela mucosa
que estejam menos concentradas segundo um gradiente de intestinal, mas por várias enzimas que podem inativá-lo ainda
concentração. As moléculas do soluto, para atravessarem as na parede intestinal e no fígado. Fatores que limitam a
membranas biológicas por difusão simples, precisam absorção irão limitar a biodisponibilidade.
apresentar as seguintes características: serem apolares,
lipossolúveis e possuir peso molecular pequeno o suficiente Metabolismo hepático de primeira passagem. Os fármacos,
para ser compatível com a membrana lipídica. após serem absorvidos pelo trato gastrintestinal, passam pela
circulação porta antes de atingir a circulação sistêmica. β-
Difusão aquosa. Ocorre através de poros aquosos formados bloqueadores como propranolol, por exemplo, sofrem extensa
por proteínas da membrana chamados aquaporinas. Nela, biotransformação durante uma única passagem pelo fígado, o
tanto o solvente quanto os solutos se difundem. O solvente, que limita consideravelmente sua biodisponibilidade.
geralmente a água, transporta consigo moléculas Chamamos isso de efeito de primeira passagem. Outros
hidrossolúveis de pequeno tamanho, moléculas polares e exemplos de fármacos com efeito hepático de primeira
certas apolares. As forças responsáveis pelo transporte são a passagem muito importante são as catecolaminas, morfina,
pressão hidrostática e a pressão osmótica. verapamil, isoniazida e aspirina. Fármacos como o
clonazepam também podem ser metabolizados pela flora
Nos processos ativos, há interferência das membranas e gasto intestinal, contribuindo para seu efeito de primeira passagem.
de energia. São exemplos: Contudo, há casos em que a capacidade metabólica do
fígado pode sofrer alterações (para cima ou para baixo),
Transporte ativo. O soluto combina-se com a proteína gerando variações na biodisponibilidade. Isso ocorre:
transportadora presente na membrana celular e move-se
contra seu gradiente de concentração. Para isso, existe a 1. Quando há uma redução no fluxo sangüíneo hepático,
necessidade de energia, que é fornecida pela célula. É um como na cirrose hepática ou no uso de beta-bloqueadores.
processo seletivo e pode haver inibição seletiva. Neste caso, há aumento da biodisponibilidade.
2. Quando há diminuição na atividade metabólica das
Transporte vesicular (pinocitose e fagocitose). São os enzimas hepáticas, como na insuficiência hepática ou com o
processos de absorção nos quais a membrana celular se uso de fármacos inibidores das enzimas do metabolismo
invagina e evagina, respectivamente, em torno de uma ou hepático. Neste caso, também há um aumento da
mais pequenas moléculas do meio extracelular e as engloba. biodisponibilidade.
Em seguida, formam-se vesículas intracelulares que se 3. Quando há fármacos, como os barbitúricos, que
destacam da membrana. Por esse modo, fagócitos alveolares aumentam a atividade de enzimas metabólicas do fígado. Com
removem partículas que atingem os alvéolos. isso, há diminuição da biodisponibilidade.

BIODISPONIBILIDADE BIOEQUIVALÊNCIA

Biodisponibilidade é a fração do fármaco administrado que Biodisponibilidade é um conceito conveniente para fazer
alcança a circulação sistêmica quimicamente inalterada. Em generalizações. Porém, falha quando se tenta utilizá-lo com
outras palavras, é a fração de fármaco que atinge o seu local uma precisão numérica. A razão desta falha é que trata-se de
de ação ou fluido biológico, a partir do qual o fármaco tem um conceito que não depende só do fármaco. É um valor que
acesso ao seu local de ação. Assim, se 100 mg de um certo será afetado por variações no pH estomacal, nas atividades da
fármaco são administrados por via oral e 70 mg chegam parede intestinal e do fígado etc. Ou seja, varia de indivíduo
inalterados ao sangue, sua biodisponibilidade é de 70%. A para indivíduo. Dessa forma, não podemos simplesmente falar
biodisponibilidade é determinada comparando-se os níveis da biodisponibilidade de um fármaco, mas sim de um fármaco
plasmáticos do fármaco após determinada via de em determinado indivíduo em determinadas circunstâncias.
administração (no exemplo supracitado, a via oral) com os Além disso, biodisponibilidade é um conceito falho por
níveis plasmáticos após administração intravenosa. Isso pois, não levar em conta a velocidade de absorção. Portanto, a não
na administração intravenosa, 100% do fármaco administrado ser que a metabolização e excreção de determinada droga
atinge o plasma. Analisando-se as concentrações plasmáticas aumentem na proporção necessária, se essa droga for
contra o tempo em um gráfico, pode-se calcular a área sob a absorvida rapidamente, ela atingirá uma concentração
curva (ASC), que reflete a extensão da absorção do fármaco. plasmática mais elevada e, portanto, causará um efeito maior
Por definição, esta é de 100% para fármacos dados por via do que se fosse absorvida lentamente. Por essas razões,
intravenosa. quando se quer, por exemplo, licenciar produtos genéricos a
8 Farmacologia I – UNIRIO

produtos já comercializados, usa-se a bioequivalência. Para Cápsulas. Uma cápsula é um invólucro duro de gelatina e,
que produtos sejam bioequivalentes, devem apresentar as para garantir a estabilidade física, usam-se compactantes
seguintes características: como a lactose para preencher a cápsula. Usam-se, também,
desintegrantes como o amido que, após o início da dissolução
1. Mesmas áreas sob a curva (concentração x tempo) da cápsula e em contato com o meio aquoso, intumescem e
após a administração de formulações diferentes; causam a ruptura da cápsula.
2. Concentração plasmática máxima equivalentes; As cápsulas de invólucro mole podem conter líquidos.
3. Tempo para atingir essas concentrações plasmáticas Com isso, fármacos de baixa solubilidade podem ser
máximas semelhantes. solubilizados, aumentando sua absorção. A absorção é igual
ou maior do que a obtida pela administração de uma solução
de fármaco.
VIAS DE ADMINISTRAÇÃO
Comprimidos. É o meio mais usado para administração de
fármacos. A compressão do fármaco e excipientes faz dele
Oral uma apresentação conveniente e eficaz. A dissolução e,
conseqüentemente, a solubilidade poderiam limitar a
A absorção de fármacos dados via oral é regulada por fatores velocidade do fornecimento de um fármaco para a circulação
do paciente como superfície de absorção e fluxo sangüíneo sistêmica.
no local de absorção e por características da droga como
estado físico, solubilidade e concentração no local de Drágeas. Pode-se, ainda, acrescentar um revestimento
absorção. adicional para melhorar o gosto, aspecto ou estabilidade
Fármacos que são ácidos fracos são mais bem absorvidos físico-química. Contudo, a destruição de tal revestimento
a partir do estômago (pH 1-2) que do intestino alto (pH 3-6) e pode limitar a velocidade global de absorção. O revestimento
vice-versa para fármacos que são bases fracas. No entanto, entérico é projetado para retardar a desintegração até que a
independentemente do pKa do fármaco, ele será sempre formulação atinja o intestino delgado. Isso pode ser feito seja
melhor absorvido a partir do intestino delgado devido à sua para proteger o fármaco do meio ácido do estômago, seja para
grande superfície de absorção (± 200 m2). Assim, qualquer proteger o estômago do fármaco.
fator que facilitar o esvaziamento gástrico, aumentará a
absorção, e vice-versa.
As formas farmacêuticas orais encontradas incluem Sublingual
soluções, suspensões, cápsulas, comprimidos e drágeas. O
fornecimento dos fármacos costuma ser mais rápido no caso Os fármacos que são destruídos pelos líquidos gastrintestinais
de soluções e mais lento no caso de drágeas. ou os que ficam sujeitos a uma degradação pré-sistêmica
importante, podem ser administrados sob a forma de
Soluções. As fórmulas líquidas, como soluções e suspensões, comprimidos a serem colocados na cavidade bucal sob a
são úteis na administração de fármacos a crianças ou outros língua. Os comprimidos orais são projetados para se dissolver
pacientes que não queiram ou não possam ingerir drágeas ou lentamente. Os comprimidos sublinguais são pequenos e se
cápsulas. É a forma mais rápida de fornecimento de fármacos dissolvem rapidamente. Essas formulações permitem ao
via oral porque as etapas iniciais de liberação do fármaco fármaco difundir-se para a trama capilar mucosa e, daí, para a
(desintegração e dissolução) são desnecessárias. A absorção circulação sistêmica. Há a vantagem de se evitar o intestino e
de um fármaco é mais rápida no intestino proximal, e a etapa o fígado. Logo, o fármaco foge a seus metabolismos. A
que limita a velocidade de absorção global de um fármaco em absorção da nitroglicerina (trinitrato de glicerila) é eficaz via
solução é o esvaziamento gástrico. Nem todos os fármacos sublingual porque ela é lipossolúvel e não-iônica. Assim, sua
são solúveis em água, devendo, pois, ser convertidos em uma absorção é muito rápida. Como a drenagem venosa da boca se
forma solúvel (como um sal) ou acrescidos de um co-solvente faz para a veia cava superior, o fármaco fica protegido do
como álcool. Um inconveniente é que alguns fármacos metabolismo hepático, que é suficiente para inativá-lo
possuem sabor desagradável quando em solução. totalmente quando este fármaco é dado via oral.

Suspensões. São dispersões de partículas relativamente


grosseiras geralmente em veículo aquoso. Também são úteis Retal
em pacientes incapazes de tolerar apresentações sólidas.
Possuem uma vantagem em relação às soluções por poderem Aproximadamente 50% da drenagem da região retal contorna
conter a dose de uma substância em um volume menor. Os a circulação porta, minimizando, assim, a biotransformação
agentes de suspensão evitam a sedimentação seja por hepática. A via retal também evita que o fármaco seja
aumento na viscosidade do meio, ou por redução das forças destruído por enzimas digestivas ou pelo pH baixo do
de atração entre as partículas. As suspensões apresentam uma estômago. Fármacos são administrados via retal para
disponibilidade imediata para absorção. Além disso, como tratamento de afecções locais como hemorróidas ou para
tornam desnecessária a desintegração, a etapa limitante em atingir absorção sistêmica.
sua velocidade de absorção é a dissolução. É, também, útil quando se deseja evitar o vômito, sendo
usada para antieméticos (gr. emeo, vômito). Os fármacos
Farmacologia I – UNIRIO 9

costumam ser administrados por via retal sob a forma de Intra-arterial


supositórios com bases que variam de manteiga de cacau a
derivados de polietileno. O principal fator determinante da É usada especialmente na administração de agentes
extensão de absorção por esta via é o intervalo entre a antineoplásicos. O local de injeção costuma ser uma pequena
aplicação e a evacuação. A administração prévia de um arteríola com fluxo sangüíneo relativamente lento e situada
clister (injeção de água ou líquido medicamentoso no reto) próxima ao tumor. É possível atingir concentrações elevadas
pode melhorar a absorção. do fármaco no órgão alvo, minimizando a exposição corporal
Adequa-se a pacientes que não são capazes ou não total. A injeção intra-arterial requer grande cuidado e deve ser
querem tolerar a medicação oral, tratando-se de uma reservada para os especialistas.
alternativa à administração parenteral ([gr. para, ao lado +
enteron, intestinal], que se efetua por uma via que não a
digestiva; também chamada injetável – embora muitos Intramuscular
considerem apenas as intravenosa e intra-arterial).
O músculo estriado é dotado de elevada vascularização,
sendo, em contrapartida, não muito inervado por fibras
Intravenosa sensitivas. Estas duas características conferem-lhe facilidade
na absorção medicamentosa e, simultaneamente, uma
É a via parenteral mais comum, sendo usada para fármacos possibilidade de administração menos dolorosa para fármacos
de difícil absorção por via oral ou que são destruídos pelo irritantes. Contudo, algumas injeções intramusculares são
trato gastrintestinal (p. ex., insulina). O fármaco não sofre o dolorosas, pelo que é freqüente incluir na sua fórmula
metabolismo de primeira passagem no fígado, permitindo, anestésicos locais que sejam conservantes ao mesmo tempo
portanto, um grau máximo de controle quanto aos níveis (p. ex., álcool benzílico). Além disso, a dor concomitante ou
circulantes do fármaco. A administração via intravenosa do subseqüente à injeção não depende exclusivamente das
fármaco é, dessa forma, indicada quando há a necessidade de características físico-químicas da fórmula, mas pode estar
um controle cuidadoso da concentração do fármaco no ligada à ação do próprio fármaco. A penicilina, por exemplo,
sangue. Uma administração intravenosa lenta do fármaco é dolorosa, ao contrário da estreptomicina, embora o pH e
evita concentrações transitórias excessivamente elevadas e tonicidade da solução sejam muito próximos dos valores
minimiza uma precipitação súbita de fármacos insolúveis, ideais.
reduzindo a formação de êmbolos. É útil em casos de Pelo fato de possuir uma ação rápida, esta via é utilizada
fármacos com estreito índice terapêutico (ver Quadro 2.2) em quadros de reação anafilática, mediante administração
pois uma infusão venosa lenta e contínua propicia intramuscular de betametazona ou dexametasona, como
concentrações sangüíneas controladas e persistentes. É conduta emergencial.
especialmente adequada para fármacos de meia-vida curta As injeções intramusculares são contra-indicadas em
(ver Cap. 7). pacientes com mecanismo de coagulação prejudicados,
Certas soluções irritantes só podem ser administradas doença vascular periférica oclusiva, edema e choque. Além de
desta maneira porque as paredes dos vasos são relativamente não serem administrado em locais inflamados, edemaciados,
insensíveis. Além disso, a injeção lenta do fármaco faz com irritados ou ainda em locais com manchas de nascença, tecido
que ele seja bastante difundido pelo sangue. cicatrizado ou outras lesões.
Assim como existem vantagens no uso desta via, há, As preparações para administração intramuscular podem
também, inconvenientes. Os fármacos não podem ser apresentar-se sob a forma de soluções aquosas, oleosas ou
removidos por manobras como provocação de vômitos ou suspensões.
ligação a carvão ativado. Também pode introduzir bactérias
por contaminação ou causar hemólise ou outras reações Soluções aquosas. São, em geral, isotônicas ao soro
devido à alta velocidade de chegada do fármaco no plasma e sangüíneo. Contudo, pequenos desvios são permitidos no
tecidos. Dessa forma, a velocidade de infusão deve ser sentido da hipotonia e, em alguns casos, é até aconselhável
cuidadosamente controlada. Podem ser atingidas altas uma ligeira hipertonicidade, uma vez que provoca um leve
concentrações de fármacos nos tecidos, resultando em derrame local dos fluídos tissulares, o que pode originar uma
reações desfavoráveis pois não existe recuperação depois que absorção uniforme.
o fármaco é injetado.
As injeções intravenosas repetidas dependem da Soluções “oleosas”. Soluções cujo veículo não é a água –
capacidade de se manter uma veia pérvia. Fármacos presentes embora não seja necessariamente um óleo. Trata-se de
em veículo oleoso e aqueles que precipitam os componentes compostos que, embora anidros, conseguem se misturar à
do sangue ou lisam os eritrócitos não devem ser água. São exemplos, alguns álcoois como os glicóis (p. ex.,
administrados intravenosamente. De maneira geral, a injeção etileno glicol) que, de um modo geral, apresentam elevada
intravenosa deve ser feita lentamente e com monitorização viscosidade (podem ser dolorosos).
constante das respostas do paciente. A absorção do fármaco é mais rápida se o solvente
escolhido for miscível com a água. É com base neste princípio
que se fundamenta o emprego de formas medicamentosas de
ação prolongada destinadas à via intramuscular. Com efeito,
se um fármaco insolúvel em água se dissolver num veículo
10 Farmacologia I – UNIRIO

hidromiscível, ele precipitará no seio do músculo ao lipossolubilidade, uma vez que a pele comporta-se como uma
proceder-se a injeção. Essa precipitação in situ ocorre pois a barreira lipídica. No entanto, a derme é livremente permeável
água do tecido muscular mistura-se com o solvente injetado, a muitos solutos, o que faz com que a absorção sistêmica de
diminuindo o coeficiente de solubilidade do fármaco (visto fármacos seja muito maior quando a pele está escoriada,
que este tem baixa ou nula solubilidade em água). Este tipo queimada etc. Além disso, a inflamação, por aumentar o fluxo
de injetáveis proporcionará a obtenção de um verdadeiro sangüíneo cutâneo, também potencializa a absorção. Algumas
depósito do fármaco no seio da massa muscular, de onde irá vezes, a absorção de substâncias altamente lipossolúveis pela
ser absorvido muito lentamente. Exemplo característico são pele, como inseticidas dissolvidos em solventes orgânicos,
os hormônios sexuais; fármacos insolúveis na água, mas causa efeitos tóxicos. A absorção pela pele pode ser
miscíveis com o trietilenoglicol (hidrossolúvel). potencializada suspendendo-se o fármaco em um veículo
oleoso e friccionando-se a suspensão na pele.
Suspensões. A absorção do fármaco em suspensão processa-
se lentamente. A penicilina procaínica, por exemplo, é Mucosas. Os fármacos são aplicados nas mucosas da
solúvel na proporção de 800 U/ml de água, enquanto que a conjuntiva, nasofaringe, orofaringe, vagina, cólon, uretra e
penicilina benzatínica dissolve-se no mesmo volume, mas bexiga para efeitos principalmente locais. Algumas vezes, o
apenas numa quantidade correspondente a 200 U. O objetivo é a absorção sistêmica, como na aplicação de
coeficiente de solubilidade dos dois antibióticos ocasiona o hormônio antidiurético na mucosa nasal. A absorção pelas
diferente comportamento dos dois injetáveis. Embora mucosas é rápida e, algumas vezes, anestésicos locais causam
aplicando-se ambos em suspensão intramuscular aquosa, a efeitos sistêmicos.
penicilina procaínica é mensurável no sangue apenas até
cerca de 24 horas após a injeção, enquanto que a penicilina Olho. Utilizada quando se quer um efeito local (p. ex., creme
benzatínica ainda é evidenciável mesmo decorridos 10 a 15 ou atropina no globo ocular). A absorção sistêmica pelo canal
dias. Vê-se, pois, que a velocidade de absorção do fármaco nasolacrimal é, geralmente, um efeito indesejado e o fármaco
suspenso depende, fundamentalmente, de suas características absorvido dessa forma não sofrerá o efeito de primeira
de solubilidade na água. passagem. Assim, colírios que contêm fármacos β-
adrenérgicos podem causar efeitos sistêmicos indesejáveis
(ver Cap. 9). Os efeitos locais, em geral, precisam da absorção
Subcutânea (ou hipodérmica) pela córnea. Quando esta estiver danificada, a absorção será
maior. A descoberta recente de implantes oculares permitiu a
Depois de injetada por baixo da pele, a droga alcança os liberação contínua de pequenas quantidades de fármaco com
pequenos vasos e é transportada pela corrente sangüínea. É pouca perda pela drenagem nasolacrimal e,
uma via mais lenta que a intravenosa e seus riscos são conseqüentemente, poucos efeitos sistêmicos.
menores. Costuma ser usada para medicamentos protéicos
que poderiam ser digeridas pelo trato gastrintestinal.
Cápsulas sólidas de contraceptivos e bombas mecânicas Intratecal
programáveis de insulina são exemplos de fármacos
utilizados dessa forma. É importante lembrar que os locais de A barreira hematoencefálica – formada por uma camada
injeção devem ser alternados para se evitar reações. contínua de células endoteliais unidas por junções firmes
A adrenalina, por seus efeitos vasoconstritores, pode ser (tight junctions) – geralmente impede ou retarda a entrada de
administrada pela via subcutânea para limitar a área de fármacos no sistema nervoso central (SNC). Apenas os
atuação de outro fármaco, como o anestésico local lidocaína fármacos com alta lipossolubilidade conseguem transpor essa
(ver Cap. 14). barreira íntegra (inflamações, p. ex., podem rompê-la). Essa
barreira faz com que, algumas vezes, se injetem fármacos
diretamente no espaço subaracnóideo vertebral quando se
Tópica desejam efeitos locais e rápidos nas meninges ou no eixo
cerebromedular, como na raquianestesia ou em infecções
Pele. A medicação administrada por via transdérmica entra agudas do SNC.
no organismo através da pele, podendo ser administrada sob a
forma de cremes ou pomadas. É utilizada quando se quer uma
liberação lenta e constante do fármaco pois é limitada pela Intraperitoneal
velocidade com que a substância atravessa a pele,. Apenas
medicamentos que devem ser administrados em doses diárias A cavidade peritoneal oferece uma grande superfície de
relativamente pequenas podem ser dados por essa via. Alguns absorção a partir da qual os fármacos entram rapidamente na
exemplos são: nitroglicerina (para angina), escopolamina circulação, em especial, através da veia porta. Dessa forma,
(contra o enjôo de viagem – ver Cap. 12), nicotina (para a ocorrem perdas pelo efeito de primeira passagem no fígado. A
cessação do fumo), clonidina (contra a hipertensão) e fentanil injeção intraperitoneal é um procedimento laboratorial
(para o alívio da dor). comum, mas raramente empregado na clínica por perigo de
Não obstante, poucos fármacos penetram de forma rápida infecção.
a pele íntegra. A absorção daqueles que o fazem é
proporcional à área de superfície aplicada e à sua
Farmacologia I – UNIRIO 11

Pulmonar REABSORÇÃO ÊNTERO-HEPÁTICA

Os fármacos gasosos e voláteis podem ser inalados e Refere-se à reabsorção de um fármaco ou metabólito ativo a
absorvidos pelo epitélio pulmonar e pelas mucosas do trato partir do intestino após ser excretado pelo fígado. Fármacos
respiratório. O acesso à circulação é rápido por essa via podem ser excretados inalterados pelo fígado ou este pode
porque a área de superfície é muito grande. Além disso, gerar metabólitos ativos que são, então, excretados na bile.
soluções de fármacos podem ser atomizadas e as finas Como a bile é reabsorvida durante a digestão, o fármaco ou
gotículas suspensas no aerossol, inaladas. As vantagens são a metabólito ativo é reabsorvido também, o que resulta num
absorção quase instantânea do fármaco para o sangue, a aumento em sua duração de ação.
eliminação da perda pela primeira passagem hepática e, no
caso de enfermidades como a asma, a aplicação do fármaco
no local desejado. As principais desvantagens são a pequena
capacidade de ajustar a dose, métodos de administração
trabalhosos e a irritação do epitélio pulmonar.

Referências
Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone,
2004 (trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).
Katzung, Bertram G. et al: Basic and Clinical Pharmacology.
9ª ed., The McGraw-Hill Companies, Inc., 2004 (trad. pt.
Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan S.A., 2006).
12 Farmacologia I – UNIRIO

CAPÍTULO 4
Distribuição

INTRODUÇÃO
reversível a proteínas plasmáticas seqüestra fármacos do
A distribuição é o processo pelo qual um fármaco abandona – plasma. Com isso, são mantidos na forma de compostos não
reversivelmente – a corrente circulatória, passando para o difusíveis, retardando sua transferência para fora do
interstício e/ou interior das células. Depende do fluxo compartimento vascular. A ligação é relativamente não-
sangüíneo, da permeabilidade capilar, das características seletiva quanto à estrutura química, ocorrendo em sítios da
químicas (polaridade/hidrofobicidade) do composto e do grau molécula protéica aos quais se ligam compostos endógenos,
de ligação do fármaco a proteínas plasmáticas e teciduais. como a bilirrubina. À medida que a concentração do fármaco
livre decai por eliminação devida ao metabolismo ou
Fluxo sangüíneo. Varia de órgão para órgão. É maior, por excreção, o fármaco ligado se dissocia da proteína. Isso
exemplo, no cérebro, fígado e rins, e menor no tecido mantém a concentração do fármaco livre como fração
adiposo. constante do fármaco total do plasma. A maior parte dos
fármacos ácidos se liga à albumina e a maior parte dos
Permeabilidade capilar. No cérebro, a estrutura do capilar é fármacos básicos à α-1-glicoproteína.
contínua, não havendo fendas. Portanto, para ultrapassar a Dessa forma, uma albuminemia devido a desnutrição ou
barreira hematoencefálica, os fármacos precisam transpor as doenças hepáticas aumentará a concentração plasmática de
células endoteliais dos capilares do sistema nervoso central fármacos ácidos livres. Por outro lado, câncer, artrite e infarto
(SNC), ou serem transportados de modo ativo. Por exemplo, agudo do miocárdio aumentam a concentração plasmática de
um carregador de aminoácidos neutros transporta levodopa α-1-glicoproteína, resultando em efeito oposto em fármacos
para o cérebro. básicos.
Já fármacos lipossolúveis penetram facilmente no SNC, Muitos fármacos acumulam-se em tecidos em
mesmo na ausência de fendas entre as células endoteliais concentrações mais altas que aquelas dos fluidos
adjacentes. Isso ocorre devido ao caráter lipofílico da extracelulares e sangue. Essa acumulação pode ser resultado
membrana celular. de transporte ativo ou ligação tecidual a proteínas
(citoplasmáticas ou nucleares) ou fosfolipídeos e, geralmente,
Ligação de fármacos a proteínas. No plasma, em é reversível. Uma grande parte do fármaco no corpo pode ser
concentrações terapêuticas, muitos fármacos encontram-se, ligada deste modo e este mecanismo cria um reservatório que
principalmente, na forma ligada a proteínas. A fração não- prolonga a ação do fármaco, seja no próprio tecido, seja nos
ligada constitui a forma farmacologicamente ativa. A ligação demais tecidos que possam ser atingidos pela circulação.

Referências
Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone, 2004
(trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).
Farmacologia I – UNIRIO 13

CAPÍTULO 5
Biotransformação

INTRODUÇÃO
forma, enzimas envolvidas em reações de oxidação. O sistema
Fármacos pequenos ou que apresentam características oxidativo microssomal também metaboliza ácidos graxos
polares, são facilmente eliminados pelos rins (ver Cap. 6). exógenos e esteróides.
Entretanto, os fármacos em sua forma ativa tendem a ser Em alguns casos, o fármaco só se torna
lipofílicos, a permanecerem não ionizados e, com freqüência, farmacologicamente ativo após ter sofrido metabolização. Por
ligados a proteínas. Substâncias com essas características são exemplo, o enalapril é hidrolisado em sua forma ativa
dificilmente excretadas na urina. Dessa forma, um processo enaprilat.
alternativo que pode levar ao término da atividade da droga é
o metabolismo. Por exemplo, barbitúricos lipofílicos, como o Reações de fase I. Consistem em oxidação, redução ou
tiopental, teriam uma meia-vida muito longa, não fosse sua hidrólise, e convertem o fármaco original num metabólito
conversão metabólica em compostos hidrossolúveis. Assim, mais polar. Os produtos destas reações são, freqüentemente,
muitos fármacos, para serem excretados, necessitam sofrer mais reativos quimicamente. Portanto, algumas vezes, os
transformações químicas. metabólitos da fase I são mais tóxicos ou carcinogênicos que
o fármaco original. São reações, por assim dizer, preparatórias
para as sínteses de fase II.
METABOLISMO As reações de fase I mais freqüentes são reações de
oxidação catalisadas pelo sistema citocromo P450 (ver
As biotransformações dos fármacos constituem processos Quadro 5.1).
complexos de interação entre fármaco e organismo que Contudo, nem todas as reações de oxidação envolvem o
ocorrem em algum ponto entre a absorção e a eliminação sistema citocromo P450. Há enzimas nas mitocôndrias ou
renal. Embora todos os tecidos tenham capacidade de solúveis no citosol que são responsáveis pela metabolização
metabolizar fármacos, o fígado é o principal órgão envolvido de um pequeno número de compostos. O etanol, por exemplo,
no metabolismo. Outros tecidos que apresentam atividade é metabolizado por uma enzima citoplasmática solúvel, a
metabólica importante incluem o trato gastrintestinal, pele, álcool desidrogenase. Outras exceções são a tirosina
rins e plasma sangüíneo. O metabolismo envolve, hidroxilase que hidroxila a tirosina em DOPA (ver Fig. 9.2) e
basicamente, dois tipos de reações bioquímicas conhecidas a monoamina oxidase – MAO (ver Cap. 9), importante no
como reações de fase I e fase II. metabolismo das aminas simpaticomiméticas.
Essas reações ocorrem principalmente por meio de As reduções de fase I também ocorrem tanto no sistema
enzimas localizadas no retículo endoplasmático (R.E.) microssomal quanto não microssomal do metabolismo, sendo
agranular hepático. Como os fármacos hidrossolúveis de ocorrência menos freqüente que as reações de oxidação.
demoram a chegar no R.E. – a não ser que disponham de Um fármaco metabolizado por redução microssomal é o
sistemas de transporte específicos – o metabolismo hepático é cloranfenicol, e por não microssomal, hidrato de cloral.
mais importante para fármacos lipossolúveis. Até porque, O metabolismo por hidrólise também ocorre em ambos os
como dito, fármacos hidrossolúveis são facilmente excretados sistemas microssomal e não microssomal. Como exemplo,
pelos rins. temos as reações com esterases inespecíficas de fármacos
As enzimas encerradas nos R.E.s também são chamadas como a acetilcolina (ver Cap. 11).
enzimas “microssômicas”. Durante centrifugações, os R.E.s
se rompem e, como suas membranas tendem a se soldar, Reações de fase II. Envolvem a conjugação, resultando,
durante a homogeneização, formam-se vesículas chamadas geralmente, em compostos inativos. Com freqüência, as
microssomos. O grupo de enzimas microssômicas mais reações de fase I introduzem um grupo relativamente reativo,
importante no metabolismo de fármacos faz parte do sistema como uma hidroxila, na molécula (funcionalização), que
citocromo P450. Uma família de enzimas que possuem um servirá como ponto de ataque para o sistema de conjugação
grupamento heme (como os citocromos da cadeia fixar um substrato endógeno como, por exemplo,
respiratória) e, por isso, se ligam ao oxigênio. São, dessa glicuronídio. Como outros exemplos de grupos funcionais de
14 Farmacologia I – UNIRIO

substâncias endógenas, temos metila, ácido acético, ácido enzimas presentes. Isto é denominado “indução metabólica de
sulfúrico e aminoácidos. Em geral, ambas as etapas enzimas” e uma droga que apresenta este efeito é o etanol.
diminuem a lipossolubilidade, aumentando, assim, a Há fármacos, por exemplo, capazes de induzir aumento
eliminação renal do fármaco que, caso contrário, poderia nos níveis de citocromo P450, o que provoca aumento da
ficar indefinidamente no organismo. velocidade de metabolização do fármaco indutor, bem como
Se o metabólito oriundo da fase I for suficientemente de outros fármacos biotransformados pelo sistema P450. Por
polar, será eliminado pelos rins. Entretanto, muitos outro lado, muitos fármacos podem inibir o sistema P450 e,
metabólitos são lipofílicos demais para ficarem retidos nos assim, potencializar as ações de outros fármacos que são
túbulos renais. Uma reação de conjugação subseqüente com metabolizados pelas enzimas do citocromo (p. ex., quinidina).
um substrato endógeno resulta no aparecimento de compostos
mais polares. Em geral, mais hidrossolúveis e
terapeuticamente inativos. A glicuronidação é a reação mais FATORES QUE AFETAM O METABOLISMO
comum e mais importante de conjugação. Os recém-nascidos
são deficientes deste sistema de conjugação, o que os torna 1. Genéticos;
particularmente vulneráveis a fármacos como o cloranfenicol. 2. Idade (efeitos tóxicos mais comuns em muito jovens e
Fármacos que já possuem um grupamento OH, HN ou idosos);
COOH podem passar diretamente ao metabolismo de fase II. 3. Diferenças individuais (há variações de até 30 vezes no
Os conjugados de fármacos, altamente polares, podem, então, metabolismo de uma droga);
ser eliminados pelos rins. 4. Fatores ambientais (p. ex., fumo);
A isoniazida (ácido isonicotínico) é uma exceção e sofre 5. Propriedades químicas dos fármacos;
uma reação de fase II (acetilação) antes de passar por uma 6. Via de administração;
reação de fase I, sendo, então, hidrolizada a ácido nicotínico. 7. Dosagem;
8. Sexo;
9. Doença (p. ex., hepatite crônica, cirrose, câncer
INTERAÇÃO FARMACOLÓGICA hepático);
10. Interações entre fármacos durante o metabolismo
Alguns fármacos agem nas enzimas que os metabolizam, (barbitúricos podem ocasionar a necessidade de doses maiores
aumentando a atividade ou o número de moléculas de de cumarínicos para manter o tempo de protrombina elevado).

Quadro 5.1 Apêndice


O Ciclo da Monooxigenase P450

A oxidação microssômica de fármacos necessita do um próton e outro elétron da NADPH-P450 redutase para
citocromo P450, da enzima NADPH-citocromo P450 formar um complexo Fe2+OOH·DH. Esse complexo combina-
redutase e do oxigênio molecular (O2). se com outro próton, produzindo água e um complexo oxeno
O P450, que contém ferro na forma férrica (Fe3+) em seu férrico (FeO)3+·DH. O (FeO)3+ extrai um átomo de hidrogênio
heme, combina-se com uma molécula da droga (DH). Então, da DH, com formação de um par de radicais livres de vida
recebe um elétron da NADPH-P450 redutase, que reduz o curta, liberação da droga oxidada (DOH) do complexo e
ferro a (Fe2+). Depois, combina-se com o oxigênio molecular, regeneração da enzima P450.

Referências
Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone,
2004 (trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).
Junqueira L. C. e Carneiro J.: Biologia Celular e Molecular.
7ª ed., Rio de Janeiro, RJ, Guanabara Koogan, 2000.
Farmacologia I – UNIRIO 15

CAPÍTULO 6
Excreção

INTRODUÇÃO
seletivos. Um deles transporta ácidos e, o outro, bases
Os fármacos podem ser eliminados inalterados ou, como orgânicas. Esses sistemas podem reduzir a concentração
visto no capítulo 5, convertidos em metabólitos. Os órgãos plasmática do fármaco a quase zero, transportando-o contra
excretórios (com exceção dos pulmões) eliminam substâncias um gradiente químico. Como, pelo menos, 80% do fármaco
polares com mais facilidade. que chega ao rim é apresentado ao transportador, a secreção
A via excretória mais importante é a renal, por meio da tubular representa o mecanismo mais eficaz para eliminação
urina. Outras vias excretórias incluem a bile, o intestino, os de fármacos pelos rins.
pulmões, o leite etc. A probenecida compete pelo mesmo sistema de
transporte que a penicilina, diminuindo, dessa forma, sua
eliminação.
ELIMINAÇÃO RENAL DE FÁRMACOS
Difusão pelo filtrado. À medida que o filtrado glomerular
Filtração glomerular. Os fármacos penetram nos rins pelas atravessa o túbulo, a água é reabsorvida, sendo que o volume
artérias renais, as quais se dividem para formar o plexo que emerge como urina é apenas 1% daquele filtrado. Se o
capilar glomerular. Os fármacos livres (não ligados a túbulo fosse livremente permeável a moléculas de fármacos,
proteínas) atravessam a rede capilar para o espaço de 99% do fármaco seriam reabsorvidos passivamente. De forma
Bowman como parte do filtrado glomerular. que fármacos com alta lipossolubilidade e, portanto, elevada
Os capilares glomerulares permitem a difusão de permeabilidade tubular, são excretados lentamente. Ou seja,
moléculas de fármacos com peso molecular inferior a 20.000 fármacos lipossolúveis são mais reabsorvidos por
(moléculas pequenas) no filtrado glomerular. Raros fármacos, atravessarem mais facilmente as membranas das células
como a heparina, são retidos. Como a albumina não atravessa tubulares.
livremente a barreira, quando um fármaco se liga Se, por outro lado, o fármaco for polar, o mesmo
consideravelmente à albumina plasmática, sua concentração permanecerá no túbulo e sua concentração aumentará até ficar
no filtrado é menor que a concentração plasmática. Um cerca de 100 vezes mais alta na urina que no plasma (p. ex.,
fármaco como a Varfarina liga-se em 98% à albumina e só digoxina e antibióticos aminoglicosídeos). Muitos fármacos,
2% permanecem no filtrado. Portanto, a depuração por por serem ácidos fracos ou bases fracas, alteram sua ionização
filtração será muito reduzida. com o pH, o que afeta sua excreção renal. O efeito de
aprisionamento de íons, significa que um fármaco básico é
Secreção e reabsorção tubulares. Até 20% do fluxo mais rapidamente excretado na urina ácida, visto que o pH
plasmático renal são filtrados através do glomérulo, de modo baixo no interior do túbulo favorece sua ionização e, portanto,
que, pelo menos 80% do fármaco podem passar para os inibe sua reabsorção. Por outro lado, os fármacos ácidos são
capilares peritubulares do túbulo proximal. Neste local, os mais facilmente excretados se a urina for alcalina. A
fármacos são transferidos para a luz tubular mediante dois alcalinização da urina, por exemplo, é usada para acelerar a
sistemas transportadores independentes e relativamente não excreção da aspirina em casos de superdosagem.

Referências
Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone, 2004
(trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).
16 Farmacologia I – UNIRIO

CAPÍTULO 7
Farmacocinética Clínica

INTRODUÇÃO
velocidade de eliminação por todas as vias, normalizada em
Uma hipótese fundamental da farmacocinética clínica é que relação à concentração do fármaco (C) em algum fluido
existe uma relação entre os efeitos farmacológicos de um biológico.
fármaco e a concentração acessível desse fármaco (no sangue
ou plasma). As diferentes variáveis fisiológicas e Quadro 7.1 Equação de Depuração
fisiopatológicas que determinam o ajuste de dosagem em
pacientes individuais muitas vezes acontecem em função de Taxa de Eliminação
parâmetros farmacocinéticos. CL =
Os quatro parâmetros farmacocinéticos mais importantes C
são: depuração (uma medida de eficiência do organismo em
eliminar um fármaco); volume de distribuição (uma medida
do espaço aparente para conter o fármaco do corpo); VOLUME DE DISTRIBUIÇÃO
biodisponibilidade (fração do fármaco inalterado a atingir a
circulação sistêmica. Ver Cap. 3) e meia-vida de eliminação Volume é o outro parâmetro fundamental quando se considera
(uma medida da velocidade de remoção do fármaco do processos de distribuição de fármacos. O volume de
organismo). distribuição (Vd) relaciona a quantidade total de fármaco no
corpo (Q) com a concentração do fármaco (Cp) no plasma (ou
no fluido medido). Esse volume não se refere a um volume
DEPURAÇÃO (ou clearance) fisiológico identificado, mas meramente ao volume de fluido
que seria necessário para armazenar todo o fármaco contido
Assumindo uma biodisponibilidade completa, o estado de no corpo na mesma concentração presente no plasma.
equilíbrio será atingido quando a velocidade de eliminação
do fármaco igualar sua velocidade de administração. Quadro 7.2 Equação de Volume de Distribuição
Assim, se um desejado estado de equilíbrio dinâmico é
conhecido, a velocidade de depuração do fármaco pelo
paciente determinará a velocidade com que o fármaco deve Q
ser administrado. É um conceito muito útil porque seu valor Vd =
Cp
para um determinado fármaco é usualmente constante nos
limites de concentração utilizados clinicamente. Isto é, a
eliminação não é, normalmente, passível de saturação e a taxa Nessa equação, estamos considerando o corpo como um
de eliminação de uma droga é diretamente proporcional à sua compartimento homogêneo. Nesse modelo de um só
concentração. compartimento, todo o fármaco administrado o é diretamente
Esse tipo de eliminação é denominado eliminação de no compartimento central e a distribuição do fármaco é
primeira ordem. Isso acontece porque os mecanismos de instantânea pelo volume. A depuração do fármaco desse
eliminação do fármaco não estão saturados. Quando os compartimento ocorre segundo cinética de primeira ordem.
mecanismos de eliminação saturam (p. ex., etanol e aspirina), Quer dizer, a quantidade de fármaco eliminada por unidade de
a cinética torna-se uma cinética de saturação (também tempo depende da quantidade (concentração) de fármaco no
chamada de ordem zero). Ou seja, a droga é removida numa compartimento do corpo.
velocidade constante, que independe da concentração O volume de distribuição varia de acordo com sexo, idade,
plasmática. Com isso, se a dose administrada superar a doenças etc. Os benzodiazepínicos como o diazepam, por
capacidade de eliminação, não será possível alcançar um exemplo, devido à sua alta lipossolubilidade, acumulam-se
estado de equilíbrio dinâmico: a concentração continuará gradualmente na gordura corporal. Com isso, pacientes
aumentando enquanto continuar a administração da droga. idosos tendem a acumular drogas lipossolúveis em maior
Clearance (CL) de um fármaco, de modo simples, é a quantidade.
Farmacologia I – UNIRIO 17

MEIA-VIDA A meia-vida do diazepam, por exemplo, aumenta com a


idade não porque a depuração diminui, mas porque o volume
É o tempo necessário para a concentração de determinado de distribuição aumenta.
fármaco no corpo ser reduzida pela metade. Meia-vida (t½) é A meia-vida propicia uma boa indicação do tempo
um parâmetro derivado da depuração e do volume de requerido para se atingir um estado de equilíbrio. Depois que
distribuição e varia em função deles, como na equação: um regime terapêutico é iniciado ou alterado, são necessárias
quatro meias-vidas para atingir aproximadamente 94% de um
Quadro 7.3 Equação de Meia-Vida novo estado de equilíbrio (ver Quadro 7.4).
Ou seja, após a primeira meia-vida, a concentração da
0,7* x Vd
primeira dose do fármaco cairá para 50%, quando, então,
t½ = ministra-se a segunda dose. Passando uma segunda meia-vida,
CL esses 50% cairão para 25%, mas, como foi ministrada uma
segunda dose, a concentração total subirá para 75% (25 + 50).
Na terceira, atinge-se 87,5% (12,5 + 25 + 50). Já na quarta
* A constante 0,7 é uma aproximação do logaritmo natural de 2. Como a
dose, finalmente, 93,75% (6,25 + 12,5 + 25 + 50) da dosagem
eliminação de drogas pode ser descrita por um processo exponencial, o ministrada, um percentual considerável. Concluímos, então,
tempo necessário para uma redução de duas vezes pode ser demonstrado que o tempo para um fármaco ser removido do corpo é um
como proporcional a ln (2). meio de estimar um intervalo de dosagem apropriado.

Quadro 7.4 Evolução para um Estado de Equilíbrio (baseado em doses de 100 mg)

1ª Dose: 2ª Dose: 3ª Dose: 4ª Dose:


100 mg 100 mg 100 mg 100 mg

1ª t½ 2ª t½ 3ª t½ 4ª t½
0 mg + 50 mg + 75 mg + 87,5 mg + 93,75 mg ...

Referências
Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone,
2004 (trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).
Katzung, Bertram G. et al: Basic and Clinical Pharmacology. 9ª ed.,
The McGraw-Hill Companies, Inc., 2004 (trad. pt. Rio de
Janeiro, Editora Guanabara Koogan S.A., 2006).
18 Farmacologia I – UNIRIO

MÓDULO II
CAPÍTULO 8
Sistema Nervoso Autônomo

INTRODUÇÃO

O sistema nervoso pode ser analisado segundo duas O sistema nervoso central é constituído por encéfalo e medula
importantes divisões: (1) divisão anatômica e (2) divisão espinhal (neuro-eixo).
funcional. Para o estudo da Farmacologia I, focaremos a O sistema nervoso periférico é constituído, basicamente,
divisão funcional. Mais precisamente, o componente eferente pelos nervos. Estes são cordões de células nervosas que unem
do Sistema Nervoso Visceral, também chamado Sistema o sistema nervoso central aos órgãos periféricos. São ditos
Nervoso Autônomo. Interessa-nos, particularmente, a cranianos caso essa união se dê com o encéfalo e espinhais
fisiologia de seus componentes simpático e parassimpático. caso com a medula.
Existem certas dilatações nos nervos constituídas,
principalmente, de corpos de neurônios chamadas gânglios.
DIVISÕES DO SISTEMA NERVOSO
Baseada em Critérios Funcionais. Quanto à funcionalidade,
Baseada em Critérios Anatômicos. Quanto aos critérios o sistema nervoso pode ser dividido em sistema nervoso
anatômicos, a divisão desses sistemas se baseia na sua somático (da vida de relação) e sistema nervoso visceral (da
localização em relação ao esqueleto axial (cavidade craniana vida vegetativa). Ambos apresentam componentes aferentes e
e canal vertebral). O sistema nervoso central está dentro e o eferentes.
periférico, fora. Contudo, há exceções como gânglios dentro
do esqueleto axial. Além disso, os nervos e suas raízes Quadro 8.2 Divisão Funcional*
devem, obviamente, penetrar no esqueleto axial para fazer
conexão com o sistema nervoso central.
Sistema aferente
Quadro 8.1 Divisão Anatômica Nervoso
Somático eferente

Sistema encéfalo
Nervoso
Central medula espinhal Sistema aferente
Nervoso simpático
Visceral eferente
(ou S.N. autônomo) parassimpático
nervos
Sistema
* Cumpre ressaltar que os termos “simpático” e “parassimpático” são
Nervoso gânglios anatômicos e não dependem do tipo de transmissor químico liberado pelas
Periférico terminações nervosas nem mesmo do tipo de efeito – excitatório ou inibitório
– produzido pela atividade do nervo. Ou seja, resultam de uma subdivisão
terminações nervosas anatômica dentro da divisão funcional “sistema nervoso autônomo”.
Farmacologia I – UNIRIO 19

No sistema somático, importante na interação com o meio FUNÇÕES


externo, o componente aferente conduz impulsos originados
em receptores periféricos aos centros nervosos. O Sistema Simpático. Apesar de manter funções permanentes
componente eferente leva comandos desses centros nervosos como tônus vascular, sua função principal é responder a
para os músculos estriados esqueléticos. Com isso, têm-se situações não-permanentes de estresse como frio, trauma,
movimentos voluntários. medo, hipoglicemia, exercício etc. Aumenta a pressão arterial,
Analogamente, no sistema visceral, importante na a freqüência cardíaca, mobiliza estoques energéticos, causa
interação com o meio interno, o componente aferente conduz vasoconstrição periférica e interna, provoca dilatação de
os impulsos originados nos receptores das vísceras aos pupilas e bronquíolos.
centros nervosos. O componente eferente encaminha os As alterações provocadas pelo organismo durante
impulsos gerados nos centros nervosos até as vísceras como emergências são mediadas por ativação direta simpática dos
glândulas, músculos lisos e músculo cardíaco. órgãos efetuadores e por estímulo da medula adrenal
Encaminhamento esse que percorre dois neurônios efetores liberando adrenalina e, em pequenas quantidades,
autônomos: (1) pré-ganglionares e (2) pós-ganglionares. Esse noradrenalina. São também conhecidas como reações de luta
componente eferente do sistema nervoso visceral é ou fuga.
denominado sistema nervoso autônomo e pode ser
subdividido em simpático e parassimpático. Sistema Parassimpático. Mantém funções essenciais à vida,
tais como processos digestivos e eliminação de substâncias
inaproveitáveis. Opera isoladamente em órgãos específicos
OS SISTEMAS SIMPÁTICO E PARASSIMPÁTICO como coração, músculo liso brônquico, íris, glândulas
salivares e bexiga.

ANATOMIA
NEUROTRANSMISSORES
A inervação do sistema autônomo é usualmente dupla.
Todavia, um sistema costuma predominar. No coração, por A neurotransmissão é um exemplo de comunicação química
exemplo, a freqüência cardíaca é controlada marcadamente entre células. E no caso do sistema nervoso autônomo
pelo parassimpático. Há casos, ainda, em que a inervação de (simpático e parassimpático), as fibras nervosas secretam,
determinados órgãos é limitada a um dos sistemas. Por principalmente, acetilcolina e noradrenalina (termo britânico
exemplo, medula adrenal, rim e ações fisiológicas como o para norepinefrina).
controle de pressão arterial são áreas limitadas à influência do Os neurônios são células individualizadas e, tanto a sua
sistema simpático. comunicação entre si como com outras células é mediada por
neurotransmissores. Esses se difundem através da fenda
Sistema Simpático. As fibras simpáticas pré-ganglionares, sináptica e agem sobre receptores pós-sinápticos. Podem,
cujos corpos celulares estão localizadas dentro do sistema também, voltar e agir em receptores pré-sinápticos. Os
nervoso central, abandonam o mesmo a partir de T1 a L2 neurotransmissores são muito hidrofílicos e seu efeito é
(toracolombares). Passam, então, pela cadeia simpática e mediado por receptores específicos na célula alvo.
seguem para os tecidos e órgãos pelos neurônios pós-
ganglionares. Quadro 8.3 Neurotransmissores Autonômicos
As cadeias simpáticas são cadeias de gânglios
Neurotransmissor Área de Ação
paravertebrais simpáticos dispostos dos dois lados da coluna
vertebral. Neles, há a sinapse dos neurônios pré-ganglionares Todos os neurônios pré-
com os corpos celulares dos neurônios pós-ganglionares. Acetilcolina ganglionares
Uma exceção ocorre nas adrenais (ou supra-renais). Neste Neurônios parassimpáticos
caso, as fibras pré-ganglionares passam sem fazer sinapses pós-ganglionares
desde a medula espinhal até atingirem células neuronais Medula das adrenais
modificadas nas medulas das adrenais que secretam Nervos somáticos
adrenalina e noradrenalina.
Neurônios simpáticos pós-
Sistema Parassimpático. As fibras parassimpáticas Noradrenalina* ganglionares
(craniossacrais) abandonam o sistema nervoso central pelos * As fibras nervosas simpáticas pós-ganglionares para as glândulas
nervos cranianos III, VII, IX e X e pela terceira e quarta sudoríparas, para os músculos eretores dos pêlos (piloeretores) e para
alguns dos vasos sangüíneos são colinérgicas.
raízes espinhais sacrais. Contudo, cerca de 75% de todas as
fibras nervosas parassimpáticas estão nos dois nervos vagos
Acetilcolina. Se a transmissão autonômica é mediada por
que proporcionam uma extensa inervação toracoabdominal
acetilcolina, o neurônio é dito colinérgico. E todos os
Uma diferença quanto às fibras simpáticas é que as fibras
neurônios pré-ganglionares são colinérgicos. Dessa forma, a
parassimpáticas pós-ganglionares, na grande maioria das
acetilcolina medeia a transmissão nervosa dos gânglios
vezes, encontram-se nas paredes dos órgãos.
autonômicos, tanto simpáticos como parassimpáticos. Além
disso, é, também, o neurotransmissor na medula adrenal
20 Farmacologia I – UNIRIO

(lembrar que o neurônio simpático pré-ganglionar faz sinapse SEGUNDOS MENSAGEIROS


diretamente nela). O transmissor também é a acetilcolina no
sistema parassimpático pós-ganglionar e nos nervos Os neurotransmissores, ao atuar em seus receptores, ativam
somáticos. processos enzimáticos resultando em respostas celulares como
Dessa forma, quando aplicadas nos gânglios, a fosforilação de proteínas e ativação de canais iônicos.
acetilcolina ou substâncias semelhantes a ela, estimularão os Segundos mensageiros são moléculas que propagam a
neurônios pós-ganglionares, sejam eles simpáticos ou mensagem originada pela união do transmissor com o
parassimpáticos. receptor. Ou seja, intervêm entre a mensagem original e o
efeito final sobre a célula. São exemplos a adenilciclase,
Noradrenalina. No caso de o transmissor ser noradrenalina óxido nítrico e fosfatidilinositol.
ou adrenalina, a fibra é denominada adrenérgica. A Os receptores pós-sinápticos de neurônios e fibras
noradrenalina medeia a transmissão pós-ganglionar no musculares estão diretamente ligados a canais iônicos. Alguns
sistema simpático. receptores que não estão ligados a canais iônicos iniciam uma
Assim, praticamente todas as terminações nervosas do série de reações que culminam em uma resposta celular
sistema parassimpático secretam acetilcolina, enquanto que a específica.
maioria das terminações do simpático libera noradrenalina.
Por isso, a acetilcolina é chamada de transmissor
parassimpático e a noradrenalina de transmissor simpático.

Referências
Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone,
2004 (trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).
Katzung, Bertram G. et al: Basic and Clinical Pharmacology. 9th
ed., The McGraw-Hill Companies, Inc., 2004 (trad. pt. Rio de
Janeiro, Editora Guanabara Koogan S.A., 2006).
Hardman, Joel G. & Limbird, Lee E.: Goodman & Gilman’s The
Basic Pharmacological Basis Of Therapeutics. 9th ed., The
McGraw-Hill Companies, Inc, 1996.
Guyton, Arthur C., Hall, John E.: Textbook of Medical Physiology.
10ª ed., Philadelphia, PA, W.B. Sauders Company, 2000 (trad.
pt. Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan S.A., 2002).
Machado, Ângelo: Neuroanatomia Funcional. 2ª ed., São Paulo
Editora Atheneu, 2000.
Farmacologia I – UNIRIO 21

CAPÍTULO 9
Agonistas Adrenérgicos

INTRODUÇÃO O processo de síntese da noradrenalina tem início no


citoplasma axonal, na extremidade da terminação nervosa das
Neurônios adrenérgicos liberam noradrenalina como fibras adrenérgicas, sendo complementada pelas vesículas
neurotransmissor e são encontrados tanto no sistema nervoso secretoras. As etapas básicas (ver Fig. 9.2) são as seguintes:
central como no sistema periférico simpático, onde fazem a
hidroxilação
associação entre gânglios e órgãos efetuadores. Os agonistas 1. Tirosina DOPA
descarboxilação
adrenérgicos atuam em receptores que são estimulados por 2. DOPA Dopamina
adrenalina ou noradrenalina. Logo, agonistas adrenérgicos 3. Transporte da dopamina para as vesículas
hidroxilação
são fármacos que, direta ou indiretamente, estimulam o 4. Dopamina Noradrenalina
adrenorreceptor e mimetizam os efeitos simpáticos.
Além disso, em resposta a uma variedade de estímulos Na medula adrenal, essa reação passa por uma etapa
como estresse, a medula da supra-renal libera adrenalina, que adicional, transformando cerca de 80% da noradrenalina em
é transportada pelo sangue até os tecidos-alvo – em outras adrenalina, de acordo com o seguinte:
palavras, a adrenalina também atua como hormônio. Assim, é
metilação
de se esperar que drogas que imitam as ações da adrenalina 5. Noradrenalina Adrenalina
ou noradrenalina – drogas simpaticomiméticas – apresentem
ampla gama de efeitos. Tudo começa com o transporte de tirosina e Na+
O sistema simpático, freqüentemente, tem seus extracelulares para o citoplasma neuronal (transportador
constituintes ativados ao mesmo tempo como uma unidade sódio-dependente da tirosina). Lá, a tirosina é hidroxilada a
completa. Esse fenômeno recebe o nome de descarga em diidroxifenilalanina (DOPA) pela tirosina-hidroxilase (etapa
massa. Isso ocorre quando o hipotálamo é ativado por susto, limitante da velocidade na síntese de noradrenalina). A dopa
medo ou dor severa. O resultado é uma ampla reação em todo é, então, descarboxilada pela dopa descarboxilase, formando
o corpo chamada de resposta de alarme. São características dopamina que é transportada para as vesículas por um sistema
da descarga em massa: de transporte de aminas (como noradrenalina, dopamina e
serotonina). O mesmo transporte, na fenda sináptica, irá
1. Aumento da pressão arterial; transportar a noradrenalina de volta ao neurônio pré-sináptico.
2. Aumento do fluxo sangüíneo para os músculos ativos Dentro das vesículas, a dopamina é hidroxilada pela dopamina
concomitante com a diminuição do fluxo para órgãos tais β-hidroxilase, transformando-se em noradrenalina. Parte da
como trato gastrintestinal e rins; noradrenalina, contudo, não se encontra nas vesículas, mas
3. Aumento do metabolismo celular corporal; livre no citoplasma.
4. Aumento da concentração de glicose no sangue; Um potencial de ação (criado por uma corrente
5. Aumento da glicólise no fígado e nos músculos; intracelular de íons sódio) faz com que íons cálcio entrem no
6. Aumento da força muscular; neurônio levando as vesículas a se fundirem à membrana,
7. Aumento da atividade mental; liberando noradrenalina na fenda sináptica.
8. Aumento da velocidade de coagulação do sangue.

NEUROTRANSMISSÃO NOS NEURÔNIOS


ADRENÉRGICOS

Ocorre usando estruturas intracitoplasmáticas em vesículas


que terminam por associar-se à membrana plasmática
Figura 9.1 Fórmula Estrutural do Catecol
neuronal. A noradrenalina é sintetizada nestas vesículas,
armazenada e liberada no espaço sináptico, onde liga-se ao As catecolaminas estão sujeitas à inativação pela catecol-orto-metil-
receptor e, finalmente, é removida da fenda sináptica. transferase (COMT), uma enzima encontrada no trato digestivo e no fígado e
que diminui sua biodisponibilidade após administração oral.
22 Farmacologia I – UNIRIO

A Importância das Medulas Adrenais na Função do


Sistema Nervoso Simpático. Adrenalina e noradrenalina,
quase sempre, são liberadas pelas medulas das adrenais ao
mesmo tempo que os diferentes órgãos são estimulados
diretamente pela ativação simpática generalizada. Portanto, os
órgãos são, na verdade, estimulados pelos dois modos
simultaneamente. Esses dois modos de estimulação
adrenérgica apóiam-se mutuamente e, na maioria dos casos,
podem substituir um ao outro (por ex., na destruição das vias
simpáticas ou perda das medulas adrenais).
Outra importância das medulas adrenais é a capacidade da
adrenalina e noradrenalina estimularem estruturas do corpo
que não são inervadas diretamente por fibras simpáticas.

MECANISMO DE AÇÃO DOS AGONISTAS


ADRENÉRGICOS

Ação Direta. Adrenalina, noradrenalina, isoproterenol e


fenilefrina agem diretamente em receptores α e/ou β,
mimetizando a ação do sistema simpático.

Figura 9.2 Biossíntese das Catecolaminas Ação Indireta. Anfetamina e tiramina agem liberando
noradrenalina do citosol ou vesículas. Esta noradrenalina
A noradrenalina liberada liga-se a receptores pós- comporta-se como na ativação neuronal.
sinápticos do órgão efetor, mas também a receptores pré-
sinápticos no próprio neurônio (α2). A ligação com os Ação Mista. Efedrina e metaraminol combinam os dois
receptores leva à ativação de segundos mensageiros como o mecanismos.
AMPc, ou o ciclo dos fosfoinositídeos, que irão transformar o
sinal em efeito. A noradrenalina pode passar para a
circulação geral, pode ser metabolizada pela enzima catecol-
O-metiltransferase (COMT) ou ser transportada de volta ao I. CATECOLAMINAS
neurônio de forma ativa. Transporte este que é inibido por
imipramina e cocaína, que, ao aumentarem a concentração de
noradrenalina no espaço sináptico, potencializam a ação ADRENALINA
adrenérgica.
Após reentrar no citoplasma, a noradrenalina pode ser Natureza. Catecolamina de ação direta.
transportada para as vesículas, ficar no pool citoplasmático Fisiologia. É sintetizada na medula adrenal pela metilação da
ou ser oxidada pela monoamina oxidase (MAO) na noradrenalina. Age tanto em receptores α quanto β. No
mitocôndria. São metabólitos da noradrenalina eliminados na sistema vascular, os efeitos α (vasoconstrição) predominam
urina: ácido vanilmandélico, metanefrina e normetanefrina. com doses altas. Contrai as arteríolas da pele e vísceras (efeito
α1), e o resultado é um aumento de pressão mais sistólico do
Quadro 9.1 Receptores Adrenérgicos / Efeitos que diastólico. Com doses baixas, todavia, os efeitos β
predominam na vasculatura (vasodilatação). Nas vias aéreas, a
Receptor alfa Receptor beta adrenalina causa potente broncodilatação (β2). No coração,
Vasoconstrição Taquicardia (β1) devido a suas ações nos receptores β1, a adrenalina tem efeitos
Dilatação da íris Aumento da força do inotrópico e cronotrópico positivos (aumento da força e da
Relaxamento intestinal miocárdio (β1) velocidade de contração, respectivamente). Dilata os vasos do
Contração dos Vasodilatação (β2) fígado e musculatura esquelética (β2). Apresenta efeito
esfíncteres intestinais Broncodilatação (β2) hiperglicemiante em razão de estimular a glicogenólise
Contração pilomotora Relaxamento intestinal hepática e muscular (β2). Causa um aumento na liberação de
Contração do esfíncter (β2) glucagon (β2) e diminuição na liberação de insulina (α2). No
da bexiga Relaxamento do útero tecido adiposo, a adrenalina estimula a lipólise (β3). É
(β2) metabolizada pela COMT e MAO.
Relaxamento da parede Usos terapêuticos. É usada em broncoespasmos, glaucoma,
da bexiga (β2) choque anafilático e parada cardíaca. No choque anafilático, a
Termogênese (β2) adrenalina constitui o agente de escolha devido à vasta prática
Glicogenólise (β2) experimental e clínica com a droga na anafilaxia, e por sua
Lipólise (β3) propriedade de ativar os receptores α, β1 e β2, que podem ser
todos importantes para reverter o processo fisiopatológico
Farmacologia I – UNIRIO 23

subjacente à anafilaxia. Além disso, como veremos no Usos terapêuticos. É o fármaco de escolha em tratamento de
capítulo 14 – Anestésicos Locais, devido a seu efeito choque.
vasoconstritor, é usada em solução com anestésicos locais por Efeitos adversos. Doses altas reproduzem uma ação
diminuir o risco de efeitos sistêmicos, bem como a dosagem semelhante à hiperativação simpática.
de anestésico necessária.
Efeitos adversos. Alterações psíquicas, hemorragia cerebral
por seus efeitos pressores, arritmias – principalmente na DOBUTAMINA
presença de digitálicos (ver Quadro 9.3) – e edema pulmonar
devido à hipertensão pulmonar. Natureza. Catecolamina sintética de ação direta.
Interações. Efeitos aditivos em hipertireoidismo e uso de Fisiologia. É uma agonista direta de receptores β1 (agonista β1
cocaína. seletivo). Não é absorvida via oral e apresenta meia-vida de 2
minutos quando administrada via intravenosa.
Usos terapêuticos. Usada em insuficiência cardíaca por
NORADRENALINA aumentar o débito cardíaco sem afetar a freqüência.
Efeitos adversos. Deve ser usada com cautela em fibrilação
Natureza. Catecolamina de ação direta. atrial. Possui outros efeitos adversos semelhantes aos da
Fisiologia. É o neurotransmissor adrenérgico fisiológico, adrenalina. Além disso, pode gerar tolerância.
mas, na prática, quando administrado em humanos, apresenta
ação α-adrenérgica. Causa vasoconstrição generalizada e,
conseqüentemente, aumento da pressão sistólica e diastólica. II. OUTROS SIMPATICOMIMÉTICOS
Devido ao reflexo barorreceptor, a pressão cardíaca
aumentada leva à estimulação vagal reflexa e, com isso,
desenvolve-se bradicardia. O resultado final é que a FENILEFRINA
noradrenalina, in vivo, mesmo possuindo ação inotrópica
positiva, não causa estimulação cardíaca. Natureza. Fármaco não-catecolamínico de ação direta.
Usos terapêuticos. Choque (complexa síndrome Fisiologia. É um adrenérgico sintético que se liga a receptores
cardiovascular aguda), hipotensão durante cirurgia.
α, principalmente α1. Como não se trata de um derivado
Efeitos adversos. Semelhantes aos da adrenalina.
catecólico, não é metabolizada pela COMT e, por isso, possui
uma duração de ação maior que a adrenalina, com efeitos
semelhantes, mas mais fracos. É um vasoconstritor que
ISOPROTERENOL
aumenta tanto a pressão sistólica quanto diastólica, causando
bradicardia reflexa.
Natureza. Catecolamina sintética de ação direta.
Usos terapêuticos. É usada topicamente em mucosas nasais e
Fisiologia. É um agonista muito potente dos receptores β
em soluções oftálmicas para provocar midríase.
(tanto β1 quanto β2), mas exerce pouco efeito sobre os Efeitos adversos. Altas doses provocam hipertensão e
receptores α. Dessa forma, trata-se de um potente arritmias.
vasodilatador. Atua em receptores β2 na musculatura
esquelética, provocando vasodilatação periférica. Além disso,
apresenta ações cronotrópica e inotrópica positivas (β1). METOXAMINA
Produz rápida e intensa broncodilatação. Causa lipólise, com
liberação de ácidos graxos livres (AGLs) (β3). Há, também, Natureza. Fármaco não-catecolamínico de ação direta.
um aumento na secreção de insulina (β2). Sua absorção oral Fisiologia. Adrenérgico que, de forma semelhante à
não é confiável. fenilefrina, se liga a receptores α, principalmente α1. É usada
Usos terapêuticos. Usado em emergências cardíacas e como para interromper episódios de taquicardia supraventricular
broncodilatador. paroxística e crises de hipotensão provocadas por halotano.
Efeitos adversos. Semelhante aos da adrenalina. Efeitos adversos. Causa vômitos e crise hipertensiva.

DOPAMINA ANFETAMINA

Natureza. Catecolamina de ação direta (precursor metabólico Natureza. Fármaco não-catecolamínico de ação indireta.
imediato da noradrenalina). Fisiologia. Penetra com muita facilidade no sistema nervoso
Fisiologia. É um neurotransmissor no SNC e medula adrenal. central, onde exerce efeitos estimulantes acentuados sobre o
Em doses mais altas, causa estimulação α1 e, em doses humor e o estado de alerta, com efeito depressor sobre o
baixas, estimula receptores cardíacos β1. Causa aumento da apetite. Suas ações periféricas são mediadas, primariamente,
pressão sistólica. Liga-se, também, a receptores D1 e D2 pela liberação de catecolaminas. Atua, também, como
existentes em leitos mesentéricos e renais, causando estimulante de receptores β1 no coração.
vasodilatação em doses baixas e moderadas. Em doses altas,
provoca vasoconstrição (α1) com perda da função renal.
24 Farmacologia I – UNIRIO

Usos terapêuticos. É usada em depressão, distúrbio de estiver tomando inibidores de MAO, a tiramina não será
hiperatividade com déficit de atenção (DHDA) em crianças, metabolizada, o que pode levar a crises hipertensivas graves.
narcolepsia e controle do apetite.
Efeitos adversos. Seu uso crônico leva a um estado de
esquizofrenia paranóide. Não deve ser usada em gravidez. EFEDRINA

Natureza. Fármaco não-catecolamínico de ação mista.


TIRAMINA Fisiologia. Produz ações semelhantes à adrenalina, mas
menos intensas. Como todos os não-catecolamínicos, não é
Natureza. Fármaco não-catecolamínico de ação indireta. metabolizada pela COMT, tendo ação mais duradoura.
Fisiologia. É um subproduto normal do metabolismo da Usos terapêuticos. Seu uso clínico (asma, miastenia gravis
tirosina no organismo. É altamente encontrada em alimentos (ver Quadro 11.1), hipotensão, descongestionante nasal) está
fermentados como queijos e vinhos. A tiramina é em declínio.
rapidamente metabolizada pela MAO no fígado. Se a pessoa

Quadro 9.2 Resumo dos Agonistas Adrenérgicos mais Importantes


Fármaco Usos Terapêuticos Efeitos Adversos*
Adrenalina broncoespasmo (é broncodilatadora) hemorragia cerebral (devido a seus efeitos
parada cardíaca pressores)
choque anafilático arritmias
em solução com anestésicos (causa edema pulmonar (causa hipertensão
vasoconstrição) pulmonar)
glaucoma
Noradrenalina choque semelhantes aos da adrenalina
hipotensão durante cirurgias
Isoproterenol emergência cardíaca semelhantes aos da adrenalina
broncoespasmo
Dopamina fármaco de escolha no tratamento de Altas doses geram efeitos de
choque superestimulação simpática
Dobutamina Insuficiência cardíaca (aumenta o débito semelhantes aos da adrenalina
sem alterar a freqüência)
Fenilefrina usado topicamente para provocar midríase altas doses levam a hipertensão e arritmias

* Os efeitos adversos dos agonistas adrenérgicos constituem, basicamente, extensões de seus efeitos farmacológicos no sistema cardiovascular e no sistema
nervoso central. Contudo, catecolaminas ou drogas como a fenilefrina raramente provocam toxicidade no SNC (ao contrário de anfetaminas e cocaína).

Quadro 9.3 Apêndice


Clínica: Digitálicos

Digitalis é o nome do gênero da família de plantas (p. ex., Os digitálicos aumentam a contratilidade cardíaca e
Digitalis purpurea) que fornecem a maioria dos glicosídios encurtam a duração do potencial de ação. O aumento da
cardíacos (ou cardenolídios) de utilidade clínica, como a intensidade da interação dos filamentos de actina e miosina
digoxina. Aliás, esta é o protótipo dos cardenolídios. do sarcômero cardíaco ocorre após aumento da
Fato curioso, é que alguns sapos apresentam glândulas concentração de cálcio livre nas proximidades das proteínas
cutâneas capazes de elaborar compostos semelhantes aos contráteis durante a sístole.
cardenolídios

Referências
Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone,
2004 (trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).
Katzung, Bertram G. et al: Basic and Clinical Pharmacology. 9th
ed., The McGraw-Hill Companies, Inc., 2004 (trad. pt. Rio de
Janeiro, Editora Guanabara Koogan S.A., 2006).
Guyton, Arthur C., Hall, John E.: Textbook of Medical Physiology.
10ª ed., Philadelphia, PA, W.B. Sauders Company, 2000 (trad.
pt. Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan S.A., 2002).
Farmacologia I – UNIRIO 25

CAPÍTULO 10
Bloqueadores Adrenérgicos

INTRODUÇÃO Na terapêutica clínica, os antagonistas α não-seletivos têm


sido utilizados no tratamento do feocromocitoma (tumores
Este capítulo trata das drogas que antagonizam os agonistas que secretam catecolaminas), enquanto os antagonistas α1-
adrenérgicos e cujo principal efeito consiste em ocupar os seletivos são utilizados em hipertensão e, recentemente, se
receptores α ou β fora do sistema nervoso central. São, por estabeleceu seu uso na hiperplasia prostática. Por outro lado,
isso, chamadas antagonistas ou bloqueadores de receptores α antagonistas de receptores β mostram-se úteis numa variedade
ou β. A atividade adrenérgica pode ser bloqueada em vários ampla de situações clínicas, e seu uso está bem estabelecido.
pontos do processo estimulante simpático. Entre eles, temos:

1. Inibição da síntese e/ou do armazenamento da


noradrenalina nas terminações nervosas. Um fármaco I. BLOQUEADORES ALFA
conhecido por esse efeito é a reserpina. Ela bloqueia a
capacidade de captação e armazenamento da dopamina Apresentam vigoroso efeito sobre a pressão arterial. O sistema
(precursor da noradrenalina) pelas vesículas transmissoras simpático, normalmente, controla a pressão arterial com ações
aminérgicas do axoplasma pré-sináptico. Com isso, a MAO agonísticas sobre receptores α e seu bloqueio causa
pode metabolizar a própria dopamina, bem como a vasodilatação. Como conseqüência, temos taquicardia
noradrenalina citoplasmática. Dessa forma, ela diminui o barorreflexa em resposta à queda de pressão arterial
estoque de catecolaminas no neurônio pré-sináptico; secundária à vasodilatação.
2. A liberação de noradrenalina pelas terminações Os antagonistas α podem ser reversíveis ou irreversíveis.
nervosas simpáticas pode ser bloqueada. Efeito que pode ser
causado pela guanetidina; Reversíveis: fentolamina, tolazonine, labetalol e prazosin.
3. Os receptores simpáticos α podem ser bloqueados
especificamente. Dois fármacos que causam esse efeito são a Irreversível: fenoxibenzamina.
fenoxibenzamina e a fentolamina;
4. Os receptores β também podem ser bloqueados A duração de efeito de um antagonista reversível está
especificamente. O fármaco que bloqueia todos os receptores associada à meia-vida do fármaco e à constante de dissociação
β é o propranolol. Um que bloqueia somente os receptores fármaco-receptor, enquanto que no caso de antagonismo
β1, por exemplo, é o metoprolol; irreversível, ele se manifesta por muito tempo após o fármaco
5. Há fármacos que bloqueiam a transmissão dos ter desaparecido do plasma. No caso da fenoxibenzamina, é
impulsos nervosos através dos gânglios autonômicos. Um necessária a síntese de novos receptores, o que pode levar
exemplo importante no bloqueio das transmissões – tanto dias.
simpáticas quanto parassimpáticas – é o hexametônio.

Quadro 10.1 Localizações dos Receptores Autonômicos


Receptor Adrenérgico Localizações Típicas
Alfa 1 Células efetoras pós-sinápticas, particularmente do músculo liso
Alfa 2 Terminações nervosas adrenérgicas pré-sinápticas, plaquetas, lipócitos, músculo liso
Beta 1 Células efetoras pós-sinápticas, particularmente no coração, lipócitos, cérebro;
terminações nervosas pré-sinápticas adrenérgicas e colinérgicas
Beta 2 Células efetoras pós-sinápticas, particularmente no músculo liso e músculo cardíaco
Beta 3 Células efetoras pós-sinápticas, particularmente lipócitos
26 Farmacologia I – UNIRIO

Efeitos cardiovasculares. O tônus arterial e venoso depende Beta-bloqueadores podem ser usados, após o bloqueio α,
da ativação de receptores α no músculo liso vascular. para minimizar os efeitos simpáticos no coração. Mas nunca
Portanto, antagonismo de α-receptores causa uma diminuição antes, porque poderiam levar a um aumento na pressão
na resistência vascular periférica e pressão arterial. No caso arterial por deixar a estimulação vasoconstritora α1 periférica
de se usar concomitantemente um agonista com efeito tanto sem nenhuma estimulação compensatória vasodilatadora β2.
α quanto β (adrenalina, por exemplo), os antagonistas α, ao
bloquearem apenas os efeitos α, convertem a resposta da Hiperplasia prostática benigna. Fenoxibenzamina reverte a
adrenalina de hipertensora para hipotensora, o que é chamado contração muscular da próstata aumentada e do colo da
de reversão vasomotora da adrenalina. Ou seja, o bexiga. Tamsulosina é um antagonista de receptores α1 que
antagonista α-seletivo bloqueará a ação α, mas os efeitos β quase não possui efeito colateral na pressão arterial. Prazosin,
vasodilatadores do agonista permanecem ativos. por outro lado, pode ser indicado em pacientes hipertensos
Como os antagonistas de receptores α relaxam as fibras com hipertrofia prostática.
dos músculos lisos vasculares, eles podem causar hipotensão
postural e taquicardia reflexa. A contração de veias (mediada Hipertensão crônica. Fármacos da família do prazosin
por estimulação simpática α1) é muito importante para a (prazosin, terazosin, doxazosin) são usados no tratamento de
capacidade de levantar-se. A taquicardia reflexa é ainda mais hipertensão leve a moderada. A hipotensão postural é o maior
acentuada com antagonistas que bloqueiam também os efeito colateral destes fármacos. Diferentemente da
receptores α2 pré-sinápticos no coração – como fentolamina fenoxibenzamina e fentolamina, exercem pouco efeito na
– , porque a liberação aumentada de noradrenalina estimulará função renal, débito cardíaco e fluxo sangüíneo renal.
ainda mais os receptores β1 cardíacos. O uso crônico de
antagonistas α resulta em um aumento compensatório de
volume sangüíneo. FÁRMACOS ESPECÍFICOS

Outros efeitos. Os efeitos de menor importância que indicam Fentolamina. A diminuição na resistência periférica que ela
bloqueio dos receptores α em outros tecidos incluem miose e causa está associada ao antagonismo α1 e α2 no músculo liso
congestão nasal. O bloqueio dos receptores α1 da base da vascular. Causa uma estimulação simpática cardíaca em
bexiga e da próstata está associado a uma redução da resposta a mecanismos barorreflexos compensatórios
resistência ao fluxo de urina. induzidos pela queda de pressão arterial. O antagonismo de
receptores pré-sinápticos α2 leva a um aumento na liberação
de norepinefrina, o que estimula os receptores cardíacos β1.
FARMACOLOGIA CLÍNICA DOS ALFA- Fentolamina também é antagonista a receptores de serotonina
BLOQUEADORES e um agonista dos receptores histamínicos H1 e H2. Tem sido
usada em feocromocitoma e disfunção erétil masculina.
Disfunção sexual masculina. Fentolamina, junto com o
vasodilatador inespecífico papaverina, quando administrados Fenoxibenzamina. Liga-se de forma covalente e irreversível
conjuntamente, causam ereção masculina. Fentolamina tem a receptores α2 pré-sinápticos e α1 pós-sinápticos. É um
sido sugerida como fármaco a ser usado em disfunção erétil bloqueio irreversível e suas ações prolongam-se por 24 horas.
masculina. Por antagonizar os receptores α1 causa vasodilatação, mas sua
ação nos receptores α2 cardíacos, aumenta o débito cardíaco,
Excesso de vasoconstritores locais. Fentolamina é usada em tornando seu uso em hipertensão ineficaz. O uso de
casos de intensa vasoconstrição local provocada por acidentes fenoxibenzamina faz com que a resposta hipertensora à
com aplicações locais de norepinefrina durante cirurgias. adrenalina transforme-se em hipotensora (ação
vasoconstritora α1 da adrenalina é bloqueada, mas não a β2
Feocromocitoma. Maior uso da fenoxibenzamina vasodilatadora, ocasionando a reversão vasomotora da
(irreversível) e fentolamina (reversível). Feocromocitoma é adrenalina).
um tumor da medula adrenal que libera, anormalmente,
noradrenalina e adrenalina. Os pacientes apresentam sinais de Prazosin. É altamente seletivo para receptores α1 e, por isso,
excesso de catecolaminas como hipertensão, taquicardia e usado no tratamento da hipertensão. Por não se ligar muito a
arritmias. Infusões de fentolamina eram recomendadas no receptores α2 pré-sinápticos, causa pouca taquicardia. A sua
passado como mecanismo de diagnóstico de feocromocitoma meia-vida é de 3 horas e é muito metabolizado no fígado
porque, nestes pacientes, ela causa uma diminuição mais humano. Aproximadamente, apenas 50% fica disponível após
acentuada de pressão do que em pessoas normais. Hoje em administração oral devido ao efeito de primeira passagem que
dia, usa-se a análise de catecolaminas e metabólitos de reduz sua biodisponibilidade. Um de seus efeitos colaterais
catecolaminas como método diagnóstico de feocromocitoma. importantes é a hipotensão postural significativa que aparece
O manejo cirúrgico de feocromocitoma pode levar a uma em suas primeiras doses.
elevação abrupta de pressão, que deve ser controlada com
nitroprussiato de sódio ou fentolamina. Fenoxibenzamina Alcalóides do esporão de centeio (ergotamina,
também é usada na pré-cirurgia de feocromocitoma. metilsergida). Atuam como bloqueadores fracos, tendo
alguma ação agonista em receptores α e são, também,
Farmacologia I – UNIRIO 27

antagonistas de serotonina. São vasoconstritores usados em EFEITOS SOBRE SISTEMAS E ÓRGÃOS


enxaqueca.
Iombina é um alcalóide bloqueador seletivo de receptores Sistema cardiovascular. Possuem efeitos cronotrópicos e
α2 com uso clínico restrito e que bloqueia abruptamente as inotrópicos negativos e diminuem a velocidade de condução
ações anti-hipertensivas da clonidina. no nodo atrioventricular (A.V.) (aumentam o intervalo PR no
eletrocardiograma). A bradicardia resultante limita o uso de β-
bloqueadores. Débito, trabalho e consumo de oxigênio
II. BLOQUEADORES BETA cardíacos são reduzidos pelo bloqueio dos receptores β1,
efeitos muito úteis no tratamento das arritmias
Em termos operacionais, os receptores β1 e β2 são definidos supraventriculares, e nas ventriculares secundárias a exercício
por suas afinidades pela adrenalina e noradrenalina. Os e emoções (situações em que há um excesso de catecolaminas
circulantes). São usados, também, em pacientes após infarto
receptores β1 apresentam afinidade aproximadamente igual
do miocárdio, porque vários (propranolol, metoprolol,
por adrenalina e noradrenalina, enquanto os receptores β2
timolol) mostraram, em grandes estudos, que prolongam a
possuem maior afinidade pela adrenalina do que pela
vida destes pacientes.
noradrenalina.
Dados cronicamente, os β-bloqueadores diminuem a
Os bloqueadores β constituem-se, na sua grande maioria, pressão arterial em pacientes com hipertensão. O propranolol,
de antagonistas competitivos, sem ação estimuladora própria. por exemplo, diminui a pressão arterial, principalmente em
Não obstante, alguns poucos (p. ex., pindolol) são agonistas decorrência de uma redução do débito cardíaco. Além disso,
fracos, desempenhando pequena ação simpaticomimética. inibe a estimulação da produção de renina pelas catecolaminas
Diferem, entre si, quanto à sua especificidade por receptores (mediada pelos receptores β1). Ou seja, o beta-bloqueio
β1 e β2. Quimicamente, se parecem com isoproterenol, um β antagoniza a liberação simpática de renina. Contudo, doses
agonista potente. Os ditos β-bloqueadores seletivos convencionais destes fármacos não causam hipotensão em
bloqueiam primariamente receptores β1. indivíduos normais.
Estes efeitos podem ser desejáveis em alguns pacientes e
indesejáveis em outros. Embora doses pequenas de β-
FARMACOCINÉTICA DOS BETA-BLOQUEADORES bloqueadores sejam muito úteis em alguns pacientes, devido
ao aumento na estimulação simpática, seu uso pode ser
São bem absorvidos e seu pico de ação ocorre em 2-3 horas. trágico em grande parte dos indivíduos com insuficiência
A biodisponibilidade do propranolol, por exemplo, é baixa cardíaca
pois ele sofre extensa metabolização hepática. De modo
geral, a biodisponibilidade é uma limitação na ação de grande Trato respiratório. O bloqueio dos receptores β2 no músculo
parte dos β-bloqueadores. São exceções o pindolol, sotalol, liso brônquico leva a um aumento na resistência das vias
betaxolol e penbutolol. A proporção de propranolol que aéreas, especialmente em pacientes com doenças nas vias
atinge a circulação aumenta à medida que aumenta a respiratórias. Embora haja alguma vantagem em se usar β-
concentração do fármaco, sugerindo que os mecanismos bloqueadores β1 seletivos como atenolol, a seletividade é
responsáveis por seu metabolismo são saturáveis. longe de ser perfeita e eles devem ser evitados em pacientes
A maior parte dos β-bloqueadores tem meia-vida de 3-10 com, por exemplo, asma.
horas. São rapidamente distribuídos e possuem grande
volume de distribuição. O propranolol atravessa a barreira Globo ocular. Reduzem a produção de humor aquoso e são
hematoencefálica. usados em glaucoma (timolol).

Efeitos endócrinos e metabólicos. Inibem a estimulação


EFEITOS ADVERSOS simpática da lipólise. Já os efeitos no metabolismo de
carboidratos não são tão claros. Inibem a glicogenólise
Sedação, distúrbio do sono e depressão podem ocorrer em hepática e reduzem a secreção de glucagon (principal
pacientes usando β-bloqueadores. Devem ser usados com hormônio de reação à hipoglicemia) e devem ser usados com
cautela em pacientes com doença vascular periférica, asma, grande cautela em pacientes diabéticos pois estes podem
doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e insuficiência apresentar profunda hipoglicemia, após injeção de insulina, se
cardíaca. β-bloqueadores podem interagir com verapamil e estiverem usando β-bloqueadores. Isso é bastante verdadeiro
causar distúrbios de condução severos no coração. A retirada em pacientes que apresentam episódios de hipoglicemia, visto
de β-bloqueadores deve ser lenta, porque há relato de piora que catecolaminas parecem ser o mais importante mecanismo
em pacientes com cardiopatia isquêmica após retirada abrupta no estímulo à liberação de glicose no fígado em resposta à
do fármaco. Podem, também, mascarar os sinais de hipoglicemia. β-bloqueadores β1 específicos parecem inibir
hipertireoidismo e devem ser usados com cautela em menos a recuperação de episódios hipoglicêmicos. Além
pacientes diabéticos, especialmente os que apresentam disso, mascaram os sintomas simpáticos da hipoglicemia
episódios hipoglicêmicos. como taquicardia, tremores, sudorese. O uso crônico de β-
bloqueadores acarreta uma diminuição nas concentrações
plasmáticas de HDL, e a um aumento nas de VLDL, enquanto
28 Farmacologia I – UNIRIO

as concentrações de LDL não são afetadas. Portanto, Outras doenças cardiovasculares. Aumentam a fração de
possuem um efeito potencialmente aterosclerótico. Isso não é ejeção em pacientes com miocardiopatia obstrutiva. Tornam
tão verdadeiro para β-bloqueadores com atividade simpática mais lenta a ejeção ventricular e diminuem a resistência ao
intrínseca. Interessantemente, antagonistas de receptores α, fluxo de saída. São úteis em aneurisma dissecante da aorta por
como prazosin, têm sido associados a aumento na diminuir a pressão sistólica.
concentração plasmática de HDL. Contudo, os mecanismos
que participam na modulação plasmática de lipídios por Glaucoma. Tópica e sistemicamente, diminuem a pressão
fármacos adrenérgicos não são conhecidos. intra-ocular. Timolol é recomendado topicamente. Deve-se,
no entanto, tomar cuidado com efeitos sistêmicos do fármaco,
Efeitos não relacionados ao β-bloqueio. Não se sabe até que que pode potencializar, por exemplo, a ação bloqueadora do
ponto o efeito simpático intrínseco (β-bloqueadores com verapamil – um bloqueador de cana de Ca2+ no nódulo A.V..
agonismo parcial) é realmente benéfico. Há sugestões de que
a atividade simpática intrínseca beneficiaria os pacientes com Hipertireoidismo. Propranolol tem uma ação muito boa
doenças nas vias respiratórias. Eles parecem ser úteis em sobre a ação catecolamínica exagerada do hipertireoidismo.
pacientes que desenvolvem broncoespasmos ou bradicardia Ele é muito eficaz na “tormenta tirotóxica” do
com β-bloqueadores puros. A ação anestésica local, também hipertireoidismo agudo, e é usado para prevenir taquicardias
conhecida como ação estabilizadora de membrana, é uma supraventriculares que, freqüentemente, precipitam
ação típica de muitos bloqueadores β e é uma ação típica de insuficiência cardíaca nestes pacientes.
bloqueio dos canais de Na+, que não parece ser muito
importante na prática pois as concentrações necessárias para Doenças neurológicas. Os β-bloqueadores reduzem a
atingir este efeito não são alcançadas farmacologicamente. freqüência e intensidade de episódios de enxaqueca (são
usados propranolol e metoprolol). Reduzem, também,
tremores e manifestações somáticas de ansiedade. Além disso,
FARMACOLOGIA CLÍNICA DOS BETA- são usados na doença do pânico.
BLOQUEADORES

Hipertensão. Apresentam meia-vida curta e podem ser FÁRMACOS ESPECÍFICOS


usados 2-3 vezes por dia. Há a idéia de que seriam menos
eficazes em negros e idosos, mas as diferenças são pequenas Propranolol. Fármaco protótipo dos β-bloqueadores. Possui
e não se aplicam a pacientes individualmente. Não ocorre biodisponibilidade baixa, que é dose dependente. Pode
hipotensão postural porque os receptores α1 não são afetados. bloquear alguns receptores para serotonina no cérebro.
Em alguns pacientes, podem levar à retenção de Na+ por
diminuição da perfusão renal. Isto ocasiona um aumento no Metoprolol, atenolol. São seletivos para receptores β1, mas,
volume do plasma que pode elevar a pressão sangüínea. mesmo assim, devem ser usados com grande cautela em
Nestes casos, adiciona-se um diurético ao β-bloqueador. As pacientes com história de asma. São preferíveis em pacientes
vantagens da β seletividade e da atividade simpática com diabete e doença vascular periférica pois receptores β2
intrínseca, que é uma ação β2, são, teoricamente, são importantes – no fígado – para recuperação de episódios
interessantes, mas não totalmente comprovadas na prática. de hipoglicemia e – na vasculatura periférica – promovendo
vasodilatação.
Cardiopatia isquêmica. Diminuem os episódios anginosos
ao diminuir o trabalho cardíaco e o consumo de oxigênio. Nadolol, timolol. Possuem ação hipotensora ocular local.
Estudos mostraram que o uso de timolol, metoprolol e
propranolol em pacientes infartados aumentam a sobrevida. Pindolol, acebutolol, carteolol, bopindolol, oxprenolol e
Em animais, o uso de β-bloqueadores, durante a fase aguda penbutol. Possuem atividade simpática intrínseca.
do infarto, limita sua área, mas esta possível diminuição da
área de infarto é, ainda, um assunto controverso. Labetalol. É uma mistura racêmica em que um isômero é um
bloqueador α1 e, o outro, um potente β-bloqueador não
Arritmias cardíacas. São usados em taquicardia sinusal, seletivo. A hipotensão induzida por labetalol é acompanhada
arritmias supraventriculares e ventriculares. Além disso, de menos taquicardia que outros bloqueadores α. Pode causar
diminuem extra-sístoles. Por sua ação no nódulo A.V., hipotensão postural e icterícia.
diminuem a freqüência ventricular em flutter e fibrilação
atrial.

Referências
Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone,
2004 (trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).
Katzung, Bertram G. et al: Basic and Clinical Pharmacology. 9ª ed.,
The McGraw-Hill Companies, Inc., 2004 (trad. pt. Rio de
Janeiro, Editora Guanabara Koogan S.A., 2006).
Farmacologia I – UNIRIO 29

CAPÍTULO 11
Agonistas Muscarínicos e
Colinesterásicos

INTRODUÇÃO substância (fator de relaxamento do endotélio ou EDRF


[endothelium-derived relaxing factor]) das células endoteliais,
Em 1914, Dale, estudando as ações farmacológicas da que produz relaxamento do músculo liso. O EDRF parece ser
acetilcolina, distinguiu dois tipos de atividade que designou constituído, em grande parte, de óxido nítrico (NO);
muscarínica e nicotínica. As ações muscarínicas da 2. A acetilcolina age como agonista em glândulas
acetilcolina são as que podem ser reproduzidas pela injeção sudoríparas que são inervadas por fibras colinérgicas do
de muscarina e abolidas com pequenas doses de atropina. Em sistema simpático.
seu conjunto, as ações muscarínicas correspondem àquelas da
estimulação parassimpática. Após bloqueio dos efeitos As ações nicotínicas correspondem às ações da
muscarínicos (aumento da secreção glandular, contração da acetilcolina sobre os gânglios autônomos (do simpático e
musculatura lisa, inibição cardíaca etc.) pela atropina, doses parassimpático), sobre a placa terminal motora do músculo
maiores de acetilcolina produzem os efeitos nicotínicos, que voluntário e sobre as células secretoras da medula supra-
incluem estimulação de todos os gânglios autônomos (ver renal.
Quadro 8.3), estimulação da musculatura voluntária e
secreção da adrenalina pela medula da glândula supra-renal.
Assim, se injetarmos doses moderadas de acetilcolina em RECEPTORES COLINÉRGICOS
um animal, há uma queda da pressão arterial pela
vasodilatação arterial e redução da freqüência cardíaca Os receptores colinérgicos são membros das famílias ligadas a
(efeitos muscarínicos). Após a inibição pela atropina, a proteínas G (receptores muscarínicos) ou de canais iônicos
administração de uma dose elevada de acetilcolina produz os (receptores nicotínicos).
efeitos nicotínicos: vasoconstrição, elevação inicial da
pressão arterial por estímulo dos gânglios simpáticos bem
como elevação secundária da pressão arterial pelo aumento Nicotínicos
na secreção de adrenalina pela supra-renal.
A ação parassimpaticomimética da muscarina ocorre São divididos em musculares e neuronais. Os musculares são
mediante seu efeito sobre os receptores presentes nas células encontrados na junção neuromuscular e, os neuronais, nos
efetoras autônomas (músculo liso, coração, glândulas gânglios autônomos e cérebro, onde a acetilcolina é um
exócrinas), e não nos gânglios. transmissor. A estrutura desses receptores é a de um canal
Já a nicotina estimula os gânglios autônomos e as junções iônico regulado pelo “ligante” acetilcolina (ver Fig. 2.1).
neuromusculares do músculo esquelético, mas não as células
efetoras autônomas. De qualquer forma, trataremos,
principalmente, dos efeitos e dos receptores muscarínicos no Muscarínicos
presente capítulo.
As ações muscarínicas correspondem às ações da A biologia molecular revelou que existem cinco diferentes
acetilcolina liberada nas terminações nervosas tipos de receptores muscarínicos. Desses, três foram melhor
parassimpáticas pós-ganglionares com duas exceções distinguidos funcional e fisiologicamente.
importantes:
M1 (neuronais). Encontrados, principalmente, em neurônios
1. Embora a maioria dos vasos careça de inervação (tanto do sistema nervoso central quanto periférico) e células
parassimpática, uma infusão de acetilcolina causa parietais gástricas. Atuam como mediadores excitatórios. Por
vasodilatação generalizada. Essa vasodilatação ocorre porque exemplo, intermediando a excitação muscarínica lenta da
os agonistas muscarínicos, como a acetilcolina, liberam uma acetilcolina nos gânglios simpáticos e SNC. A deficiência
30 Farmacologia I – UNIRIO

deste efeito no cérebro está, provavelmente, associada à Bloqueio de despolarização. Nas sinapses colinérgicas,
demência. Além disso, estão envolvidos no aumento da ocorre quando os receptores nicotínicos excitatórios são
secreção do ácido gástrico e motilidade gastrintestinal. persistentemente ativados por agonistas nicotínicos,
resultando em uma diminuição na excitabilidade elétrica pós-
M2 (cardíacos). São encontrados no coração e terminações sináptica.
pré-sinápticas dos neurônios (periféricos e centrais). Exercem
efeitos inibitórios e a ativação dos receptores M2 é
responsável pela inibição vagal do coração e inibição pré- I. COLINOMIMÉTICOS DE AÇÃO DIRETA
sináptica no sistema nervoso.
São agonistas de receptor. Alguns desses fármacos
M3 (glandulares / musculares lisos). Produzem efeitos apresentam alta seletividade para os receptores muscarínicos
excitatórios como estimulação das secreções glandulares ou nicotínicos. Muitos possuem efeitos sobre ambos os
(salivares, brônquicas, sudoríparas etc.) e contração da receptores, como a acetilcolina.
musculatura lisa visceral. São, também, responsáveis pelo
relaxamento da musculatura lisa vascular em resposta ao
óxido nítrico proveniente de células endoteliais adjacentes. AGONISTAS MUSCARÍNICOS

Como dito, todos os receptores muscarínicos pertencem à São chamados parassimpaticomiméticos em virtude de seus
família dos receptores acoplados à proteína G. Os de número efeitos se assemelharem à estimulação parassimpática. A
ímpar (M1, M3 e M5) atuam pela via de inositol (fosfolipase acetilcolina e outros ésteres relacionados à colina são
C), enquanto que os receptores pares (M2 e M4) inibem a agonistas tanto nos receptores muscarínicos quanto
adenil-ciclase, reduzindo o AMPc. nicotínicos. Porém, são mais potentes em receptores
muscarínicos. Apenas o betanecol e a pilocarpina são
utilizados clinicamente.
FISIOLOGIA DA TRANSMISSÃO COLINÉRGICA
Efeitos. Diminuem freqüência e débito cardíaco e causam
A acetilcolina é sintetizada na terminação nervosa a partir da vasodilatação generalizada devido à liberação óxido nítrico. O
colina captada por um sistema de transporte ativo. Ao resultado final é uma queda importante na pressão arterial.
contrário do sistema de transporte da noradrenalina, este A musculatura lisa visceral sofre contração, aumentando a
sistema transporta só o precursor – colina – e não a atividade peristáltica do trato gastrintestinal, podendo gerar
acetilcolina. Portanto, não participa no término de ação do cólica. Ocorrem contrações também na bexiga e músculo liso
neurotransmissor. A colina, no citoplasma das terminações brônquico. Além disso, aumentam a secreção brônquica,
nervosas, é acetilada pela enzima colina acetiltransferase. A salivação, lacrimejamento e sudorese.
maior parte da acetilcolina sintetizada é acondicionada em No olho, reduzem a pressão intra-ocular em pacientes com
vesículas a partir das quais ocorre liberação por exocitose, glaucoma, com pouco efeito sobre o indivíduo normal.
desencadeada pela entrada de cálcio na terminação nervosa.
A acetilcolina acumula-se nas vesículas pela ação de um Uso clínico. Pilocarpina é utilizada no tratamento do
transportador específico, diferente do transportador de colina glaucoma na forma de gotas oftálmicas. Betanecol é utilizado,
(que é por transporte ativo). O processo que limita a ocasionalmente, para ajudar no esvaziamento da bexiga ou
velocidade de síntese da acetilcolina parece ser o transporte estimular a motilidade gastrintestinal.
de colina que, por sua vez, é regulado pela taxa de liberação
da acetilcolina. A colinesterase presente nas terminações
nervosas pré-sinápticas faz com que a acetilcolina seja
II. COLINOMIMÉTICOS DE AÇÃO INDIRETA
constantemente hidrolisada e ressintetizada.
Após sua liberação, a acetilcolina sofre difusão através da São inibidores da colinesterase. A ação da acetilcolina é
fenda sináptica para se combinar com receptores na célula interrompida por sua hidrólise pela enzima acetilcolinesterase.
pós-sináptica. Uma parte é hidrolisada pela
Essa enzima está presente em altas concentrações nas sinapses
acetilcolinesterase situada entre as membranas pré e pós-
colinérgicas. Os colinomiméticos de ação indireta exercem
sinápticas.
seus efeitos, principalmente, sobre os sítios ativos dessa
enzima. Dessa forma, os inibidores da colinesterase, ou
Eventos elétricos na transmissão da sinapse colinérgica. A anticolinesterásicos, aumentam a concentração de acetilcolina
acetilcolina, ao atuar na membrana pós-sináptica, provoca endógena nos receptores colinérgicos.
acentuado aumento na entrada de cátions, particularmente, Existem dois tipos de colinesterases, que são semelhantes
sódio e potássio. A conseqüente despolarização é
estruturalmente, mas diferem em suas funções, distribuição e
denominada “potencial de placa terminal” (ppt) se ocorre em
especificidade de substrato. São elas a acetilcolinesterase e a
uma fibra muscular esquelética, e “potencial excitatório pós-
butirilcolinesterase.
sináptico rápido” (peps rápido) se ocorre na sinapse A acetilcolinesterase encontra-se tanto na fenda sináptica,
ganglionar. onde hidrolisa o transmissor liberado, como nas terminações
nervosas colinérgicas, onde influi na concentração de
Farmacologia I – UNIRIO 31

acetilcolina livre. A butirilcolinesterase não está EFEITOS DOS ANTICOLINESTERÁSICOS


particularmente associada a sinapses colinérgicas e apresenta
uma especificidade de substrato mais ampla que a Afetam as sinapses colinérgicas autonômicas, a junção
acetilcolinesterase. Normalmente, a acetilcolinesterase e a neuromuscular e o SNC. Nas sinapses pós-ganglionares
butirilcolinesterase mantêm as concentrações plasmáticas de parassimpáticas, potencializam os efeitos da acetilcolina
acetilcolina em níveis indetectáveis, de modo que a levando a um aumento de secreções, peristaltismo etc.
acetilcolina, ao contrário da noradrenalina, não funciona A intoxicação com anticolinesterásicos provoca
como um hormônio, mas como um neurotransmissor apenas. bradicardia, hipotensão e dificuldade respiratória. Na junção
neuromuscular, as doses elevadas da intoxicação provocam,
inicialmente, contrações espasmódicas que evoluem para
FÁRMACOS ESPECÍFICOS paralisia.
Os compostos terciários como fisostigmina e os
1. Anticolinesterásicos de ação curta: edrofônio é usado organofosforados apolares penetram livremente no SNC, que
para diagnóstico de miastenia gravis (ver Quadro 11.1) por pode resultar em excitação inicial, convulsões, depressão e
melhorar a força muscular nesses pacientes; parada respiratória.
2. Anticolinesterásicos de ação média: neostigmina,
piridostigmina e fisostigmina possuem ação muito
prolongada; APLICAÇÕES CLÍNICAS
3. Anticolinesterásicos irreversíveis: compostos
organofosforados (derivados orgânicos do ácido fosfórico). Miastenia gravis. Anticolinesterásicos melhoram a função
Esses compostos se ligam à acetilcolinesterase e sofrem uma neuromuscular nesses pacientes (ver Quadro 11.1). Na
hidrólise, resultando num sítio ativo fosforilado. A ligação terapêutica, são usados neostigmina e piridostigmina via oral
covalente fósforo-enzima é extremamente estável e sua (edrofônio é usado no diagnóstico).
hidrólise é muito demorada. No caso de certos fármacos
como o diflos, não ocorre hidrólise e a enzima deve ser Glaucoma. Usa-se ecotiofato em gotas oftálmicas.
sintetizada novamente, o que pode levar várias semanas.
Anestesia. Usa-se neostigmina via intravenosa para reverter a
Devido à sua alta lipossolubilidade (à exceção do ação dos fármacos bloqueadores neuromusculares não-
ecotiofato), os organofosforados são bem absorvidos pela despolarizantes (bloqueadores competitivos de acetilcolina).
pele, pulmões, trato digestivo e conjuntiva. Dessa forma,
tornam-se perigosos para os seres humanos (já foram muito
usados como gases bélicos) e altamente eficazes como
inseticidas. Alguns, porém, apresentam usos clínicos, como o
ecotiofato para uso oftálmico (glaucoma).

Quadro 11.1 Apêndice


Clínica: a Miastenia Grave

A miastenia grave é uma doença que afeta as junções Os achados freqüentes incluem ptose (queda) palpebral,
neuromusculares dos músculos esqueléticos. Um processo diplopia (visão dupla), dificuldade na fala e deglutição e
auto-imune leva à produção de anticorpos, diminuindo o fraqueza nos membros. A doença grave pode acometer todos
número de receptores nicotínicos funcionais nas placas os músculos, inclusive os necessários à respiração.
terminais pós-juncionais (ver Fig. 2.1).

Referências
Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone,
2004 (trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).
Katzung, Bertram G. et al: Basic and Clinical Pharmacology. 9ª ed.,
The McGraw-Hill Companies, Inc., 2004 (trad. pt. Rio de
Janeiro, Editora Guanabara Koogan S.A., 2006).
32 Farmacologia I – UNIRIO

CAPÍTULO 12
Antagonistas Muscarínicos

INTRODUÇÃO Essa hierarquia de ações é resultado do grau com que as


funções dos órgãos são reguladas pelo tônus parassimpático, e
Os bloqueadores dos receptores muscarínicos são, não de diferenças na afinidade da atropina pelos receptores.
freqüentemente, denominados “parassimpaticolíticos”, pois Uma conseqüência dessa hierarquização de efeitos é que, por
bloqueiam, seletivamente, a atividade parassimpática. exemplo, uma dosagem de atropina que causa efeitos no tato
Entretanto, como não “lisam” os nervos ou receptores gastrintestinal, invariavelmente, afeta a secreção salivar,
parassimpáticos e exercem certos efeitos que não podem ser acomodação ocular e micturação.
previstos com base no bloqueio do sistema parassimpático, é
preferível utilizar o termo antimuscarínico.
Apresentam estrutura semelhante à da acetilcolina, mas FARMACOCINÉTICA DOS ANTIMUSCARÍNICOS
com um grupo aromático no lugar do grupo acetil. E como
são lipossolúveis, são rapidamente absorvidos pelo intestino e Absorção, distribuição e excreção. Os alcalóides naturais e
atravessam a barreira hematoencefálica. demais antimuscarínicos terciários são bem absorvidos a
Os antimuscarínicos incluem alcalóides naturais (ver partir do trato gastrintestinal e mucosas. Por outro lado,
Quadro 12.1) como a atropina e a escopolamina (compostos antimuscarínicos de amina quaternária, em função de sua
de amônio terciário muito lipossolúveis), derivados semi- baixa lipossolubilidade, são mal absorvidos, seja por via oral,
sintéticos desses alcalóides e substâncias sintéticas. Esses pulmonar ou pela conjuntiva. Sua diminuída lipossolubilidade
fármacos competem com a acetilcolina por um sítio comum também dificulta sua penetração no cérebro.
de ligação no receptor muscarínico. Quanto à atropina, o metabolismo hepático elimina metade
A atropina provoca um bloqueio reversível das ações da dose absorvida e o resto é excretado inalterado na urina.
colinomiméticas nos receptores muscarínicos. Ou seja, o
bloqueio por uma pequena dose de atropina pode ser
superado com uma concentração maior de acetilcolina ou EFEITOS SOBRE SISTEMAS E ÓRGÃOS
agonista muscarínico equivalente. Trata-se, portanto, de um
caso de antagonismo competitivo reversível (ver Fig. 2.4). Coração. Os receptores muscarínicos M2 estão presentes no
A atropina apresenta alta seletividade para os receptores coração e nas terminações neuronais pré-sinápticas e, quando
muscarínicos e suas ações em receptores não-muscarínicos, ativados, exercem efeitos inibitórios. Dessa forma, a atropina,
geralmente, são clinicamente indetectáveis. Além disso, a ao bloquear os receptores M2 no coração (nó sinoatrial), causa
atropina não distingue os subgrupos M1, M2 e M3 dos taquicardia pois inibe o bloqueio vagal sobre o coração.
receptores muscarínicos; (há, entretanto, fármacos Contudo, em doses muito baixas, a atropina causa bradicardia
antimuscarínicos que apresentam seletividade moderada para paradoxal. Isso ocorre pois, inicialmente, ela bloqueia os
um ou outro desses subgrupos). receptores M2 neuronais pré-sinápticos das fibras pós-
A fim de evitar muitas repetições, lembre-se, ao longo do ganglionares que suprimiam a liberação de acetilcolina. Ou
capítulo, de que atropina e escopolamina são lipossolúveis, seja, os receptores que impediam a liberação de acetilcolina
mas a escopolamina o é em maior grau. Com isso, atravessa no coração são inibidos pela atropina. Há, com isso, um
mais facilmente a barreira hematoencefálica e distribui-se de aumento inicial e passageiro na atividade vagal.
forma completa pelo sistema nervoso central.
Sistema circulatório. Antes de mais nada, vale lembrar que
Hierarquia de ação. Doses pequenas de atropina deprimem os termos simpático e parassimpático são baseados em
as secreções salivares, brônquicas e sudorese. Com doses critérios anatômicos e não fisiológicos (ver Quadro 8.2) e que
maiores, a pupila dilata, a acomodação do cristalino para a acetilcolina não é um neurotransmissor exclusivo do sistema
visão próxima é inibida e a freqüência cardíaca aumenta parassimpático (ver Quadro 8.3). Com efeito, nervos
devido à inibição da ação vagal cardíaca. Doses ainda somáticos, como os que inervam a musculatura esquelética,
maiores inibem a micturação e diminuem o tônus e também usam a acetilcolina como transmissor.
motilidade do intestino.
Farmacologia I – UNIRIO 33

Além disso, mesmo os neurônios pós ganglionares do APLICAÇÕES CLÍNICAS


sistema simpático que, em sua maioria, liberam
noradrenalina, podem ser colinérgicos, como por exemplo, os As maiores limitações ao seu uso são os efeitos colaterais.
que inervam a maioria das células sudoríparas. Outro
exemplo são os que inervam alguns vasos que irrigam tecido Cardiovascular. Por provocar taquicardia em doses
muscular. terapêuticas, a atropina é usada no tratamento da bradicardia
Essa inervação simpática da vasculatura dos músculos sinusal. Além disso, a remoção da influência vagal no coração
esqueléticos é importante pois os vasos sangüíneos não pela atropina também pode facilitar a condução A.V. e
recebem inervação direta do sistema nervoso parassimpático. aumentar a freqüência cardíaca em pacientes com fibrilação
Não obstante, os nervos simpáticos colinérgicos causam atrial ou flutter.
vasodilatação nos vasos dos músculos esqueléticos. Note que
essa vasodilatação é mediada pela acetilcolina e não pela Oftalmologia. O uso de antagonistas muscarínicos causa
ação da adrenalina nos receptores β2 adrenérgicos (ver midríase e a visão é acomodada para longe. A aplicação local
Quadro 9.1). ocular de atropina ou escopolamina apresenta uma longa
Antagonistas muscarínicos, como a atropina, apresentam duração de ação (7-10 e 3-7 dias, respectivamente). O
a capacidade de bloquear essa vasodilatação simpático ciclopentolato (1 dia) e a tropicamida (1/4 dia) possuem uma
colinérgica. Além disso, quase todos os vasos contêm duração de ação menor e são usados quando se precisa fazer
receptores muscarínicos endoteliais, que medeiam a um exame completo. Apesar disso, simpaticomiméticos como
vasodilatação por meio do EDRF (ver Cap. 11). a fenilefrina (agonista α-adrenérgica), por sua curta duração
de ação e por não causarem dificuldade de acomodação, são
Olhos. A pupila é dilatada (midríase), paralisam a utilizados como midriáticos em exames simples de fundo de
acomodação ocular e a lente é fixada para visão à distância. olho.

Sistema nervoso central. Nas doses habitualmente Cinetose. Por sua alta lipossolubilidade, a escopolamina
utilizadas, a atropina exerce efeitos estimulantes mínimos atravessa mais fácil e rapidamente a barreira
sobre o sistema nervoso central, com efeito sedativo lento e hematoencefálica, distribuindo-se pelo sistema nervoso
duradouro sobre o cérebro. A escopolamina, possui efeitos central. A escopolamina é um dos remédios mais antigos para
centrais mais pronunciados, produzindo sonolência quando o enjôo no mar e é tão eficaz quanto qualquer fármaco
administrada nas doses recomendadas, bem como amnésia recentemente introduzido. Tem forte ação anti-cinetose
nos indivíduos sensíveis. Foi usada em anestesia por essas (distúrbio vestibular que causa tontura ou enjôo do
propriedades depressivas e amnésicas. Em doses tóxicas, a movimento).
escopolamina e, em menor grau, a atropina podem causar
excitação, agitação, alucinações e coma. Parkinson. O tremor da doença é reduzido pelos
O fármaco anticolinesterásico fisostigmina é um antídoto antimuscarínicos de ação central, como a escopolamina, útil
eficaz no envenenamento por atropina pois diminui a como terapia adjuvante em alguns pacientes.
degradação de acetilcolina e esta desloca a atropina segundo
o antagonismo competitivo reversível. Pneumologia. São usados em rinite com coriza. As misturas
de anti-histamínicos devem sua ação contra resfriados,
Trato respiratório. Tanto o músculo liso quanto as provavelmente, às suas propriedades anticolinérgicas.
glândulas secretoras das vias aéreas recebem inervação vagal Tiotrópio e ipratrópio são utilizados em inalações no
e contêm receptores muscarínicos. A atropina, portanto, tratamento de asma e DPOC (doença pulmonar obstrutiva
promove relaxamento muscular (broncodilatação) e crônica).
diminuição das secreções. Esses efeitos são muito mais Por inibir secreções do nariz, boca e faringe, os
significativos em indivíduos com doença das vias aéreas. antagonistas muscarínicos também podem ser usadas como
Apesar disso, os antimuscarínicos não são tão úteis quanto os pré-anestésicos.
fármacos estimulantes dos receptores β-adrenérgicos (ver
Cap. 9). Gastroenterologia. Escopolamina pode proporcionar alívio
no tratamento da diarréia do viajante por promover o
Trato gastrintestinal. O interesse no uso destes fármacos relaxamento da musculatura lisa gastrintestinal. Na
vem de suas ações antiespasmódicas e no tratamento da atualidade, agentes antimuscarínicos são raramente utilizados
úlcera péptica. A atropina abole a ação da acetilcolina e para úlcera péptica nos Estados Unidos.
outros colinérgicos na motilidade e secreção gastrintestinais.
Mas não inibe completamente os estímulos vagais. Esta
diferença de ação se mostra mais acentuada na motilidade do
intestino e se deve à ação de outros transmissores excitatórios
como serotonina. A pirenzepina (antagonista M1-seletivo) age
nos receptores M1 presentes no estômago e inibe a secreção
de ácido gástrico.
34 Farmacologia I – UNIRIO

Quadro 12.1 Apêndice


Antimuscarínicos Naturais

A atropina e seus congêneres de ocorrência natural consistem Pupilas dilatadas eram consideradas esteticamente
em ésteres alcalóides de amina terciária do ácido trópico. A desejáveis durante a renascença, explicando o nome beladona
atropina (hiosciamina) é encontrada na planta Atropa (em italiano, “mulher bonita”) dado à planta e a seu extrato
belladonna, também conhecida como beladona, e na Datura ativo, devido ao uso do extrato como gotas oftálmicas
stramonium, também conhecida como figueira-do-inferno. Já naquela época.
a escopolamina (hioscina) ocorre em Hyoscyamus niger ou
meimendro negro.

Referências
Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone,
2004 (trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).
Katzung, Bertram G. et al: Basic and Clinical Pharmacology. 9ª ed.,
The McGraw-Hill Companies, Inc., 2004 (trad. pt. Rio de
Janeiro, Editora Guanabara Koogan S.A., 2006).
Farmacologia I – UNIRIO 35

CAPÍTULO 13
Bloqueadores
Neuromusculares

INTRODUÇÃO eventos são diplopia dificuldades na fala e deglutição. A


paralisia respiratória seria um evento derradeiro.
Bloqueadores neuromusculares são usados, via intravenosa,
como adjuvantes na anestesia geral por provocarem Acetilcolina Succinilcolina
relaxamento muscular. Podem exercer seu bloqueio na pré-
sinapse (neurônio) ou na pós-sinapse (fibra muscular). CH3 O CH3 O
| || | ||
Porém, todos os fármacos clinicamente importantes atuam na CH3–N+–CH2– CH2–O–C– CH3 CH3–N+–CH2– CH2–O–C– CH2
pós-sinapse (placa terminal), carecendo de atividade no SNC. | |
Antes da introdução dos bloqueadores neuromusculares, o CH3 CH3
relaxamento profundo do músculo esquelético para operações
CH3 O
era obtido somente com altos níveis de anestesia. O que, | ||
contudo, deprimia os sistemas cardiovascular e respiratório. CH3–N+–CH2– CH2–O–C– CH2
Na prática, o bloqueio neuromuscular ocorre por meio de |
dois mecanismos básicos: (1) bloqueio não-despolarizante CH3
por meio de um antagonista e (2) bloqueio despolarizante Quadro 13.1 Relação Estrutural
por meio de um agonista.
Todas as drogas bloqueadoras neuromusculares disponíveis apresentam
semelhança estrutural com a succinilcolina. De fato, a succinilcolina é
constituída por duas moléculas de acetilcolina ligadas por suas
BLOQUEIO NÃO-DESPOLARIZANTE extremidades.

À exceção da succinilcolina, todos os bloqueadores


neuromusculares utilizados nos Estados Unidos são não- BLOQUEIO DESPOLARIZANTE
despolarizantes. A tubocurarina é considerada o protótipo
desses bloqueadores neuromusculares e é derivada do curare. A ação dos bloqueadores despolarizantes consiste em causar
Fármacos sintéticos, desenvolvidos a partir da tubocurarina e despolarização persistente na placa terminal da fibra
usados em anestesia, atuam como bloqueadores competitivos muscular, levando à perda da excitabilidade elétrica. A
da acetilcolina nos receptores nicotínicos da placa terminal. succinilcolina, por exemplo, produz os mesmos efeitos
Acarretam, dessa forma, paralisia motora. neuromusculares da acetilcolina. Contudo, sua duração de
Em geral, os músculos volumosos (p. ex., músculos ação na junção neuromuscular é mais prolongada pois a
abdominais, eretores da espinha e diafragma) são mais succinilcolina não é efetivamente metabolizada nas sinapses.
resistentes ao bloqueio e se recuperam mais rapidamente que Com isso, as membranas permanecem despolarizadas e não
os músculos de menor volume (p. ex., músculos oculares respondem a impulsos subseqüentes. Ou seja, permanecem
extrínsecos e da face). Geralmente, o diafragma é o último a num estado de bloqueio despolarizante. Além disso, como são
ser paralisado (ver Quadro 11.1). Com isso, os primeiros necessárias descargas repetidas para manter a tensão
muscular, ocorre paralisia flácida.
Referências
Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone,
2004 (trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).
Katzung, Bertram G. et al: Basic and Clinical Pharmacology. 9ª ed.,
The McGraw-Hill Companies, Inc., 2004 (trad. pt. Rio de
Janeiro, Editora Guanabara Koogan S.A., 2006).
36 Farmacologia I – UNIRIO

CAPÍTULO 14
Anestésicos Locais

INTRODUÇÃO MECANISMO DE AÇÃO

Anestesia local é a perda de sensação em uma parte do corpo Os anestésicos locais bloqueiam reversivelmente o início e a
sem a perda da consciência ou prejuízo do controle central propagação dos potenciais de ação da condução nervosa,
das funções vitais (perturbações fisiológicas associadas a uma impedindo o aumento na condutância ao sódio dependente de
anestesia geral). Quando aplicados localmente no tecido voltagem. Sua principal ação consiste em bloquear os canais
nervoso em concentrações adequadas, os anestésicos locais de sódio, o que fazem bloqueando fisicamente o poro
bloqueiam, reversivelmente, os potenciais de ação transmembranar, interagindo com radicais da hélice
responsáveis pela condução nervosa. Eles agem em qualquer transmembrana S6.
parte do sistema nervoso e em qualquer tipo de fibra nervosa, A atividade anestésica local é dependente do pH, sendo
podendo causar paralisia tanto motora quanto sensorial na aumentada em pH alcalino (quando as moléculas estão pouco
área inervada. A vantagem prática dos anestésicos locais é ionizadas). Isso se deve à necessidade de a substância penetrar
que sua ação é reversível em condições clínicas e seu uso é a bainha do nervo e a membrana do axônio para alcançar a
seguido pela recuperação completa da função nervosa sem extremidade interna do canal (onde residem seus sítios
evidência de dano a fibras nervosas ou células. Sigmund ligantes).
Freud estudou a fisiologia da cocaína no século XIX e Karl No entanto, uma vez no interior do axônio, é a forma
Koller (1884) a introduziu na prática clínica como anestésico ionizada da molécula anestésica que se liga ao canal. Essa
local em cirurgias oftálmicas. Foram as primeiras dependência em relação ao pH pode ser clinicamente
observações do uso de anestésicos locais. Por seus problemas importante, visto que os tecidos inflamados são
relacionados à dependência e toxicidade, logo começou a freqüentemente ácidos e, portanto, não permitem a entrada do
procura por substitutos sintéticos para a cocaína, que resultou anestésico, sendo levemente resistentes a anestésicos locais.
na síntese de procaína (1902), a qual foi o protótipo de Muitos anestésicos locais também exibem a propriedade
anestésicos locais por meio século. de bloqueio dos canais de sódio dependentes de uso. A
dependência de uso significa que, quanto mais os canais estão
abertos, maior o bloqueio. Este fenômeno ocorre porque a
QUÍMICA molécula penetra mais facilmente no canal quando ele está
aberto. Os anestésicos lipossolúveis, por comparação, podem
Um anestésico local consiste de uma porção hidrofóbica causar bloqueio mesmo quando o canal não está aberto. Neste
separada de uma porção hidrofílica por uma ligação amida ou caso, a molécula bloqueadora não apresenta carga e penetra
éster. O grupo hidrofílico é, geralmente, uma amina no canal diretamente a partir da membrana.
secundária ou terciária e a parte hidrofóbica deve ser O canal pode existir em três conformações: em repouso,
aromática. A lipossolubilidade aumenta tanto a potência aberto e inativado. Os anestésicos locais ligam-se mais ao
quanto a duração de ação dos anestésicos locais. Isto estado inativado do canal. Assim, em qualquer potencial de
acontece porque a lipossolubilidade aumenta o transporte do membrana, o equilíbrio entre canais em repouso e inativado
fármaco a seus locais de ação e diminui seu metabolismo por será deslocado – na presença de um anestésico local – em
esterases plasmáticas e enzimas hepáticas. favor do estado inativado, e este fator contribui para o efeito
Os anestésicos locais amídicos são quimicamente estáveis bloqueador geral. A passagem de um potencial de ação faz
e são os que mais fornecem dados de farmacocinética. Os com que os canais passem pelo estado aberto e inativado de
ésteres são rapidamente hidrolisados pela butirilcolinesterase seu ciclo, os quais têm maior possibilidade de ligar-se a
plasmática e seus estudos são mais limitados. moléculas de anestésicos do que o estado em repouso.
Farmacologia I – UNIRIO 37

DIFERENÇAS NA SENSIBILIDADE DE FIBRAS inibidores. Sonolência é a queixa mais comum e a lidocaína


NERVOSAS A ANESTÉSICOS LOCAIS pode produzir alterações de humor e contrações musculares.
Cocaína tem um efeito especial no comportamento e no
As funções dos nervos não são igualmente afetadas pelos humor e produz euforia em doses bem inferiores às que
anestésicos locais. Embora exista uma grande variabilidade causam convulsões. Isto decorre de sua ação de inibir a
individual na maior parte dos pacientes, o tratamento com captação de monoaminas (bloqueio de canais), o que não é
anestésicos locais causa desaparecimento da dor, seguido compartilhado por outros anestésicos locais.
pelo desaparecimento da sensação de temperatura, tato,
pressão profunda e, finalmente, função motora. O bloqueio Sistema cardiovascular. São depressores cardíacos:
diferencial relaciona-se às dimensões do nervo e à presença, diminuem a excitabilidade, velocidade de condução e a força
ou não, de mielina. As fibras nervosas são classificadas em de contração do miocárdio (por inibição da corrente de sódio
três classes principais com base na velocidade de condução: no músculo cardíaco, o que diminui estoques intracelulares de
A, B e C. cálcio e diminui a força de contração). Também causam
dilatação arterial, em parte por um efeito direto no músculo
Fibras A. Correspondem aos grandes nervos somáticos liso vascular e, em parte, por inibição do sistema simpático.
mielinizados e de rápida transmissão, cujo grupo mais fino, o Os efeitos cardíacos e vasculares levam a uma queda na
delta (δ), também transmite dor aguda e bem localizada. pressão arterial que pode ser súbita e potencialmente fatal.
Lidocaína e procainamida são usados como antiarrítmicos. A
Fibras B. Nervos simpáticos pré-ganglionares finamente cocaína também é uma exceção em relação aos efeitos
mielinizados. cardiovasculares e, por inibir a reabsorção de noradrenalina,
potencializa a atividade simpática. A cocaína, portanto,
Fibras C. Correspondem aos nervos não mielinizados de provoca taquicardia, aumento do débito cardíaco,
transmissão lenta que transmitem a dor difusa e profunda . vasoconstrição e aumento da pressão arterial.

Os anestésicos locais bloqueiam a condução na seguinte Músculo liso. Relaxamento, em geral. Deprimem a
ordem: B C A contratilidade do intestino delgado, músculo liso vascular e
brônquico (embora pequenas doses possam produzir
contração).
PROLONGAÇÃO DE AÇÃO POR
VASOCONSTRITORES (ADRENALINA) Hipersensibilidade a anestésicos locais. Pode se manifestar
como uma dermatite alérgica ou um ataque típico de asma.
A duração de ação de um anestésico local é proporcional ao Parecem estar limitadas a anestésicos do tipo éster, e não aos
tempo em que ele está em contato com o nervo. Portanto, do tipo amida.
manobras que mantêm o fármaco junto ao nervo, prolongam
a anestesia. A cocaína, por inibir o transporte da
noradrenalina de volta ao neurônio, causa vasoconstrição pois METABOLISMO
potencializa a ação da norepinefrina. Desta forma, previne
sua própria absorção. Em condições clínicas, preparações de A velocidade de absorção pode ser muito reduzida pela
anestésicos locais, freqüentemente, contêm um incorporação de um vasoconstritor. Visto que a toxicidade é
vasoconstritor, geralmente adrenalina. O vasoconstritor, ao relacionada à concentração do fármaco livre, a ligação do
diminuir a velocidade de reabsorção, restringe o anestésico ao anestésico a proteínas no plasma e tecidos reduz a toxicidade
local desejado e reduz sua toxicidade sistêmica. Alguns dos do fármaco. Alguns dos anestésicos comuns (p. ex.,
agentes vasoconstritores podem ser absorvidos ocasionando tetracaína, procaína, benzocaína, cocaína) são ésteres. Eles
reações secundárias indesejáveis e também podem causar são hidrolisados e inativados pela butirilcolinesterase
atraso na cicatrização de feridas, edema tecidual e, mesmo, plasmática, enquanto a ligação amídica é resistente à
necrose. Assim, seu uso é contra-indicado em locais com hidrólise. Devido a isso, a procaína, por exemplo, possui uma
circulação colateral limitada. meia-vida plasmática de menos de um minuto.
Pelo fluido espinhal conter pouca colinesterase, a anestesia
produzida pela injeção intratecal de um agente anestésico
EFEITOS INDESEJÁVEIS DE ANESTÉSICOS persistirá até o anestésico ser absorvido pela circulação.
LOCAIS Os anestésicos que possuem uma ligação amida (lidocaína,
mepivacaína, bupivacaína, etidocaína, prilocaína) são, em
SNC. Podem causar estimulação, produzindo inquietude e geral, degradados pelo retículo endoplasmático do fígado
tremores que podem evoluir para convulsões. Em geral, (desalquilação e subseqüente hidrólise) e devem ser
quanto mais potente o anestésico, mais facilmente ocorrem administrados com cuidado em pacientes com doença
convulsões. Pode ou não haver uma estimulação central hepática. Os anestésicos locais com ligação amida são
inicial que é seguida por depressão e morte por insuficiência extensivamente ligados a proteínas plasmáticas,
respiratória. Na realidade, o mecanismo parece ser depressivo particularmente α-1-glicoproteína ácida. Muitos fatores
e a fase excitatória é conseqüência da inibição de neurônios aumentam a concentração desta proteína plasmática (câncer,
cirurgia, trauma, infarto do miocárdio, fumo, uremia) ou
38 Farmacologia I – UNIRIO

diminuem (agentes anticoncepcionais orais). Isso vai APLICAÇÕES CLÍNICAS


ocasionar mudanças na quantidade de anestésico que é
metabolizado pelo fígado, influenciando a toxicidade Anestesia tópica. É a injeção de anestésico diretamente no
sistêmica. O recém-nascido é deficiente em proteínas tecido, sem tomar em consideração a rota de nervos
plasmáticas que se ligam a anestésicos e mais suscetível à sistêmicos. Pode incluir desde pele até estruturas profundas
toxicidade. A cocaína, apesar de ser um éster, também é como órgãos. Lidocaína, bupivacaína e procaína são usadas
metabolizada no fígado. em infiltrações.
A vantagem deste tipo de anestesia é que não interrompe
as funções corporais normais e sua desvantagem é que grande
FÁRMACOS ESPECÍFICOS quantidade do fármaco precisa ser usada para anestesiar áreas
relativamente pequenas. É utilizada em cirurgias menores.
Cocaína. As ações clinicamente desejadas da cocaína são: (1)
o bloqueio do impulso nervoso como conseqüência de suas Anestesia de bloqueio nervoso. Produz efeitos maiores que a
ações locais anestésicas; e (2) vasoconstrição local secundária anestesia tópica e consiste em injetar uma solução de
à inibição local da reentrada de noradrenalina anestésico local ao redor de nervos ou plexos periféricos.
(potencializando a atividade simpática). Sua toxicidade e seu Também produz bloqueio de nervos somáticos, causando
potencial para abuso diminuíram seus usos clínicos. Sua relaxamentos musculares, o que é interessante em alguns
toxicidade está associada ao bloqueio da entrada de procedimentos cirúrgicos. São usadas lidocaína e bupivacaína.
catecolaminas tanto no sistema nervoso periférico quanto no
central. Suas propriedades euforizantes (em pequenas doses; Anestesia regional intravenosa. Usa a vasculatura para levar
convulsões em grandes) são devidas, primariamente, à a solução de anestésico local para os troncos e terminações
inibição da entrada de catecolaminas, principalmente nervosas. Lidocaína é usada preferencialmente.
dopamina, nas sinapses do SNC. Atualmente, a cocaína é
usada, primariamente, para anestesia tópica das vias aéreas Anestesia raquidiana ou espinhal. Consiste na injeção de
superiores, onde suas propriedades vasoconstritoras anestésico local – na região lombar – dentro do espaço
combinadas com suas ações anestésicas proporcionam subaracnóide que contém o fluido cérebro-espinhal. É, ainda,
contração e anestesia das mucosas com um único agente. uma das formas mais populares de anestesia por atingir uma
Além disso, aumenta a freqüência cardíaca, débito considerável parte do corpo com níveis plasmáticos pequenos.
cardíaco, P.A. e causa vasoconstrição. A maior parte dos efeitos fisiológicos da anestesia
raquidiana é conseqüência da inibição simpática produzida
Lidocaína. Introduzida em 1948, é, hoje, o anestésico local pelo bloqueio anestésico local das fibras simpáticas nas raízes
mais utilizado. Por ser uma amina, produz uma anestesia de nervos espinhais. A vasodilatação gerada é mais venosa
mais rápida, mais extensa, de duração maior e mais intensa que arterial, resultando em seqüestro sangüíneo venoso e
que a procaína, que é um anestésico local do tipo éster. Na queda do débito cardíaco. Hipotensão é um efeito colateral
presença de adrenalina (vasoconstritor), sua toxicidade é importante. Lidocaína, tetracaína e bupivacaína são
menor, e sua duração de ação mais prolongada. anestésicos usados em anestesia raquidiana. É um método
Os efeitos colaterais da lidocaína são sonolência, seguro e eficiente de anestesia em cirurgias envolvendo a
tremores, contração muscular e alterações de humor. Com porção baixa do abdômen, extremidades inferiores e períneo,
doses maiores, convulsões, coma, paradas respiratória e quando não se pode usar a anestesia geral.
cardíaca. É usada como anestésico local e fármaco
antiarrítmico. Anestesia epidural. É obtida pela injeção de anestésico local
no espaço epidural. Pode levar a maiores concentrações
Bupivacaína. Possui uma estrutura similar à da lidocaína e, plasmáticas do anestésico que a raquidiana e necessita de
sendo muito potente, produz anestesia de longa duração. habilidade maior na execução também. O risco de uma
Ocasiona um bloqueio mais sensório que motor e é usada em injeção intravascular também é maior. As respostas simpáticas
trabalho de parto ou pós-operatório. É mais cardiotóxica que cardiovasculares, por outro lado, são menores. Geralmente,
a lidocaína, causando arritmias ventriculares difíceis de tratar usa-se lidocaína e bupivacaína.
e que são agravadas por acidose e hipoxemia.

Referências
Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone, 2004
(trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).
Katzung, Bertram G. et al: Basic and Clinical Pharmacology. 9ª ed.,
The McGraw-Hill Companies, Inc., 2004 (trad. pt. Rio de Janeiro,
Editora Guanabara Koogan S.A., 2006).
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CAPÍTULO 15
Anestésicos Gerais

INTRODUÇÃO TEORIAS ANESTÉSICAS

Em 1800, Humphrey Davy sugeriu o uso de óxido nitroso Os anestésicos inalatórios incluem substâncias completamente
(N2O) em cirurgias ao observar que o mesmo causava diversas quimicamente e a forma e configuração eletrônica da
euforia, analgesia e perda da consciência. O óxido nitroso molécula não parecem ser muito importantes. A ação
começou a ser usado em apresentações públicas como gás farmacológica está relacionada a determinadas propriedades
hilariante e Horace Wells realizou uma extração de dentes físico-químicas. Devido à inespecificidade química, deve-se
usando este gás em 1846. No mesmo ano, ocorreu a primeira pensar não em receptores específicos, mas em uma ação mais
extração dentária em Boston e, logo a seguir, a primeira diversa na célula. Os anestésicos gerais parecem atuar
cirurgia com uso de éter dietílico por William Morton. Menos principalmente sobre a membrana celular e, em conseqüência,
de um ano após, o clorofórmio foi introduzido por James as teorias da anestesia se relacionam a interações com os dois
Simpson para aliviar a dor do parto. A anestesia moderna principais componentes da membrana, as proteínas e os
data da década de 1930, quando foi introduzido o barbitúrico lipídios.
intravenoso tiopental. Uma década depois, utilizou-se o
curare para obtenção do relaxamento muscular esquelético. Teoria lipídica. Overton e Meyer mostraram, no início do
Halotano, o primeiro hidrocarboneto halogenado moderno, século XX, que existe uma estreita correlação entra a potência
foi introduzido em 1956 e tornou-se o padrão de comparação anestésica e a lipossolubilidade da droga, usando compostos
para novos fármacos anestésicos. Até o advento dos orgânicos simples e não-reativos. Os estudos de Overton-
anestésicos gerais, os cirurgiões usavam técnicas de operar Meyer não sugerem qualquer mecanismo específico, mas
em alta velocidade e a maioria das cirurgias constava de revelam uma correlação muito forte que deve ser levada em
amputações. consideração. A partição óleo/água deve prever a partição nos
lipídios da membrana em concordância com as evidências de
que a anestesia é causada por alterações na função da
CONCEITO DE ANESTESIA membrana. Há algumas evidências de que a expansão de
volume é o mecanismo ligado à ação anestésica e especula-se
Anestesia geral refere-se a um conjunto de analgesia, que ocorra anestesia quando o volume da fase lipídica é
amnésia, perda de consciência, inibição dos reflexos expandido em cerca de 0,4% pela intrusão da molécula
sensoriais e autônomos e, em muitos casos, relaxamento dos anestésica, mas esta teoria é muito controversa. Outra hipótese
músculos esqueléticos. O grau com que determinado sugere que a ação anestésica seria conseqüência de um
anestésico individual exerce esses efeitos depende do aumento na fluidez por desorganização de fosfolipídios da
fármaco, dose e circunstâncias clínicas. Os anestésicos gerais membrana, embora isso só ocorra com concentrações elevadas
são administrados sistemicamente, exercendo seu efeito sobre de anestésicos.
o sistema nervoso central, ao contrário dos anestésicos locais,
que agem por bloquear a condução dos impulsos nos nervos Teoria protéica. Os anestésicos podem ligar-se a proteínas
sensoriais periféricos. Para que um fármaco seja útil como assim como a lipídios, tendo sido provado que anestésicos
anestésico, ele deve ser prontamente controlável, de modo interagem com proteínas funcionais da membrana,
que a indução e a recuperação sejam rápidas, permitindo um particularmente com canais iônicos acionados por ligantes.
ajuste do nível de anestesia de acordo com as necessidades Muitos anestésicos são capazes de, em concentrações obtidas
durante a cirurgia. A inalação continua sendo a via mais durante anestesia, inibir receptores excitatórios como os de
comum de administração de anestésicos, embora a indução glutamato inotrópicos, acetilcolina ou de serotonina, além de
seja geralmente executada com agentes intravenosos. potencializar a função de receptores inibitórios como GABAA
e glicina. Estudos com receptores obtidos por engenharia
genética mostram que existem sítios moduladores específicos
na proteína receptora por meio dos quais os anestésicos
exercem seus efeitos sobre a função do canal. A comprovação
40 Farmacologia I – UNIRIO

definitiva de que estes sítios medeiam a ação dos anestésicos Manutenção. É o período de tempo no qual se mantém
será feita quando se criarem camundongos transgênicos com anestesiando o paciente durante a cirurgia. Ocorre
mutações nesses sítios. monitorização dos sinais vitais e da resposta a vários
Existem grupos que preconizam uma teoria intermediária, estímulos para ajustar a profundidade da anestesia.
na qual os anestésicos encontrariam-se na interface lipídio-
proteína dentro da membrana, afetando o funcionamento das Recuperação. É a interrupção do fornecimento do anestésico
proteínas aí localizadas.. É provável que mais de um tipo de e retorno da consciência.
interação contribua para os efeitos dos anestésicos.
Os anestésicos individuais diferem em suas ações e
afetam a função celular de várias maneiras, sendo improvável PROFUNDIDADE DA ANESTESIA
para alguns teóricos, uma teoria unitária simples que explique
seu funcionamento. Quando um anestésico de ação lenta é administrado sozinho,
transpõem-se certos estágios bem definidos conforme sua
concentração sangüínea aumenta:
EFEITOS DOS ANESTÉSICOS SOBRE O SISTEMA
NERVOSO Estágio 1 – Analgesia. O indivíduo está consciente, porém,
sonolento. A resposta a estímulos dolorosos está reduzida. O
No nível celular, os anestésicos inibem a transmissão grau de analgesia varia de acordo com os agentes anestésicos.
sináptica, não sendo, na prática, importante qualquer efeito
sobre o axônio. A inibição da transmissão sináptica pode ser Estágio 2 – Excitação. O indivíduo perde a consciência e não
devido a uma redução na liberação de transmissores, inibição responde mais a estímulos indolores. Porém, responde de
da ação do transmissor ou redução da excitabilidade da célula maneira reflexa a estímulos dolorosos. A respiração fica
pós-sináptica. Os mecanismos que diminuem a liberação do irregular e a P.A. aumenta.
transmissor e uma resposta pós-sináptica diminuída parecem
ser os mais importantes. Há uma diminuição na liberação de Estágio 3 – Anestesia Cirúrgica. A respiração torna-se
acetilcolina em sinapses periféricas e uma sensibilidade regular e leve. Alguns reflexos e o tônus muscular continuam
reduzida aos transmissores excitatórios, tanto nas sinapses apreciáveis. Com o aprofundamento da anestesia, os reflexos
periféricas como nas centrais, com o uso de anestésicos. desaparecem e os músculos relaxam.
A ação das sinapses inibitórias pode ser aumentada ou
reduzida pelos anestésicos. Seu aumento ocorre Estágio 4 – Paralisia Bulbar. A respiração e controle
principalmente com o uso de barbitúricos e anestésicos vasomotor desaparecem.
voláteis.
A região do cérebro onde ocorre a ação dos anestésicos Na prática, agentes anestésicos dificilmente são utilizados
não está completamente esclarecida. As mais sensíveis sozinhos e a progressão por esses estágios raramente é
parecem ser os núcleos de transmissão sensoriais talâmicos e observada. O estágio anestésico para fins clínicos consiste em
a camada profunda do córtex, onde projetam-se estes núcleos três componentes principais: (1) perda da consciência; (2)
(é a via seguida pelos impulsos sensoriais – portanto a analgesia; e (3) relaxamento muscular. Essa tríade de efeitos
inibição pode resultar em uma falta de informação da geralmente é conseguida pela combinação de fármacos.
aferência sensorial). A função hipocampal também parece
estar envolvida e ser responsável pela amnésia de curto
prazo. EFEITOS DOS ANESTÉSICOS
Quando, porém, a concentração anestésica é aumentada,
são afetadas todas funções cerebrais, incluindo controle Sistema cardiovascular. Todos diminuem a contratilidade
motor, atividades reflexas e regulação da respiração cardíaca, mas os efeitos sobre o débito cardíaco e a P.A.
autônoma. Portanto não é possível identificar um local alvo variam devido a ações concomitantes no SNC. Alguns agentes
crítico e específico no cérebro responsável por todo efeito da (p. ex., o óxido nítrico) aumentam a descarga simpática e
anestesia geral. tendem a aumentar a P.A.. Outros exercem efeito contrário (p.
ex., halotano). Além disso, podem causar arritmia,
principalmente, extra-sístoles (p. ex., halogenados), podendo
ESTÁGIOS DA ANESTESIA levar à fibrilação ventricular em alguns casos em decorrência
da excessiva secreção de catecolaminas.
Indução. Caracteriza o lento início da ação do anestésico até
o desenvolvimento da anestesia cirúrgica do paciente. Sistema respiratório. Causam depressão acentuada da
Normalmente, a anestesia geral é induzida com um anestésico respiração e aumentam a PCO2, à exceção do óxido nitroso e
intravenoso e cerca de 25 segundos após a injeção, ocorre a da quetamina.
inconsciência. A partir deste momento, pode ocorrer a
complementação com drogas inalatórias ou intravenosas para
levar à profundidade necessária.
Farmacologia I – UNIRIO 41

ANESTÉSICOS INALATÓRIOS ANESTÉSICOS INTRAVENOSOS

Geralmente, são usados para manter o estado anestésico após São usados para a rápida indução de anestesia, a qual é, então,
administração de um agente intravenoso. A indução e a mantida com um agente inalatório. Isso porque, mesmo o
recuperação com o uso dos inalatórios são rápidas, mais rápido agente inalatório leva alguns minutos para agir.
permitindo um controle flexível sobre a profundidade da Dessa forma, causa, a princípio, um período de excitação
anestesia. A concentração sangüínea do anestésico varia antes da anestesia. Os agentes intravenosos agem
rapidamente em relação à dose administrada pois a passagem rapidamente, produzindo inconsciência tão logo o fármaco
dos anestésicos, pequenas moléculas insolúveis, pela atinja seu local de ação (em geral, cerca de 20 segundos).
membrana alveolar é rápida. Porém, por sua eliminação corpórea lenta, não são
A solubilidade dos anestésicos inalatórios é expressa satisfatórios para manutenção de uma anestesia.
como coeficiente de partição, definido como a relação da
concentração do agente em equilíbrio nas duas fases:
sangue/gás. Agentes com coeficiente sangue/gás baixos FÁRMACOS ESPECÍFICOS
produzem indução e recuperação rápidas. Por outro lado,
agentes com coeficiente sangue/gás altos produzem indução e Tiopental. Anestésico intravenoso mais utilizado. Sua alta
recuperação lenta. lipossolubilidade explica seu efeito rápido e transitório, além
de sua redistribuição (a responsável pelo fim de sua função).
Tal redistribuição gera a “ressaca” de longa duração. Além
FÁRMACOS ESPECÍFICOS disso, doses intravenosas repetidas causam períodos
progressivamente mais longos de anestesia, pois o platô na
Óxido nitroso. Analgésico eficaz (usado, p. ex., para reduzir concentração sangüínea torna-se progressivamente mais
a dor no trabalho de parto) mas anestésico fraco. Sua baixa elevado quanto mais o fármaco acumula-se no corpo. Por essa
potência faz com que raramente seja usado isoladamente. razão o tiopental não é usado para manter anestesia cirúrgica.
Normalmente usa-se combinado como adjuvante dos O tiopental liga-se à albumina (70% do conteúdo
anestésico voláteis. Possui uma rápida indução/recuperação e sangüíneo), sendo a fração ligada menor em estados de
não causa efeito adverso sobre sistema respiratório. desnutrição, doença hepática e renal e em pacientes com
qualquer fator que ocasione hipoalbuminemia, o que interfere
Halotano. É o agente de escolha em crianças. Não é na dose necessária para induzir anestesia.
analgésico, sendo, porém, um potente anestésico. Como leva É um hipotensor leve e causa broncoespasmo. As suas
a um relaxamento na musculatura uterina, não é usado em ações sobre SNC são semelhantes às dos anestésicos
trabalho de parto. Não é irritante e a indução/recuperação são inalatórios, embora não cause analgesia.
relativamente rápidas. A concentração administrada deve ser
cuidadosamente calculada a fim de evitar falência respiratória Quetamina. Ou Ketamina, possui efeito mais lento que o do
e cardiovascular. Mesmo em concentrações normais o tiopental, causando uma anestesia dissociativa, na qual o
halotano causa queda da P.A. (devido à depressão miocárdica paciente parece estar acordado, não perdendo inteiramente a
e vasodilatação) e arritmias. Dois efeitos adversos raros, mas consciência, mas ocorrendo analgesia, perda sensorial,
preocupantes, do uso desse agente são a necrose hepática e amnésia e paralisia dos movimentos. Igualmente diferente de
hipertermia maligna. outros anestésicos, causa aumento da pressão arterial e do
débito cardíaco. O sistema respiratório não é afetado. Sua
Metoxiflurano. Mais potente anestésico inalatório. principal desvantagem é a ocorrência de alucinações e de
Nefrotoxicidade pelo fluoreto. Portanto, pouco usado na comportamentos irracionais no paciente em recuperação. Tais
prática atual. Usado em obstetrícia por não relaxar o útero. efeitos são menos marcantes em crianças (é mais usada em
procedimentos curtos em crianças).
Enflurano. Alternativa ao metoxiflurano, pois gera pequena
concentração de fluoreto. Menos potente que o halotano, mas Etomidato. É preferível ao tiopental pela maior margem entre
com indução e recuperação mais rápidas. Pode causar a dose anestésica e a dose necessária para produzir depressão
convulsão durante a indução ou após a recuperação, além de respiratória ou cardíaca. Além disso, também é metabolizado
haver risco, em comum com outros agentes halotanos, de mais rapidamente, produzindo uma “ressaca” menor. Sua
desencadear hipertermia maligna. utilização prolongada pode causar supressão adrenocortical.

Isoflurano. Anestésico volátil mais utilizado e recente. É Propofol. É um sedativo/hipnótico usado na indução ou
pouco tóxico e sem o efeito convulsivo do enflurano. manutenção da anestesia (sem a necessidade de um agente
Hipotensor e vasodilatador coronariano, pode causar, inalatório). Tem o metabolismo muito rápido, não havendo
paradoxalmente, isquemia miocárdica em pacientes com “ressaca”. Muito usado em cirurgias ambulatoriais.
doenças coronarianas.

Referências
Rang, H. P. et al.: Pharmacology. 5th ed., Churchill Livingstone,
2004 (trad. pt. São Paulo, Elsevier Editora Ltda., 2004).

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