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Um livro fácil de ler. Um filme linear, com vilões e heróis bem estereotipados. Uma história
ferozmente anticatólica. Uma trama repleta de erros e absurdos propostos como “verídicos”.
Uma gigantesca campanha publicitária. A ignorância histórica, religiosa, artística e cultural
de muitas pessoas. Esses são os ingredientes do “fenômeno Da Vinci”.
O livro é um best-seller norte-americano que alcançou enorme difusão graças a um marketing bem
conduzido e aos pesados investimentos que nele foram feitos.
O filme, que estréia em 19 de maio de 2006 no mundo todo, é uma superprodução baseada no livro e que
conserva os seus principais pontos.
O livro:
O livro foi alvo de extraordinários e custosos esforços publicitários – a frase não é exagerada – que
incluíram:
– Difusão privilegiada da obra nas livrarias (as vendas já ultrapassam a casa dos 40 milhões de
exemplares e Dan Brown já embolsou 250 milhões de dólares).
– Promoção de novas rotas turísticas que passam pelos lugares citados no livro. Em Paris, um passeio
monitorado pode custar até 100 euros.
O filme:
– Segundo as revistas especializadas, a Sony pagou cinco milhões de dólares pelos direitos da história,
mais uma quantia adicional desconhecida a ser paga após a estréia do filme.
– Assim como o livro, o filme conta também com ampla e potente promoção publicitária, tendo em vista
os filmes que futuramente poderão ser feitos a partir de outras obras de Brown.
– As filmagens começaram em Paris a dia 29 de junho de 2005, prosseguiram em Londres, nos estúdios
Shepperton, e em diversos outros lugares da Europa. Segundo diversas fontes, a abadia de Westminister
não permitiu filmagens no seu interior por considerar que o texto que serve de base para o roteiro é
“teologicamente ridículo”. O mesmo foi feito pelas igrejas parisienses de São Sulpício e Nossa Senhora
das Graças. Nenhuma catedral, católica ou protestante, permitiu rodagens nas suas instalações.
– Um dos elementos dessa operação comercial em larga escala – que espera obter uma arrecadação
astronômica – é gerar uma conveniente polêmica religiosa. Quanto mais se fale e se discuta sobre o filme,
mais publicidade gratuita ele ganhará. “Se você quer que falem do seu filme” – afirmava Baran,
encarregado de relações públicas de vários filmes escandalosos – “deve permitir que se diga de tudo”.
– Mas nem toda a controvérsia é útil: especialmente se for uma controvérsia que mostre como O Código
Da Vinci é radicalmente anticristão e, particularmente, anticatólico.
– O ideal da promoção seria criar um clima de expectativa, de “filme que é preciso ver”, apresentando o
produto como “moderado”, e assim poder “fisgar” os católicos mais desavisados.
– Com seus ataques ao catolicismo, Dan Brown provocou muitas e intensas reações de repúdio, e os
promotores do filme parecem estar bem conscientes disso. Por isso, o que é preciso fazer perante certos
setores da opinião pública é “maquiar” o tom agressivamente anticatólico, tentando fazer cair no
esquecimento a agressão à sensibilidade religiosa de milhões de pessoas que o livro cometeu.
– Trata-se de uma estratégia difícil, pois os produtores da Sony não deram a menor atenção aos pedidos
de diversas organizações cristãs para que o roteiro respeitasse a história real do cristianismo e a boa fama
de diversas instituições da Igreja.
– Pelo contrário: “A minha maior preocupação” – disse Geoffrey Ammer, presidente de marketing da
Sony Pictures – “é que o filme seja interessante, e tão fiel ao livro quanto possível”.
– Segundo Barbara Nicolosi, diretora de uma organização de cristãos em Hollywood, eles estão tentando
fazer com que o mesmo público de A Paixão de Cristo, de Mel Gibson, passe pelas catracas para assistir a
O código Da Vinci.
– Nesse sentido, os diretores da companhia de relações públicas Grace Hill Media também parecem estar
seguindo o procedimento habitual: oferecer sessões prévias exclusivas para representantes de
organizações cristãs, solicitando-lhes uma “assessoria” (assessoria de efeito nulo), a fim de evitar
controvérsias que, nessa primeira fase de promoção comercial, prejudicariam a estratégia de divulgação.
– Trata-se de dar a impressão (e nada mais do que isso) de que os realizadores “estão dispostos a ouvir”.
Há muito dinheiro em jogo: segundo a revista Forbes, o orçamento do filme foi de 100 milhões de dólares
e espera-se uma arrecadação total de 450 milhões.
– No trailler, aparecem frases-isca do tipo: “Não importa o que você tenha lido, não importa no que você
acredita: a viagem está apenas começando”; “O que aconteceria se as obras de arte mais importantes
escondessem um segredo capaz de mudar para sempre a História da Humanidade?”.
– Isso explicaria porque John Calley, co-produtor do filme, chegou a apresentar O Código Da Vinci como
uma obra “moderadamente anti-católica”(!), e a fazer afirmações do tipo: “Como livro de História, é
extraordinário. E como exploração da evolução de uma religião em concreto, também o é”.
– A data de estréia do filme já estava prevista desde agosto de 2005: será no dia 19 de maio de 2006.
– Segundo informes publicitários, John Calley firmou um polpudo acordo com os representantes de Dan
Brown, ficando acertada a contratação Ron Howard, Brian Grazer e Goulds para a execução do projeto
cinematográfico.
– Em algumas páginas da Internet aparecem sinopses do filme que citam nomes de pessoas e de
instituições da Igreja apenas para fins comerciais. Um exemplo: “O curador do Louvre é assassinado, mas
antes de morrer deixa para a sua neta uma série de pistas que a levarão ao Santo Graal, a fim de evitar que
caia nas mãos do Opus Dei”.
– Explícita e fortemente anticatólica. É precisamente essa postura que explica, em grande parte, o sucesso
comercial do livro.
– Brown afirma que toda a História do Cristianismo foi manipulada e “escrita pelos vencedores”;
concretamente, pelo “partido de Pedro” (São Pedro), que eliminou o “feminino sagrado” da mensagem de
Jesus.
– Para demonstrar a sua tese, o autor manipula a História e a mensagem de Jesus Cristo.
– O código da Vinci não é um romance histórico, já que não se baseia na História nem em fatos
documentados: Brown vai inventando fatos, imaginando teorias e desfigurando os dados ao sabor das
teses que mais lhe convêm ou que pretende defender em cada momento.
– Mistura acontecimentos imaginados com outros parcialmente reais e apresenta o resultado como sendo
verídico, fruto de “sérias pesquisas históricas”.
– Não houve nenhum crítico literário de prestígio que avaliasse positivamente o livro. A crítica culta foi
demolidora para com esse produto.
– O autor afirma – sem dados – que durante vinte séculos a Igreja Católica enganou toda a Humanidade a
respeito de Cristo.
– Apenas os membros de uma influente ordem secreta fundada em 1099 – o Priorado de Sião – conhecem
a verdadeira história de Cristo. Brown afirma que diversos gênios da humanidade foram membros do
Priorado, entre eles Leonardo Da Vinci, que deixou nas suas obras a chave para a descoberta do segredo.
(O único problema é que o Priorado de Sião foi, na verdade, fundado por Pierre Plantard e mais três
companheiros na França a 20 de julho de 1956, séculos depois da morte de Da Vinci e dos outros
supostos membros da seita. Para dar autenticidade às suas teses, Plantard e seus companheiros redigiram
dois “pergaminhos” codificados. Estes pergaminhos serviriam, juntamente com uma resenha de
documentos forjados depositada na Biblioteca Nacional de Paris entre 1964 e 1977 – que inclui os
famosos Dossiês Secretos–, para tentar legitimar Plantard como descendente merovíngio e herdeiro do
trono de França. Pierre Plantard confessou a sua fraude perante a Justiça Francesa em 1993).
– Jesus não é Deus. É um simples homem, que foi proclamado Deus, por votação, no Concílio de Nicéia
(325 d.C.).
– Jesus teve uma mulher: Maria Madalena (que, segundo o autor, não foi uma pecadora: isso teria sido
uma invenção da Igreja Católica).
– O Santo Graal seria Maria Madalena e não o cálice usado por Cristo na Última Ceia. A expressão “santo
graal” teria a sua origem na expressão francesa sang real, “sangue real”.
– Jesus e Maria Madalena representavam a dualidade masculino-femenina (como Marte e Vênus, Ísis e
Osíris).
– Afirma (sem nenhum tipo de prova: nunca cita os Evangelhos) que há evidências “reais” dessa adoração
do feminino por parte dos primeiros cristãos. Dan Brown proclama que, graças ao seu livro, o mundo
inteiro finalmente começa a descobrir a verdade sobre Jesus Cristo, que foi o primeiro feminista (!).
– Começa com um assassinato. A vítima, um curador do Louvre, deixa as pistas do “Grande Segredo”.
– O simpaticíssimo casal formado por um professor americano e uma bela jovem francesa vai
descobrindo as pistas do Grande Segredo, contrariando os interesses do arquivilão da história: a Igreja
Católica e, dentro dela, o odioso e perverso assassino Silas (um albino, monge numerário do Opus Dei).
– No final, os dois descobrem – rapidamente, é claro – que a bela francesa é uma descendente direta de
Jesus, que Jesus se casara com... Maria Madalena, e que a linhagem se foi misturando, ao longo dos
séculos, com... os merovíngios (!).
– A história termina com a descoberta dos restos de Maria Madalena, enterrados precisamente embaixo da
pirâmide do Louvre, no coração de Paris.
– O livro mistura fontes conhecidas: a literatura New Age, a literatura fantástica, o livro O Enigma
Sagrado (que também “casa” Jesus com Maria Madalena), etc.
– As teorias do “Sagrado Feminino” de Margaret Starbird aparecem mescladas com outras teorias
gnósticas.
10. O autor fundamenta rigorosamente o que afirma, ou pelo menos cita algum estudo científico?
– Não cita nenhum estudo sério: nem científico, nem histórico, nem teológico.
– Tampouco cita fontes dignas de crédito. Suas afirmações contundentes não têm qualquer base histórica:
de nenhum tipo.
11. Então por que o livro teve tanto êxito junto ao grande público?
– O autor consegue fazer com que os leitores – que na grande maioria sabem pouco de História –
acreditem que ele está contando a verdadeira história do cristianismo.
– Para que acreditem, oferece uma mistura de: poucos dados verdadeiros, alguns dados em parte
verdadeiros e em parte falsos, e outros dados completamente falsos e inventados.
– Por fim, apresenta essa mescla como sendo a História “unanimemente aceita” por todos os historiadores
(que não cita, como é óbvio).
– Toda a leitura do livro baseia-se nessa confusão, tirando proveito da ignorância de numerosos leitores
em assuntos históricos e religiosos.
– O livro pretende ser mais do que uma obra de ficção, pretende ser uma fonte de conhecimentos
históricos. Logo no começo do livro, o autor afirma: “Todas as descrições de obras de arte, arquitetura,
documentos e rituais secretos descritos neste romance correspondem rigorosamente à realidade”.
– Parte do seu êxito talvez se deva a uma insinuação que faz – sempre muito dissimulada – no sentido de
que o uso libertário e desordenado do sexo é algo místico e elevado.
– Do ponto de vista literário, histórico, etc... não vale nada mesmo. E são muitos os críticos e leitores que
dizem isso.
– No entanto, “atrai” um amplo universo de leitores, porque reflete nas suas páginas o estado mental de
dúvida em que vivem. Dan Brown sabe oferecer-lhes um menu de raciocínios bem simples e acessíveis,
que lhes permitem fingir altas especulações.
– Aos poucos, conforme a trama se desenvolve, procura convencer o leitor de que, se duvidar da sua fé
(sobretudo se for a fé católica) e acreditar no que o autor lhe diz, acabará descobrindo os grandes
segredos que a Igreja ocultou durante muitos séculos.
– O estilo de vida que Brown propõe aos seus leitores – sobretudo leitoras, já que o livro se dirige
especialmente ao público feminino – é politicamente correto e muito de acordo com uma certa
mentalidade atual: não se trata de livrar-se de Jesus, mas simplesmente de “reinventá-lo”.
– Uma das suas grandes propostas é a de que é preciso libertar-se da moral que a Igreja Católica ensina.
(É curioso: as outras igrejas cristãs parecem não existir...)
13. Como se estabelece, no caso do Código, o chamado “pacto entre o livro e o leitor”?
– Uma pessoa medianamente culta não consegue estabelecer nenhum pacto de leitura com um livro como
esse: não pode aceitar que o autor invente uma História à sua maneira, para depois tirar conclusões
“históricas”, por mais interessantes que sejam. Isso é caçoar da História.
– Além disso, o livro está repleto de erros históricos, geográficos, culturais, artísticos e de muitos outros
tipos. Mas para uma grande massa de leitores isso não tem a menor importância, pois desconhecem
grande parte da História e da Geografia, e ignoram também muitos aspectos da sua própria cultura.
– O livro alimenta o leitor com preconceitos anticatólicos, dando-lhe assim uma reconfortante sensação
de superioridade: reforça os preconceitos que já tem e o induz a achar que, quanto mais duvide, mais
sábio será..., contanto que acredite piamente no que Dan Brown diz (e só porque é Dan Brown quem o
diz).
14. Quais são os outros pontos do livro que podem ter ajudado nas vendas?
– O texto fomenta o receio perante as religiões em geral, em sintonia com a atual “cultura da suspeita e da
denúncia”. A proposta é a seguinte: se uma instituição qualquer se apresenta como boa e parece dedicar-
se a fazer o bem, então necessariamente deve ser má; vejamos o que há por trás dela, descubramos toda a
corrupção que está escondendo, porque não tem outra saída senão encobrir.
– É um livro fácil de ler: tem 105 capítulos curtos, com se fossem cenas prontas para serem adaptadas ao
cinema.
– Tanto a ambientação como a trama são elementares: é isso o que a grande massa de leitores quer.
– O pior dos maus – o super-perverso, a besta negra – é Silas, um monge numerário do Opus Dei (não
existem monges no Opus Dei, mas Brown parece não ligar para isso, dado o seu habitual desinteresse
pela exatidão e pela verdade).
– Silas é um albino com olhos avermelhados e com um passado sujo: seu pai era um bem-nutrido
estivador que lhe batia quando era pequeno; como era de prever com o passar dos anos, Silas um dia
torceu o pescoço de um estivador que lhe lembrava o pai, e por isso foi parar numa cadeia... em Andorra.
– Saiu da cadeia graças a um oportuno terremoto (em Andorra!), e depois ficou vagando pelo mundo.
Mais tarde tornou-se bom, e depois mau, e recomeçou a matar, matar e matar...
15. Que conclusões o leitor é induzido a tirar sobre a Igreja Católica depois de ler o livro?
Muitos leitores que não conhecem a verdadeira História da Igreja podem vir a tirar as seguintes
conclusões:
– Todos os homens lúcidos da História não crêem no que as suas respectivas religiões lhes ensinam.
– A pérfida e hipermalvada Igreja Católica – a quem o autor atribui milhares de crimes de todo tipo – está
totalmente corrompida, como aliás esteve desde o princípio.
– A Igreja Católica é uma grande assassina – afirma o livro –, que matou incessantemente para ocultar as
suas origens.
– A Igreja Católica é um grande aparelho histórico de repressão antifeminista: não passa de uma
montagem do Imperador Constantino.
– O romance não teria muita importância se não fosse pelo barulho que provocou, graças à poderosa
campanha comercial e publicitária criada em torno dele. Também ficou claro que há muitas pessoas que
se interessam por Jesus Cristo, pelos primeiros cristãos, pela Igreja, pelo sentido da vida, etc.
– Esse fenômeno manifesta de forma patente a grande ignorância religiosa de um grande número de
cristãos, fruto de décadas de catequese muito deficiente.
– Até agora, muitos católicos – os que vão à Missa regularmente, por exemplo – tendiam a pensar que
seus contemporâneos sabiam pelo menos alguma coisa do Evangelho, apesar de esse tema nunca (ou
quase nunca) ser citado nos meios de comunicação.
– Mas como poderiam saber? Ressoa aqui o eco das palavras de São Paulo: ninguém pode conhecer a
Cristo se não houver alguém que lhe fale de Cristo.
– É justamente por causa dessa ignorância generalizada que muitas pessoas hoje em dia aceitam – de um
modo ou de outro – inverdades históricas, artísticas, religiosas e culturais do tipo das propaladas por Dan
Brown, e que servem de base para o filme.
– Para todos os que amam a verdade – e de modo especial para os cristãos –, esse livro mostra como é
grave e urgente a necessidade de que as verdades históricas e as verdades da fé sejam transmitidas de uma
forma amena, simples e atraente (a mesma que usou Brown para transmitir o seu pobre conteúdo).
– Este episódio todo recorda aos cristãos qual deve ser uma das prioridades na Nova Evangelização: falar
de Cristo e da mensagem evangélica de um modo compreensível para todos, com uma doutrina
solidamente fundamentada na História e na Teologia, e sem supor que já saibam muita coisa.
Clique aqui para fazer o download da apresentação "Perguntas e Respostas sobre O Código da
Vinci".
José Miguel Cejas
Doutor em Jornalismo e Ciências da Informação. É autor de diversas biografias em língua
espanhola. No Brasil, a Quadrante editou o seu livro “Os santos, pedras de escândalo”.