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O Mal, o Totalitarismo e a Revolução

Alguma vez você certamente se deparou com o problema do mal, desde a


morte de um bichinho de estimação até a perda de um parente, ou quem
sabe problemas financeiros, depressão e por aí vai. A lista é quase infinita.
Às vezes podemos até nos perguntar que se algo é possível de acontecer
isso poderá de fato acontecer, e esse é o problema do mal, ele é uma
POSSIBILIDADE. Neste ensaio tentei sintetizar o conceito de mal em
pensadores importantes da história da filosofia, claro que embora tenha
sido abrangente o enfoque será o conceito de Banalidade do Mal da
autora alemã e judaica Hannah Arendt. Esse é um tema controverso e não
há unanimidade, porém certas noções relativas ao terror na primeira
metade do século XX haja concordâncias. Pascal Bernardin em sua obra
Maquiavel Pedagogo, nos fala de uma experiência que explora a ideia de
autoridade, e pela minha percepção isso favorece a teoria de Hannah
Arendt quanto a Banalidade do MAL. Mas antes de investigar mais
pontualmente o pensamento da autora consideremos a oposição do
filósofo alemão Eric Voegelim:

Este autor nos fala sobre uma tal fé metastática, um conceito que alude a
conteúdos metafísicos esvaziado de Deus.

Para o gnósticos, diria Voegelin, o universo é hostil e isso combina com o


espírito dos revolucionários do sec XX. Não vou entrar no mérito se isso é
ou não realidade. Sou a favor do ponto de vista de C S Lewis que dizia ser
o mundo *Agridoce (amargo e doce)* e que isso se relaciona intimamente
com o tempo. Mas no gnosticismo como um todo, mesmo considerando
as diferenças, existe um suposto modo de superar essa limitação que o
mundo nos impõe. Há neste caso uma esfera de *pensamento mágico*,
daí se percebe parte das motivações que levaram esse grupo a distanciar
de Platão.

Agora mesmo estava a assistir alguns vídeos de garotas que se envolveram


com *Goecia* (o uivo da feitiçaria), que inclusive me remete a um outro
pensamento curioso, o de que Bruxas nada tem a ver com demônios, esse
discurso bonitinho não representa de modo algum uma realidade na
esfera mística sem os limites politicamente corretos ao que parece, no
mundo moderno. Obviamente existe nesse genes cultural uma revolta
para com o movimento que queimava mulheres por acreditarem que
aquele chazinho da tarde era macumba encapetada. No entanto o que se
representa como pensamento mágico na esfera do ocultismo, vide
*Teosofia*, é que em Deus o bem e mal estão presentes numa tal suposta
esfera de luta amorosa. Esse conceito é famoso na história da filosofia,
embora se constate que os movimentos esotéricos são secundários
quando o tema é plausibilidade do pensamento ocidental. O fato é que
através disso temos uma tentativa de superar tanto a conceituação
Plotiniana de mal como um NÃO SER que a tradição cristã seguiu
mediante as correções agostinianas em relação a Plotino, quanto de um
pretenso dualismo zoroastriano donde deriva-se a ideia de uma divindade
e uma antidivindade, sendo a primeira limitada pela segunda, o que nos
faz concluir que Zaratustra ou a adaptação que fizeram de sua religião não
elimina o monoteísmo. Assim, seja substância ou não, o mal na tradição
teosófica está contido em Deus.

Obviamente acho essa interpretação não só *Inadequada* quanto


suspeita, mas ainda que repudiada no campo teológico, como o foi o
zoroastrismo, pode-se discuti-la no campo da filosofia, já que filosofia esta
igual "PT", aceita tudo, rsrsrs.

Mas a concordância que Voegelin vê entre Gnosticismo pós cristão e a


mentalidade revolucionária é a de que ambos se revoltam com a atual
estrutura da realidade, e que pior são *Inimigos da Realidade*. Por certo
devemos fazer diferença entre a inimizade contra a Realidade e a
inimizade contra a Igreja católica, infelizmente, por se mostrar de certo
modo avesso a reforma protestante, ainda que fosse protestante,
Voegelin foi adaptado ao pensamento católico moderno, como se
favorecesse o discurso centralista de Roma. No entanto a esfera do
transcendente deve transcender inclusive as máximas católicas, pois eles
não podem monopolizar nem Deus, nem a Realidade e sequer a própria
Igreja, como que se tivessem o poder de definir que é joio e quem é trigo.
Com isso não estou a relativizar a verdade, mas simplesmente dizendo
que instituições não podem expressar toda a verdade, ainda mais quando
estamos falando de verdades tão superiores.
Veja que o nosso amigo alemão não está tão equivocado como poderia
parecer a um primeiro lance de avaliação histórica:

Os gnósticos estão insatisfeitos com o mundo, onde as pessoas, por conta


de uma má liderança, estão alienadas em IDEOLOGIA (religião,
carnalidade, etc). Fato é que, ambos Revolucionários e Gnósticos
acreditam na mudança da *Natureza Humana*.

Por mais que os tais iluminados, a elite que está no verdadeiro caminho da
ascese admitissem o elemento metafísico, já que corroboravam na
necessidade de mudança. A metafísica revolucionária trata as coisas
também com esses valores cúlticos.

Alguns até questionaram Voegelin em relação a inadequação do conceito


de Religião Política, já que religião abrange uma série de coisas. Mas o
fato é que o apontamento não é inadequado só porque o nome da coisa
deflagrada não a representa perfeitamente.

*É mudança de ordem, mas também mudança de ser. E esse é o ponto,


uma revolta contra tudo.*

Salvação pelo valor imanente, pois quem possui a centelha divina é o


homem, e este é igual ou superior ao artífice, dependendo da narrativa, as
inversões que já havia destacado antes, parecem ser bem representativas
na visão de mundo desses grupos. Revolucionários e gnósticos abraçam a
inversão justamente porque não concordam com a realidade.

*Divindade:*

Deus - demiurgo.

*Corpo:*

Templo - Prisão.

*Sabedoria:*

Criação - Criadora.

*Homem:*

Inferior aos deuses - superior.


*Serpente: *

Engana - Fala a verdade.

*Criação: *

Boa - Má

Certamente não posso ser muito radical nessas inversões, pois isso
também aparece sutilmente com certa igualdade nos variados
movimentos religiosos do primeiro século. Tanto o gnóstico como o
cristão apocalíptico se ressentem do mundo, então ambos interpretam de
diferentes modos fenômenos que os atingem diretamente. Mas aqui
embora as mentalidades se pareçam, por causa de diferenças de
interpretação metafísica elas se destinavam a separar-se desde o inicio.

A mentalidade revolucionária é reducionista, e embora ela tente legar


sofisticação no discurso não pode rejeitar esse simplismo na prática.
Perceba que a relação entre revolucionários e gnóstico, digo, os que se
reconheciam como rebelados perante esta realidade, era seu espírito, ou
*disposição mental*. Pois como já foi dito o problema das coisas não é o
nome dessas coisas, porque o discurso, as narrativas, muda, a real
dificuldade que temos é com a coisa mesmo, tanto em sua essência
quanto em sua acidentalidade.

Não era Trotsky que conclamava uma reforma da própria natureza dos
soviéticos? E isso não é deflagradamente similar ao espírito de alguns
gnósticos?

Sobre isso Olavo de Carvalho nos diz que:

"Eric Voegelin usava o termo *"fé metastática"* para designar a crença ou


esperança numa repentina transfiguração da estrutura da realidade e na
subsequente emergência de uma ordem paradisíaca. A expectativa dessa
transformação perpassa toda a literatura revolucionária desde o século
XVI. Com o tempo, acabou por se tornar uma figura de pensamento
incorporada de tal modo nos usos populares, que a ela se pode recorrer
com relativa certeza do efeito psicológico, a despeito do fracasso de todas
as transfigurações anteriores."
Donde se deriva daí, simbolismo demagógico como a defesa da
democracia, mas que em toda a sua ação é uma inversão disto negando
sua eficácia. O sim vira não, o bem vira mal e no final, à luz desta inversão
temos que lutar contra a distorção que as seitas políticas fazem do Óbvio.
Daí se deriva o conceito Voegeliano de amputação do transcendente, que
canalizou o fervor religioso para a política.

Então a pergunta que te faço é, será possível superar esse sintomas


porquanto representem uma igualdade essencial, ainda que não sejam
similares nominalmente?

HANNAH ARENDT E A BANALIDADE DO MAL (VEJAM O FILME)

Na unidade de sua obra Hannah Arendt nos fala da Exploração


sistemática da solidão organizada das massas que nada mais é do que a
Banalização do terror e a perda da faculdade Crítica. Um processo massivo de
despersonalização. Ela constantemente nos fala da importância da Liberdade
na esfera da Ação humana. Essa é na verdade uma clara contribuição ao
pensamento liberal, no sentido em que reconhece a idiossincrasia dos
indivíduos e o valor da liberdade quanto a tais relações. Embora veja um
respaldo da revolução industrial nos poderes totalitários

Para Arendt, as esferas da atividade humana se dividem da seguinte maneira:


Labor: Atividade mantenedora na busca pela sobrevivência. Assim como os
animais nós temos o horizonte de necessidades biológicas e puramente
naturais.

Trabalho (Obra): Atividade produtora de ferramentas e artifícios humanos, não


vinculados necessariamente à natureza.

Ação: Atividade Plural, lugar de Liberdade, da história onde não há mediações


de coisas materiais.

Na antiguidade havia certo desprezo pelo trabalho manual, já na modernidade


o que há é um louvor, e isso pode ter uma explicação também no que concerne
à massificação da mistura que há entre público e privado, assim sociedade civil
em termos econômicos deveria estar desvinculada do Estado. Mas o homem
por sua natureza racional, é fonte de ações criativas por livre iniciativa e isso
não meramente no livre mercado, mas na esfera pública. Assim existem
homens (no Plural) e não o Homem (no singular), pois estamos na esfera da
ação humana que se dá por pluralidade. Na verdade são sempre os indivíduos
que agem e essa ação no ambiente público se torna interação. Sendo, pois que
Ação implica iniciativa, início e o novo, Arendt vê na atividade Política o agir por
excelência onde a natalidade é a categoria central do pensar político. A ação
não só cria, mas também conserva as suas estruturas em termos de organismo
político e instituições, dando espaço para o novo, mas valorando a história. Já a
verdade, segundo a autora, não estaria ligada efetivamente numa vida
contemplativa, mas na verdade deve aparecer na vida pública, como fenômeno
que é visto e recebido no lugar da interação (imagino que aqui haja uma
diferença que ela tenha considerado entre fato como o fenômeno e valor
contemplação).

Podemos dizer, portanto, que política para Hannah Arendt é a capacidade que
os homens têm de agir em CONJUNTO mesmo diante da pluralidade de ideias e
valores.

Arendt também escreve sobre as revoluções, principalmente a revolução


francesa e a Revolução americana. Seu intuito é mostrar suas diferenças e
semelhanças. Assim ela fala da possibilidade iminente do afastamento dos
ideais revolucionários (daquilo que é novo) que em seu inicio produziam uma
inspiração concreta de seus ideais libertários, mas que gradativamente vão se
afastando desses valores iniciais em nome da pura arbitrariedade. Podemos
aqui fazer referência de um abuso da razão, onde os homens pensam estar
fazendo o bem por acreditar que obteriam a capacidade de calcular o caminho
para um mundo utópico. Mas esses valores racionais se transformam em
distopia como que um zombar da realidade perante a razão. Os revolucionários
franceses se afastaram de seus ideais logo no início de suas pretensões
baseando suas atividades no terror desenfreado, num banho de sangue sem
fim. Já a Revolução americana teve maior êxito, porém segundo a autora, tal
intento também teria sido corrompido, perdendo assim aquele ímpeto inicial
pelo puro desgaste.

A partir dessas ideias iniciais cabe relatar aqui o que ocorreu quando a
pensadora foi investigar o tramite do julgamento de Eichmann por ocasião do
envolvimento deste com o Nazismo. Todo o processo ocorreu em Jerusalém na
primeira metade da década de sessenta. Eichmann em via de se salvar das
acusações apelava para a desculpa de que só estava seguindo ordens e nada
mais, apelando inclusive para o pensamento Kantiano quando a obediência
perante autoridades formais. Por ocasião de uma oportunidade de escrever
artigos deste tema a revista The New Yorker, a pensadora foi a Jerusalém
acompanhar o caso e a impressão que ela teve sobre isso foi exatamente a
seguinte: Eichmann era um palhaço de tão comum, homem que se mostrou
cumpridor zeloso de seus deveres, mas com um senso moral completamente
embotado. Eis aí o inicio de suas conceituações a respeito da banalidade do
mal. Eichmann não era um demônio, mas um indivíduo comum, um burocrata
eficiente. Mas as ideias da autora não foram bem recebidas, na verdade alguns
motivos devem ser esclarecidos em relação a essa recusa. Fora o fato dela não
ver o réu como um demônio facínora como a maioria, também fez uma
denúncia comprometedora onde dizia que certos círculos ou conselhos
judaicos se envolveram diretamente com o nazismo, ao ponto de colaborar
com o regime totalitário. Sabemos obviamente, que Hannah Arendt estando
certa ou errada em seu diagnóstico, estava lidando com a complexidade da
natureza humana, e mesmo não gostando da pecha de filósofa, estava
tentando entender pontualmente o fenômeno que gerou tamanha desgraça.

Mas antes de continuarmos com o diagnóstico da autora, cabe aqui fazer uma
ressalva em relação às influencias kantianas que ela teve. É até curioso dizer
isso, mas Arendt nasceu em Königsberg na Alemanha, mesma cidade em que
Kant nasceu. No entanto seu real interesse em Kant estava mais ligada a
filosofia Política relativo aos seguintes temas:

-República.

-Criação de um campo de liberdade juridicamente assegurado.

-A relação entre o Mal e a Liberdade.

Baseado neste último aspecto é que ela se depara na tese do mal radical. A
natureza humana leva o homem a fazer uso de sua faculdade do Julgar, dando-
lhe a capacidade de discernir e escolher entre o bem e o mal.

Diria Kant (parafraseando): Boa é toda a ação praticada segundo uma máxima
que é constituída de tal maneira que pode ser aplicada a qualquer ser racional.

Arendt dirá que essa moralidade desconsidera a simpatia e a inclinação de


certos indivíduos, tornando-se paradoxalmente uma maneira de se originar a
má ação onde não se possa saber se determinada lei é ou não universal, ou
seja, o que de fato possa ser correto em casos muito particulares.

Mas de qualquer modo em Kant temos aqui um imperativo categórico,


significando dizer que uma ação boa deve transcender a particularidade de
todos os egoísmos, não visando, portanto o proveito próprio. Isso vale para
todos os seres que possuam capacidade racional, caso os seres humanos não
sejam os únicos a ter essa faculdade de discernimento que também chamamos
de LIBERDADE, onde a vontade é identificada com a razão prática. Dito isto,
podemos concluir que para Kant má ação é mera ação em vista de interesses
próprios. Eis aqui o Mal Radical, aquele que condiciona a prática do bem, a
satisfação dos próprios interesses. Essa inversão que coloca o interesse pessoal
acima do imperativo categórico moral é a manifestação deste tipo de mal. Na
verdade Kant reconhece que essa é uma tendência adâmica (em termos de
espécie, não que Kant acreditasse no pecado original), ou seja, a inclinação
para o mal. Porém tal tendência não representa necessidade, ou seja, o homem
teria certo poder de escolha para praticar tal imperativo. Aqui entra a oposição
problemática na história da filosofia entre ser (fato) e dever ser (valor).
No mundo de contingencia e escassez, muitas vezes sucumbimos a
determinados “delitos”, digamos assim, porém cabe reconhecer outro
elemento neste imbróglio, uma terceira possibilidade aterradora que é a
escolha deliberada pelo mal. A teologia cristã tem muito a nos dizer, já que
atesta (em termos metafísicos) que tal coisa significaria uma espécie de pecada
contra o Espírito de Deus. Mas em Kant isso representaria escolher o mal
independente de nosso próprio proveito, ou seja, ter o mal como um fim em si
mesmo. Eis aqui o Mal Absoluto. Kant chega a conjecturar que se tal coisa
existe, ela não deve ser humana de modo algum, mas puramente diabólica.

E aqui entra Hannah Arendt novamente, ela defendia esse conceito de mal
radical, mas empregando-o por conta dos fenômenos totalitário do século XX
como mal absoluto. Porém avaliando toda conjuntura à luz do caso Eichmann,
sua conclusão foi surpreendente, o diagnóstico não era necessariamente um
mal radical, mas sim um Mal Banal. Segundo ela, esse mal é banal porque o
homem sendo homem o é devido a sua liberdade em poder escolher o mal.
Mas mais do que isso, em determinadas circunstâncias, a tendência para
escolher o mal é quase invencível. Por isso seria necessário um certo tipo de
ação política (lembrem-se que esse conceito tem suas particularidades para a
autora) que possa evitar a reprodução de mecanismos como estes. É a partir
desse raciocínio que Arendt pensa num direito do direito, e também em
impedir a reprodução de condições similares as da primeira e segunda guerra
mundial. Muitos autores incluindo Norberto Bobbio veem nisso uma das
maiores contribuições da autora em termos de pensamento político.

Assim, Arendt vê no amor pelo mundo o recurso para manter pleno e seguro o
caminho da natalidade. Esse amor é tudo aquilo que unifica ou separa os
homens para além de seu desejo natural. Lembremos que mundo é a
construção dos homens, os artifícios humanos, e a Ação a esfera Pública onde
as pessoas se comunicam como agentes falantes, fazendo uso de seus
dispositivos culturais e produzindo novos dispositivos e novos instrumentos de
ação que transformam a sociedade e também a si mesmos. Essa é uma tarefa
vinculada a cultura e é isso que representa política. O homem é homem não
meramente por sua condição biológica, ou construções artificiosas, mas porque
ele produz cultura, e por isso transcende a vida da espécie.
Como vimos acima, Arendt, vê o homem sempre no plural, pois o termo
homem no singular seria apenas um vício de filósofos, e esses filósofos desde
Platão, tem um certo ranço pela vida pública a favor da vida contemplativa.
Claro que essa é uma explicação bem peculiar, mas ela atribui a Sócrates tal
interesse que em Platão teria sido perdido, justamente por conta da morte
deste primeiro como vítima da democracia ateniense. Os homens são, filósofos
ou não, condicionados há seu tempo e espaço, tudo com que entram em
contato tornam uma condição de existência. Somos inclusive condicionados ao
que nós mesmos produzimos. Assim o mundo é uma simbiose entre o que o
homem recebe da natureza, que produz na atividade relacionada a ela e em
sua própria ação criativa. Portanto, nestes termos, o mundo comum não elide,
não elimina a pluralidade dos homens, quanto à singularidade e diferença.

Os homens agem e falam, por isso eles aparecem uns aos outros. É esse
aparecer que gera muitas perspectivas, isso quando estão dentro de uma
condição, ainda que mínima de isonomia.

Mas o mundo tem seus inimigos, e eles saem da própria sociedade como que
um efeito de implosão da democracia em sua esfera mais corrupta. Os
totalitarismos, por exemplo, destroem sistematicamente a esfera dos direitos
mediante um regime de terror. Quando um poder totalitário tem sucesso em
tornar homens em meros exemplares do núcleo de sua ideologia, mediante
propaganda e todo tipo de método de controle, é aí que se elimina a ação
Política corrompendo-a a um mero cumprimento de ordens.

Isso pode gerar aparentes paradoxos, como a criação de personalidades dóceis


e eficientes no processo burocrático a favor da uniformidade de opiniões,
representantes fieis de um tipo de massificação inumana, onde manifestam-se
igualitarismos uniformes, incapacidade de julgar até o óbvio, funcionalismo
social e histeria coletiva. Cabe notar que mesmo a economia de tais regimes
podem frutificar se diante de liberdade econômica ainda que limitada, embora
esses poderes tendam a centralização e por fim podem cair em bancarrota
antes de perderem uma batalha. O fato é que os indivíduos afetados por essas
potestades são incapazes de fazer juízos por si próprios numa junção nefasta
entre temor e moral. Essa é uma sociedade de massa, vendida, ou melhor
roubada em seu direito de ter direito.
Surgem então as Engrenagem como verdadeiros sistema burocrático onde a
banalidade que não sendo comum, passa a ser, pelo hábito, torna os homens
parte de um mecanismo. Eichmann era uma peça dessa maquinaria assassina,
poderia ser substituído por qualquer um. Ele mesmo dizia que não foi o
culpado de matar já que seguia ordens e que inclusive era substituível. Com
este conceito de Culpa coletiva Eichmann apelava para o direito individual.

Mas esse é o ponto que Hannah Arent destaca, o sujeito nunca refletiu
seriamente a respeito de suas ações, simplesmente porque para ele, ter um
embasamento burocrático e jurídico, visto que não era crime matar judeus na
Alemanha Nazista era o que precisava para cumprir ordens e decretos.

É assim que surgem os homens bondosos que vão à Igreja no domingo, ou


quem sabe ao sindicato rsrs, eles amam a sua família, fazem caridade, se
preocupam com os animaizinhos, mas são capazes de matar seis milhões de
judeus num campo de concentração. Veja que nesses campos as vítimas eram
pessoas despojadas de tudo, ao ponto de serem reconhecidos como mera
funcionalidade orgânica. Tanto o aliado como a vítima são atingidos por essa
banalidade onde, se há mal absoluto (para Arendt Radical), ele se encontra no
regime em si e não meramente no sujeito que expressa relações burocráticas
deste demônio maquinário. Perceba que o totalitarismo tem por função
eliminar a política como espaço público da ação humana em termos de
pluralidade em via da centralização arbitrária.

Certamente esse conceito de Banalidade do mal em Hannah Arendt é


impressionante, e parece fazer sentido, embora a autora tenha sido muito
criticada a época. Alguns disseram similarmente a Karl Jaspers, que esse era um
tipo de mal, mas não o definitivo ,ou único. Mas segundo a ênfase da autora o
mal nasce da negação da esfera de ação plural, o salto lógico absurdo entre
isonomia e igualitarismo uniforme é a negação do direito do direito, em nome
da irracionalidade, ou seja, perde-se a capacidade de julgar por si, a favor do
paternalismo totalitário e a venda da própria responsabilidade gerando a
massificação social. Na verdade "venda" não é bem o termo correto para as
vítimas, já que ela na realidade foi literalmente roubada...

COMPROVANDO A BANALIDADE DO MAL:


Segundo Pascal Bernadin em sua Obra Maquiavel Pedagogo numa série de
experiências célebres, o professor Stanley Milgram evidenciou de maneira
espetacular o papel da submissão à autoridade no comportamento humano. O
Pesquisador repetiu suas experiências com 300 mil pessoas, experiências estas
que foram reproduzidas em numerosos países. Os resultados obtidos são
indiscutíveis. A experiência de base envolve três pessoas: o pesquisador, um
suposto aluno, que na verdade é um colaborador do pesquisador, e o
verdadeiro objeto da experiência, o professor. A experiência pretende
supostamente determinar a influência das punições no aprendizado. O
professor deve então mostrar ao suposto estudante extensas listas de palavras
e, em seguida, testar sua memória. Em caso de erro, uma punição precisa ser
imposta ao colaborador. O objeto da experiência ignora, naturalmente, o status
real do colaborador, e crê que este, como ele próprio, não tem qualquer
relação com a organização da experiência.

As punições consistem em descargas elétricas de 15 a 450 volts, as quais o


próprio professor deve acionar contra o suposto estudante, situado em uma
peça vizinha. A voltagem das descargas aumenta a cada erro cometido. O
colaborador, é claro, não recebe essas descargas, contrariamente ao que
acredita o professor - este é quem recebe, no início do experimento, uma
descarga de 45 volts, para "assegurar-se de que o gerador funciona". As
reações que o colaborador deve simular são estritamente codificadas:

A 75 volts ele começa a murmurar; a 120 volts, ele reclama; a 150 volts ele
pede que parem com a experiência e, a 285 volts, ele lança um grito de
agonia, depois se cala completamente. É assegurado ao professor que os
choques são dolorosos, mas não deixam sequelas.

O pesquisador deve zelar para que a experiência chegue a seu termo, tratando
de encorajar o professor, caso este venha a manifestar dúvidas quanto à
inocuidade da experiência ou caso deseje encerrá-la. Também esses
encorajamentos são estritamente codificados: à primeira objeção do professor,
o pesquisador lhe responde: "Queira continuar, por favor" (Ordem Suave); na
segunda vez: "A experiência exige que você continue" (Ordem Compromisso);
na terceira vez: "É absolutamente essencial que você continue" (Ordem
Legado); na quarta e última vez: "Você não tem escolha. Deve
continuar"(Ordem Arbitrária).
Se o professor persiste em suas objeções após o quarto encorajamento, a
experiência é encerrada, mas o resultado da experiência foi espantoso: mais de
60% dos professores levam-na até o final, mesmo convencidos de que estão
realmente/administrando correntes de 450 volts. Em alguns países, a taxa
chega a alcançar 85%. É preciso acrescentar que a experiência é extremamente
penosa para os professores, e que eles vivenciam uma forte pressão
psicológica, mas seguem, não obstante, até o fim. Há algo, porém, ainda mais
inquietante.

No caso de o professor limitar-se a simplesmente ler a lista de palavras (mas


sem dar os choques embora compactuando com aquilo), enquanto as
descargas são enviadas por outra pessoa, mais de 92% dos professores chegam
a concluir integralmente a experiência. Assim, uma organização cuja operação
é setorizada pode-se tornar um cego e temível mecanismo: "Esta é talvez a
lição fundamental de nosso estudo:

O comum dos mortais, realizando simplesmente seu trabalho, sem qualquer


hostilidade particular, pode-se tornar o agente de um processo de destruição
terrível".

Houve quem considerasse a hipótese de que, em tais experimentos, os


professores davam livre curso a pulsões sádicas. Mas essa hipótese é falsa. Se
o pesquisador se afasta ou deixa o local de experiência, o professor logo
diminui a voltagem das descargas. Quando podem escolher livremente a
voltagem, a maioria dos professores emite a voltagem mais baixa possível. A
autoridade do pesquisador é um fator fundamental. Se já de início o
colaborador pede que pesquisador troque de lugar consigo, encorajando em
seguida o professor a continuar a experiência, agora sobre o pesquisador, suas
recomendações não têm efeito, uma vez que ele não está investido de
qualquer autoridade.

Quando a experiência envolve dois professores, um dos quais, atuando em


colaboração com o pesquisador, abandona precocemente a experiência, em
90% dos casos o outro professor segue-lhe o exemplo.

Finalmente, e é isto o que mais chama a atenção, nenhum professor tenta


deter a experiência ou denunciar o pesquisador.
A submissão à autoridade é, portanto, muito mais profunda do que aquilo que
os percentuais acima sugerem. A contestação se mantém socialmente
aceitável. Quais conclusões se podem tirar dessa experiência inúmeras vezes
repetida? Inicialmente, que existem técnicas muito simples que permitem
modificar profundamente o comportamento de adultos normais. Em seguida,
que essas técnicas podem ser, e são, objeto de estudos científicos
aprofundados. Enfim, que seria bastante surpreendente que tais trabalhos
fossem executados por mero amor à ciência, sem qualquer aplicação prática.

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