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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
Brasília
2017
Letícia Nascimento Marques
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
Brasília
2017
CONTRAPONTO HISTÓRICO E LITERÁRIO DA VISÃO DO
ESCRAVO NO SÉCULO XIX
Letícia Nascimento Marques
RESUMO ABSTRACT
A mão de obra escrava foi amplamente utilizada no Brasil no meio agrário, na colheita
de café, cana-de-açúcar, algodão, tabaco e tudo o que trouxesse lucro, de acordo com Celso
furtado em seu livro sobre formação econômica do Brasil, o país tinha autorização de Portugal
para realizar transações diretas apenas quando se tratava de tráfico negreiro, para todos os
outros casos a abertura dos portos para as nações amigas ocorreu apenas em 1808 com a vinda
da coroa portuguesa para o Brasil, com isto nosso país aumentou consideravelmente as
relações comerciais com o Reino Unido, fazendo em 1810 um tratado onde o Reino Unido
tinha vantagens comerciais e poderiam ser julgados em solo brasileiro pelas leis do Reino
Unido.
Em 1815 o Brasil deixa de ser uma colônia portuguesa e passa a ser um reino unido a
Portugal, em 1820 com a revolução do porto a família real portuguesa que estava no Brasil
retorna a Portugal e o Brasil retorna a status de colônia portuguesa, e em 1822 ocorre a
independência do Brasil e D. Pedro I faz o dia do fico e se torna imperador.
Mas nem com tudo isso acontecendo no Brasil, a quantidade do tráfico negreiro
diminuiu, muito pelo contrário, estava cada vez mais forte, principalmente quando em 1830 o
café se tornou principal produto brasileiro, e o Brasil o maior produtor e exportador de café do
mundo, titulo que foi mantido por 130 anos. Porém as relações comerciais com o Reino
Unido fizeram com que o Brasil obedecesse a condições impostas pelo Reino Unido para
manter as relações, em 1831 uma condição imposta foi o fim do tráfico negreiro, porém com
está data coincidindo com o inicio do café, o fim do tráfico foi “para inglês ver”, ele não
ocorreu de fato, foi apenas maquiado, sendo que o fim de fato do tráfico de escravos ocorreu
em 1850, após isto vieram às leis do ventre livre, dos sexagenários e finalmente a Lei Áurea
em 1888.
Consigo os portugueses, trouxeram para o Brasil, traços e características de seus
movimentos literários – fazendo parte desses movimentos às produções separadas que não
constituíam um sistema literário – trazidas pelos Jesuítas por volta de 1954 à medida que se
instalavam escolas para o ensino da leitura e escrita aos índios.
Maria Firmina dos Reis, escritora nascida no maranhão – daí vem sua assinatura “Uma
maranhense” – no ano de 1825, destacou-se ao escrever e publicar a obra “Úrsula”, pois o fez
em um contexto social muito problemático em relação ao preconceito, tanto a raça quanto ao
gênero. Considera uma das primeiras mulheres a publicar uma obra antiescravagista, em sua
obra retrata além da história trágica de um casal, principalmente as histórias dos escravos
africanos, ela os coloca nessa obra não só como um mero personagem com pouca importância
e participações como coadjuvantes, mas os coloca no topo para expor suas visões como
escravos, seus temores, receios e esperanças.
O romance retrata uma história trágica de amor entre dois jovens, um bacharel
cujo nome era Tancredo e uma jovem simples chamada Úrsula, no primeiro capítulo já
encontramos Tulio, o escravo que teve a liberdade comprada pela gratidão, logo no
primeiro capítulo Tulio aparece salvando a vida de Tancredo e isso percorre por
alguns capítulos onde Tulio o leva para a casa de Úrsula onde a mesma mora com sua
mãe adoentada e de cama, lá eles cuidam de Tancredo que entre um delírio e outro
agradecia de todas as formas os cuidados vindos de ambos mas principalmente de
Tulio que podia tê-lo deixado a morte mas não o fez. Tamanha a gratidão, quando
melhor Tancredo deu dinheiro ao Tulio para que comprasse a própria liberdade, porém
tratada como liberdade ilusória por outra escrava muito importante dessa narrativa, a
escrava Susana. Na concepção de Susana, era inútil Tulio comprar sua liberdade se
queria servir Tancredo e segui-lo por onde fosse também por agradecimento e
companheirismo, até aqui muita coisa já aconteceu, Tancredo já se declarou para
Úrsula por quem se apaixonou enquanto esteve hospedado na casa, contou a história
de uma decepção amorosa que envolvia um caso de triangulo amoroso entre seu pai,
uma moça chamada Adelaide e ele, no qual ele a pedido de seu pai em troca da mão de
Adelaide passou anos fora de casa e quando voltou havia sido traído pelos dois, a
história parece de desenvolver de forma trágica circundando essa questão do triângulo
amoroso pois logo em seguida aparece um tio de Úrsula que até então ela desconhecia
fisicamente, o tio dela era um comendador cruel e explorador de mão de obra escrava,
matou o pai de Úrsula e deixou a mãe vivendo doente em cima de uma cama sem
nunca voltar nem para pedir perdão, depois ele aparece e se apaixona por Úrsula o que
provoca mais um triângulo amoroso entre Úrsula, Comendador e Tancredo. Toda a
história acaba em uma grande tragédia com a tentativa de Úrsula se casar com
Tancredo, o tio comendador mata Tancredo logo após a cerimônia, mata Tulio, a mãe
de Úrsula já havia morrido dias antes e com tudo isso Úrsula fica doida e morre e o tio
comandante vai à beira da loucura e morre com todo o remorso, remorso por não ter
no fim conseguido ficar com Úrsula, pois a mesma amou Tancredo até mesmo após a
morte.
Trago agora uma personagem que para a finalidade deste artigo se faz muito
importante, a escrava Susana. É através da visão dela que podemos fazer uma
comparação da abordagem da visão de uma escrava traficada para o Brasil na
literatura com a visão do único escravo a conseguir relatar sua história após fugir do
Brasil e estudar para conseguir escrever sua autobiografia.
No capítulo 9 da obra, a preta Susana relata sua viagem no navio negreiro da
África para o Brasil e como eram as condições dela e de outros escravos que estavam
sendo traficados para serem utilizados na mãos de obras. Segundo ela, o ambiente em
que ficava com mais 300 negros e escravos era extremamente inóspito, péssimas
condições de limpeza, alimentação era dada, porém da forma mais porca possível e
água suja era distribuída, porém insuficiente para todos.
1
A única comida que tivemos durante a viagem foi o milho embebido e cozido. Não posso dizer quanto tempo
ficamos confinados, mas pareceu muito tempo. Nós sofremos muito por falta de água, mas foi negado tudo o que
precisávamos. Uma cerveja ao dia foi tudo o que foi permitido, e não mais; e muitos escravos morreram sobre a
passagem. Havia um pobre homem ficando tão desesperado por falta de água, que tentou pegar uma faca do
homem branco que trouxe a água, quando foi levado no convés e nunca soube o que aconteceu com ele. Eu
suponho que ele foi jogado ao mar. (Traduzido por Letícia Nascimento Marques)
“(...) Para caber a mercadoria humana no porão fomos amarrados em pé, e, para
que não houvesse receio de revolta, acorrentados como os animais ferozes das
nossas matas, que se levam para recreio dos potentados da Europa.” (REIS,
2017, p. 72)
“(…) We were thrust into the hold of the vessel in a state of nudity, the males
being crammed on one side and the females on the other; the hold was so low
that we could not stand up, but were obliged to crouch upon the floor or sit
down; day and night were the same to us, sleep being denied as from the
confined position of our bodies, and we became desperate through suffering and
fatigue.” 2 (BAQUAQUA, 1854, p. 43)
2
Nós fomos presos no porão do navio em estado de nudez, os homens sendo abarrotados de um lado e as
mulheres do outro; o suporte era tão baixo que não conseguíamos nos levantar, mas nos obrigava a agachar-nos
no chão ou sentar-nos; O dia e a noite foram os mesmos para nós, o sono foi negado a partir da posição
confinada de nossos corpos, e nos desesperamos pelo sofrimento e fadiga. (Traduzido por Letícia Nascimento
Marques)
II. CONCLUSÃO
“(…) When any one of us became refractory, his flesh was cut with a knife, and
pepper or vinegar was rubbed in to make him peaceable(!) I suffered, and so did
the rest of us, very much from sea sickness at first, but that did not cause our
brutal owners any trouble. Our sufferings were our own, we had no one to share
our troubles, none to care for us, or even to speak a word of comfort to us. Some
were thrown overboard before breath was out of their bodies; when it was
thought any would not live, they were got rid of in that way. Only twice during
the voyage were we allowed to go on deck to wash ourselves -- once whilst at
sea, and again just before going into port.”3 (BAQUAQUA, 1854, p. 43)
Então, a obra aqui analisada além de ser uma obra literária importante para a
história da literatura Brasileira, da ao leitor uma visão holística da época da
escravatura, que não é totalmente romantizada, tendo suas partes que cumprem
independente da sua forma, o que foi proposto pelo autor para entender melhor o
3
Quando alguém se tornou refratário, sua carne foi cortada com uma faca, e a pimenta ou o vinagre foram
esfregados para torná-lo pacífico (!). Eu sofri, e também o resto de nós, muito da doença do mar no início, mas
isso não causou problemas aos nossos brutais proprietários. Nossos sofrimentos eram nossos, não tivemos
ninguém para compartilhar nossos problemas, nenhum para cuidar de nós, nem mesmo falar uma palavra de
conforto para nós. Alguns foram jogados ao mar antes que a respiração estivesse fora de seus corpos; Quando se
pensava que não viveria, eles foram eliminados dessa maneira. Apenas duas vezes durante a viagem fomos
autorizados a entrar no convés para nos lavar - uma vez, enquanto no mar e, novamente, antes de entrar no porto.
retrato histórico da realidade da época e pode ser utilizada como meio de aprendizado
para quem se interessar pelo assunto abordado e quiser pesquisar mais afundo, assim
como existem outras obras que podem servir de base não esquecendo apenas de
procurar outras fontes para confirmação da veracidade das informações.